Contagem regressiva



Capítulo cinco: Contagem regressiva


Neville sugava lentamente o caldo ralo e quente de sua sopa de folhas de mandrágoras. Estava totalmente quebrado, como se tivesse levado uma surra. Seu corpo inteiro doía, seus músculos pareciam estar em brasas e seu sangue borbulhava fortemente dentro das veias. Havia sido uma manhã realmente cheia – pensava ele, fazendo uma careta ao tomar um gole amargo do líquido esverdeado.

O bruxo teve de podar os galhos do Salgueiro Lutador para que a árvore desenvolvesse-se mais rápido. Uma tarefa dificílima para quem não soubesse do segredo que envolvia a paralisação dos movimentos do Salgueiro, e um trabalho facílimo para quem entendesse do assunto, como Neville. Mas, como era de seu feitio, o homem tivera de complicar uma tarefa que, com auxílio de magia, deixava de ser complicada.

Neville aprontara suas trapalhadas de sempre, pelas quais recebera apelidos infames de seus alunos e colegas de trabalho, que riam-se de seu estilo desastrado. Sendo assim, antes que pudesse imobilizar o Salgueiro Lutador, levara umas boas bofetadas ao atrapalhar-se na hora de apertar o nó no tronco que paralisava a árvore. Agora, ele fazia cara feia ao tomar a sopa preparada por Madame Pomfrey, contendo algumas gotas de poção revigorante feita com extrato de clorofila de mandrágora.

A sopa tinha um gosto horrível e um cheiro nada agradável também. Sem falar na temperatura do líquido que parecia estar entrando em ebulição, devido as recomendações médicas de Madame Pomfrey que o mandara beber a sopa “morninha”, mas o que ela dizia ser morna, era na verdade quentíssima, de queimar a língua e a garganta. No primeiro gole que tomara, Neville cuspira todo o líquido de sua boca no rosto de Draco Malfoy, o novo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas.

Ninguém duvidava do talento de Draco para lecionar a matéria em questão, afinal, ele adquirira um vasto conhecimento em Magia defensiva durante seu período como Comensal da Morte, mas todos duvidavam da sanidade mental de Dumbledore e McGonagall ao aceitarem o bruxo no corpo letivo a escola após tudo o que ele fizera em seu passado como seguidor de Voldemort. Porém, ninguém realmente se importava (tirando os grifinórios que sofriam com a tirania de Draco, que tornara-se um clone de Snape em relação ao ensino de sua matéria), pois Dumbledore já acolhera Snape, um ex-comensal, por que não repetir o feito com Draco que desempenhara a mesma função de Severo há anos atrás?

De qualquer forma, após a cuspida de Neville, a face pálida de Draco ficara encharcada com o jato verde de sopa. Seus cabelos loiros pingaram gotas de poção na mesa dos professores assim que ele sacudiu a cabeça para retirar o excesso de líquido das madeixas douradas e dos olhos cinzentos. O rosto de Neville ficara da cor da bandeira da Grifinória devido ao acidente e ele murmurou diversas desculpas seguidas, completamente embaraçado. Os estudantes, entretanto, caíram na gargalhada, até alguns sonserinos, os protegidos do loiro, se uniram ao coro de risadas que preencheu o salão por uns bons cinco minutos.

Não é nem preciso dizer o quanto Draco ficara irritado. O bruxo lançou um olhar assassino para Neville, as bochechas ligeiramente coradas de vergonha. Mas, sem perder a pose, ele alcançou a varinha no bolso da veste e aplicou um feitiço para livrar-se da sopa que escorria por seu rosto e sua roupa. E, com extrema elegância, ele levantou-se da mesa, pedindo licença ao Professor Dumbledore que visivelmente tentava conter uma risada, bem diferente da maioria dos outros professores. Eles não se incomodavam em rir em alto e em bom som, pois mais da metade do corpo docente de Hogwarts freqüentara a escola junto de Draco e, consequentemente, o odiava.

Assim, graças ao conjunto de “incidentes” daquela manhã, Neville encontrava-se muito envergonhado durante o almoço. Ele olhava fixamente para o prato, remexendo a sopa com a colher. Por causa de toda a sua atenção voltada a poção, ele nem percebeu quando Cho aproximou-se dele, sentando-se ao seu lado, no acento antes ocupado por Draco. A bruxa serviu-se de um pedaço de pastelão de frango e começou a comer com animação e rapidez, olhando de canto de olho para Neville.

- Eu consegui – disse ela feliz, causando um susto em Neville, que deu um pulo na cadeira, finalmente notando a presença de Cho à mesa.

- Conseguiu o que, mulher? – perguntou ele, não compreendendo.

- Consegui um convite para o casamento do Harry – explicou, levando uma garfada de pastelão até a boca.

- Com quem? – Neville arregalou os olhos, descrente.

- Com os noivos, ora essa. – Cho deu de ombros.

- Com os noivos? – Neville mirou-a desacreditado – Você está falando de Harry e Gina?

- É óbvio, né? – Cho revirou os olhos, tomando um gole de seu suco de abóbora – Não são eles que iam se casar?

- Como assim “iam”? – Neville estranhou, olhando desconfiado para a amiga.

- “Iam” porque não vão mais, como o verbo já diz...

- E por que eles não vão mais? – insistiu ele.

- Porque eu não vou deixar, eu vou impedir a realização desse casamento – disse ela calmamente, como se destruir casamentos fosse a ação mais normal e sensata do mundo.

- Eu não acredito que você ainda está com essa idéia maluca na cabeça, Cho – ele repreendeu-a, para logo em seguida franzir a testa – E acredito menos ainda que Harry, e principalmente Gina, tenham permitido que você vá ao casamento.

- Pois pode acreditar, caro Neville – Cho riu – Eles gostaram tanto da idéia que até me convidaram para ser madrinha.

- O quê? – ele alterou-se, aumentando o tom de voz sem perceber. Os professores a sua volta olharam-no feio e ele tratou de baixar novamente a voz, corando – Como assim?

- A Weasley me convidou para ser sua madrinha – ela disse com um sorriso irônico.

- O quê? – ele quase gritou de novo, atraindo olhares de total reprovação dos colegas.

- É exatamente isso que você ouviu, eu vou ser a madrinha de casamento da Weasley – Cho repetiu, os olhos brilhando maldosamente.

- Merlin que me ajude, esse mundo virou de ponta-cabeça? – Neville deixou o queixo cair, perplexo – Como você conseguiu isso?

- Simples: Miguel utilizou todo o seu poder de persuasão com a Weasley... – Cho fez uma careta – Acho até que aquela insossa ainda tem uma quedinha por ele, coitada, mal sabe que ele é gay...

- O Corner é gay? – ele perguntou surpreso, mas antes que Cho pudesse responder, o bruxo sacudiu a cabeça, retomando o assunto principal e mais importante – Ou melhor, você e o Corner se encontraram com o Harry e a Gina?

- Exatamente – confirmou ela.

- Deus! – Neville olhou-a espantado – Que dia lotado de reencontros entre ex-namorados, hein? Primeiro você e o Harry, depois a Gina e o Corner...

- Viu como o destino está sendo bondoso comigo, Nev? Depois não venha me dizer que eu estou fazendo algo errado, hein? Os deuses estão conspirando para que eu acabe com aquele casamento! E eu não posso ir contra os deuses, não é mesmo? – Cho sorriu, piscando.

Nivelle olhou-a carrancudo, voltando a tomar sua sopa. Após alguns minutos de silêncio entre os dois, ele voltou a falar, a voz saindo fraca, rouca:

- Então acho que você pode em contar o que aconteceu, já que você vai ir ao casamento...

- Como assim? – Cho abandonou sua sobremesa para olhar intrigada para o amigo – Você não vai?

- Não – ele baixou a cabeça, sem jeito – Eu não posso, só... não posso.

- Por que não?

Neville ergueu o rosto, mirando-a desolado.

- Eu não posso vê-la casar, Cho... Eu não posso ver a Gina casar, ainda mais com um dos meus melhores amigos. Eu não quero odiar o Harry para o resto da minha vida, porque eu sei que ele não tem culpa de nada. Eu sou o culpado, fui eu o idiota que não empenhei minhas forças para tentar conquistar a Gina. E eu sei que eu vou acabar odiando o Harry se eu o reencontrar, se eu o vir casando com ela, tirando-a de mim... Eu definitivamente não posso voltar a odiá-lo, eu já esgotei minha cota de ódio por ele há três anos trás, quando ele e Gina começaram a namorar...

Cho olhou-o penalizada, entendendo-o de certa forma. Somente o que não conseguia entender era o porquê de Neville não querer lutar agora, não querer separar Gina e Harry, como ela tentava fazer. Ela sacudiu a cabeça, desistindo de tentar entender as razões do amigo e voltou a concentrar a sua atenção no pudim de leite que devorava com pressa.

- Está com pressa, hein, Cho?

Cho deu um pulo, assustando-se com a voz irônica que dissera aquelas palavras. Franzindo a testa, ela olhou para os lados, procurando o dono da voz, mas não encontrou ninguém que desse indícios de que tivesse a chamado. Intrigada, ela voltou seu olhar novamente para o prato e novamente ouviu a voz:

- Hei, Cho! Aqui embaixo, olhe para baixo!

Ela obedeceu o pedido, olhando para baixo. Assim que desempenhou o movimento, viu que raios de luz avermelhados saíam do bolso de sua veste, acompanhando a voz que voltara a soar, vinda do lugar de onde as fagulhas surgiam. Sorrindo, ela puxou do bolso o espelho comunicador que ganhara de Harry como presente de aniversário de namoro há quatro anos atrás.

Reconheceu a voz de Miguel assim que aproximou o espelho do rosto, vendo a imagem do amigo refletida no pequeno pedaço de vidro quadrado. Quando Harry e a mulher terminaram, ela tratou de comprar um par para seu espelho e presenteou Miguel com ele, pois assim poderia chorar suas desilusões amorosas com o amigo sempre que quisesse, ou seja, a cada cinco minutos. Pobre Miguel, tivera de aturar suas mágoas por um bom tempo... E não desferira nem ao menos um ai em reclamação quanto a transformação indevida de seu ouvido em pinico, grande amigo...

- Poxa, até que em fim, hein? Tô te chamando aqui há uma década! – reclamou ele, fazendo bico.

- Deixa de ser chato, Miguel! – repreendeu-o, fazendo cara feia – O que você quer, hein? Eu estou almoçando!

- Mas que recepção calorosa, Srta. Chang! É nisso que dá tentar ajudar uma amiga, só recebo patada de volta – Miguel mirou-a cinicamente, sorrindo. Cho revirou os olhos, cruzando as pernas.

- O que você quer, Miguel? – repetiu ela, notando curiosamente que atrás do rosto do amigo, refletido no espelho, o fundo parecia representar uma casa de aspecto antigo, com as paredes compostas por pedras rústicas e com uma simpática chaminé concluindo o cenário aconchegante.

- Eu preciso falar uma coisa meio chata contigo, minha querida amiga do meu coração – ele disse cuidadosamente e Cho percebeu na mesma hora que ele estava pajeando-a para obter alguma coisa em troca.

- Ih, já vi que eu não vou gostar do que você vai me falar – ela fez uma careta. Miguel riu em tom ligeiramente constrangido enquanto comentava com a cara mais lavado do mundo:

- Que é isso, Cho? Está duvidando da capacidade do seu amigo aqui?

- Estou – confirmou ela.

- O.k., O.k., eu posso até cometer uns deslizes de vez em quando, mas nada que haja necessidade de se preocupar – ele disse, dando uma piscadela marota.

- E a notícia que você vai me contar agora está incluída entre os seus “deslizes”?

- Bom... mais ou menos... – ele disse, fechando apenas um olho quando viu uma expressão furiosa surgir no rosto de Cho. Com o olho ainda aberto, ele espiava as reações e movimentos da amiga.

- Eu sabia! – ela bufou – O que foi dessa vez? Caçaram o seu distintivo de novo?

- Não! – ele negou veementemente para tranqüilizar a irritada Cho – Nada disso. Eu apenas...

- Você apenas...? – incentivou-o Cho, olhando impaciente para Miguel enquanto ele coçava a cabeça, desconfortável.

- Eu apenas... hum... eu só... só... nãovoupoderircomvocêaocasamento – falou ele em tom rápido e baixo, sem parar para respirar entre uma palavra e outra.

- O quê? – perguntou Cho, não entendo o que o amigo dissera.

- Nãovoupoderiraocasamento – ele disse novamente, aumentou ligeiramente a voz, mas Cho ainda não conseguiu entender o que ele dissera.

- Fale inglês, por favor! Não estou entendendo nada!

- Eu não vou pode rir ao casamento, droga! Tá surda, hein? – gritou ele, irritado com a audição da amiga. Cho olhou-o com reprovação enquanto Neville e outros professores olharam para ela intrigados ao ouvirem a voz alterada de Miguel.

- Cala a boca, seu imbecil! – censurou ela pelo canto da boca enquanto informava aos colegas, através de gestos, que tudo estava bem – Eu estou no meio do meu almoço, seu idiota, e você vem em interromper com uma notícia dessas!

- Dane-se o seu almoço, temos assuntos mais importantes para tratar – Miguel disse, sério.

- Tipo que você vai me dar o bolo e não aparecer para me ajudar a destruir o casamento do amor da minha vida com a ridícula da Weasley? – perguntou Cho, contorcendo a face numa careta cheia de raiva. Miguel encolheu-se ligeiramente, imaginando que a qualquer hora ela iria soltar fogo pelas narinas. Sendo assim, tentou acalma-la:

- Eu não vou te dar o bolo, eu só...

- ... vai me deixar sozinha quando eu mais preciso de você – ela completou a frase por ele, cruzando os braços. Miguel baixou a cabeça, envergonhado – Vamos lá, Miguel! Você é meu porto seguro, eu preciso de você lá comigo! Por favor, por favor...

- Eu... não posso – ele mirou-a desolado. Cho murchou visivelmente, perguntando desanimada:

- Por que não?

- Porque... não.

- Ora, mas que resposta esclarecedora! Já me sinto mais aliviada! – ironizou ela.

- Olhe, eu vou explicar – começou ele, engolindo em seco audivelmente –Surgiu um home... quer dizer... hum... surgiu um... imprevisto!

- Imprevisto? – Cho ergueu as sobrancelhas, desacreditada.

- É, um... imprevisto...

- Que tipo de imprevisto? – Ela mirou o amigo severamente. Ele entreabriu a boca, soltando um ruído indecifrável enquanto pensava numa resposta adequada, mas antes que ele o fizesse, alguém poupou-lhe do trabalho:

- Hei, Mi, posso abrir essa garrafa de vinho?

A imagem de um homem alto, forte e bonitão se interpôs na frente da de Miguel. Cho reconheceu-o como sendo um antigo colega de trabalho quando ainda jogava quadribol pelo Monstrose Magpies. Era Alan Green, o batedor mais veloz da temporada passada, sem falar nas super habilidades em campo, na força sobrenatural e no físico de dar inveja a muitos. Ela deixou o queixo cair, perplexa. Miguel corou furiosamente, lançando um olhar assustado a amiga enquanto fazia gestos frenéticos para que Alan saísse da frente.

- Mi? – Cho segurou-se para não soltar uma risada enquanto via Alan baixar a garrafa de vinho tinto que havia erguido.

- Cho? – Alan engasgou-se, os olhos azuis arregalando-se.

- Eu mesma – confirmou ela, sorrindo maliciosamente – Como vai?

- Bem... eu acho – ele disse, escondendo o rosto corado. Olhou para Miguel, que encontrava-se da mesma maneira, e disse com a voz baixa, porém audível – Mi... hum – pigarreou, fazendo Cho ter de colocar os nós dos dedos dentro da boca para prender a risada que insistia em tentar sair – quer dizer... Miguel... Mi... ops... Miguel, eu... eu vou dar o fora...

- Não, espere! – exclamou Miguel alarmado, colocando a mão no braço musculoso de Alan. Cho não agüentou mais e riu, fazendo os dois corarem e se separarem imediatamente.

- Eu vou estar no quarto – Alan sussurrou pelo canto da boca, esperançoso que Cho não ouvisse por estar rindo com vontade, mas ela ouviu, e isso fez sua risada transformar-se numa gargalhada de altas proporções, atraindo novamente a atenção dos professores.

- O.k. – disse Miguel, tentando não sorrir, mas um sorriso já estava aparecendo em seus lábios, divertindo Cho imensamente. Porém, assim que Miguel percebeu isso, tratou de engrossar a voz, dizendo – Você vai estar no quarto pegando umas minas, certo, Sr. Green?

- O quê? – Alan não compreendeu de imediato, mas quando Miguel lançou-lhe um olhar extremamente significativo, ele tratou de engrossar a voz também – Claro! Eu pego a loira e você a morena, não é?

- Exato – confirmou Miguel, mandando o outro sair com um gesto de cabeça. Alan obedeceu, mas não sem antes mandar um beijo no ar para Miguel, cujo rosto tornou-se vermelho tomate, de tanta vergonha.

- Então é esse o seu imprevisto, não é, Sr. Pervertido? – Cho perguntou, tentando recuperar-se da risada constante, mas esta já a dominava, continuando sem parar.

- O quê... Alan? Não! – Miguel negou, sacudindo o dedo.

- Eu te conheço, Sr. Corner! Só acho que não conhecia o Alan direito... Gay? Quem diria... – Cho disse pensativa – É, parece que todo o homem gostoso está virando gay...

- Alan não é gay! – Miguel exclamou, fazendo Cho olha-lo com um sorriso – É sério! Ele não é gay e eu também não! Há vários exceções na sua teoria, Cho. Eu sou gostoso e não sou homossexual. O Alan é gos... – ele interrompeu-se, arregalando os olhos ao perceber o que quase dissera.

- Aha! – exclamou Cho vitoriosa – Você disse! Você disse que ele é gostoso!

- Disse nada! – defendeu-se.

- Disse sim!

- Não disse!

- Disse!

- Não!

- Sim!

- Não!

- Disse sim e ponto final – Cho finalizou a conclusão, não dando chance para Miguel retrucar – Agora, ouça bem, esse é o momento em que eu digo que estou muito, mas muito chateada com você por ter me trocado por um bofe qualquer...

- Não chame o Alan assim, Cho. – repreendeu-a Miguel, irritado – Você sabe muito bem que nós somos somente amigos. AMIGOS, entendeu ou quer que eu repita?

- Eu sei disso, Miguelzinho querido, eu conheço esse tipo de “amizade”. Chama-se amizade colorida, se não me engano...

- Não há amizade colorida nenhuma, o meu relacionamento com o Alan é estritamente profissional... – Miguel disse sem nem convencer a si mesmo com a reposta improvisada.

- Ora, mas é óbvio! Afinal, relacionamentos profissionais incluem visitas românticas a chalés nas montanhas, dividindo um quartinho bem apertadinho... – Cho caçoou, referindo-se ao lugar onde Miguel e Alan se encontravam.

- Não é nada disso que você está pensando – ele assegurou-a, olhando por cima dos ombros nervosamente. A vista além das janelas retratava o pico esverdeado de uma montanha, onde árvores frutíferas cresciam ao longo dos campos verdes e floridos – O Monstrose vai jogar aqui no Sábado, e eu, sendo locutor esportivo, tenha de presenciar o jogo. Só isso.

- E para isso você precisa dividir um quarto num chalé com o jogador mais gostoso do time? Numa noite regada a vinho, apelidos carinhosos e peripécias sexuais? – insinuou a mulher.

- Cho, eu vou dizer uma última vez: Eu e Alan somos só AMIGOS! Amigos, entendeu?

- Está bem, eu finjo que acredito – ela deu um muxoxo – Mas o que eu não consigo acreditar é que você tenha trocado a companhia da sua amiga de tantos anos aqui por a presença do seu novo “amiguinho”.

- Ah, qual é, Cho? Eu tenho de trabalhar!

- Eu sei muito bem o tipo de trabalho que você fará nesse fim de semana... – disse Cho maliciosamente.

- Cho, querida, você é lesada ou o que? – Miguel disse com raiva – Eu já disse que estou aqui apenas para trabalhar, mais nada! – ela olhou-o com uma expressão que dizia claramente que não acreditara em uma única palavra que ele dissera – Sério! Eu preciso trabalhar par viver, se você ainda não notou!

- E eu preciso do Harry para viver! – Cho exclamou, suplicante – Mas para eu conseguir o Harry só para mim novamente, eu preciso da sua ajuda, Miguel! Você é meu porto seguro, meu salvador, meu Jesus Cristo! Eu preciso da sua presença lá naquele casamento, preciso que você fique do meu lado!

- Mas eu sempre ficarei do seu lado, meu bem, só que metaforicamente falando, entende?

- Grande ajuda... – ela resmungou, revirando os olhos – Eu preciso que você fique do meu lado, literalmente. Não à milhares de quilômetros de distância!

- Bom, se for por causa disso eu dos seus aluninhos queridos poderá ocupar o meu lugar – Miguel sorriu ironicamente – Tenho certeza que umas três dúzias deles se candidatarão de bom grado só para vê-la usando um vestido ao invés das roupas usuais...

- E eu tenho lá cara de pedófila, por acaso?

- Você quer que eu responda sinceramente ou minta para não estragar a nossa amizade?

- Que engraçado você está hoje, Miguel... Hahaha, estou morrendo de tanto rir – Cho fez uma expressão de extremo desagrado.

- Não seja tão chata, Cho! Você está parecendo uma velha rabugenta – reclamou ele, emburrado.

- E você até que estava parecendo um hétero há momentos atrás, mas agora voltou ao normal – ela retrucou asperamente, fazendo Miguel irritar-se.

- Ah, cala a boca!

- Pois eu vou fazer isso mesmo, que é o melhor que eu faço! Mas não espere que abra essa minha boquinha linda aqui para falar com você tão cedo, ouviu, Miguel Corner? – Cho disse venenosamente, e, antes que o amigo pudesse retrucar, ela apanhou sua varinha, apontando-a para a superfície do espelho – Finite Incantatem!

A imagem de Miguel desapareceu, bem como sua voz que foi sumindo lentamente. Cho suspirou irritada, enfiando com raiva o pedaço de vidro dentro do bolso. Neville olhou para ela com as sobrancelhas erguidas, a colher contendo sopa à meio caminho da boca. Ela fez um gesto impaciente, indicando que estava tudo bem, enquanto retomava ao seu pudim, mal-humorada.

Porém, antes mesmo que pudesse provar uma colherada do doce, ouviu uma voz chamando seu nome novamente:

- Cho Chang.

Ela atirou a colher de volta ao prato com raiva, olhando para o bolso, de onde raios de luz vermelhos fagulhavam. Ela respirou fundo, olhando para cima e assoprando algumas mechas de cabelo que caíam por sua testa. Apanhou o espelho de novo e, presumindo que fosse Miguel tentando falar com ela novamente, nem ao menos olhou para a imagem refletida, já foi logo falando irritada:

- Olha aqui, Miguel, eu não quero saber, ainda estou brigada com você...

- Wow, wow, wow! Sinto decepcioná-la, Cho, mas eu não sou o Corner, graças a deus! – exclamou a voz irônica de Harry, fazendo seu coração acelerar e seus sentidos apurarem-se. Ela baixou os olhos para a imagem do homem, vislumbrando satisfeita o sorriso maroto e os olhos verdes brilhantes que encaravam-na divertidamente. Na mesma hora um sorriso iluminou a face da mulher e ela aproximou seu rosto do espelho, dizendo animada:

- Ah, oi Harry! Há quanto tempo!

- Realmente, muito tempo – ele respondeu, consultando o relógio de pulso – Faz aproximadamente umas duas horas que não nos vemos.

- Mas para mim já é uma eternidade – disse ela dengosa, fazendo-o rir, embaraçado – Mas tenho certeza que você não veio aqui para ouvir declarações de uma ex-namorada, não é?

- Não, mas elogios eu aceito de bom grado – Harry piscou-lhe cheio de si – É bom saber que ainda tenho fãs que apreciam o bom e velho charme de um Potter...

- Entre outros atrativos, obviamente – Cho completou com um sorriso, olhando discretamente para o corpo forte dele, revendo avidamente o desenho bem-feito dos músculos do peito largo, coberto pela fina camisa negra.

- Obviamente – confirmou ele, corando de leve.

- Mas então, se não me chamou para receber elogios, o que quer falar comigo? – ela perguntou curiosa, estendendo a conversa o máximo possível para ouvir mais uma vez aquela voz rouca. Ah, como sentia falta da voz dele! Sussurrando palavras carinhosas ao pé de seu ouvido...

- Na verdade eu estava tentando ligar para o Clube da ligação obscena, mas acho que deu interferência... – Harry disse divertido – Você por acaso estava pensando em mim, Srta. Cho Chang?

- Mas que prepotente! O que te faz pensar que eu estava pensando em você, Harry Potter?

- Pressentimento... – respondeu ele rindo. Cho sorriu, derretendo-se ao ouvir aquela risada novamente.

- Ora, mas você está ficando muito convencido! Onde está o Harry Potter que eu conheci em Hogwarts? Aonde foi parar aquele menino tímido e modesto que corava toda a vez que eu me aproximava?

- Desapareceu após receber tantos mimos – ele respondeu, mordendo o lábio inferior. Cho achou uma graça o jeito com que ele estava agindo, um misto de constrangimento e diversão. Bem típico de Harry. Ela sorriu, apoiando o queixo na mão fechada, o cotovelo sob a coxa.

- Dando trabalho para a mulherada, Sr. Potter? – ela acusou-o em tom brincalhão.

- Quem me dera! Meus dias de solteiro estão contados, logo vou estar usando uma aliança e direi adeus para a minha liberdade conjugal – Harry suspirou, mas logo voltou a sorrir, ao contrário de Cho, que desfez o sorriso na mesma hora, chateada – Mas é exatamente sobre o casamento que eu quero falar com você.

- Eu também quero falar com você sobre esse casamento, Harry – ela disse séria, fazendo-o franzir as sobrancelhas, curioso.

- O quê é? Algo errado com o casamento?

- Sim e não – Cho baixou os olhos, não ousando encarar o homem nos olhos por medo que seu olhar deixasse transparecer o quão desapontada estava.

- Como assim? – Harry não entendeu.
Ela olhou para ele, observando uma ruga de incompreensão surgir entre suas sobrancelhas. Desviando o olhar de novo, concentrou sua visão num ponto fixo atrás da cabeça do bruxo, e imediatamente sua sobrancelha ergueu-se ironicamente, contra a sua vontade. O cômodo em que Harry encontrava-se era excessivamente laranja. Tudo a volta tinha um tom furiosamente alaranjado, as paredes, o teto, tudo. Laranja, laranja, laranja!

- Onde você está, Harry? Num forno? – ela perguntou rindo nervosamente. Estava tentando adiar ao máximo o momento em que iniciaria o assunto desagradável.

- Estou no antigo quarto do Rony, na Toca. Você sabe, ele tem uma paixão excessiva pelo Chudley Cannons – Harry disse apressadamente – Mas você não respondeu a minha pergunta: O que há de errado com o casamento?

- Não há somente algo errado com o casamento, o casamento em si já é um erro enorme, Harry, eu sinto muito por estar dizendo-lhe isso, mas... – ela desabafou tudo o que estava preso em sua garganta e, de certa forma, sua confissão acabou aliviando-a – eu não posso mais fingir... até agora eu não entendi o porquê de você estar fazendo isso. Você não acha muito cedo para assumir umas responsabilidades dessas? Você só tem 22 anos! Não é muito cedo para casar? Se você se arrepender depois...

- Eu não vou me arrepender, Cho – ele disse convicto. Ela engoliu em seco, mas continuo a apresentar diversos motivos para força-lo a mudar de idéia:

- Mas como é que você pode ter tanta certeza? Eu acho que você deveria pensar mais sobre o assunto...

- Eu já pensei muito sobre isso – Harry respondeu, umedecendo os lábios – Já pensei até demais e após tanto refletir, eu descobri que eu quero em casar, quero constituir uma família, uma família que seja minha...

- Mas você pode fazer isso depois – propôs Cho esperançosa – Pense bem...

- Como eu disse, eu já pensei até demais, andei pensando sobre o assunto há três anos. E você me perguntou como eu posso ter certeza disso. E o pior é que eu não tenho, eu estou morrendo de medo de não dar certo, meu estômago está doendo de nervosismo desde quando pedi a mão de Gina em casamento – ele revelou, fazendo os olhos de Cho brilharem, mas antes que ela pudesse incentiva-lo a acabar com aquele maldito casamento de uma vez por todas, ele continuou docemente – Mas aí eu penso que tudo dará certo, pois eu tenho quem eu amo perto de mim, em meus braços. A única coisa que eu preciso é ter Gina ao meu lado, o resto que se dane! Eu não tenho certeza de nada, exceto do amor que eu sinto por ela, eu a amo com todo o meu coração.

Cho sentiu seu coração despedaçar-se em milhões de pedaçinhos afiados que cortaram seu peito, sufocando-a. Sua respiração paralisou nos pulmões enquanto olhava sem ação para Harry, o olhar vidrado. O homem olhou-a preocupado, perguntando:

- Cho, está tudo bem?

Ela balançou a cabeça, espantando os pensamentos melancólicos que passeavam por sua mente perturbada. Respirando fundo, ela tentou controlar as lágrimas que teimavam em arder em seus olhos. Não poderia demonstrar fraqueza naquele momento, não agora que estava a um passo de conseguir o queria. Não agora que tinha sabia poder acabar com o casamento, estando próxima dos noivos e dos convidados. Era só dar um empurrão e o matrimônio desmoronaria ladeira abaixo, tinha certeza. Não podia deixar-se levar pelo que Harry dizia, ele não sabia o que queria, nunca soube... Certo?

- Sim – respondeu ela com a voz trêmula.

- Ótimo! Porque eu tenho uma tarefa para você. Eu preciso que você venha para cá, para a Toca! A festa de noivado começa amanhã, é uma festa de 4 dias, com os eventos de praxe e milhões de pessoas vindas do mundo inteiro.

- Ah, quanto a isso eu não duvido – Cho disse mal-humorada – Com a quantidade de Weasley existente na Inglaterra, não duvidaria nada se um oitavo da população mundial fosse composta por eles.

- Bom, na verdade, um terço dos convidados são Weasley – Harry respondeu – Então prepare-se para ver montes de ruivos no casamento.

- Emocionante... – ela revirou os olhos.

- Então, eu estava pensando se você poderia vir pra cá o mais cedo possível. As madrinhas precisam provar os vestidos, e ainda tem o ensaio para o casamento e a despedida de solteiro. Será que você poderia...

- Claro! Eu estarei lá, Harry – ela respondeu com um sorriso. Era exatamente disso que ela precisava, mais tempo perto dos noivos para poder executar suas armações.

- Obrigado. Você é a melhor.

- Você também.

- Até mais!

- Até...

A imagem de Harry desapareceu junto com sua voz, deixando Cho a encarar o próprio reflexo na superfície embaçada do espelho. Ela suspirou, frustrada por não ter conseguido convencer Harry de que casar com a Weasley era uma loucura, mas satisfeita por poder atormentar a ruiva por o maior tempo possível. De repente, um brilho assassino surgiu em seus olhos e ela ergueu-se de supetão, animada.
-

Onde você vai? – Neville perguntou surpreso, olhando para o pudim ainda inacabado de Cho. Ela sorriu venenosamente, arrumando o cabelo com as mãos enquanto alisava as vestes. Olhando para o amigo, ela disse com malícia:

- Vou fazer uma visitinha à Toca.

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