O Monte dos Imortais



A OUTRORA CHARMOSA E ELEGANTE DAMA da comunidade bruxa havia perdido o encanto e a vivacidade no longo período que passara em Azkaban, porém sua determinação e o brilho frio no olhar – comum àqueles que faziam da vida alheia um mero joguete na ponta de sua varinha – permaneciam intactos. Bellatrix Lestrange avançou pelo mesmo caminho que tantos outros seguidores do Lord das Trevas faziam toda vez que eram solicitados pelo seu senhor, alguns orgulhosos por serem necessários a tão ilustre bruxo, outros temerosos e quase em estado de desespero pelo temor de uma atitude impensada ou por uma tarefa mal realizada, mas a altiva feiticeira deixava transparecer apenas uma expressão de rotina e até de certa indiferença. Ela se aproximou da já conhecida cadeira que servia de amparo para o corpo de estrutura ofídia do seu mestre, curvou-se ligeiramente e aguardou silenciosamente que o outro se pronunciasse.
— Ouvi dizer que as coisas fugiram de seu controle em Paris, Bellatrix. – a voz do maquiavélico bruxo soou com sarcasmo.
— De forma alguma, mestre. – respondeu a mulher firmemente – Apenas se fez necessário um pequeno ajuste ao plano original.
— Pequeno ajuste? Nem mesmo eu chamaria a execução dos pais de nosso alvo com este termo! – fez uma pausa, aguardando uma explicação.
— As coisas começaram bem, lancei a Maldição Imperius no John Bentley e fiz com que ele levasse o Pettigrew para a filha substituir o animal que envenenamos, mas ele estava se tornando resistente ao meu controle, era muito estranho. – seu rosto demonstrou uma expressão de incredulidade – A menina não queria vir para Hogwarts e ele iria ceder, mesmo contra a minha sugestão, então resolvi elimina-los, pois assim a mulher gigante seria obrigada a leva-la consigo para a escola. – parou um instante como se houvesse algo em sua estória que não conseguisse explicar.
— Você não me parece satisfeita, Bellatrix. O sabor da morte sempre a deixou com o moral alto. – observou Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado.
— Como disse, algo estranho aconteceu. A resistência do homem não era normal e, em certo momento eu senti... – a bruxa hesitou um pouco em prosseguir –... a presença de Margot Smith! Sim, era como se ela estivesse lá...
— O que está dizendo? – a voz do bruxo das trevas parecia um sibilo – Eu mesmo matei aquela traidora! E com isto provei que Lord Voldemort não possui fraquezas.
— Sim mestre, mas ela possuía poderes estranhos. Talvez, de alguma forma, ela tivesse conseguido se incorporar em um descendente.
— Pode ser que tenha razão, Bellatrix. O poder de Margot ia muito além do que os de uma simples vidente, como acabou ficando conhecida. Eu sei muito bem disso. Mas, se ela se associara de alguma forma ao filho, com ele morto nossas preocupações estão terminadas.
— Não tenho tanta certeza mestre, pois a presença que senti ocorreu no intervalo entre as duas mortes e... eu lancei a Maldição da Morte primeiro no John Bentley!


Harry retirou-se da biblioteca e, apesar de estar usando sua capa da invisibilidade, achou melhor não se descuidar novamente de sua estadia incógnita em Hogwarts. Sacou de seu Mapa do Maroto e localizou o zelador Filch, em companhia da professora McGonagall, se dirigindo em direção da biblioteca. Certamente o homem não se convencera da argumentação da Murta-Que-Geme e resolvera comunicar o ocorrido à diretora que, por conta dos últimos acontecimentos ocorridos nas dependências do castelo, julgou melhor investigar o fato pessoalmente.
O jovem teve então uma idéia arriscada: sua curiosidade o havia atormentado muito ultimamente em relação à lembrança recebida do Sr. Olivaras e, diante da sua atual impossibilidade de tomar posse do objeto herdado do professor Dumbledore, resolveu aproveitar a ausência momentânea da diretora de seu escritório para tentar acessar e utilizar a sua tão desejada penseira.
Dirigiu-se rapidamente para o local utilizando-se de um atalho conhecido e, ao chegar defronte à entrada do gabinete percebeu, para sua grande satisfação, que a estátua da gárgula que costumava obstruir a passagem de quem não possuía a senha de acesso, encontrava-se posicionada na lateral da passagem, deixando livre o acesso aos degraus que levavam ao escritório da diretora, provavelmente a mesma esquecera-se de lacrar a passagem em sua ânsia de investigar a informação trazida pelo bedel.
Sem hesitar, o garoto avançou em direção ao seu objetivo, mantendo-se protegido pela capa a fim de evitar os olhares dos ex-diretores em seus quadros, porém, ao passar defronte ao quadro de Dumbledore, pareceu-lhe que este acompanhou sua passagem por sob os óculos de meia-lua, como se a figura pudesse vê-lo embaixo de seu disfarce.
Apesar de sentir-se um pouco incomodado com este fato, o menino não se deixou atrapalhar pelo detalhe, com presteza abriu o armário onde sabia que se alojava a penseira e, depois de despejar nela o conteúdo prateado do frasco de cristal que levava nos bolsos, encostou lentamente sua fronte na mistura líquido-gasosa que se formara no recipiente.
A sensação já sua conhecida de estar caindo em um espaço vazio tomou conta de seu corpo e, ao tocar o solo, encontrou-se em um corredor mal iluminado, ao lado de um vulto que girava uma chave na fechadura de uma das portas ali existentes.
Com um horrível rangido proveniente de suas enormes e enferrujadas dobradiças, a pesada porta de madeira maciça que lacrava o acesso ao minúsculo cômodo sem janelas, que provavelmente já fora um armário de vassouras, foi abrindo-se vagarosamente deixando entrar, juntamente com o indivíduo atarracado e com feições de ratazana que a destrancara, uma luz bruxuleante, proveniente dos castiçais existentes no corredor ao qual o aposento dava acesso. No canto oposto do cubículo, deitado ao chão úmido e em meio a trapos, um homem esquálido e com os cabelos desgrenhados, colocou uma das mãos em frente aos olhos, tão acostumado que estava às trevas de sua cela, que até a fraca luz das velas às costas de seu visitante o ofuscavam.
— Olivaras! – gritou, com a voz carregada de maldade, o animago Pettigrew – Levante-se e despeça-se de sua existência: o Mestre vai recebê-lo!
Ao reconhecer a identidade do homem que tantos infortúnios causara aos que amava e a ele próprio, Harry atirou-se ao seu pescoço para estrangula-lo, mas seu corpo atravessou o do outro, como se fosse um fantasma.
O rosto branco e quase sem vida do fabricante de varinhas, por um instante, tornou-se mais pálido ainda, com muita dificuldade e com as mãos e pernas tremendo ele se levantou e, amparando-se nas paredes, saiu do seu cárcere e seguiu pelo corredor, escoltado pelo outro bruxo.
Harry, já refeito de seu primeiro ímpeto, seguiu-os alguns passos mais atrás até adentrarem em uma outra sala onde pode perceber uma sombra familiar esgueirando-se pelo chão: Nagini, a enorme cobra seguidora d’Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, como era denominado no mundo bruxo o monstro em que se tornara o garoto Tom Riddle, e provável possuidora de uma parte da alma de seu mestre, levantou a cabeça de seu corpo semi-enrodilhado e mirou o prisioneiro que adentrava ao recinto, analisando a possibilidade de tratar-se de uma possível presa, mas, ao perceber que esta caça pertencia ao seu mestre, virou a cabeça na direção do Lord das Trevas, que se encontrava sentado a uma magnífica cadeira, que mais lembrava um trono, virada de frente para uma das paredes laterais do cômodo, de modo que, da entrada do aposento era possível vislumbrar apenas o perfil do bruxo.
O Menino-Que-Sobreviveu levou a mão instintivamente à testa, porém, mesmo sabendo que a imagem do odiado Lord das Trevas iria se revelar em breve, não sentiu a costumeira dor em sua cicatriz: uma das vantagens de estar participando da cena apenas como espectador.
— O vendedor de varinhas, Mestre! – anunciou Rabicho, fazendo uma acentuada reverência e empurrando violentamente o prisioneiro, que caiu de joelhos.
Fez-se um instante de silêncio, no decorrer do qual o Comensal da Morte, que fazia às vezes de carcereiro, retirou-se do aposento permanecendo como uma sentinela logo após a soleira da porta, Nagini manteve-se estática, observando o líder das forças das trevas, e o velho comerciante continuou prostrado ao chão com a cabeça abaixada, então a voz de Voldemort se fez ouvir no ambiente:
— Lembra-se da varinha que me vendeu, quando ingressei em Hogwarts?
Olivaras levantou a cabeça, que se encontrava apoiada em seu peito – uma contida expressão de satisfação percorreu seu rosto como um flash, voltando rapidamente à sua triste realidade.
— Sempre me gabo em dizer que me lembro de cada varinha que vendi até hoje... a sua não seria de maneira diferente...
— Sabia que ela tinha uma gêmea? – a pergunta, visivelmente, fora feita apenas para demonstrar uma perspectiva de conversa amigável, visto que a resposta era óbvia.
— Sim... eu a vendi a Harry Potter... muitos anos depois da sua... – obviamente não era intenção do velho prolongar aquela conversa por muito mais tempo.
— E porque a vendeu a ele? – a entonação do bruxo das trevas acentuou-se na última palavra – Achou que seria interessante possuirmos varinhas irmãs?
— Sempre digo que é a varinha que escolhe o bruxo, e não o bruxo que escolhe a varinha... – a resposta foi imediata, demonstrando realmente ser uma frase dita com freqüência.
Lord Voldemort levantou-se vagarosamente, apanhando sua varinha que se encontrava sobre uma mesinha ao seu lado, e caminhou em direção ao homem ajoelhado no chão, o objeto da discussão apontando displicentemente para o coração do outro. Harry não pode deixar de sentir um calafrio percorrer sua espinha, ao se ver novamente, mesmo naquelas circunstâncias, frente a frente com o seu inimigo.
— Pena de fênix, não? – sibilou o bruxo das trevas, com as narinas dilatando-se acentuadamente no semblante ofídio.
O interrogado confirmou com a cabeça, pendendo-a, em seguida, novamente sobre o peito, procurando impedir seus olhos de manterem contato com aquela criatura maligna.
— A mesma fênix que pertenceu ao velho Dumbledore? – a voz do sonserino tornando-se mais ríspida.
— Sim! – respondeu Olivaras, levantando a cabeça de forma que seu raio de visão chegasse, no máximo, até a altura do pescoço de seu interlocutor – Estas penas sempre foram muito raras e, quando soube que esta ave, em especial, havia se aliado ao Alvo, pedi-lhe que me cedesse alguns exemplares para a minha fábrica.
— “... esta ave, em especial...” – repetiu as palavras do homem – O que quer dizer com isso?
O velho parou um instante para refletir, ao perceber que possuía uma informação que era desconhecida ao outro.
— É que o pássaro que passou a servir Dumbledore era Fawkes, a lendária ave que se tornara a guardiã e protetora de Hogwarts, a mesma fênix que, um dia, pertenceu a Godric Gryffindor! – a riqueza de fatos, em suas respostas, reforçava a intenção de terminar o quanto antes com o interrogatório.
Pela primeira vez, Lord Voldemort pareceu se interessar pelas palavras do velho bruxo, ruminou um pouco a informação e, dando-lhe as costas, questionou:
— Se é verdade que a varinha escolhe o bruxo, pode me dizer porque uma varinha, com tamanha afinidade à Casa Grifinória, escolheria a mim para servir? Um descendente de Slytherin? – a pergunta foi incisiva.
O maltratado bruxo manteve-se em silêncio por um breve instante, pensativo, mas logo em seguida argumentou:
— Uma varinha deve ser fabricada a partir de um objeto de grande poder mágico, geralmente proveniente de um animal mítico. Embora alguns destes doadores de “matéria-prima”, eventualmente, se aliem a este ou àquele feiticeiro, eles continuam sendo seres livres e devem ser desassociados de crenças, posições políticas ou qualquer outra linha de atividade que seus pseudo “donos” possam seguir.
A figura ofídica voltou-se novamente para o comerciante de varinhas, aparentemente satisfeito com a explicação, e perguntou:
— Já ouviu falar de “Priori Incantatem?”.
Olivaras assentiu com a cabeça e emendou logo em seguida:
— É muito raro, por somente ocorrer quando varinhas irmãs se enfrentam, mas não há nada conhecido no mundo mágico, que possa modificar esta situação. Uma varinha mágica continua sendo uma extensão do ser que a originou, e é impossível, a uma criatura deste tipo, permitir que uma parte de si mesma destrua uma outra parte.
O Lord das Trevas retornou ao ponto onde se encontrava, no início da entrevista, sentou-se novamente em sua cadeira e, depositando sua varinha em seu descanso, na mesinha ao lado, ordenou:
— Rabicho, pode levá-lo!
Harry observou o fabricante de varinhas sair rapidamente, quase que arrastado pelo seu carcereiro. Em seu canto, Nagini observou a saída dos dois e, em seguida, tornou a depositar a cabeçorra sobre seu corpo enrolado, aparentemente decepcionada. O jovem bruxo sentiu, então, seus pés lhe faltarem e novamente verificou que se encontrava na sala da diretora da escola.
Sentiu-se satisfeito por não ter sido pego desta vez como geralmente acontecia quando realizava estas incursões não autorizadas e, aproveitando o raro momento de sorte, seguiu rápido para seu novo esconderijo.


Draco acabara de fartar-se com o pequeno banquete que encontrara à sua disposição na sala de jantar da espaçosa mansão em que se encontrava. Não fazia idéia do lugar onde se localizava nem tampouco a quem pertencia a residência em que se achava forçosamente hospedado, só sabia que estava sendo muito bem tratado: além do referido cômodo onde regularmente encontrava as refeições previamente preparadas e à disposição para ele, havia um confortável dormitório e um banheiro muito bem equipado que, além do salão com a lareira ao qual havia sido transportado pela chave de portal, eram os únicos cômodos da casa a que tinha acesso – as demais portas e janelas encontravam-se magicamente lacradas, inclusive as que dariam para o lado externo da casa.
O próprio caldeirão que o misterioso vulto transformara em sua passagem para aquele lugar, desaparecera misteriosamente durante uma de suas incursões aos outros cômodos da casa, extinguindo sua única, porém menos indicada, maneira de sair de seu novo confinamento.
De qualquer forma, sabia que estava muito melhor agora do que desde o primeiro momento em que se alistara na horda dos Comensais da Morte. E, se havia uma coisa que ele podia afirmar sem a menor sombra de dúvida, é que ele se arrependia daquele dia como jamais se arrependeria de qualquer outra coisa em sua vida.


Harry retornava rapidamente para seus novos aposentos na recém-descoberta masmorra, oculta nos alicerces do Castelo de Hogwarts, no caminho ia meditando nas últimas informações obtidas na Seção Reservada da Biblioteca e construía uma teoria que pretendia colocar em prática assim que se encontrasse defronte ao misterioso paredão.
“... o ingresso a este local sagrado...” – ele lembrava-se do texto que lera no livro – “... só pode ser feito através do fogo da própria fênix”. Se a sua idéia estivesse correta, ele poderia usar um lança-chamas contra o painel que não teria efeito algum, mas um simples feitiço de fogo realizado por sua varinha... “Uma varinha mágica continua sendo uma extensão do ser que a originou...”, lembrava-se agora das palavras que ouvira do Sr. Olivaras há pouco. Se estivesse correto, a pena de fênix existente no cerne de sua varinha lhe permitiria o ingresso ao local da paisagem reproduzida no painel e que, suspeitava ele, se tratava de um acesso ao Monte dos Imortais.
O rapaz atravessou resoluto pelo portal invisível que acessava seu novo lar, aproveitando-se para pensar no que poderia aprender lendo aquele enorme livro que vislumbrara no afresco, reparando imediatamente na drástica mudança que sofrera o lugar, após a faxina que o competente elfo realizara. Seguia obstinado em direção ao fundo da sala, quando uma inesperada aparição bloqueou-lhe o caminho.
Com a fisionomia carregada por um profundo sentimento de vergonha e arrependimento, as longas orelhas caídas sobre os ombros, Winky materializou-se diante do jovem, não ousando, no entanto, encarar o seu mestre.
Após o pequeno instante de surpresa, Harry olhou melhor para a pequena elfo que permanecia calada à sua frente: seu vestido vermelho ainda era o mesmo, porém alguns detalhes em renda branca haviam sido incorporadas à sua barra, bem como uma larga fita amarela com um grande laço destacava sua cintura e, observando melhor, verificou que a pequena criatura ostentava uma bonita tiara à cabeça adornada por uma única camélia branca do brejo. O bruxo não precisou analisar muito a situação para concluir:
— Gina descobriu você!
O elfo concordou com a cabeça e pôs-se a chorar copiosamente, torcendo as mãos uma à outra e dizendo, entre soluços:
— Winky só esperava o mestre chegar para atirar-se à lareira, como castigo!
O Menino-Que-Sobreviveu não sabia se ficava bravo com a criada, se a consolava devido ao seu enorme estado de tristeza ou se ria da transformação que a menina, tal qual faria em uma de suas bonecas, realizara na pequena criatura.
— Não haverá necessidade disto, Winky! – respondeu o rapaz – Se já aconteceu mesmo, tudo bem... eu te perdôo.
— Oh! Muito obrigado, Harry Potter! – disse, aliviada – Mas Winky não teve culpa, a menina Gina é uma bruxa muito poderosa! Ela capturou Winky e a obrigou a contar o que estava fazendo em seu quarto.
— E como ela descobriu que você a estava vigiando?
— Ela desconfiou porque Winky arrumou seu quarto e o enfeitou com flores. – novamente demonstrou a expressão de vergonha – Winky não poderia deixar as coisas da menina naquela bagunça.
— E o que você contou a ela?
— Winky contou tudo! Afinal, Harry Potter disse que a menina Gina é sua ama também, e Winky não pode esconder nada de sua ama.
Harry sacudiu a cabeça negativamente e fez uma anotação mental para ter mais cuidado no teor de suas palavras ao tratar com os elfos.
— Bem, então fique encarregada de orientar a Gina de que ninguém mais tenha acesso a estas informações.
O elfo sacudiu a cabeça em sinal de concordância e, estalando os dedos como que para demonstrar que estava se esquecendo de alguma coisa, enfiou uma das mãos por trás do grande laço que trazia à cintura e retirou um pequeno pedaço de papel dobrado, que entregou ao jovem mestre dizendo:
— Oh, Winky já ia esquecendo! A menina Gina lhe mandou entregar isto!
Harry não pôde evitar enrubescer ligeiramente ao apanhar o bilhete das mãos da pequena criatura, abriu-o com avidez e leu as seguintes palavras:
“Querido Harry, fico mais tranqüila em saber que está em segurança. Agradeço pela sua preocupação comigo e também pelas flores, são lindas. Seus segredos estão seguros e espero vê-lo em breve. Da sua Gina”.
“Da sua Gina”, repetiu para si o garoto com um estranho torpor tomando conta de seu corpo, ao mesmo tempo em que sentia o salão girar ligeiramente à sua volta. Saboreou aquela gostosa sensação por alguns instantes, então tomou de pena e um pedaço de pergaminho e, após destruir alguns rascunhos que achou melosos demais, entregou ao elfo um novo bilhete-resposta com o seguinte teor:
“Querida Gina, também sinto muito a falta de todos, em especial de você. Estou enviando a Edwiges, por favor, cuide dela para mim por uns tempos Tenho muitas novidades para contar e, assim que possível, darei um jeito de vê-los. Um beijo, Harry”.
Assim que a mensageira se desmaterializou, o bruxo sentiu-se relaxado e soltou um breve suspiro, mas, como sabia que a sua noite estava muito longe de terminar, virou-se para o paredão que ostentava a grandiosa gravura, encarando resoluto seu novo desafio.


Michelle encontrava-se deitada e com o olhar fixo no espaço vazio existente entre seu corpo e o teto do cômodo em que se encontrava, apoiando-se em seus cotovelos, forçou-se a sentar e olhou curiosamente à sua volta: estava em sua cama, no seu quarto, na casa de seus pais. Aparentemente era noite, pois a única fonte de luz que emanava no quarto, originava-se de um castiçal localizado em um aparador estrategicamente colocado ao lado da janela, onde bruxuleavam dois pequenos tocos de vela.
Instintivamente, sentiu uma presença, já sua conhecida, olhou para uma cadeira, que se encontrava na penumbra no lado oposto à fonte de luz, onde identificou um vulto sentado.
“Vovó Margot!” – exclamou a menina, girando o corpo em direção à visitante e sentando-se na borda da cama, com as pontas dos pés descalços acariciando nervosamente a tapeçaria que cobria o assoalho.
“Olá querida!” – respondeu carinhosamente a figura, que aparentava possuir entre 25 e 30 anos de idade e vestia uma longa camisola branca com a gola toda rendada escondendo-lhe totalmente o pescoço, que era ladeado simetricamente por longos cachos de cabelos negros.
“Estou muito triste com o que aconteceu, vovó.” – choramingou a bruxinha, amparando o rosto nas mãos espalmadas – “Quem era aquela mulher horrível que fez aquilo com meus pais?”
“Bellatrix!” – respondeu enquanto se levantava da cadeira e dava um passo em direção à neta – “Mas ela não deve ser sua preocupação no momento.” – disse e colocou uma das mãos nos ombros da garota, como fizera antes, quando presenciaram a execução da Maldição da Morte.
“Que farei agora, vovó?” – perguntou, enquanto levantava o rosto banhado em lágrimas – “Nunca pensei que pudesse ficar sozinha!”
“Você nunca estará sozinha, meu bem.” – confortou-a a avó – “Mas, preste atenção: há um bruxo muito malvado tentando usar você. Você tem que ser firme e lutar contra ele, Michelle. Você não pode deixar ele te controlar!”
A voz foi diminuindo de intensidade e sumindo lentamente, enquanto a imagem da mulher e de todo o ambiente à sua volta também se tornava turvo e foi pouco a pouco desaparecendo, até que uma voz mais forte e clara se fez ouvir:
“Harry Potter! Você está apaixonada por Harry Potter, e deverá fazer de tudo para conquista-lo!”
A garota acordou em uma enorme cama na casa de sua madrinha, Madame Máxime, onde há alguns dias se encontrava hospedada, e visualizou com os olhos semicerrados a magnífica cortina da janela por onde entravam os luminosos raios do sol da manhã. A seu lado, sobre uma cadeira disposta longitudinalmente à posição da cama, encontrava-se a ratazana Pierre, sua nova mascote, a observa-la insistentemente.
A recém-acordada sentou-se animadamente à beira da cama, de frente para o roedor que mantinha sua pata cor de prata esticada em direção à jovem, e só conseguia ter um pensamento em mente: “Não vejo a hora de começarem as aulas em Hogwarts, e conhecer este interessante rapaz, Harry Potter”.


Harry não perdeu mais tempo, apontando sua varinha em direção ao mural pintado no paredão, disparou em desabalada carreira em sua direção, ao mesmo tempo em que gritava “Inflamatus”. Um poderoso jato de fogo irrompeu do objeto mágico varrendo a superfície do bonito afresco, engolindo a figura do rapaz que se atirava, como um bólido contra superfície de pedra. O bruxo cobriu o rosto com um dos braços dobrado à sua frente, aguardando a qualquer instante o choque contra a barreira sólida, o que, no entanto, não aconteceu. Ao perceber que já havia ultrapassado a distância a ser percorrida, freou sua investida e baixou a varinha e, ao perceber que o piso tornara-se irregular, baixou o braço que o protegia e abriu os olhos.
Sentiu, então, o forte e frio vento do topo do Monte dos Imortais a varrer-lhe o corpo, a paisagem era extasiante, podia ver o branco de algodão das nuvens a centenas de metros abaixo do platô onde se encontrava e, acima de sua cabeça, uma infinidade de constelações a rodear a imensa lua em seu último dia de cheia. Permaneceu por alguns instantes contemplando aquele primeiro degrau da escada em direção ao paraíso, até que se deu conta que bem à sua frente se encontrava o pedestal que sustentava o enorme livro que já avistara anteriormente no mural de sua recente morada. Olhou para trás e percebeu que ali se encontrava um paredão cortado na encosta de rocha pura que compunha o topo daquela montanha, de iguais proporções à que acabara de atravessar, e que retratava, para seu espanto e surpresa, uma pintura da sala de aula que deixara para trás na masmorra secreta do castelo. Então se lembrou do pequeno filhote de fênix, e dirigiu-se para o ninho localizado ao lado do altar de pedra, e lá estava a jovem Fawkes, com o bico aberto expondo uma enorme e faminta garganta. Harry presenteou-a com algumas migalhas de bolo que trouxera nos bolsos e, após senti-la parcialmente saciada, dirigiu-se ao livro que se encontrava aberto em sua primeira página. Percebeu que estava escrito em uma linguagem de símbolos ininteligível, fechou-o para lhe observar a capa e reconheceu novamente o brasão de Gryffindor, mas, folheando-o do começo ao fim, percebeu que todo seu conteúdo era composto daqueles símbolos desconhecidos.
Curvou-se, então, sobre o livro e apoiou a cabeça nas mãos espalmadas: “Não pode ser!” – pensou o rapaz desanimado – “Tanto trabalho para nada! Como vou fazer para decifrar isto?”. E, decepcionado com a nova dificuldade, sentou-se nos degraus do altar e, entregando-se ao cansaço do corpo e da mente, adormeceu ali mesmo.

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