Traidores



Capitulo 24 – Traidores


O clima era tranquilo e descontraído. Sirius se divertia à custa de Remo e de Tonks, fazendo piadas sobre o casamento de ambos. Fred e Jorge aproveitavam o humor do maroto e faziam ainda mais piadas e brincadeiras à mesa, levando aos risos até Alastor Moody.


Em poucos segundos, porém, tudo isso se desfez.


O quarteto berrou de dor e se ergueu das cadeiras, afastando-se da mesa. As faces eram contorcidas pelo sofrimento. Cambalearam até se chocarem entre si. Ainda aos gritos e entre as lágrimas que desciam pelas faces, uniram as mãos e tentaram se concentrar.


Tão rápido e inesperado como tudo começou, cessou.


O quarteto caiu sobre os próprios joelhos, ainda de mãos dadas, com os olhos fechados e a respiração ofegante. Sirius se ergueu e caminhou até eles, preocupado, e foi seguido de Tonks, Remo, Arthur e Molly.


- Vocês estão bem? – Sirius se ajoelhou ao lado de Harry, que apenas assentiu.


- O que aconteceu? – Molly colocou as mãos ternas nos ombros da filha, que parecia ser a mais sofrida.


- Tom... – sussurrou Hermione com a voz muito fraca, assustando a todos.


- O que diabos... – Rony fez uma pausa e contorceu o rosto de dor – ele fez? – completou mais devagar.


- O que deveríamos ter feito. – Harry respirou fundo e colocou a mão sobre o ombro de Sirius, tentando se erguer.


Tonks ajudou Hermione a se levantar, Arthur e Molly ajudaram os filhos e Sirius manteve Harry de pé, ao seu lado.


- O que Voldemort fez? – perguntou Remo.


- Se uniu ao Dragão dele. – Hermione respirou fundo, tentando ignorar a dor que ainda tomava sua cabeça e mente.


- Se uniu?! – Sirius olhou-a incrédulo.


- Não no sentido literal da palavra. – falou Hermione o mais rápido que pôde.


- Venham se sentar. – Molly levou Gina de volta à mesa e a sentou na cadeira.


Os outros três foram guiados ao mesmo ato. O silencio tomou a sala.


- Ele deu o troco. – gemeu Gina.


- Gina, querida, fique quieta, sim? – Molly estava muito preocupada.


- Temos que ir. Agora. – falou Harry, visivelmente melhor.


- Concordo. – Rony mal se movia, a dor no corpo era intensa.


- Ir aonde? – perguntou Molly, exasperada – Olhem só o que aconteceu com vocês. Não tem condições de sair por ai.


- Se não formos será tarde. – Hermione respirou profundamente várias vezes, tentando acalmar sua mente que fazia sua cabeça latejar.


- Tom está pronto... – começou Harry, aparentemente recuperado.


- Ele vai atacar. – falou Rony fraco, só o movimento dos músculos do rosto o fazia paralisar de dor.


- O Dragão virá atrás de nós... – gemeu Gina.


- Gina... – Harry se inclinou para a namorada que sentava ao seu lado e a envolveu em um abraço terno.


Gina respirou pesado e lentamente por longos minutos. Hermione e Rony já estavam recuperados e ela não aparentava nenhum sinal de melhora.


- Por que ela ainda está assim? – perguntou Arthur à Hermione.


- Gina é a mais forte dentre nós. – começou Hermione, também preocupada com a amiga – O impacto da energia do Tom é maior sobre ela. Cada um de nós é afetado em nossas energias e proporcional à nossa força.


- Entendi. – suspirou Arthur.


Harry soltou Gina pouco depois e lhe acariciou a face com os dedos quentes.


“Tudo bem?” – perguntou ele, mentalmente.


“Agora estou melhor. Mas nunca mais quero passar por isto. Parecia que ele havia drenado minha energia, minha essência. Senti-me vazia.” – respondeu ela, suspirando.


- Vamos? – perguntou ela em voz alta.


- Vamos. – Harry se levantou e estendeu a mão para ela.


- Aonde vão? – Molly ainda não concordava com aquilo.


- Vamos libertar nossos dragões. – Hermione começou a caminhar até a porta.


- Seus dragões? – perguntou Sirius, fitando Harry.


- Tom tem um... nós também temos. – respondeu Gina simples, tomando a mão de Harry e se levantando.


Todos os outros que estavam na cozinha permaneceram calados, em choque com o que havia acontecido. Rony seguiu Hermione, que já esperava com a porta aberta.


- Até mais tarde. – Harry tentou parecer natural, inutilmente.


Ele e Gina caminharam até Rony e Hermione. A porta se fechou quando eles saíram.


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A noite ainda escurecia o céu da Ilha Havaí, situada no Arquipélago do Havaí. As luzes da cidade próxima ao Mauna Loa brilhavam como as estrelas. O maior vulcão do mundo dormia já havia mais de uma década. Em seu topo, aos pés de sua grande fissura, uma figura alta e forte respirava profundamente. Através da escuridão da noite, os olhos da figura brilhavam como chamas incandescentes do magma que explodira do vulcão anos antes. A figura suspirou e saltou para dentro da fissura do Mauna Loa.


O brilho forte dos olhos da figura iluminavam a escuridão da fissura. A cada segundo de queda a temperatura ambiente foi se elevando, exatamente do jeito que a figura gostava. Olhou para baixo, fazendo seus cabelos negros serem jogados violentamente para o alto, e viu no fundo da fissura o lago de magma fundida.


Com um simples pensamento, todo o seu corpo se transformou. A rocha magmática cobria seu corpo, como uma pele. Não demorou muito e a figura caiu dentro do lago de magma fundida. Mal se passara um segundo e a figura emergia, sendo erguida pela lava até estar por sobre ela, ereta. Com outro simples pensamento, seu corpo voltou ao normal. A figura olhou para a frente e viu. Um par de olhos vermelhos flamejantes a encarava. Ajoelhou-se por sobre um dos joelhos e inclinou a cabeça, demonstrando total e completo respeito perante o que quer que estivesse ali com ela.


“Erga-se Anima. Tu és o fogo que arde no Herdeiro. Tu és o fogo que me mantém vivo. Erga-se, pois não és tu que deves se curvar. Se tu não vivesses, eu não viveria e é por isto que me curvo perante ti.” – uma voz quente e firme soou na mente da figura e ela ergueu-se.


O par de olhos vermelhos flamejantes abaixou-se até o nível da figura e, se aproximando, tornou visível à figura todo o seu corpo.


Era um grande dragão. Era maior que um Rabo-Córneo Húngaro e muito mais feroz fisicamente. Todo o seu corpo era revestido por escamas que lembravam rocha magmática e o magma fundido serpenteava entre elas. Em suas asas brilhavam centenas de fios de magma entre finas, mas não menos resistentes, rochas magmáticas. Sua calda surgiu acima dele, com um movimento rápido, e possuía espinhos vermelhos. Quando o dragão se endireitou sobre as patas traseiras pôde-se ver seu tronco forte e com o mesmo aspecto do resto do corpo.


“Harry Tiago Potter” – a mesma voz quente e firme soou na mente da figura – “Herdeiro da Alma de Merlim. Herdeiro do Fogo da vida que faz existir o Herdeiro Luz. Aguardo sua vinda há muito tempo.”


- Posso te ouvir em minha mente. – disse Harry, espantado, percebendo que era o dragão que falava em sua mente.


“Eis como me comunicarei contigo. Eis a nossa ligação.” – falou o dragão.


“E pode ouvir os meus pensamentos?” – perguntou Harry.


“Sim. Tu podes ouvir os meus e eu os teus.”


- Você sabe meu nome. Como devo chamá-lo? – questionou Harry.


“Eu sou o Dragão do Fogo. No entanto, atendo pela simples denominação Fuoco.” – o dragão se inclinou novamente, chegando muito próximo de Harry – “Tens medo de mim?”


- Deveria? – Harry não se moveu um centímetro, encarando os olhos vermelhos flamejantes a menos de um metro à sua frente.


“Não.” – a mandíbula de Fuoco se contraiu e Harry distinguiu aquilo como um sorriso – “Sem tu eu não vivo. Se morreres eu morrerei, compreende?”


- E se você morrer? – Harry sentiu uma pontada de medo.


“Se eu morrer e tu sobreviver, o que te liga a mim e ao Herdeiro Luz morrerá comigo. Se eu morrer tu voltarás a ser o humano que eras antes de despertar.”


- Não vou deixar você morrer. – falou Harry, firme.


Apesar de ter acabado de conhecer aquele dragão, ele sentia que o conhecia a vida inteira e sentia real afeição por ele.


“Quando for chegada à hora da Batalha. Tu não poderás me impedir de te salvar.”


- Não será necessário. – afirmou Harry e sorriu com o carinho que pôde sentir do dragão.


“Tu não sabes. Nem mesmo eu sei. Contudo... se for necessário, darei minha vida por ti. A única coisa que me faz viver és tu. Tu és a única coisa que me permite viver. Tu és o meu motivo de vida. Sem tu não vivo. Tu, ao contrario, vives sem mim. Tu tens outras coisas que te fazem viver, que te permitem viver. Outros motivos para viver.”


- Eu te protegerei. E tu me protegerás. Seremos um até o final. Não importa o que seja posto em nosso caminho, nós dois, juntos, venceremos. Até mesmo A Morte será vencida. Enquanto estivermos juntos, nada poderá nos atingir. – disse Harry, firme e com todo o carinho que pôde.


Fuoco rugiu. O magma oscilou com uma grande onda até bater na borda o lago. A aura de Harry surgiu e se expandiu ao máximo, envolvendo a ele e ao dragão.


“Como tu disseste: somos um.” – disse Fuoco.


Em sincronia, o dragão rugiu e Harry gritou. Ambos sentiram-se plenos, sentiram-se ao limite de suas capacidades, de suas energias. Sentiram-se como um.


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O sol brilhava e refletia sobre a imensidão de gelo da Antártica. Por quilômetros e mais quilômetros não havia sinal de vida humana ou animal. Exceto uma. Aos pés de uma profunda fissura no gelo, uma figura alta e esbelta fitava a escuridão da fissura em meio ao brilho do sol no gelo. A única coisa que poderia brilhar mais que o sol eram os olhos da figura, que brilhavam como a água mais pura e cristalina do planeta, como o gelo eterno que nunca há de derreter. A figura suspirou e saltou para dentro da fissura no gelo.


Através do gelo a figura conseguia ver seu reflexo, seus olhos brilhando fortes e iluminando ao seu redor. Conforme caía a temperatura do gelo tornou o ambiente muito mais frio e isto a deixou verdadeiramente feliz. Os fios de cabelo que batiam em seu rosto deixaram-na em paz quando inclinou a cabeça e visualizou o que deduziu ser o fundo da fissura.


Não precisou pensar ou mover-se para que, ao cair sobre o gelo frio e duro, a superfície gelada absorvesse seu impacto. Sentiu seus cabelos baterem em suas costas com violência e ergueu a cabeça, fitando algo que possuía certeza que estava ali. Um par de olhos azuis cristalinos fitava-a. Inclinou-se em uma longa e profunda reverencia. Sentia-se honrada por estar na presença do que ela sabia que estava ali.


 “Erga-se Energia. Tu és a água que flui através do Herdeiro. Tu és a água que me da energia. Erga-se, pois não és tu que deves se curvar. Se tu não vivesses, eu não viveria e é por isto que me curvo perante ti.” – uma voz gélida e fluente soou na mente da figura e ela ergueu-se.


O par de olhos azuis cristalinos abaixou-se até o nível da figura e, se aproximando, tornou visível à figura todo o seu corpo.


Era um grande dragão. Era maior que um Rabo-Córneo Húngaro, mas muito mais sensível fisicamente. Ele lembrava um grande dragão esculpido em um bloco de gelo. Todo o seu corpo era revestido por escamas de gelo e que davam a impressão de não sofrer nenhum atrito com a água. Em suas asas brilhavam centenas de fios de água liquida entre sensíveis e perfeitamente lisos cristais de gelo. Uma camada de ar frio foi jogada sobre a figura quando a calda do dragão passou pela lateral do corpo do mesmo, ela tinha uma leve semelhança com a calda de um tubarão. Quando o dragão se endireitou sobre as patas traseiras pôde-se ver seu tronco moldado e esculpido no gelo. Pelas formas do corpo do dragão, a figura entendeu que era um dragão fêmea, uma dragonesa.


“Ginevra Molly Weasley” – a mesma voz gélida e fluente soou na mente da figura – “Herdeira da Energia de Merlim. Herdeira da Água da energia que faz a força mágica do Herdeiro Luz. Aguardo sua vinda há muito tempo.”


- Está falando na minha cabeça. – disse Gina com um largo sorriso, percebendo que era a dragonesa que falava em sua mente.


“Eis o nosso meio de comunicação. Nossa ligação natural.” – falou a dragonesa.


“E consegue me ouvir também?” – perguntou Gina.


“Sim. Tu podes ouvir os meus e eu os teus.”


- Você me chama pelo meu nome. Mas como devo chamá-la? - Gina quis saber.


“Eu sou a Dragonesa da Água. No entanto, pode me chamar simplesmente de Acqua.” – a dragonesa bufou e Gina, que recebeu a baforada do ar extremamente condensado, achou graça e riu levemente – “Achas que sou divertida?”Acqua se aproximou de Gina, os olhos azuis cristalinos brilharam ameaçadores.


- Você é como eu, não? – Gina não se moveu e sorriu para Acqua com naturalidade, sentia que era a melhor amiga, se não a única, daquele ser.


“Sou.”Acqua soltou outra baforada de ar condensado e Gina riu novamente.


- Você gosta do dragão do Harry? – Gina sorriu marota.


Acqua urrou baixinho e Gina supôs que aquilo fosse uma risada.


“Eu estou ligada a ti. Se tu estas ligada ao Anima, eu também estou ligada ao Fuoco.”


- Anima? Fuoco? – intrigou-se Gina.


“Eis como nós, os dragões, nomeamos vós, o Herdeiro, e nós mesmos. Anima e Fuoco são, respectivamente, Harry Tiago Potter e o Dragão do Fogo.”


- Então você sente o mesmo que eu? – Gina achou interessante.


“Sim. Cada expectativa, anseio, amor, alegria, tristeza, medo. Tudo o que sentires eu também sentirei.” – o corpo de Acqua tremeu quando ela pronunciou medo e ela recuou alguns centímetros.


- Não gosta de sentir medo... como eu. – disse Gina para si mesma e, olhando no fundo dos olhos da dragonesa, continuou com um sorriso – Não vou mais sentir medo, assim você também não sentirá.


“No final, não temos total controle sobre nossos sentimentos. Principalmente sobre o medo, um dos sentimentos mais fortes dos humanos.” – enquanto falava, Acqua voltou a se aproximar de Gina.


- Há sentimentos mais fortes e é eu me apegarei a eles no final. – Gina continuou sorrindo.


“Não há como saber. Nossa força vem dos nossos sentimentos. Como a água, nós somos instáveis e voláteis. Como a água podemos ser calmas e serenas e também violentas e mortais. O medo nos fortalece, pois retiramos força do fundo da nossa essência para superá-lo e vencê-lo. No final, tu não deves te prender e se limitar a poucos sentimentos. Nós devemos sentir todos para que consigamos fazer o que precisaremos fazer.”


- Sentiremos juntas então. Se o medo nos atingir, superaremos juntas, conseguindo de dentro de nós mesmas a força necessária para vencê-lo. Estaremos juntas até o final. Não importa quais sentimentos nos tome. Bons ou ruins, fortes ou fracos, todos eles serão usados ao nosso favor porque estaremos juntas. Juntas até o fim. – disse Gina sorridente e firme.


Acqua rugiu forte. O gelo em torno tremeu e trincou. Gina sentiu e viu toda a sua aura surgir e se expandir até o seu limite, tomando seu corpo e o corpo da dragonesa.


“Como tu disseste: juntas até o fim.” – disse Acqua.


Ao mesmo tempo, a dragonesa rugiu e Gina gritou. Ambos sentiram-se superando o antigo limite, abrindo novas fronteiras para a energia que, a partir de agora, compartilhavam. Sentiram-se como uma.


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O frio congelante da noite fazia um gigantesco contraste com o calor insuportável do dia no Deserto do Atacama, no Chile. Não havia sinal de vida animal por dezenas de quilômetros. A vegetação rala do deserto era pouca no comprido planalto de areia. No centro do planalto, uma figura alta e incrivelmente forte respirava pesadamente. Através da escuridão gélida do deserto, os olhos da figura brilhavam como a mais densa floresta tropical que estava muito longe dali. Com um simples pensamento, a figura teve todo o seu corpo transformado em areia prensada e imergiu no solo, sendo engolida como se estivesse sobre areia movediça.


O brilho forte dos olhos da figura captavam apenas a areia. Com o passar dos segundos, a areia deu lugar a terra, uma terra confortável aos gostos da figura. Permaneceu descendo, a terra oscilando de cor e de textura a cada metro.


Atingiu então, uma rocha mais densa e parou por sobre ela. Pensou em se concentrar mais para poder ultrapassá-la, mas, ao olhar para frente, abandonou qualquer ideia de sair dali. Um par de olhos verdes intensos o encarava, através do solo. Inclinou-se em uma estranha reverencia, já que seu corpo se misturava ao solo em torno de si, mas perfeitamente respeitável.


“Erga-se Corpo. Tu és a terra que sustenta o Herdeiro. Tu és a terra que me fortalece. Erga-se, pois não és tu que deves se curvar. Se tu não vivesses, eu não viveria e é por isto que me curvo perante ti.” – uma voz seca e dura soou na mente da figura e ela ergueu-se.


Assim que o par de olhos verdes intensos abaixou-se até o nível da figura, toda a areia foi afastada, criando um buraco oco sob o solo e tornando possível para a figura ver o corpo do par de olhos.


Era um grande dragão. Era maior que um Rabo-Córneo Húngaro e possuía maior massa muscular. Todo o seu corpo era áspero como a areia e era revestido por escamas que lembravam rochas afiadas. Suas asas eram pequenas, em proporção ao seu corpo musculoso. Pareciam pequenas e fracas demais para aguentar toda a estrutura do dragão. Uma nuvem de areia subiu quando a calda dele bateu com força na lateral do buraco, ela era grossa e muito pesada, dando a impressão de poder amassar qualquer coisa. Depois o dragão se endireitou e seu tronco mostrou-se tão forte e musculoso quanto o resto do corpo.


“Ronald Bilius Weasley” – a mesma voz seca e áspera soou na mente da figura – “Herdeiro do Corpo de Merlim. Herdeiro da Terra firme que sustenta o Herdeiro Luz. Aguardo sua vinda há muito tempo.”


- Puts, é você quem ta falando? – perguntou Rony, incrédulo, percebendo que era o dragão que falava em sua mente.


“Sim. Sou eu. Quando precisarmos conversar será assim. Eis a nossa ligação.” – falou o dragão.


“Conversar? Isto quer dizer que também ouve os meus pensamentos?” – pensou Rony.


“Sim. Pois és assim que se conversa, um falando e ouvindo o que o outro diz.”


- Você falou o meu nome. Você tem algum? – questionou Rony.


“Eu sou o Dragão da Terra. No entanto, para vós humanos posso me chamar Terra.”


Rony contraiu o maxilar, tentando não rir. Foi inútil. Ele soltou uma risada pesada e sonora.


“Do que ris?”


- Terra... Nosso elemento é terra e seu nome é Terra. Por que me surpreendo? – respondeu Rony ainda aos risos.


“Simples semelhanças entre línguas humanas.”Terra se aproximou de Rony rápido, calando a risada dele – “Deves saber que Merlim era fluente em latim. Meu nome, portanto, é em latim.”Terra parecia aborrecido.


- Não quis ofender. – falou Rony, rápido – Sei que Merlim utilizava do latim para se dirigir ao Dragão Ancião e aos assuntos de ambos. O latim foi utilizado para escrever a profecia, um latim antigo, já extinto.


“Percebo que sua parte do corpo mais importante é forte e valiosa.”


- Eu sei o que preciso saber. – Rony sorriu com o elogio – Meu corpo é forte e meu cérebro também, embora não demonstre sempre. – ele fez uma pausa e encarou o dragão há menos de um metro de distancia – Você também é muito forte.


“Sou tão forte quanto tu. Minha força vem de ti. Quanto mais tu se fortalecer mais forte eu também ficarei.”


- E se você praticar?


“Minha força física vem de ti e não o contrario.”


- Minhas fraquezas também são as tuas? – Rony não gostou da ideia do dragão ter alguma fraqueza por sua culpa.


“Sim.” – respondeu o dragão simples.


- Mas não por muito tempo. – falou Rony, decidido – Vou treinar. Vou me superar. Eliminarei minhas fraquezas para que você não as tenha. Não quero ser culpado por qualquer coisa que te aconteça por falta de ações minhas.


“Tu és tão forte quanto podes ser. No fim, nem sempre vale a pena romper a barreira do nosso limite físico.”


- Valerá. Prometo que para nós valera. Vou me esforçar. Nós vamos ser mais fortes. Vamos estar prontos para o final. Faremos nosso melhor quando a hora chegar por que estaremos prontos, preparados. Treinaremos juntos. Vamos conhecer cada centímetro do outro para que possamos nos conhecer melhor e, assim, lutar melhor e vencer. Juntos vamos superar os meus limites físicos e criar novos.


O chão tremeu e a areia explodiu como em uma tempestade quando Terra rugiu. A aura de Rony se libertou e superou o limite, inundando o seu corpo e o do dragão.


“Faço minhas tuas palavras: juntos vamos superar.” – disse Terra.


Já conhecendo o corpo um do outro, o dragão rugiu e Rony gritou. Podiam sentir cada célula do corpo do outro se contrair e relaxar, sentir cada gota de sangue oxigenando os músculos fortemente desenvolvidos. Era como se o corpo do outro fosse o seu. Eram, como deveria ser, um.


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Estava frio e o vento era forte e incessante. Os raios de sol eram fracos passando através de grossas nuvens, ainda sim, a iluminação era de irritar os olhos. No entanto, uma figura alta e bela não se incomodava com as circunstancias hostis do local. Ignorando os olhos irritados ela dirigia-os para o céu, para as nuvens. Havia ali, naquela figura, outra fonte de luz. O brilho amarelo como o do próprio sol que irradiavam dos olhos da figura. Ela respirou fundo e imaginou, apenas isto. Imaginou-se voando através das nuvens. E assim aconteceu.


As nuvens eram ainda mais frias e úmidas do que ela havia imaginado. Tremeu de frio. Ela não era como os companheiros que resistiam ao frio e ao calor excessivo. Apesar da temperatura baixa e da umidade excessiva, cada metro acima do outro a fazia esquecer o frio e o desconforto e sorrir. Apreciava grandes atitudes, o vento em seus cabelos e sua face, isto a acalmava.


Passou por uma nuvem e parou de subir. Não havia mais nenhuma nuvem entre ela e a imensidão azul do universo. Admirou todo o infinito universo sob sua cabeça, nunca havia imaginado-o tão belo. Suspirou feliz, sentindo-se muito bem com aquela visão divina que poucos humanos tinham a oportunidade de ver. Abaixou a cabeça e, ainda sorrindo, inclinou-se em uma reverencia longa e respeitosa ao vê-los. Dois olhos amarelo-canários brilharam para ela.


“Erga-se Sapienza. Tu és a sabedoria que ilumina a mente do Herdeiro. Tu és o ar que me permite viver e pensar. Erga-se, pois não és tu que deves se curvar. Se tu não vivesses, eu não viveria e é por isto que me curvo perante ti.” – uma voz calma e sábia soou na mente da figura e ela ergueu-se.


O par de olhos amarelos canários abaixou-se até o nível da figura e, depositando sobre ela uma sombra, tornou visível à figura todo o seu corpo.


Era um grande dragão. Era maior que um Rabo-Córneo Húngaro e muito mais ágil fisicamente. Ele lembrava um grande dragão esculpido em cristal amarelado. Todo o seu corpo era revestido por escamas de cristais que refletiam a cor amarelada dos raios do sol e lhe davam a impressão de ser muito leve. Suas asas eram enormes e dava-lhe a certeza de ser um especialista em vôo. A sombra sobre a figura ganhou um novo formato quando a calda do dragão passou por cima das asas do mesmo, ela era fina e parecia muito sensível e fraca, ledo engano. Em sua ponta brilhava uma lamina de cristal que parecia extremamente afiada.


Quando o dragão se endireitou sobre as patas traseiras pôde-se ver seu tronco moldado e revestido de cristal. Pelas formas do corpo do dragão, a figura entendeu que era um dragão fêmea, uma dragonesa.


“Hermione Jane Granger” – a mesma voz calma e sábia soou na mente da figura – “Herdeira da Sabedoria de Merlim. Herdeira do Ar que possui o oxigênio necessário para se viver e que traz a sabedoria à mente do Herdeiro Luz. Aguardo sua vinda há muito tempo.”


“É muito bom ouvir sua voz na minha mente.” – pensou Hermione com um largo sorriso, já sabendo que era a dragonesa que falava em sua mente.


“Eu já imaginava que tu saberias sobre nosso meio de comunicação.” – falou a dragonesa.


“É a nossa ligação mental. Eu, mais do que ninguém, deveria saber.” – Hermione sorriu ainda mais.


“É claro. Fora tu mesma quem idealizou isto com o Dragão Ancião da Luz.”


- A única coisa que não me lembro, pois eu nunca soube, é como devo chamá-la. – afirmou Hermione.


“Eu sou a Dragonesa do Ar. No entanto, tu podes entender que obviamente minha designação é Ária.” – a dragonesa contraiu o músculo da face e Hermione entendeu aquilo como um sorriso.


- Admito que não pensei nisto. – Hermione corou, envergonhada.


“Não necessitas disto. Tudo o que tu não pensares, ou seja, teu ponto fraco, eu pensarei.”


- Não gostaria que isto acontecesse. – admitiu Hermione – Eu me esforço para sempre saber o que os outros precisam saber. Esforço-me para poder ajudá-los.


“Não precisas mais levar tudo isto sozinha.”


- Você me ajudará, eu sei. – Hermione sorriu – Porém, não quero deixar sobre você todo este peso. O peso da falha de uma humana. A mente humana é complexa e nem mesmo eu conheço o limite dela, todo o seu potencial.


“Pela primeira vez, tu serás quem recebera ajuda e não a que ajudará os outros.” – a dragonesa aproximou-se lentamente de Hermione.


- Sim. E eu sei que você permanecera comigo até o final. Ajudando-me e guiando-me. A questão é que não quero que faça tudo, compreende? Se eu for errar deixe-me errar. Não quero ser uma humana perfeita.


“Seguirei tua vontade. Contudo, precisas saber e entender que no final tua vontade será irrelevante. No final não poderás errar.” – os olhos da dragonesa brilharam firmes.


- Eu sei que não poderei errar. É por isto que peço para me deixar errar antes. Para que eu possa aprender a não errar no final. – falou Hermione, firme.


“Como eu disse: seguirei tua vontade até onde me for permitido. Com isto, quero que saibas que eu farei o melhor para ti. É por ti que estou viva. É por ti que penso. O que for melhor para ti será o melhor para mim também. É por isto que quero que percebas que se errares eu errarei, e se aprenderes com estes erros eu também aprenderei.”


- Foi pensando nisto que lhe pedi para me deixar errar. Sei que se eu errar você erra e se eu aprender você aprende. É por isto que quero errar. Errando e aprendendo nos tornamos mais fortes e sábias. Quero errar e aprender com você. Quero ficar tão sabia quanto eu posso para ser digna de ser sua guerreira. Aprenderemos juntas e seremos sábias.


Ária rugiu forte. As nuvens se dissolveram e o brilho do sol se intensificou no corpo da dragonesa.  A aura de Hermione surgiu e se expandiu até o seu atual limite, tomando o corpo de sua portadora e o corpo da dragonesa.


“Como tu disseste: aprenderemos juntas.”Ária disse.


Juntas, a dragonesa rugiu e Hermione gritou. Sentiram-se tão plenas, sob aquele infinito universo e todo o seu mistério e sabedoria própria. Sentiram que parte daquele mistério era desvendado por elas, sentiram que parte daquela sabedoria, mesmo uma ínfima parte, lhes era concedida. Sentiram o que haviam prometido uma a outra, sentiram que estavam aprendendo juntas.


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Há seis meses, um centauro da Floresta Mágica da Itália disse:


“O treinamento não pode ser feito com todos vós no mesmo lugar. Não há lugar na Terra que possua os quatro elementos em abundância para que vós treineis de maneira correta. E seria muito perigoso para todos, pois durante o treinamento vós não conseguireis vos controlar.”


É certo o que ele afirmara. Porém, apenas em partes. Não havia lugar no planeta com os quatro elementos abundantes o suficiente para gerar um treinamento adequado. E mesmo se houvesse, seria, acima de tudo, perigoso. No entanto, no litoral de um país tropical, havia uma ilha com as formas simples e essenciais dos quatro elementos.


No leste do horizonte, o amanhecer dava claros sinais de estar próximo. A ilha estava adormecida, a vegetação exuberante era formada por um bioma quase extinto, restrito unicamente ao país que abrigava aquela ilha, a Mata Atlântica. No litoral sul do estado do Rio de Janeiro, a Ilha Grande era o local perfeito para que o Herdeiro Luz e os Dragões Elementais se encontrassem.


Houve um tremor de terra, não foi forte o suficiente para causar danos ou acordar os habitantes da ilha. No topo do Pico da Pedra D’Água surgiu uma fissura e um brilho vermelho flamejante. Um grande dragão voou para fora da fissura, que foi fechada e selada de tal modo que nunca ninguém poderia dizer que havia surgido.


Vinda do Oceano Atlântico, uma onda particularmente grande quebrou nas rochas de uma das praias. Antes de se quebrar, porém, surgiu de dentro dela uma grande dragonesa que abriu as asas e alçou voou.


É da terra que vem a força para manter a flora mundial. Outro tremor de terra, agora vindo da floresta, não foi notado por nenhum ser vivo da região. Algumas árvores, contudo, tiveram risco de tombar ou de se quebrar quando um grande dragão brotou do solo e começou a rastejar, como um crocodilo, através da mata.


As nuvens que cobriam o céu escudo eram de várias densidades e tons, devido à alvorada que se aproximava. As nuvens mais densas ficaram ralas e as menos densas se extinguiram quando as enormes asas de uma grande dragonesa bateram.


Os quatro dragões se encontraram no topo do Pico da Pedra D’Água. Os que estavam voando pousaram o mais suave possível, mas o peso de três gigantescos répteis não pode ser ignorado e um tremor mais forte abalou a ilha inteira.


Dos dorsos de cada um dos dragões seus respectivos guerreiros escorregaram e pularam para o solo firme. Com largos sorrisos, os quatro companheiros se cumprimentaram.


- Bem vindos de volta. – disseram os quatro, uns para os outros e para os dragões, que urraram baixinho.


“Depois de tantos séculos é ótimo revê-los.” – falou Ária, olhando nos olhos de cada um dos outros dragões.


Os quatro jovens ouviram-na e olharam para ela com curiosidade.


“Quando lutamos ao lado de Merlim, éramos um, o Dragão Ancião da Luz.”Acqua foi quem falou primeiro, fitando os quatro humanos aos seus pés.


“Nós fomos um e, por consequência, não deveríamos conhecer-nos agora.” – continuou Fuoco.


“Contudo, cada um de nós possui uma característica do antigo Dragão Ancião. É por estas características que nós nos reconhecemos.” – foi Terra quem terminou.


- Quem diria em Rony. – Gina cutucou o irmão – Teu Dragão é mais inteligente que você.


- Hei! – exclamou Rony indignado.


Terra soltou um urro que atraiu a atenção de todos os presentes. Não era um urro de raiva ou de indignação, era um urro que se assemelhava a uma risada humana. Os outros dragões apenas contraíram a mandíbula, ação já reconhecida pelos jovens como um sorriso.


Rony fitou seu dragão e, então, perguntou surpreso:


- Você está verde!


Os outros olharam para Terra. O corpo dele continuava áspero, não tanto como a areia, e ganhara uma cor diferente. Estava verde escuro, igualando-se à floresta a sua volta.


“A terra não possui uma única tonalidade e forma. Pode ser vermelha, roxa, marrom, preta e tantas outras cores.”Terra sorriu – “Sou capaz de me adequar ao ambiente.”


- Legal, Rony. – comentou Gina e Rony sorriu orgulhoso, mas ela completou – Seu dragão é um camaleão gigante.


Todos riram, até mesmo Terra.


- Onde estamos? – perguntou Harry pouco depois, olhando Hermione.


“Ilha Grande, litoral sul do estado do Rio de Janeiro em um país chamado Brasil, situado no continente da América do Sul.” – foi o próprio Fuoco quem respondeu.


“Belo senso de localização.”Ária elogiou o companheiro.


“Apesar de sermos novos neste mundo, a posição dos continentes permaneceu o mesmo. E em sua mente, Ária, o novo mundo é completamente conhecido, sendo também conhecido por nós.” – anunciou Acqua.


- Viu só? – Gina sorriu para Hermione – Também sou inteligente.


Hermione respondeu propositalmente com infantilidade, mostrando a língua à amiga.


- Nós já fizemos, não é? – Rony atraiu os olhares ao questionar isto ao Terra.


“Se perguntas sobre as nossas uniões, sim.” – respondeu Terra.


“Ao contrário do Dragão Ancião das Trevas, nós nutrimos bons sentimentos para convosco e vós por nós. A dificuldade da união entre o Dragão Ancião das Trevas e seu guerreiro era a falta de confiança e de respeito. Nós, por outro lado, já nos respeitamos e confiamo-nos naturalmente. Era preciso, contudo, provar e prometer a nós mesmos que nossa relação não é apenas fruto do destino imposto pela Profecia e sim pelo prazer e felicidade de estarmos juntos. Juntos até o fim.”Ária provou que não era a Dragonesa do Ar, a parcela de sabedoria dos dragões, à toa.


- Viu só? – Hermione sorriu para Gina, que estava de queixo caído.


- O que ocorrerá a seguir? – Harry fitou os quatro dragões.


“O Dragão Ancião das Trevas está no comando. Seu guerreiro não decide mais nada. Creio que nosso inimigo queira atacar em breve.” – respondeu Acqua.


“Ele atacará quando lhe for mais vantajoso.”Terra disse o que era óbvio.


“Seu guerreiro possui um exército de seres viventes do planeta. Seres que já existiam antes de nós, os dragões, despertarmos novamente.”Fuoco fitou seu guerreiro.


- Comensais e lobisomens. – respondeu Harry, sentindo a intensidade dos olhos vermelhos flamejantes do dragão.


- Os lobisomens dele conseguem completar parte da transformação sem que haja lua cheia. – afirmou Hermione.


“Será extremamente vantajoso para o inimigo ter essa parcela de seu exército com força total.” – falou Acqua novamente.


“Ele atacará quando seu exercito puder usufruir de sua força total.” – afirmou Terra, olhando Ária.


“Quando a lua cheia se fizer presente, a hora terá chegado.” – disse Ária simples, ainda que sua fala fosse profunda e cheia de significado.


- A lua é crescente. Será cheia em poucos dias. – disse Rony, fitando um céu novo aos seus olhos.


- Devemos nos preparar. – Harry olhou os companheiros.


- Não somente nós, mas toda a Ordem e o Ministério. – falou Hermione.


- Onde vocês ficarão? Enquanto estivermos junto dos nossos? – Gina fitou os olhos de sua dragonesa.


“Permanecermos nos nossos habitats. Assim que precisardes de nós, é só pensardes e serás atendido.” – respondeu Acqua aproximando-se de Gina e soltando sobre ela a mesma baforada de ar condensado que antes, causou risos na jovem.


“Podes ir.”Fuoco dirigiu-se à Harry – “Daqui nós nos dirigiremos para nossos temporários lares. Vós podeis ir para os vossos.”


- Vemo-nos em breve. – Hermione sorriu para Ária.


Os quatro jovens fizeram longas reverencias para seus respectivos dragões e aparataram.


“Eles estão prontos?”Acqua virou-se para Ária.


“Estarão.” – respondeu simples a Dragonesa do Ar antes de abrir suas gigantescas asas e alçar vôo.


“Sim. Eles estarão.”Terra sorriu para os companheiros e se embrenhou pela mata.


“Não se preocupes Acqua.” Fuoco aproximou-se da dragonesa e, sorrindo, tocou a cabeça dela com a sua – “Eles são como nós. Eles são como Merlim e nós como o Dragão Ancião da Luz. Levaremos o mesmo fim.”


“Isto é o que me preocupas Fuoco.”Acqua recebeu a demonstração de carinho com grande felicidade – “O mesmo fim.”


Os dois permaneceram em silêncio, apenas olhando-se, para depois se despedirem e irem cada um para seu habitat.


=-=-=


O sol já estava particularmente alto quando o quarteto aparatou na frente da Sede da Ordem da Fênix.


- Eles são demais. – exclamou Rony, tomando a mão de Hermione.


- São incríveis. – Gina puxou Harry para abraçá-la por trás, cruzando os braços dele em sua cintura.


- Companheiros perfeitos para nós. – Harry inspirou o cheiro floral do corpo dela e suspirou em seu pescoço, causando arrepios no corpo frio dela.


- Vamos entrar. Todos devem estar preocupados. – Hermione sorriu e puxou Rony para a entrada.


Dito e feito. Todos que estavam no café da manha com os quatro estavam, agora, sentados em silêncio na pequena sala de recreação ao lado do hall. Ao entrarem, os quatro foram bombardeados de perguntas.


- Por Merlim! Acalmem-se! – exclamou Hermione.


- Sentem-se e tenham paciência. – Gina fitou os pais.


Todos atenderam aos jovens e voltaram a se sentar em silencio.


- Um de cada vez, está bem? – pediu Harry, já sentado ao lado dos companheiros.


Passaram alguns minutos respondendo calmamente todas as perguntas. A cada pergunta, os presentes se dividiam em espanto e orgulho. Quando o assunto foi cessado, outro foi levantado.


- Nós achamos, e os Dragões também, que Tom atacará quando for lua cheia. – falou Hermione, séria.


- Faz sentido. Assim ele terá todo o exercito de lobisomens prontos para atacar com força total. – explicou Remo.


- Temos que nos preparar de forma adequada. – afirmou Harry.


- Tom atacará Hogwarts. Temos que proteger o castelo e, principalmente, seus alunos. – falou Gina.


- Os alunos estão preparados Gina. – Tonks sorriu.


- Verdade. – afirmou Remo – Luna tem conduzido uma série de treinamentos desde o ano passado.


- Mesmo assim. – falou Rony – Não podemos deixar que muitos saiam mortos.


A afirmação de Rony espantou os mais velhos. Eles já estavam acostumados a terem muitas perdas no campo de batalha.


- Faremos o possível. – Moody bateu a bengala no chão.


- O impossível também. – Sirius sorriu para Harry.


O moreno fitou o padrinho, também sorrindo, e viu um brilho diferente em seus olhos, um brilho que ele conhecia, mas nos olhos de outra pessoa.


- Merlim! – exclamou ele ao se lembrar daquela pessoa.


- O que foi, Harry? – Gina olhou-o.


- Sarah! – Harry olhou os companheiros.


- O que tem ela? – Remo não compreendeu.


“Como pudemos esquecer dela?” – Harry pensou para os amigos – “Ela é sobrinha do Sirius. Precisa saber que está vivo.”


“Você está certo.” – Gina sorriu para ele.


“E isto nos leva à outro assunto.” – Hermione atraiu a atenção dos companheiros – “Cassius e Owen.”


- Hey! – os gêmeos chamaram o quarteto novamente.


- O que? – Rony pareceu desligado, olhando os gêmeos


- Em que dimensão vocês estavam, hein? – perguntou Fred.


- Estamos tentando falar com vocês e vocês nem respondem. – Jorge pareceu indignado.


- Quem é essa tal de Sarah? – Sirius olhou-os.


- Você vai conhecê-la. – Harry sorriu para o padrinho – Não se preocupe.


- Vou chamá-la. – Gina sorriu e fechou os olhos.


Todos permaneceram em silêncio, fitando-a. Viram que através das pálpebras fechadas brilhavam fortemente as íris azul-cristalinas dela. Porém, quando ela abriu os olhos, estavam na cor natural.


- Ela está vindo. – sorriu marota.


- O que você disse para ela? – Rony ficou curioso.


- Pedi para ela trazer o Owen até a Ordem imediatamente. Era caso de vida ou morte. – Gina sorriu ainda mais.


- Owen? – Sirius parecia ainda mais perdido.


- Por que trazer Owen até aqui? – perguntou Tonks.


- Foi apenas um pretexto. – Gina deu de ombros.


- Que nos leva à nossa próxima missão. – Hermione sorriu para a ruiva – Bem pensado, Gina.


A porta do hall abriu-se com um estrondo e fechou-se sozinha. Um casal entrou correndo pela sala de recriação ofegantes.


- Estamos aqui. – Sarah fitou os jovens, sem sequer ver os outros presentes.


- Ótimo. – Gina sorriu para a mulher.


- Gostaria de lhe apresentar, Sarah, - Harry apontou para Sirius, que fitava os recém-chegados – Sirius Black.


Sarah ficou paralisada com as palavras do moreno. Ela virou o rosto lentamente para encontrar os olhos acinzentados de Sirius.


- Sirius... gostaria de lhe apresentar Sarah Sanderson Black. – Gina sorriu, ansiosa pelo que aconteceria a seguir.


- Black? – Sirius fitava os olhos de Sarah.


- Sirius... – sussurrou ela quase sem voz, os olhos enchendo-se de lágrimas rapidamente.


- Quem? Como... como você é uma Black? – Sirius olhou-a de cima abaixo, tentando encontrar algum traço que lhe fosse familiar e tudo lhe lembrava os Black, porém, nenhum em especial.


- Eu... – Sarah enxugou com as pontas dos dedos as lágrimas que começaram a rolar pelo seu rosto – Eu sou filha de seu irmão, Régulo Black.


- Régulo? – Sirius espantou-se.


Ele olhou criticamente a face da mulher e então reconheceu. Estava presente ali os olhos de seu irmão, os olhos da infância de seu irmão, e o sorriso feliz que o mesmo sempre lhe dava antes de ir para Hogwarts.


- Vamos deixar vocês a sós. – Harry se levantou, sendo seguido por todos os presentes.


- Parabéns Sarah. – sussurrou Owen no ouvido dela – Seu sonho se realizou. – ele depositou um selinho nos lábios dela e seguiu os outros, fechando a porta ao sair.


- Oi. – Harry sorriu para Owen, esperava-o no hall.


- Tudo tranqüilo, Harry? – Owen sorriu de volta.


- Sim. – respondeu Harry.


- Completaram a União, não é mesmo? – Owen fitou os outros três.


- A nossa e a dos dragões. – Hermione sorriu.


- Dragões? – espantou-se Owen.


- Acabamos de voltar. – Rony divertiu-se com a expressão do homem.


- Eles são magníficos. – exclamou Hermione.


- Se for possível, gostaria de conhecê-los. – Owen sorriu entusiasmado.


- Você os conhecerá. – Gina sorriu marota – Vamos. – ela saiu pela porta.


“Vamos aparatá-lo na casa do Cassius.” – pensou ela para os outros.


“Perfeito Gina.” – Harry entrelaçou seus dedos aos dela.


- Vocês vão primeiro. – Gina sorriu para eles – Eu vou com o Owen logo em seguida.


“Sala de Cristais.” – pediu Hermione.


“Tranquilo.” – Gina sorriu.


- Ótimo. – Rony e Hermione sorriram e aparataram.


- Te vejo em seguida. – Harry beijou a face da namorada e aparatou também.


Owen parecia muito ansioso.


- Diga-me, Gina, como é estar na presença deles?


- É normal. Eles são como nós. Agem como qualquer humano agiria, a única diferença é que são dragões. – ela riu.


- Podemos ir? – perguntou Owen, entusiasmado.


- Só um instante. – Gina sorriu.


Owen sentiu as mãos suarem tamanha a expectativa.


- Eu nunca me imaginei... conhecendo o Herdeiro Luz...– confessou ele – quanto mais os Dragões Elementais.


- Pois é. – Gina sentiu um pouco de pena do amigo, que não veria os dragões como imaginava.


Segundos depois ela sorriu, a confirmação de seus companheiros lhe veio à mente.


- Vamos. – ela estendeu a mão para Owen e o aparatou.


=-=-=


- Bom dia. – os três desejaram à Benny quando o elfo os recebeu na casa.


- Bom dia mestres. – Benny fez uma leve reverencia.


- Onde está Cassius? – perguntou Hermione.


- Está no subsolo, senhorita. – Benny respondeu – Creio que estará na Sala de Cristais. Nos últimos meses ele tem passado bom tempo lá.


- Obrigado. – agradeceram e rumaram para a sala.


“Que coincidência.” – afirmou Rony.


“Foi mesmo coincidência, Hermione?” – Harry fitou a amiga enquanto cruzavam o jardim.


“Foi.” – Hermione sorriu sincera.


Eles se dirigiram, através dos corredores de pedra, até a Sala de Cristais. O brilho natural da sala se intensificou quando eles entraram. A mesma mesa com duas cadeiras e a pequena estante de madeira permaneciam no mesmo canto de dois anos atrás. Cassius estava sentado em uma das cadeiras. Um cristal azul marinho estava sobre a mesa e atraia toda a atenção do mago.


- Cassius. – chamou Hermione baixinho, para não assustá-lo.


O mago ergueu o olhar e fitou-os, o sorriso raro tomando seus lábios.


“Pode vir.” – Harry pensou para Gina.


- A que devo a honra da presença dos três. – Cassius se levantou sorridente.


O estalo comum de aparatação tomou a sala. Gina e Owen surgiram no meio dela. Cassius paralisou com a visão do filho. Owen olhou em volta e ficou em choque, havia sido enganado.


- O que... – ele começou já irritado.


- Cala a boca Owen. – ordenou Gina.


Um frio percorreu todo o corpo de Owen e ele ficou quieto.


- Você não cooperaria conosco se nós contássemos a verdade. – falou Harry e Owen sentiu seu corpo esquentar.


- Querendo ou não... – Hermione cruzou os braços – vocês dois vão conversar. Uma conversa civilizada.


- Civilizada? – Owen repetiu a palavra – Sou um animal por acaso?


- Pareceu um quando esmurrou seu pai. – falou Rony firme e seco.


Owen paralisou. Eles sabiam.


- Vamos deixar vocês dois sozinhos. – Harry caminhou até a mesa e segurou o cristal azul marinho.


- Nenhum de vocês conseguirá sair daqui. – disse Gina, dirigindo-se à porta.


- E controle-se. – Harry fitou Owen – Se você for violento... eu saberei. – mostrou o cristal azul marinho em sua mão e saiu.


A porta se fechou.


Cassius ainda fitava o filho do mesmo modo desde que ele surgira na sala. Owen olhou para o pai e sentiu o sangue ferver.


- Nada do que me disser vai mudar o que eu penso e o que você fez. – sussurrou Owen, desviando o olhar do pai


- Mas eu tenho o direito, e até o dever, de tentar. – falou Cassius calmo.


- Será inútil. – bradou Owen baixinho.


- Não me importa. – falou Cassiu rápido.


- Aí está o verdadeiro Cassius McWell. – disse Owen, desdenhoso, ao olhar o pai – O homem frio que não se importa com nada além de si mesmo.


- Eu não sou assim. – sussurrou Cassius.


- É sim. – disse Owen, elevando a voz – Sempre se importando com seus próprios interesses. Nunca se preocupou com os outros... nem mesmo com o próprio filho.


- Eu sempre me preocupei com você e com o Lars! – falou Cassius mais alto do que Owen esperava pela sua expressão calma e serena.


- Esqueça o Lars! – Owen gritou – Ele não é mais da família!


- Não é você quem decide isto! – gritou Cassius também, assustando o filho e fazendo-o recuar – Lars é meu filho, seu irmão! Ele é filho de Sophia e sempre será, não importa o que ele faça! Sua mãe vive nele!


- Minha mãe não viveria em um Comensal da Morte! – gritou Owen de volta.


A luminosidade da sala oscilou, escurecendo levemente antes de voltar ao normal.


- Controle-se. – pediu Cassius em tom baixo e controlado.


- Me controlo quando bem entender. – Owen sentiu seu sangue borbulhar nas veias.


Eles se encararam por um longo tempo. Tempo suficiente para que a raiva e o descontrole de Owen perdessem a força.


- Não estamos aqui para falar de seu irmão...


- Ele não é meu irmão. – Owen cortou o pai, falando lentamente cada palavra.


- A questão... – continuou Cassius como se não tivesse sido interrompido – é que estamos aqui para conversar.


- Eu não tenho nada para conversar com você. – falou Owen seco.


- Mas eu tenho. – disse Cassius rápido e inquestionável.


Owen bufou e deu as costas para o pai. Dirigiu-se à porta e tentou sair. Esmurrou a madeira escura, pois estava trancada.


- Owen... – chamou Cassius.


- Não! – falou Owen, forte e rouco, sem olhá-lo.


- Eu fiz o que pensei ser o melhor para vocês. – falou Cassius.


Owen riu sombrio e sarcástico.


- Acredite, Owen. – pediu Cassius.


- Acreditar? – perguntou Owen, virando-se para fitar o pai – Acreditar?!


- Eu quis poupá-los...


- ACREDITAR?! – gritou Owen enfurecido, calando o pai – Eu acreditei em você a minha vida inteira!


- Owen... – começou Cassius.


- Mentiras! – cortou-o Owen – Tudo o que eu acreditava era uma mentira. Minha vida se sustentou em uma mentira.


- Eu quis poupá-los... – tentou Cassius novamente.


- Foi a mesma desculpa de Dumbledore!


- Com Dumbledore foi diferente. – argumentou Cassius rápido – Ele ocultou uma informação valiosíssima, uma informação que poderia ter mudado o rumo da Guerra.


- Sua mentira mudou o rumo da minha vida! – gritou Owen.


Cassius surpreendeu-se e ficou calado.


- Mas isto não importa, não é mesmo? – perguntou Owen, desdenhoso – A Guerra é mais importante que a minha vida. Qualquer coisa é mais importante que a minha vida.


- Não é verdade! Eu explodiria o mundo para salvar sua vida. Eu faria qualquer coisa por você. – falou Cassius, firme – Você não percebe que foi isto que eu fiz?! Eu...


- Você mentiu! Sobre a minha mãe! A pessoa que eu mais amo nesse mundo.


- Não estou negando o que eu fiz. – disse Cassius – Só estou tentando explicar.


- Não há como explicar! – Owen permanecia aos gritos – Você mentiu sobre a minha mãe, sobre a vida dela, sobre sua capacidade, força e determinação. Você me fez pensar que minha mãe era fraca. Alguém que não controla a si mesma e que, pior, colocou em risco a vida dos próprios filhos.


- Não havia... – tentou Cassius.


- É claro que havia outro caminho. Sempre há! – os olhos de Owen estavam frios e sombrios – Você traiu tudo o que sempre pregou. Você traiu a honra de nossos antepassados. VOCÊ TRAIU A MIM!


Cassius suspirou e desviou os olhos do filho. Não havia como fugir do que Owen jogava em sua cara. A verdade parecia estar entalada na garganta do moreno, uma verdade forte e dolorosa demais para continuar sendo ocultada. Owen sentiu ainda mais raiva do pai. O desvio do olhar era o sinal de que Cassius estava fraco, abalado pelas verdades que vinham à tona.


- Eu... – Cassius continuava sem olhar o filho.


- Não me importa suas intenções, somente o que você fez! – Owen não deixou o pai continuar – Alterou minha mente! Violou uma Lei da Ordem... mas que se dane as Leis da Ordem! Mexer na mente do próprio filho é errado. Pior é implantar memórias falsas e terríveis... e você o fez!


- Eu... – Cassius olhou o filho nos olhos.


- Você sabe quantas semanas eu sonhei com aquelas lembranças? Sabe quantas noites em claro eu passei por rever a maldita explosão que nunca aconteceu? – Owen viu o pai abrir a boca para falar – Não! Você não sabe! Nunca se importou!


- Você não... – Cassius tentou ser rápido.


- Sim! Eu sei sim! Sei que aquilo não aconteceu porque você revelou a verdade. Você devia saber que quando a verdade é revelada, a memória falsa torna-se irreal e seu portador percebe que ela é falsa. Você me ensinou isto. Você deveria saber!


- Eu sei!


- É claro que sabe. Mas não pensou nisto quando enfiou na minha mente e na do Lars aquelas malditas memórias.


- Você disse que não queria falar do Lars. – falou Cassius, calmo.


- Mas ele é da família, não é? É meu irmão, não é? – perguntou Owen com todo o sarcasmo que podia – Então vamos tratá-lo como tal, como meu irmão!


Cassius abriu a boca para falar.


- Você não tem a mínima noção de quantos meses, ouviu?, meses o Lars ficou sonhando com aquilo. Você não reparou na aparência dele? Não! É claro que não! Ele mal dormia. Chorava a noite toda e de dia, quando você não estava por perto, também. Nem mesmo eu sei a dimensão do sofrimento dele. Cristy é a única que pode saber, ela foi a única que deu total e plena atenção a ele e a mim. Cristy se importou conosco mais do que você em sua vida toda.


- É claro que não! – Cassius conseguiu falar – Ninguém pode se importar com vocês mais do que eu. Ninguém!


- Minha mãe se importaria! – o ambiente escureceu significativamente e um brilho azul petróleo circulou levemente o corpo de Owen.


- Se você me atacar, eu não vou me defender ou revidar. – falou Cassius, calmo – Pense, porém, que o Herdeiro Luz está lá fora pronto para fazer o que puder para te impedir.


- É uma ameaça? – perguntou Owen, irônico.


- É claro que não. Nunca ameaçaria meu próprio filho.


- Mas foi capaz de mentir para ele e traí-lo.


Cassius pegou-se desprevenido e suspirou. Owen bufou e a luminosidade diminuiu ainda mais.


- Não pense que foi fácil para eu fazer aquilo. – disse Cassius baixo e lento – Você acha realmente que eu sou um ser humano sem sentimentos a ponto de não sentir nada ao criar aquela lembrança?


- Eu acho...


- Não Owen! – Cassius calou o filho, falando forte – Você sequer imagina o que eu senti.


Owen engoliu em seco. Pelos olhos do pai ele via um oceano profundo de tristezas e arrependimentos.


*- Flashback -*


Aparatou em sua casa. Conseguira convencer Dumbledore de que estava bem e que queria, apenas, ficar sozinho. Entrou no hall e subiu as escadas, parando à frente do quarto dos filhos. Podia ouvi-los. Conversavam normalmente. Porém, ele sentia o medo e a curiosidade em suas vozes.


Suspirou. Havia decidido por um caminho sem volta, um caminho sem perdão. Abriu a porta e entrou. Os garotos, sentados cada um em sua cama, fitaram-no curiosos. Ele caminhou até eles e se sentou ao lado do que era mais parecido com ele, tanto em pensamentos e atos quanto fisicamente.


- O que aconteceu? – perguntou o outro filho, o que lhe lembrava a mulher que tanto amava.


- Venha cá. – disse a esse filho, que caminhou até ele e se sentou ao seu lado.


- O que foi papai? – perguntou o filho mais parecido com ele.


- Ta tudo bem? – perguntou o outro.


Ele acenou positivo com a cabeça.


- Sim. – ele forçou um sorriso e olhou no fundo dos olhos dos dois.


Fitou os olhos dos filhos. Azul profundo e verde-oliva. Suspirou e deu o passo que o tornaria o pior pai do universo.


- Perdoem-me. – sussurrou com um fio de voz.


Antes mesmo que os garotos pudessem reagir, tombaram para o lado, dormindo.


Uma lágrima escorreu pelo rosto do homem. Ele fechou os olhos e, amaldiçoando a si próprio, se concentrou.


As duas crianças se debateram, choramingaram, gemeram, gritaram. Conforme ele se concentrava mais, maior era o desespero vindo das crianças. Os sentimentos das crianças transbordavam para ele, por escolha e vontade própria. A memória que conjurava para os filhos era exibida em sua mente, muito mais viva e dolorosa.


Nela... Estavam os quatro: ele, a mulher e os dois filhos; sentados à margem do pequeno córrego. No inicio, era tranquila e natural, como todos os dias comuns de suas vidas. De repente, tudo mudava. Um grito agudo veio da mulher. As águas se agitaram e o vento soprou forte. Um brilho perolado emanava do corpo da mulher, seus cabelos louros médios balançavam violentos com a força do vento, sua face expressava dor. Os dois garotos gritaram, assustados, pela mãe. Ele se ergueu e, tomando os filhos pelos braços, puxou-os para longe da mulher. Segundos depois, um brilho intenso, o som de um relâmpago cortando o céu, e chamas. A mulher havia perdido total controle de seus poderes, causando um colapso em seu corpo e em sua energia, destruindo a ambos e o que estava por perto. Não sobrou nada. Nem mesmo o pó. Os garotos choraram desesperados, clamando pela mãe. Para controlar a situação, depositou as mãos sobre as cabeças dos filhos e os fez dormir.


Os garotos pararam de se debater e gritar, passando a dormir tranquilamente sobre a cama. Estava terminado. Ele se levantou e tomou um filho nos braços, depositando-o sobre a cama dele. Acariciou sua face. Conseguia distinguir os traços sensíveis e carinhosos da mulher naquela criança. Os cabelos louros médios e os olhos verde-oliva sempre o lembrariam da mulher.


Aquela seria sua benção e maldição. Aquela criança seria uma eterna lembrança da mulher que tanto amava e não pudera proteger. Veria todos os dias a mulher no sorriso daquela criança e em tudo o que ela fizesse. Poderia amar aquela criança? Poderia amar como sempre amara? Amar como sua mulher pedira em seu leito de morte?


Fitou o outro filho, que deitava desconfortável na outra cama. Caminhou até ele e o ajeitou sobre o colchão. Beijou-lhe na testa e se afastou. Desde o dia que conhecera a mulher, vivia por ela e para ela. Agora, viveria pelos filhos. Eles seriam o motivo de sua existência. Faria tudo por eles, mesmo que isto custasse sua vida.


*- Fim do Flashback -*


- Eu senti tudo o que vocês sentiram em proporções infinitamente maiores. – falou Cassius calmo, embora estivesse transtornado pela lembrança daquele dia – Você disse que eu não sei e que não faço idéia de quanto tempo vocês sofreram com essa lembrança. Você está errado Owen. Eu sempre soube. Você se lembra, não se lembra?, que pouco depois de acordar assustado e chorar você voltava a dormir tranquilamente?


- Não. Não me lembro. – disse Owen irritado – Eu não voltava a dormir. Não conseguia.


- Está enganado. – contrapôs Cassius – Sua dor e seu desespero ao acordar lhe deram à impressão de não conseguir dormir novamente. Mas você dormia. Eu ficava todas as noites, oculto em seu quarto, tentando impedir que a lembrança o acordasse.


- Como? – Owen chocou-se com tal revelação.


- Eu sempre soube e tentei impedir o sofrimento de vocês. – Cassius continuou calmo, fitando o filho – No entanto... – o mago suspirou sofrido – o sofrimento de Lars... Eu não... – ele passou a mão pelos cabelos, como Owen sempre fazia quando tentava controlar algum sentimento – Eu não consegui... não pude... Eu não... – parou e suspirou – Eu não quis... E me odeio por isto.


- Não quis? – perguntou Owen, perplexo – Não quis?!


- Não vou pedir para que você entenda... – disse Cassius, convicto – O que eu fiz com o Lars não tem perdão.


- Não mesmo. – sussurrou Owen, apertando os dentes.


- Quando digo que sua mãe vive no Lars... não é mentira. – Cassius suspirou – Sempre que eu o olhava, via sua mãe. A aparência, as atitudes, os pensamentos... Tudo no Lars relembra sua mãe. Arrependo-me amargamente do que fiz a vocês. Arrependi-me logo em seguida, mas não havia como voltar a trás. Se eu tentasse reverter o que havia feito, suas mentes poderiam não suportar.


- Então nos deixou sofrendo... todo esse tempo!


- O que você teria feito? – perguntou Cassius, calmo.


- A verdade é sempre o melhor caminho. A verdade pode ferir mortalmente quando contada e deixa cicatrizes profundas. A mentira, por outro lado, fere levemente, mas nunca cicatriza, dói eternamente. – falou Owen, irritado.


- Não perguntei o que você teria feito em meu lugar. – disse Cassius, lento – Perguntei o que você teria feito se soubesse da verdade.


- Não sei o que teria feito quando criança. – respondeu Owen – Mas teria ido atrás do Voldemort e de seus Comensais assim que tivesse consciência de que poderia derrotá-los.


- Mataria? – perguntou Cassius.


- É claro! – Owen bufou – Mataram minha mãe. Mataram o pai de Sarah. Eles merecem morrer! – gritou Owen.


- Muitos que vivem merecem morrer. Alguns que morrem merecem viver. Você pode lhes dar a vida? – falou Cassius, sério e calmo, e não esperou a resposta do filho - Então não seja tão ávido para julgar e condenar alguém a morte, pois mesmo os mais sábios não podem ver os dois lados.


- Pouco me importa! – bradou Owen – Iria atras deles mesmo assim.


- Eis o maior dos motivos que me levou à fazer o que fiz. – disse Cassius – Se vocês soubessem da verdade, teriam crescido com um desejo insano de vingança.


- Ah é. – riu-se Owen, ironico – Você quis nos poupar. Poupar-nos de uma notícia horrivel, o assassinato de minha mãe; e de um desejo de vingança. – ele fez uma pausa – A única coisa que conseguiu com esta mentira foi mudar o alvo principal. Agora, mais do que nunca, quero matar aqueles comensais imundos e o debil-mental que os comanda. Contudo, meu alvo principal é você. É contra você que meu desejo de vingança se volta. É você quem quero que morra, e que morra sofrendo.


- A única coisa certa para mim é o sofrimento e a morte. – disse Cassius – E isto eu já tenho desde aquele dia. Eu sofro desde a morte de sua mãe e de meu atentado contra você e seu irmão. Eu estou morto desde aquele terrivel dia, o dia que me tornei a pessoa mais odiavel do universo, a pessoa que merece tudo de ruim e nada de bom, muito menos o perdão.


Owen ficou em silêncio, pensando no que o pai havia lhe dito.


“Ele... ele...” – Owen mal conseguia pensar.


Por fim, ele deu uma risada sombria e sarcastica.


- Eu... que sempre estive ao seu lado, quero te matar. Agora... imagine só o que o Lars vai querer fazer com você. Quando ele descobrir a verdade, quando descobrir que você o deixou ser torturado pela própria mente. – deu outra risada e completou – Vai ser algo lindíssimo de se presenciar.


Cassius sorriu triste.


- Ficarei feliz quando Lars souber de tudo e vier me matar.


- Feliz?! – Owen surpreendeu-se.


- Assim terei o que mereço. – Cassius suspirou cançado – Assim terminará a minha agonia, a minha culpa. – desviou os olhos do filho e fitou o brilho dos cristais a sua volta.


- Eu posso cuidar disto. – Owen empunhou a varinha.


Uma batida forte e seca veio da porta e assustou Owen, que pulou e soltou a varinha inconsciente.


- Vejo que sim. – sussurrou Cassius triste.


Owen pegou a varinha e a guardou, bufando.


- Não tenho mais nada para conversar com você. Nunca tive. – Owen caminhou até a porta e bateu forte – Acabou a conversa! Deixem-me sair! – gritou.


- Owen... – chamou Cassius, olhando-o.


Owen bufou e virou-se para o pai. Estacou no lugar e o ar pareceu fugir do seu alcance. Nunca havia tido aquela visão. Os olhos azuis-profundos de Cassius estavam brilhando, e não era um brilho de concentração ou de qualquer outra coisa, era um brilho único que só pode ser causado por uma única coisa: lágrimas. Pela face do mago escorriam grossas linhas de lágrimas cintilantes.


- Quando a Guerra acabar... se o Lars não me matar até lá... – Cassius forçou-se para falar normalmente, mas sua voz saiu fraca – não só quero, como suplico, que me mate.


Owen sentiu o chão se abrir sob seus pés. A visão do pai chorando já era algo que nunca imaginara e agora, isto.


- Eu não...


- Você disse que quer me matar. – Cassius respirou fundo – Quando a Guerra terminar eu não serei mais útil para este mundo. Quando ela acabar, te direi os Segredos da Magia Branca para que possas ensinar teus filhos. E você me matará. Cumprirá com seu desejo de vingança.


Owen não conseguiu falar nada. Esquecera-se até de respirar. Sua visão ficou turva e a cabeça pesou. Ele caiu sentado e a cabeça pendeu na direção dos joelhos.


“Owen!” – Cassius correu até o filho.


- Owen? – perguntou ajoelhado à frente dele.


Não houve resposta.


- Owen?! – ergueu as mãos e tomou o rosto do filho, erguendo-o.


A mesma reação que acometera Owen recaiu sobre Cassius. Ele sentiu o sangue congelar em suas veias. Os olhos do filho estavam como os dele, com o brilho único produzido unicamente por lágrimas. Owen chorava.


- Porque... – sussurrou Owen em um fio de voz – Porque fez isso?


- Owen... – suspirou Cassius – Se Lars é meu filho apesar de tudo... Porque você não o seria? – ele forçou um sorriso – Eu prometi a mim mesmo, naquele maldito dia, que vocês se tornariam o motivo de eu permanecer respirando, embora me sentisse morto por dentro. Prometi que faria tudo por vocês... mesmo que isto custasse a minha vida. – ele segurou com mais firmeza e ainda mais carinho o rosto do filho – Se com a minha morte você ficar feliz... morrerei de bom grado.


- Mas... – tentou Owen.


- Eu vivo por vocês Owen... por vocês e para vocês. – o sorriso de Cassius se desfez – Lars já me odeia sem saber o que eu fiz, já quer minha morte sem conhecer a verdade. Imagine o que ele fará quando descobrir? – ele soltou o rosto do filho – Se você, como você mesmo disse, que sempre esteve ao meu lado já me quer morto? O que Lars fará?


Owen abriu a boca, inutilmente.


- Meus dois filhos me odeiam. – Cassius desviou os olhos do filho e disse para si, em um fraco sussurro, as lágrimas escorrendo mais intensas – As pessoas para quem vivo me odeiam e querem minha morte. Como eu prometi... – ele voltou a fitar os olhos brilhantes de Owen – farei tudo por vocês, até mesmo morrer.


- Mas... – tentou novamente Owen.


- É o que eu mereço. Eu já estou morto... – ele forçou um sorriso – Apenas respiro por você e pelo seu irmão. Agora, porque respirarei se vocês não querem que eu respire? – ele balançou negativamente com a cabeça – Minha vida pertence a vocês desde aquele dia. Por isto não me defendi quando você me atacou e também não me defenderia se me atacasse hoje... nem hoje nem nunca. Eu pertenço a vocês. Quer que eu morra? Eu morrerei!


Owen ficou em silencio, fitando os olhos do pai.


- Quando a Guerra acabar... nós dois vamos para um local isolado, para que ninguém possa impedir. – Cassius se ergueu – Você me matará como quiser, com ou sem tortura e sofrimento. Morrerei feliz por você. Enfim, cumprirei plenamente minha promessa e terei o que mereço: uma morte sem glória e sem honra. – ele se virou e começou a caminhar na direção oposta.


Cassius parou e suspirou, balançando a cabeça em negativa. Owen encarou as costas do pai. O conflito interno que possuía desde a descoberta da verdade se intensificou para, então, desaparecer completamente.


- Idiota. – bradou Owen rouco.


- Como? – Cassius virou-se para encarar o filho ao chão, mas não se surpreendeu quando o viu já de pé, vindo rápido e violento em sua direção.


- IDIOTA! – gritou Owen e desferiu um potente soco com o punho direito, acertando em cheio a face do pai, que caiu com um baque no chão.


Owen respirava descompassado, o coração acelerado, a mente a mil. Esperou que Harry e os outros adentrassem pela porta e fizessem alguma coisa com ele, mas eles não entraram.


Cassius apoiou-se às mãos e se sentou, um filete de sangue escorrendo pelo fino corte em seu rosto, logo abaixo do olho. Ele ergueu o olhar e fitou o filho, que chorava mais do que nunca.


- Por que disse tudo isto? – perguntou Owen irritado – Por que demonstrou só agora que se importa comigo? Por que demorou tanto?!


- Eu disse a verdade Owen. – Cassius suspirou – A verdade que você disse preferir em qualquer situação. Essa é a verdade: eu mereço morrer e você cumprirá sua vingança, me matando.


Owen fechou o punho novamente, dando a impressão de que iria bater novamente no pai. Contudo, ele relaxou o punho e passou as mãos pelos cabelos.


- Você... – sussurrou Owen, rouco – Você não pode julgar e condenar alguém a morte... nem os mais sábios não podem ver os dois lados.


Cassius surpreendeu-se com aquilo, os olhos arregalando-se. Um sorriso fraco se desenhou nos lábios de Owen e ele se ajoelhou à frente do pai.


- Você... – recomeçou Owen ainda com a voz fraca – Você quer morrer? – perguntou risonho – Pode ir tirando o lobo da chuva... você só vai morrer quando Merlim decidir que for a hora... só vai morrer quando eu deixar... só depois dos meus bisnetos terem partido, ok? – ele riu levemente.


“Lobo?! Como... como ele sabe?” – questionou-se Cassius.


- O que... – começou o mago, perplexo.


- Você disse que não merece perdão... disse que não se perdoa e nunca se perdoará. – cortou-o Owen com a voz calma – Abandone isto... você é um bruxo excepcional e um homem maravilhoso. Você é o que qualquer filho gostaria de ter. – Owen sorriu ainda mais, as mãos pousando sobre os ombros do mago – Pai... – disse, firme – Eu te perdoo.


- Owen... – Cassius balançou a cabeça negativamente.


- Pai! – Owen sorriu para o mago – Não seja teimoso e orgulhoso... Pelo menos uma vez na vida, aja contra o sangue McWell, ok? – ele riu de novo – Não tente entender, é complicado até mesmo para mim. – ele riu mais folgado, alegre – O que você fez, agora, não paga o que você fez no passado. Mas, com isto, eu entendo suas reais intenções. Eu faria a mesma coisa. – ele ficou sério, embora o sorriso não tivesse abandonado seus lábios – É por isto que eu te perdoo, pai.


- Filho... – murmurou Cassius e puxou Owen para um abraço forte.


- Perdoe-se, pai. – pediu Owen, correspondendo ao abraço que nunca ganhara do pai desde a morte da mãe – Pare de sofrer e viva!


Não falaram mais nada. Ficaram apenas abraçados e chorando silenciosos.


- Eu te amo Owen. – murmurou Cassius, minutos depois, soltando o filho e segurando-o pelos ombros – Nunca duvide disto. Sei que nunca demonstrei e, tenho certeza, que ainda não demonstrarei satisfatóriamente no futuro. Mas eu te amo. Amo mais do que tudo. Você pode não acreditar, mas... – Cassius suspirou triste – Eu amo o Lars. Amaldiçoou-me todos os dias pelo que fiz à ele... e à você também.


- Pai... – tentou Owen.


- É minha culpa... Lars ter ido atras de Lucio Malfoy e se aliado ao Tom é minha culpa. Se eu tivesse amado-o mais, demonstrado mais... ele, certamente, estaria conosco.


- Pai... – falou Owen, firme – Todos nós temos uma parcela de culpa. Contudo, não transforme Lars em um santo ou um mártire.


- Eu... – Cassius não sabia o que dizer.


- Pai... Eu te amo. – Owen calou-o sorrindo.


Cassius sorriu também. Owen ergueu a mão até o corte que provocara no pai e, tocando-o, murmurou um feitiço. Um fraco brilho azul-petróleo emanou da ponta do dedo dele e, segundos depois, não havia mais corte ou sangue na face do mago.


- A Sarah vai ficar muito feliz. – disse Cassius, parando de chorar.


- Hoje será o melhor dia da vida dela. – riu Owen, levantando-se e ajudando o pai a se levantar.


- Não é para tanto. – opinou Cassius.


- Não é só por nós... – Owen sorriu – Sirius voltou.


- O que? O Black voltou? – Cassius assustou-se.


- Os quatro... – Owen apontou para a porta fechada – descobriram que o véu era a entrada da Dimensão da Neblina.


- Incrivel. – sussurrou para Cassius – Devem ter descoberto durante a união.


- Sim. E tem mais... – os olhos de Owen brilharam de espectativa – Eles libertaram os Dragões.


Cassius ficou sem reação. A boca levemente aberta, os olhos fixos em Owen.


- Pai, você está bem? – Owen ficou preocupado.


- Eu quero vê-los. – a voz de Cassius saiu animada e exitada como a de uma criança.


- Eu também. – Owen sorriu orgulhoso – Será uma honra.


- A maior de todas elas. – admitiu Cassius, caminhando até a porta e abrindo-a.


- Ué... cade eles? – perguntou Owen ao ver o corredor vazio.


=-=-=


- Será que eles vão fazer as pazes? – perguntou Gina para Harry quando a porta da Sala de Cristais foi fechada.


- Talvez sim, talvez não. – Hermionde deu de ombros – É dificil prever. Ambos são teimosos e orgulhosos.


- Vamos dar à eles privacidade. – Rony olhou para Gina.


- Também acho que Owen vai gritar. – Gina suspirou.


Antes que ela tivesse tempo para pensar no feitiço, todos ouviram a voz abafada de Owen.


- Esqueça o Lars!


- Vixi... – Gina pensou no feitiço e eles não ouviram mais nada – Ele falou do irmão.


- Essa conversa vai ser longa. – Harry estendeu a mão que segurava o cristal dos desejos para que todos pudessem ver.


Acompanharam a conversa apenas com os olhos. Não ouviram uma palavra, embora a expressão de Owen deixava claro que ele estava gritando. A conversa ficou tensa. Não ouviam, mas viam e sentiam. Owen gritava sempre e parecia estar se controlando a todo custo para não pular por sobre o pai. Acharam que nada violento aconteceria. Owen não demonstrava estar descontrolado a ponto de atacar o pai. Contudo, depois de alguns minutos, Owen sacou a varinha. Rony afastou-se dos outros e deu um murro na porta.


- Então? – perguntou ele.


- Ele largou a varinha e não vai mais atacar.- respondeu Gina.


Rony voltou ao lugar onde estava e fitou o cristal. Os quatro se espantaram quando Cassius começou a chorar.


- Sinceramente... – disse Gina – Gostaria de ouvir o que eles estão conversando.


- Todos nós. – admitiu Harry – Para Cassius chorar deve ser algo realmente sofrido.


Eles viram Owen cair sentado e Cassius correr até o filho.


- Acho... – Rony sorriu – Que eles vão sim, fazer as pazes.


- Owen foi abalado. – falou Hermione ao ver que Owen também chorava.


- Talvez Cassius tenha, finalmente, dito algo que seja a seu favor. – disse Gina – Acho que durante toda a conversa ele apenas se defendeu, deixando Owen botar tudo o que queria para fora.


- Ele finalmente atacou. – Harry sorriu.


Eles viram Cassius se erguer. Hermione deu um gemido, atraindo o olhar dos outros.


- O que foi?


- Owen vai atacá-lo. – respondeu Hermione.


- Uma visão? – Rony pareceu curioso.


- Um pressentimento. – Hermione fechou os olhos e se concentrou para quebrar a proteção mental de Cassius – “Cassius... Owen vai te atacar, eu sinto isto. Quer que intervenhamos?”


- Ele parou... o Cassius, e negou com a cabeça. – Gina olhou Hermione – Você perguntou o que para ele?


- Se ele queria que nós intervíssemos. – respondeu Hermione voltando a fitar o cristal.


Eles ficaram tensos quando Owen se levantou e correu na direção do pai, acertado-lhe um belo e forte soco. Contudo, não puderam evitar os sorrisos quando viram Owen ajoelhar-se à frente do pai e falar algo, muito calmo e sereno.


- Conseguimos. – Gina abraçou Harry, que quase deixou o cristal cair.


- Missão cumprida. – Rony puxou Hermione para um beijo apaixonado.


- Bem... – disse Gina pouco depois, afastando-se alguns passos – Preciso ir falar com o Merlim.


- Por que? – Rony soltou Hermione.


- Tenho uma dúvida. – Gina afastou-se mais – Vocês vem?


Eles acentiram e seguiram a ruiva até a Sala de Reuniões da Ordem de Merlim.


- Bem vindos de volta. – Merlim retirou o capuz e fez uma reverencia quando eles entraram e fecharam a porta.


- É um prazer voltar. – Gina, junta com os outros, se curvou também.


- Prazer e necessidade, não? – Merlim sorriu.


- Espertinho. – Gina deu uma leve risada e caminhou para mais perto do quadro.


- Diga Gina... – pediu Hermione – Estou curiosa.


- Ok ok. – Gina sorriu para a amiga e virou-se para Merlim, séria – Nós temos um ponto fraco... muito fraco.


Os outros tres se espantaram. Merlim apenas sorriu.


- Sim, vós tens. – respondeu calmo e simples.


- Ponto fraco? Que ponto fraco? – perguntou Rony.


- Somos muito fortes Gina. – falou Harry.


- Eu sei que somos. – Gina olhou o namorado – Não estou negando isto. Mas nós temos um ponto fraco, e ele é mortal.


- Qual? – Hermione interessou-se.


- Quantas vezes nós ficamos zerados nesses ultimos dias? – perguntou Gina.


- Uma vez durante a união. Outra quando salvamos o Sirius... e outra quando eu, com a ajuda de vocês, curei-o. – Hermione contou nos dedos – Três vezes.


- Eu, por ser a Energia, possuo as lembranças relacionadas à força magica de Merlim. – disse Gina – Depois de ter se unido ao Dragão Ancião da Luz, Merlim nunca ficou zerado. Nunca.


- Verdade? – Rony fitou o homem no quadro.


- Sim. – respondeu Merlim.


- Quer uma prova disto? – Gina não gostou da duvida do irmão – Quando Merlim criou a Dimensão da Neblina, ele não teve tempo de se recuperar, prendeu Drake logo em seguida. Ele ficou muito fraco, por isto não conseguiu impedir que Drake escapasse.


- Ele ficou fraco... mas não zerado. – explicou Hermione – Entendi. – ela coçou a nuca e sorriu sem jeito – Pois é... temos um ponto fraco mortal.


- Contudo... – Merlim atraiu o olhar deles – O Herdeiro Trevas não sabe disto. Não se preocupeis. Agora que já se uniram aos Dragões, também não poderão mais ficar, como vós disseis, zerados.


- Se ficarmos zerados... – falou Gina, fria – morreremos.


Rony engoliu em seco e Hermione tremeu. Harry fitou os olhos de Gina e suspirou.


- Não vamos morrer assim. – disse ele, convicto.


- Eu sei que não. – Gina sorriu – É por isto que falei, para que não nos obriguemos a permanecer na batalha se não tivermos mais forças.


- Entendi aonde você quis chegar. – Rony sorriu – Devemos saber  hora de recuar, caso seja necessario.


Gina assentiu.


A porta se abriu levemente. Merlim reergueu o capuz, escurecendo sua face. Owen e Cassius entraram tímidos.


- Atrapalhamos? – perguntou Owen.


- Não. – Gina sorriu – Já terminamos.


O quarteto se virou para o quadro e fez uma longa reverencia, Cassius e Owen os imitou, saindo logo depois. Eles seguiram para a saída e retornaram para a casa.


- Gostariam de ficar para o almoço? – convidou-os Cassius.


- O que você acha de ir até a Ordem da Fenix? – Harry sorriu – Podemos nos reunir lá para fazer uma pequena comemoração devido o retorno de Sirius.


- Então você decidiu que quer comemorar. – Gina sorriu marota.


- Temos mais motivos para comemorar. – ele sorriu em retorno.


- Acho uma ótima idéia. – disse Cassius com um soriso.


- Vamos então. – Owen deu uma palmadinha no ombro do pai e, junto com os outros, dirigiu-se à saida.


=-=-=


Durante todo o almoço e o resto da tarde o clima na Ordem da Fênix foi de festa. Porém, não foi nem de perto parecido com a última festa realizada na Sede. Foi apenas uma longa e divertida confraternização, onde todos riam, brincavam e bebiam, aqui e ali, cervejas amanteigadas e uísques de fogo.


Duas pessoas dividiam o posto de a mais feliz e animada: Remo e Sarah. Ele, por motivo já óbvio: o retorno de Sirius. Já ela, não só por um, mas por três motivos: o retorno de Sirius; o fato de ter conversado com ele e feito-o saber tudo o que acontecera com Régulo e sobre sua ligação familiar; e, talvez o mais importante, a reconciliação de Owen e Cassius.


Contudo, uma pessoa não participou de tal comemoração. Em um quarto escuro e sombrio, Draco Malfoy estava em silêncio, olhando a cidade longingua pela janela. Em sua mão, um pedaço de pergaminho amasado era firmemente apertado. Uma caligrafia feia e rabiscada era a coisa mais importante que o garoto tinha.


“Mansão Malfoy. Dia 28 de dezembro reagrupamento de comensais para o último ataque. Voldemort presente! Levar Potter sozinho!


O sonserino suspirou e olhou para o céu.


- Vai ser um longo dia. – disse rouco.


=-=-=


O sol nasceu, inundando de luz a velha cabana de madeira. Um homem loiro não largava seu posto de vigia. Os olhos pregados no telescópio que apontava para outra cabana, em um morro um pouco distante. Ele havia feito todas as contas que podia e chegara a uma só resposta: a hora estava próxima. Ele mal dormia desde que descobrira tal fato. Vinte e quatro horas por dia vigiando a casa quieta e silenciosa.


A confirmação para sua certeza veio pouco depois. Uma janela da casa vigiada foi aberta e por ela saiu duas corujas. Uma alçou vôo para o horizonte e a outra se dirigiu para, o que ele sabia ser, a direção do vilarejo mais próximo.


Ele despregou os olhos do telescópio e se jogou na poltrona, entorpecido. Havia chegado o momento, tinha absoluta certeza. Não ficou sentado por muito tempo. Deduziu que teria cerca de meia hora até o momento certo de ficar pronto para agir.


Durante esse curto tempo, tomou um banho e fez uma refeição reforçada, já que não se alimentava direito há muito tempo e necessitaria de energia caso fosse necessário.


Sua dedução não falhou. Meia hora depois, olhando pelo telescópio, avistou uma velha caminhando até a entrada da casa e entrando pela porta.


- Chegou à hora.


Ele vestiu o sobretudo preto e sacou a varinha. Sobre a escrivaninha encontrava se uma garrafa de vinho tinto e uma taça de cristal. Ele caminhou até a escrivaninha e se serviu do vinho. Voltou para a janela e admirou o céu que tornava-se cada vez mais azul anil.


- À você: Sarah, minha eterna amada; e ao nosso trato! – ele ergueu a taça ao céu e bebeu todo o seu conteúdo com um único gole.


Minutos depois estava do lado de fora da casa que vigiara por seis meses. Encostou-se à parede do que sabia ser o quarto ocupado pela mulher e apurou os ouvidos. Já estava acontecendo. Não demoraria muito pela dimensão do sofrimento que ele ouvia.


Deveria ser rápido. Assim que o Herdeiro surgisse deveria entrar na casa e matá-lo. Tinha que ser muito rápido, rápido o suficiente para impedir a fuga do Herdeiro. Como último recurso explodiria a casa.


Esperou durante um longo tempo. O sol subindo cada vez mais no céu e iluminando forte sobre si. Estava de olhos fechados, toda a concentração voltada para a audição. Eliminara grande parte da percepção física para não ser tão irritado pelo calor do sol, excessivo para o inverno.


Então ouviu.


O sinal...


O aviso...


A confirmação!


Abriu os olhos e correu silencioso até a porta de entrada. Com um movimento seco da varinha, a porta foi arrancada e arremessada para dentro da casa. Ele entrou e cruzou a sala e o corredor, parando enérgico à porta.


A mulher que vigiara deu um berro fraco, mas estridente. A confirmação se prolongava e ele guiou os olhos até sua fonte. A velha perguntou com a voz tremula:


- Quem é você? O que você quer?


Ele não respondeu nada. Ergueu a varinha, apontando-a para o Herdeiro e preparou o feitiço:


- Avada Kedavra!


- Confundo! – a mulher gritou fraca, atingindo a velha.


A velha deu um passo para o lado e recebeu a Maldição da Morte. Antes mesmo que seu corpo inerte caísse no chão, o homem preparou-se para lançar outra vez a maldição e a mulher arremessou contra o Herdeiro um travesseiro.


- Avada Ke...


- TRÊS! – berrou a mulher.


Um brilho emanou do travesseiro e, então, ele não estava mais lá. Não havia sinais nem do travesseiro nem do Herdeiro. Não havia nada que provava ou mostrasse que o Herdeiro sequer estivera ali.


- NÃO! – ele apontou a varinha para a mulher, enfurecido.


- Traidor! – gritou a mulher ainda fraca – Ele vai saber e vai te matar! Eu juro! Você vai me pagar pelo que fez e pelo que me fez fazer.


- Eu te mato! – ele ergueu a varinha.


A mulher segurou firme em outro travesseiro.


– Os Longbottons estarão de longe melhores do que você. É uma promessa! TRÊS! – e desapareceu.


O homem ficou parado.


Fracassara.


Sua única chance de reparar parte do mal que fizera havia desaparecido com uma chave de portal. Não havia como saber onde o Herdeiro estava, onde iria estar.


Frustrou-se.


Odiou-se.


Amaldiçoou-se.


- Se eu não te achar... se eu não te matar... morrerei em meio às piores dores que um humano pode suportar. – prometeu ele, amaldiçoando seu próprio destino.


Deixou, então, que o ódio o tomasse. O ódio contra si próprio, contra sua própria fraqueza, seu próprio fracasso. Berrou com todas as forças, sua energia escapando de seu controle.


=-=-=


O sol nasceu e iluminou o vasto corredor do segundo andar da Sede da Ordem da Fênix. Uma porta se abriu silenciosa e se fechou da mesma maneira. Um garoto com corpo e atitudes de homem avançou pelo corredor silencioso. Ele se virou, para descer as escadas e parou. Um outro garoto, de mesma idade que o primeiro, estava encostado à parede, aguardando.


- Bom dia, Potter. – disse esse garoto.


- Bom dia, Malfoy. – Harry contraiu o maxilar e começou a descer as escadas.


- Preciso falar com você. – disse Draco quando Harry passou.


- Sobre? – Harry parou e o olhou.


- A informação do Dragão Negro. – disse Draco.


- Voldemort! – Harry sorriu ao ver Draco se arrepiar e tremer – Então? – perguntou Harry logo depois.


- Ele vai reunir vários comensais para prepará-los. – Draco desencostou-se da parede – Afinal, a batalha se aproxima.


- Já sabemos. Temos três dias para nos preparar. – Harry ficou ainda mais contente ao ver Draco tentar impedir que seu corpo reagisse ao calor que de repente se instalava ali.


- Ele vai reuni-los hoje. – afirmou Draco – Muitos comensais estarão presentes.


- Avise o Moody. – disse Harry rápido – Se esta era a informação importante que tinha... – ele moveu as mãos com descaso, virando-se e voltando a descer as escadas.


- Ele vai estar lá... – completou Draco rápido e arrogante – Os membros da Elite também. Bellatriz e Snape com toda a certeza estarão presentes.


Harry estacou no lugar e prendeu a respiração. Draco sorriu vitorioso.


- Lestrange e Snape? – Harry não se virara.


- Além do próprio Dragão Negro. – confirmou Draco.


- Onde? – Harry se virou para encarar Draco, a voz rouca e quente.


Draco arrepiou-se com a visão dos olhos vermelho-flamejantes de Harry.


- Você irá sozinho? – perguntou o loiro recomposto.


- Não... – Draco teve que segurar um gemido – Você vai comigo.


- Certo. – agora, Draco teve que não demonstrar toda a felicidade que sentia – Vamos agora?


- Já se alimentou? – perguntou Harry, firme.


- Sim.


- É só o tempo de eu comer algo e iremos. – Harry se virou e desceu as escadas, entrando pela porta que levava à cozinha.


Draco sorriu largamente e se encostou à parede.


“Ainda bem... tudo certo até aqui.” – ele retirou do bolso da calça o bilhete amassado – “Só não entendo por que o Potter tem que ir somente comigo. Se vai ter tantos comensais... é perigoso para nós dois.” – ele balançou a cabeça e riu baixinho – “Qual é Draco... olha só tudo o que o Santo Potter fez!” – ele guardou o bilhete e desencostou-se da parede, descendo as escadas – “Tenho que admitir... ele pode vencer o Dragão Negro.”


Antes que Draco pudesse entrar na cozinha, a porta se abriu e Harry saiu rápido. Foi tão rápido que passara por Draco antes que eles trombassem.


- Vamos Malfoy. – disse o moreno.


- Claro. – Draco disfarçou o susto e saiu da casa.


- Para onde? – perguntou Harry já lá fora.


- Minha antiga casa. – Draco estendeu o braço.


- Eu mesmo me aparato. – disse Harry mais arrogante que o normal.


- Mas você não...


- Sei onde é sua casa porque a Hermione mapeou suas memórias e, algumas delas, vieram para mim. – Harry explicou como se explicasse que fogo queima – Vou aparatar na estrada. – e subiu com um rodopio.


- Como eu disse... – Draco resmungou mal-humorado – Vai ser um longo dia.


=-=-=


Mal Draco abrira os olhos, tivera que correr. Harry já avançava na direção da antiga Mansão Malfoy.


- Espere! – sussurrou Draco o mais alto que pôde.


Harry bufou e esperou. O capuz negro cobria sua cabeça e escurecia sua face, deixando visível apenas o brilho de seus olhos vermelhos flamejantes.


- Não sei você, Potter, mas eu quero retornar vivo para a Ordem. – falou Draco. irritado, recuperando o fôlego.


- Que venham. – disse Harry, presunçoso.


- Você pode se proteger muito bem, eu sei. – falou Draco o óbvio com desdém – Mas, contra dezenas de comensais, não sei por quanto tempo posso aguentar. – Draco estufou o peito.


- Está pedindo minha proteção? – perguntou Harry, desdenhoso.


- Sou um traidor Potter. – Draco sorriu desafiador e resgatou sua antiga arrogância – Minha cabeça deve estar sendo tão procurada quanto a tua.


Harry riu sarcástico e retirou a varinha das vestes.


- Vamos. – disse já avançando.


Com um movimento seco da varinha, o portão negro de ferro foi arrancado e jogado para o lado, dentro do jardim. Draco sacou a varinha e apertou os lábios, evitando que seu queixo caísse. Eles cruzaram o caminho rapidamente. Nenhum movimento veio da casa ou de seus terrenos. Certamente o que ocorrera ao portão passara despercebido aos olhos de quem quer que estivesse vigiando, se é que havia alguém vigiando.


- Voldemort! – uma voz quente e firme saiu da boca de Harry, assustando Draco.


- Isso é que é amor à própria vida. - sussurrou o louro, sarcástico.


- Cale-se. – bradou Harry baixinho.


Com outro movimento seco da varinha, a porta da casa explodiu em centenas de lascas de madeira. Eles pularam para dentro da casa, deram as costas um para o outro e varreram o hall com os olhos e as varinhas erguidas.


- Algum local específico? – sussurrou Harry.


- Não sei. – respondeu Draco sincero, um sorriso orgulhoso desenhando-se nos finos lábios – Minha informação restringia-se apenas a casa.


- Certo. – Harry virou-se para a porta que certamente levaria ao restante da casa.


Avançaram repetindo as mesmas ações de antes: a porta explodindo; eles pulando para dentro do aposento, costas com costas, varinhas em punho e olhos analisadores. Percorreram todos os aposentos do primeiro andar sem encontrar viv’alma.


- Onde eles estão?! – sussurrou Harry para si, irritado.


Draco engoliu em seco, perdendo levemente o ar orgulhoso e confiante.


“Se a informação for falsa. Eu sou um homem morto.” – pensou ele.


- Segundo andar. – disse Harry, apontando para as escadas.


Eles subiram silenciosos. Uma irritação aflorando-se em Harry e um medo incontrolável tomando Draco. Verificaram alguns aposentos, o silêncio mórbido sobressaltando-se sobre eles.


- Onde eles estão? – dessa vez, Harry perguntou à Draco.


- Eu não sei. – respondeu Draco e completou na defensiva, sem abandonar sua arrogância natural – Talvez a reunião aconteça mais tarde.


Harry bufou e olhou pelo corredor. Faltavam apenas duas portas. Ele sabia que eram o quarto de Draco e a biblioteca. Depois que verificassem tais cômodos, restariam apenas as câmaras ocultas. Era nessas câmaras que toda a esperança de Draco se apegava.


Eles avançaram para o quarto do loiro e obtiveram o mesmo resultado de todo o resto da casa. Estava vazio. Harry chutou uma almofada próxima e saiu do quarto. Draco, porém, observou algo a mais. Sua cama estava desarrumada. Estava limpa. Limpa!


- Potter?! – Draco chamou-o em voz alta, mandando para o inferno todo o cuidado que manterá desde sua entrada na casa.


- O que é? Não tem nada aqui! – falou Harry, irritado, à porta.


- Minha cama. – Draco apontou para ela.


- O que tem?! – Harry urrou nervoso – Está desarrumada! Qual é o problema?!


- Está limpa... – Draco olhou-o e completou arrogante por ter notado algo que Harry não notara – Sem poeira alguma.


Harry ergueu uma sobrancelha e visualizou a cama.


- Eu não durmo nessa cama há quase dois anos, Potter. – explicou Draco com um sorriso superior – Deveria haver, pelo menos, um pouco de poeira sobre ela.


- Então... – Harry se virou, olhando pelo corredor, a varinha segurada firmemente – há alguém aqui.


- Sim. – respondeu Draco, alegre, saindo pela porta e apontando a varinha para a porta da biblioteca – Se não estiver aqui...


- Estará nas câmaras. – completou Harry com um sorriso.


Eles se colocaram à porta da biblioteca e repetiram o movimento já decorado. A porta explodiu em centenas de lascas e eles pularam para dentro do aposento mal iluminado. A biblioteca era ampla: o teto de vidro muito alto; as paredes revestidas de estantes, divididas em vários níveis que podiam ser acessados por escadas. No chão, um conjunto de sofás, almofadas e tapetes tornavam o ambiente confortável e relaxante. A lareira, oposta à porta, poderia, se acessa, trazer a luminosidade que faltava para uma boa leitura, naquele horário.


Antes que eles pudessem olhar para cima, o som de palmas ecoou por todo o lugar. O sangue de Draco congelou e o de Harry ferveu.


- Parabéns Draco. – uma voz fria e sarcástica soou sobreposta às palmas – Cumpriu sua missão.


- Snape?! – questionaram Draco e Harry, erguendo o olhar para encarar Snape, que descia calmamente a escada que ligava o terceiro ao segundo nível.


“Parabéns Draco? Cumpriu sua missão?!” – Harry repetiu o que Snape dissera e fitou Draco com raiva.


Draco não soube dizer o que acontecera, só sabia que, segundos depois, estava caído no chão, depois de bater com a lateral do corpo na estante mais próxima e escorregar para o chão.


- Traidor! – berrou Harry.


A temperatura aumentou instantaneamente, sufocando Draco e Snape, que foi obrigando a parar de andar e levar a mão ao pescoço.


- Potter! – chamou Snape com um fio de voz.


Harry desviou os olhos de Draco para fitar o homem na escada. Ergueu a mão no momento certo para segurar a varinha de Snape, que ele mesmo arremessara.


- Não... vim... para... duelar. – Snape forçou-se a falar, apesar da garganta estar tão fechada e o pulmão suplicando por ar.


Harry respirou profundamente repetidas vezes. A temperatura abaixou-se lentamente, possibilitando à Snape e Draco respirar.


- Traidor. – sussurrou Harry, fitando Draco novamente.


- Eu não... – Draco tentou se defender das acusações.


Antes que o loiro pudesse terminar, Harry moveu rápido as mãos e fios de fogo surgiram em torno dos punhos e das pernas de Draco, prendendo-o como cordas em chamas e arrancando de sua boca um urro de dor.


Snape, enquanto isto, descera completamente as escadas e caminhava na direção de Harry. O moreno voltou sua atenção para o bruxo, que parou instantaneamente.


- Quanto tempo não é, Potter? – a expressão de Snape não podia ser classificada.


- É claro. – Harry retirou o capuz de cima da cabeça, mas seus olhos continuavam vermelhos flamejantes.


- Por onde esteve? – Snape sorriu torto, curioso.


- Não é da sua conta. – ralhou Harry.


- Liberte o jovem Malfoy. – Snape não ordenava, mas também não pedia, simplesmente dizia.


- Ele é um traidor da Ordem da Fênix. Como fora previamente avisado, eu o matarei. – afirmou Harry.


- Eu não sou um traidor! – gritou Draco – Eu não sabia que ele estaria aqui!


- Parabéns Malfoy. Cumpriu sua missão. – repetiu Harry fitando os olhos negros de Snape – Foi o que você disse. – referiu-se ao homem – A missão dele era me trazer até aqui para que você pudesse me aprisionar?


- Não. – respondeu Snape, simples – A missão dele era simplesmente trazer você aqui sem os membros da Ordem ou os fedelhos que te rodeiam. O resto era por minha conta.


A temperatura subiu consideravelmente. Snape sentiu-se sufocado e Draco berrou novamente, as cordas de fogo pareciam queimar ainda mais. Harry sorriu com o que causava nos dois e a temperatura baixou.


- Você não tem chances. – Harry sorriu superior.


- Estou desarmado. – Snape mostrou as mãos – Entreguei a você minha varinha como prova de que não quero duelar.


Harry ergueu uma sobrancelha, a varinha de Snape em sua mão.


- Pedi para que Draco trouxesse-o aqui... – começou Snape.


- Não pediu nada! Nunca pediu nada para mim! – gritou Draco, exasperado e dolorido.


- Admita Draco: você é um traidor da Ordem da Fênix! – berrou Harry, para Draco, que urrou de dor com as cordas de fogo queimando mais.


- Ele está dizendo a verdade, Potter. – disse Snape sem emoção, olhando Draco com indiferença – Ele não se lembra do que combinamos.


- Hermione mapeou a mente dele. – disse Harry encarando Snape – Não há nenhuma memória falsa na mente dele.


- Falsa não... mas, e apagada? – questionou Snape com um sorriso desdenhoso.


Harry ficou calado, relembrando-se do que Hermione dissera sobre Draco.


*- Flashback -*


Todos estavam sentados na enorme mesa da sala de reuniões da Ordem da Fênix. Calados, eles esperavam o término de uma conversa. Harry, Rony, Gina e Hermione discutiam mentalmente.


“Hermione como você pode confiar nele?” – Rony estava tão nervoso quanto Harry.


“Eu vi o que ele viu, ouvi o que ele ouviu e senti o que ele sentiu” – respondeu Hermione calma.


“Mas Mione, alguém pode ter alterado a memória dele!” – observou Gina.


“Não. Ele pode ter recebido algum ‘Obliviate’ e perdido algumas lembranças. Mas nenhuma lembrança falsa foi implantada na mente dele.” – negou Hermione sabiamente.


“Você tem certeza Hermione?” – Harry pareceu mais calmo.


“Sim, absoluta.” – respondeu Hermione – “Posso falar sobre o mais importante para vocês.”


“Não!” – falou Harry rápido – “Deixe que ele próprio confesse.”


“Não há nada para ser confessado” – afirmou Hermione.


*- Fim do Flashback -*


- Então... usou um Obliviate no Malfoy? – perguntou Harry, embora já soubesse a resposta.


- É óbvio. – disse Snape, desdenhoso.


- Usou um Obliviate em mim?! – gritou Draco, escandalizado.


- Chega de seus gritos. – Harry apontou a varinha para Draco sem olhá-lo – Silencio!


Ouviu-se um gemido apavorado morrer na garganta do loiro. Ele tentava falar, a boca movendo-se muda.


- Retornemos então? – perguntou Snape sem emoção.


- Onde está Tom? – perguntou Harry.


- Chama o Riddle pelo nome dele? Bom... muito bom. – comentou Snape, completando baixinho – Dumbledore aprovaria.


- NÃO FALE O NOME DELE!


Uma onda de calor desprendeu-se do corpo definido de Harry e chocou-se contra tudo e todos na sala.


“Ainda não superou a morte de Dumbledore, então.” – pensou Snape.


- Superarei quando vinga-la! – bradou Harry, causando um espanto que não pôde ser ocultado em Snape.


- Co-como? – gaguejou Snape, pela primeira vez em anos.


- Você é um oclumente quase perfeito, Snape. – explicou Harry com um sorriso arrogante – Nem mesmo Dumbledore poderia impedir que eu lesse a mente dele. Creio eu que Dumbledore era um oclumente melhor que você.


- De fato... – Snape se recompôs, assimilando os novos poderes de Harry à sua evidente habilidade de ler mentes.


- Agora responda, onde está Tom? – perguntou Harry novamente.


- Riddle não é o assunto a ser tratado em nossa conversa. – afirmou Snape, caminhando até uma das poltronas no meio da sala e ocupando-a – Sente-se. – sinalizou para os outros lugares vazios.


- Não pretendo ter uma conversa com você. – falou Harry entre dentes, permanecendo de pé, imóvel.


- Há coisas, Potter, das quais você não tem conhecimento. Coisas que somente agora devem ser reveladas. – falou Snape unindo as mãos e, assim, lembrando à Harry, Dumbledore – Coisas que você precisará saber para poder vencer.


- Vencerei sim, e não por qualquer informação que você possa me dar. Vencerei porque sou mais forte que ele. – afirmou Harry.


Draco, que parara que tentar falar, apenas acompanhava a conversa.


“Esse não é o Santo Potter.” – pensou ele – “O Santo Potter não agiria com tanta arrogância. Isso não é do seu feitio.”


- Diga-me, Potter, como está a caçada às horcruxes? – perguntou Snape com um sorriso desdenhoso.


“Ele sabe.” – pensou Harry ocultando perfeitamente bem o espanto.


- Não é de seu interesse, é? – perguntou ele.


- Se questionei é porque é do meu interesse, correto? – perguntou Snape, irônico.


- Se sente frustrado, não é? – Harry riu baixinho.


- Como? – Snape realmente não entendera.


- Você se sente frustrado por não poder mais ler minha mente. E, também, por eu conseguir quebrar seu bloqueio. – explicou Harry, arrogante.


- Não se vanglorie tanto, Potter. – Snape ainda mantinha aquele sorriso desdenhoso – O fato de você ter sumido todo esse tempo e voltado forte não significa muita coisa.


- Não? – Harry riu sarcástico – Não... provavelmente não.


“O que diabos aconteceu com o Potter?” – Draco ergueu uma sobrancelha.


- Eu somente vencerei Tom e todo aquele Exército Sombrio dele. – Harry descarregou todo o desdém que possuía em suas palavras.


- Poderá vencer Riddle e seu exercito sim, ninguém nega isto. – comentou Snape sem emoção – Contudo, a vitória da Guerra não se define unicamente à vitória de uma batalha.


- Será a última batalha. Tom cairá e nunca mais se reerguerá. – afirmou Harry convicto.


- Quanto ao fato de que Riddle cairá, eu não duvido nem um pouco. Ele nunca teve o domínio de si próprio, quanto mais o de centenas de milhares de bruxos enraivecidos. – o sorriso desdenhoso de Snape se intensificou – Riddle cairá perante seus próprios erros, seus próprios medos e arrogâncias. – ele fez uma pausa – Já quanto ao fato de que ele nunca mais se reerguerá, não é certo.


- Como não? – perguntou Harry, irritado – As horcruxes estão sendo achadas e destruídas, uma a uma.


- Quantas já foram destruídas? – perguntou Snape, rápido.


- Quantas você diria que já foram destruídas? – Harry apertou a varinha de Snape.


- Levando em consideração que você esteve sumido todo esse tempo e, tenho certeza, não foi por causa das horcruxes: outro ficou encarregado da missão de encontrá-las e destruí-las. – afirmou Snape, os olhos saindo da face de Harry para parar em sua varinha na mão do garoto – Acredito, então, que tal pessoa foi e é mais competente que você em tal missão. Arrisco a contagem de duas horcruxes destruídas por essa pessoa.


- Parabéns! – Harry bateu as palmas com as varinhas presas entre os dedos – Duas sim. O medalhão de Slytherin e a taça de Huffle-puff.


- Então encontraram o verdadeiro medalhão? – Snape voltou seus olhos para o rosto de Harry – Excelente. Deseje meus parabéns a essa pessoa.


- Com absoluta certeza desejarei. – a voz de Harry saiu quente e sarcástica.


- Então, temos destruídas as seguintes horcruxes: o diário de Riddle; o anel do Servolo; o medalhão de Slytherin e a taça de Huffle-Puff. – Snape contou nos dedos – Totalizamos quatro horcruxes destruídas. Restam três.


- Não faltam três, faltam duas. – afirmou Harry.


- Aí esta uma coisa que você não sabe, Potter. Riddle criou sete horcruxes, não seis, como Dumbledore te contou. – Harry arregalou os olhos e Snape sorriu ainda mais - Sabe quais são estas? – Snape mostrou com a mão três dedos erguidos.


- A cobra dele. – respondeu Harry, simples.


- Sim. A cobra é uma. – Snape abaixou um dedo – E as outras duas? – perguntou, interessado.


Harry engoliu em seco.


- Um objeto dos outros fundadores: Godric Gryffindor e Rowena Ravenclaw. – respondeu evasivo, como a própria resposta.


- Correto. – Snape permanecia com os dedos erguidos – No entanto, o verdadeiro mistério é: quais são os objetos?


Harry ficou calado. Snape estava certo. Ele não tinha a mínima noção de quais eram as últimas horcruxes. Dumbledore fora muito evasivo neste assunto, dissera-lhe somente o que possuía certeza e não dera nenhuma dica que o levasse à descoberta da sexta horcruxe. Nunca lhe dissera, também, que havia uma sétima. Snape estava certo. Porém, seu orgulho, e até mesmo bom senso, impediam-no de assumir perante o ex-mestre de poções seu acerto.


- Eu sei quais são. – afirmou Snape, o sorriso desdenhoso firme nos lábios.


O choque tomou Harry e ele não teve como disfarçar. Draco deixou o queixo cair.


- Sa-sabe? – Harry ficou sem reação.


- Sei. – Snape sorriu ainda mais pra ficar extremamente sério – Dumbledore me contou.


- Dumbledore?! – perguntou Harry, perplexo, para depois rir.


- Do que acha graça, Potter? – perguntou Snape, irritado.


- É engraçado como realmente tudo se encaixa. – Harry ainda ria e sua voz foi carregada do mais puro sarcasmo.


Snape apertou as mãos e revirou os olhos, impaciente. Draco balançou a cabeça, cansara de ficar parado, apenas ouvindo e vendo. Olhou em volta e viu, a quase um metro de distância, sua varinha. Esticou as mãos presas para pega-la. Estava longe o suficiente para frustrá-lo.


- Dumbledore contou-me que havia seis horcruxes no total e deixou-me a missão de encontrar as que ainda não haviam sido destruídas. – Harry começou a falar, com extrema arrogância, como se explicasse que o sol ilumina – E contou a você... que havia uma a mais, totalizando sete, e ainda disse com toda a certeza quais eram os objetos? – Harry riu novamente – De fato... tudo se encaixa.


- Dumbledore contou a você o que achava necessário. – disse Snape, seco e sem sorrir – O que você devia saber era exatamente o que você sabia ao entrar nessa biblioteca: existem seis horcruxes. Agora, o fato de você saber que existem seis horcruxes não impossibilita a existência de uma sétima.


- Então por que Dumbledore não me contou? – rugiu Harry.


- Ele não te achou preparado para tal revelação. – respondeu Snape, simples – Ele disse que achava que você descobriria sozinho a existência dessa sétima horcruxe.


- Como diabos eu poderia descobrir sobre algo que não tinha nenhuma expectativa? – perguntou Harry, irritado.


Draco desviou os olhos da conversa e, silencioso, esticou as pernas presas até a varinha. As cordas de fogo queimaram-no e ele mordeu o lábio para impedir-se de gemer. Paralisou-se então e pensou frustrado.


“Seu idiota. Potter lançou-lhe o maldito Silencio, mesmo que você quisesse, Potter nunca te ouviria. Idiota!”


Ele tocou a varinha com a ponta dos pés e, do melhor jeito que pôde, trouxe-a para mais perto, onde sua mão a alcançava.


- Dumbledore pediu para que eu lhe transmitisse o seguinte: “O ‘Fogo’ será aquele que enfrentará suas próprias trevas e sempre vencerá, será aquele que sofrerá pela vida mais que nunca deixará de ser bondoso e misericordioso, será aquele que o Herdeiro Trevas escolherá e marcará como irmão e como igual.” – disse Snape.


Harry paralisou. Era a sua parte da profecia de Merlim. A parte que o definia como a alma do Herdeiro Luz. Sabia aquilo de cor e não via nenhuma explicação para a existência de uma sétima horcruxe.


- Isto não leva a nenhuma horcruxe. – contrapôs Harry, simples.


- Dumbledore me explicou o seguinte, Potter: na magia antiga, as horcruxes não eram simples objetos com fragmentos de almas, elas eram consideradas como seres “vivos”. Cada horcruxe possuía um fragmento de uma alma inteira, como é do seu conhecimento. O ponto é que as várias horcruxes de uma mesma pessoa, no caso do Riddle, eram consideradas como irmãs. Uma horcruxe era irmã da outra.


- Ainda não vejo ligação com o que você citou. – Harry realmente não via nenhuma ligação.


- Dumbledore chamou minha atenção para o último fragmento da citação: “...será aquele que o Herdeiro Trevas escolherá e marcará como irmão e como igual.”


Harry paralisou e o ar lhe faltou. Como irmão? Como igual? Aquilo só significava uma coisa. Estava tão claro aos seus olhos, mas tão claro, que só poderia ser brincadeira.


- Quer mesmo que eu acredite no que está me dizendo? – perguntou, rindo sarcástico, os olhos fixos em Snape.


Snape arqueou uma sobrancelha em um claro sinal de descaso perante a pergunta de Harry, já que tudo não poderia ficar mais claro, e total seriedade do assunto. Não era brincadeira. A verdade caiu como uma bomba atômica nos pensamentos de Harry e ele só pôde assimilar uma única frase:


- Eu sou a sétima horcruxe. – sussurrou com um fio de voz, os olhos fitando o chão.


Draco, que estava para cancelar o feitiço que Harry lhe lançara, ficou em choque, largando a varinha sobre colo e encarando Harry.


- Riddle sempre almejou possuir os objetos dos quatro fundadores. Possuía o medalhão de Slytherin e a taça de Huffle-puff. Faltavam-lhe objetos dos outros dois fundadores. Ele encontrou algo de Godric Gryffindor, mesmo sem saber: você. – Snape não sorria, tão pouco falava com sarcasmo ou desdém, era simplesmente sério e ilegível.


Harry sentiu o chão sumir sob seus pés. Ele apoiou-se à poltrona que estava ao seu lado para não perder o equilíbrio. Seus olhos deixaram de ser vermelhos flamejantes e brilharam opacos na cor original. Draco se viu livre das cordas de fogo e, só então, despertou do choque. Snape fitou os olhos verdes de Harry, os olhos que vira durante tanto tempo com Lílian.


- Potter... – chamou com a voz baixa.


Harry se sentou na poltrona que se apoiara e permaneceu com o olhar fixo no chão. Ele não conseguia pensar. Nada de claro e sucinto se formulava em sua mente.


Snape suspirou e separou as mãos, apoiando-as nos braços da poltrona, e recostando-se à poltrona. Já imaginara que aquela seria a reação do garoto. Sua própria reação fora idêntica. Não conseguira aceitar que um fragmento da alma de Tom Riddle estivesse preso à alma do filho de Lílian Potter.


- Qual é a sexta horcruxe?


Tanto Snape quanto Harry foram pegos no susto. Draco estava de pé, longe de Harry e de Snape, a varinha firme na mão.


- Malfoy... – Snape sorriu torto – havia me esquecido de você.


- Se Potter não está em condições de perguntar, eu pergunto por ele. – Draco correspondeu ao olhar de Harry por alguns instantes antes de fitar Snape – Qual é a sexta horcruxe?


- A sexta horcruxe está em Hogwarts. – começou Snape, olhando pelo canto do olho para Harry – Você a achou. – apontou para Draco.


- Eu? – Draco espantou-se.


- Lembra-se de uma conversa que tivemos, logo depois da morte de Dumbledore? – Snape viu, pelo canto do olho, Harry enrijecer.


- Sim... contei para você tudo o que havia acontecido comigo, na esperança de que me livrasse do castigo. – a voz de Draco era amargurada.


- Lembra-se, então, que me relatou alguns objetos que havia dentro da Sala Precisa. – supôs Snape, os olhos fixos em Harry.


- Sim. – Draco não entendia aonde Snape queria chegar.


- Descreveu-me quase aos risos que vira um busto de um velho bruxo deformado que usava uma peruca parda e uma espécie de tiara, correto? – Snape sorriu torto quando viu Harry arregalar os olhos.


- É... foi sim. – Draco ainda não entendia – Mas que inferno, Snape! Aonde você quer chegar? – perguntou irritado.


- Rowena Ravenclaw possuía um diadema. A prova é sua estátua da sala comunal da Corvinal, nela a fundadora usa o diadema que bate perfeitamente com a descrição que você me deu. – falou Snape, devagar e claro, tentando transmitir à Harry tudo o que o garoto pudesse absorver naquele estado.


- Então aquela tiara é o tal diadema perdido de Rowena Ravenclaw? – Draco. concluiu


- Correto. – Snape olhou Draco pela primeira vez, curioso – Como sabe que o diadema estava perdido?


- Ouvi, certa vez, aquela tal de Lovegood falando sobre o assunto com uma colega de casa. – Draco deu de ombros.


O silêncio tomou-os. Draco e Snape voltaram seus olhares sobre Harry, que ainda não conseguia pensar com clareza.


Alguns minutos se passaram até que Harry reagisse de alguma forma. Ele se encostou à poltrona e suspirou, fechando os olhos.


- Por quê? – perguntou evasivo.


- Por que o quê? – Snape não sorriu.


- Se Dumbledore confiou a você a missão de me contar tudo isto... por que o matou? – Harry permaneceu de olhos fechados.


Draco desviou os olhos de Harry e fitou Snape. Snape uniu novamente as mãos e acompanhou com o olhar Draco se sentar em um sofá.


- Dumbledore estava morrendo. – respondeu Snape, calmo – A mão murcha não era a única coisa que ganhara ao segurar o anel do Servolo. Ele tinha pouco mais de um ano de vida a partir do dia que destruíra a horcruxe.


- E você decidiu por um fim nela. – concluiu Harry, irritado e sem abrir os olhos.


- Não, Potter. Definitivamente, a última pessoa que eu gostaria de matar era Dumbledore. Ele me pediu para que o matasse. – Snape fez uma pausa, devido às reações dos jovens ali presentes.


Draco caiu do sofá, boca aberta de choque e os olhos arregalados de espanto vidrados em Snape. Harry fechou os punhos e mordeu o lábio com força.


- Dumbledore estava morrendo aos poucos e dolorosamente. Creio que uma das poucas coisas que Dumbledore temia era uma morte lenta e dolorosa, por isto me pediu para que o matasse e encerasse seu sofrimento. – Snape suspirou.


- Você ia matá-lo? – Draco se levantou do chão e sentou-se novamente no sofá – Mesmo se você-sabe-quem não tivesse ordenado isto a mim?


- Sim, eu ia. – respondeu Snape simples e completou com desdém – Não tema o Riddle pelo seu nome, Malfoy. É patético.


Draco estreitou os olhos e continuou:


- Se você já ia matar Dumbledore, por que deixou que voc... – ele parou e suspirou – por que deixou que Riddle me ordenasse isto?


- Eu era espião infiltrado entre os comensais, Malfoy. Eu devia interpretar o meu papel com perfeição. Interferir em sua missão poderia ter significado ao Riddle que eu me importava com a vida de Dumbledore, pondo minha lealdade em dúvida.


- Então me mandou para o abate para não por a sua falsa lealdade em dúvida? – perguntou Draco, enraivecido.


- Poupe-me de suas frustrações, Malfoy. – disse Snape, seco, voltando seu olhar para Harry – Potter?


Harry abriu os olhos e fitou Snape, que disfarçou o arrepio que percorreu todo o seu corpo devido a intensidade daqueles olhos verdes esmeraldas.


- Na torre... Dumbledore suplicou para que não o matasse. – disse Harry, amargurado – E mesmo assim...


- Não, Potter. – Snape balançou a cabeça negativamente – Dumbledore não suplicou pela vida, mas pela morte. Ele estava fraco e sofria mais do que aparentava. Ele estava prestes a morrer... e morreria do modo que acredito que temia: sofrendo.


Foi a vez de Harry se arrepiar com a intensidade do olhar negro de Snape e de sua fala séria. A cena do ocorrido no alto da torre repassou na mente de Harry. Ele não desviou o olhar de Snape, embora à frente de seus olhos as cenas repassassem rápidas e nítidas.


*- Flashback -*


A porta para as ameias se escancarou mais uma vez e surgiu Snape, de varinha em mão, seus olhos negros apreendendo a cena, de Dumbledore apoiado na parede aos quatro Comensais da Morte, incluindo o lobisomem enfurecido e Malfoy.


- Temos um problema, Snape – disse o corpulento Amico, cujos olhos e varinha estavam igualmente fixos em Dumbledore -, o menino não parece capaz...


Mas outra voz chamara Snape pelo nome, baixinho:


- Severo...


O som assutou Harry mais do que qualquer coisa naquela noite. Pela primeira vez, Dumbledore estava suplicando.


Snape não respondeu, adiantou-se e tirou Malfoy do caminho com um empurrão. Os três Comensais da Morte recuaram calados. Até o lobisomem pareceu se encolher.


Snape fitou Dumbledore por um momento, e havia repugnância e ódio gravados nas linhas duras do seu rosto.


- Severo... por favor...


Snape ergueu a varinha e apontou diretamente para Dumbledore.


- Avada Kedavra!


Um jorro de luz verde disparou da ponta de sua varinha e atingiu Dumbledore no meio do peito.


*- Fim do Flashback -*


Harry balançou a cabeça, jogando no passado aquelas imagens. Draco suspirou.


- O que vai acontecer agora? – perguntou o loiro.


- O Eleito decidirá. – respondeu Snape, calmo, encostando-se à poltrona e depositando as mãos sobre o braço dela.


Harry fitou o chão, as mãos fechadas em punhos apertando sua varinha e a de Snape. Processou as informações novas em sua mente.


Primeira: era uma horcruxe de Tom Riddle. Segunda: Snape parecia ser leal a Dumbledore e somente o matou porque o próprio diretor pedira, tornando-o, aparentemente, leal à Ordem e, indiretamente, à ele próprio.


Contudo, a última parte da informação ainda precisava ser comprovada.


- A quem você é leal? – perguntou, ainda olhando o chão.


- Sou leal à Dumbledore e à Ordem da Fênix. – respondeu Snape, convicto e sério.


Harry suspirou. Não foi preciso se concentrar para que pudesse distinguir a mentira da verdade nas falas de Snape. Ele sorriu sarcástico e riu baixinho. Draco encarou-o como se ele fosse louco. Snape, no entando, apenas sorriu torto.


- Vamos. – Harry se levantou e jogou para Snape a varinha dele.


- Para a Ordem? – perguntou Draco.


- Não... para Azkaban. – disse Harry, sério, e Draco ficou pálido.


Snape sorriu divertido com a palidez de Draco e se levantou.


- Acorde, criança, Potter devolveu-me a varinha. Não vai nos levar para Azkaban. – disse desdenhoso, guardando a varinha nas vestes.


Harry sorriu divertido da expressão de incredulidade e raiva de Draco.


- Vamos. – o moreno se virou e saiu.


Harry percorreu o caminho até a saída da casa com Snape e Draco a alguns metros de distância.


Muitas coisas haviam mudado com aquele encontro. Harry percebera que deveria, de alguma maneira, morrer para que Tom nunca mais retornasse. O conhecimento de ser uma horcruxe do homem que tentara lhe matar solucionava todos os mistérios que o circularam durante toda a sua vida. Estava explicado o fato de ele falar a língua das cobras e de ter uma ligação direta com a mente de Tom.


A profecia da professora Trewlaney finalmente era explicada em sua totalidade. Um extra ganho com essa informação? A correta interpretação da profecia de Merlim.


“...será aquele que o Herdeiro Trevas escolherá e marcará como irmão e como igual.”


Muitas coisa haviam mudado. Exceto uma.


Ele esperou que Snape e Draco o alcançassem do lado de fora dos terrenos da casa. Segurou no braço de Snape com firmeza e aparatou.


Exceto uma.


Severo Snape era e sempre seria, um traidor.

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