Avada Kedavra



PROVAVELMENTE JÁ ERA NOITE ALTA, pois o longo e suntuoso corredor, que dava acesso aos quartos do pavimento superior da ostentosa mansão, se encontrava fracamente iluminado, apenas a parca luz emitida pelas velas dos castiçais dispostos em sua extensão insinuavam a direção a ser seguida. A jovem garota seguia silenciosa e vagarosamente por este caminho, observando seus pés descalços percorrerem o magnífico tapete que protegia o assoalho, de vez em quando ela voltava o rosto para o espaço às suas costas onde, como sempre, a figura espectral de sua avó a confortava e encorajava a prosseguir o seu caminho.
Um pouco à frente observou que a entrada de um dos dormitórios estava escancarada, e deste saía o rumor de uma áspera discussão e, quando já se encontrava praticamente na soleira da porta, visualizou um vulto trajado com longas vestes negras e com um capuz escorregando sobre a cabeça de onde escapavam fartos cachos negros. A jovem quedou-se paralisada ao constatar que o vulto de mulher apontava sua varinha para uma vítima indistinguível à sua frente e disparava uma luz verde forte e intensa.
— Vamos embora! – sussurrou sua avó ao seu ouvido, puxando-a bruscamente para trás – É Belatriz!
No instante seguinte, a pequena Michelle acordou assustada, sentada na cama em seu quarto, esforçou os olhos para enxergar melhor no escuro e pareceu-lhe visualizar um vulto meio que corcunda a um canto do aposento, mas logo em seguida este desapareceu e ela reconheceu a nova mascote, Pierre, correndo daquele canto em sua direção. Quase que simultaneamente, uma forte luz verde se fez perceber pela fresta existente sob a porta do aposento, seguida de um grito de desespero e um baque surdo, poucos segundos depois a cena se repetiu, a garota sentiu o ar lhe faltar nos pulmões, o quarto começou a girar rapidamente e tudo ficou negro ao seu redor.


A jovem de cabelos crespos e castanhos encontrava-se confortavelmente sentada em sua cama, com alguns travesseiros de pluma de ganso servindo-lhe de encosto, acabara de organizar seus pertences e arrumar a parte do quarto, pela qual se julgava responsável e, preparava-se para abrir um grosso volume de “Feitiços Avançados – Volume VII” sobre o colo. Repentinamente, um enorme estardalhaço nas escadas que davam acesso à parte superior d’A Toca sobressaltou-a, seguido por gritos chamando seu nome, em seguida a porta abriu-se abruptamente e a figura ruiva e desengonçada do colega de escola surgiu-lhe à frente, ofegante.
— Ronald, o que está acontecendo? – disse levantando-se assustada e deixando o espesso livro cair a seus pés.
— Hermione... não tenha medo... não chore... eu não deixarei que nada de mal te aconteça!
E, num ímpeto desenfreado, avançou na direção da garota e tomou-a fortemente nos braços. A menina, perplexa com a atitude do outro e imaginando o que de tão terrível pudesse estar acontecendo, afastou-o energicamente.
— O que aconteceu? – suplicou-lhe – Tem alguém lá embaixo? Alguma má noticia?
Ao sentir a menina escapar-lhe dos braços e vendo o desespero que emanava de seu rosto, o jovem pareceu repentinamente ter voltado à realidade, seu semblante tingiu-se de um vermelho muito forte que só não era mais intenso do que a cor de suas orelhas, ficou momentaneamente sem palavras e passou a admirar compulsivamente os seus pés.
— Rony, você está me assustando! Porque eu estaria com medo ou chorando? Por acaso alguém... – interrompeu-se ao perceber que o outro estaria sendo vítima de algum trote, e sabia exatamente quem seria o seu autor.
— Nada não, Mione... – balbuciou constrangido ao extremo, girou o corpo, ainda admirando seus pés, e completou – Só quero que saiba que não está sozinha... eu estou aqui para te proteger! – e seguiu vagarosamente em direção à porta.
Fez-se alguns instantes de profundo silêncio, que foi o suficiente para o garoto alcançar a porta escancarada. A menina permaneceu estática em sua posição inicial, os olhos marejados em lágrimas.
— Ronald, espere! – chamou a jovem e, quando este se virou, foi ela quem correu em sua direção e atirou-se em seus braços.
— Não sei o que aconteceu... – agora era ela quem balbuciava –... mas fico muito feliz por ter você para me proteger!
Seus olhos se ergueram e buscaram o olhar do rapaz, que estava fixo nela, um pesado silêncio caiu sobre os dois, a respiração de ambos tornou-se ofegante e, então, a distância entre seus rostos começou a diminuir lentamente, os dois fecharam os olhos simultaneamente e deixaram aquela atração magnética controla-los até que, como num passe de mágica, seus lábios se tocaram, e todo o universo que existia à volta deles deixou de existir.


Eram pontualmente dez horas da noite quando, com um estalo seco, o Menino-Que-Sobreviveu materializou-se num dos cômodos do andar superior da tenebrosa “Casa dos Gritos”. Era a segunda vez que utilizava a prática de aparatação sozinho, mas, numa comedida auto-análise, considerou ter se saído muito bem.
— É você Harry? – a voz do guarda-caça veio do andar inferior, com uma forte nota de preocupação.
— Sim Hagrid, estou descendo! – e rapidamente alcançou o cômodo onde o meio-gigante o aguardava.
— Que diabos você está fazendo aqui sozinho? – interpelou o outro depois deter lhe esmagado algumas costelas com um forte abraço.
— Não se preocupe comigo, Hagrid. Sei bem o que estou fazendo. – seu tom de voz era firme e decidido – Você sabe muito bem que não posso ficar escondido como um bichinho-de-estimação enquanto Voldemort passeia por aí, matando as pessoas que eu amo...
Ao som do nome do bruxo das trevas, o homenzarrão sentiu um leve estremecimento, mas recuperou-se a seguir.
— Não vou tentar dissuadi-lo disto, Harry! Sempre soube que, tendo o sangue de seu pai correndo pelas veias, um dia isto seria inevitável. Mas, o que quer de mim?
— Hagrid, sei que o que vou lhe pedir será algo muito difícil para você... – tomou fôlego para continuar – Não pretendo continuar meus estudos este ano, caso não aconteça da escola se fechar, mas não posso ficar longe daqui, tenho muito que aprender e pesquisar para poder enfrentar meu inimigo, e o único lugar que posso conseguir tudo o que preciso é em Hogwarts.
O grandalhão continuou em silêncio, aguardando que o jovem bruxo concluísse sua explanação.
— O que preciso, Hagrid... – novamente procurou buscar coragem enchendo de ar os pulmões –... é que você me coloque, secretamente, dentro dos domínios do castelo. Não importa onde seja... posso até ficar com o Grope na Floresta Proibida, mas tenho que ter acesso à biblioteca e outras partes do castelo, usando a capa de invisibilidade!
Hagrid observou atentamente a expressão no rosto do garoto, como que querendo absorver o máximo possível de suas palavras e traduzi-las em uma língua que fizesse sentido para ele.
— O que está me pedindo Harry! – exclamou o meio-gigante em um misto de surpresa e indignação – Você sabe muito bem que, além de professor de Hogwarts, também sou Guardião das Chaves do Castelo e, não é por Dumbledore não estar mais entre nós que deixarei de ser leal...
— Claro Hagrid, você está certo, não me leve a mal por ter tentado... – desculpou-se o jovem, tentando ao máximo se mostrar convincente.
— Sim Harry, sim... – o semblante por trás daquele enorme emaranhado de cabelos e barba retornou ao seu normal dócil instantaneamente – Você sabe Harry, não me peça nada que eu não pediria a você, eu jamais o faria meter-se em uma encrenca...
— Tudo bem Hagrid, vamos mudar de assunto... – concordou novamente, dando-lhe as costas e caminhando ao redor do recinto –... como vai o Asafugaz? Está lhe satisfazendo como animal de estimação? Afinal, Aragogue se foi já há algum tempo e, se você tivesse podido ficar com Norberto, o dragão, há alguns anos...
— Bicuço, digo, Asafugaz está ótimo... – respondeu o grandalhão, visivelmente satisfeito pela conversa tomar um rumo que lhe agradava – É claro que o Aragogue... – sua voz silenciou-se repentinamente, seus olhos se baixaram e passaram a fitar as próprias mãos, num gesto de quem provavelmente estava tendo uma tempestade cerebral.
Harry virou-se novamente e passou a contemplar a fisionomia perturbada do amigo, imaginou se o mesmo estaria se lembrando da ocasião em que ele, Rony e Hermione haviam viajado no tempo para, entre outras coisas, salvar a vida do hipogrifo Bicuço de sua condenação nas mãos do carrasco, ou da vez que Hagrid insistiu que ele desobedecesse aos rígidos horários da escola, arriscando-se a levar uma detenção, para comparecer ao sepultamento da monstruosa aranha Aragogue, ou, ainda, da vez em que se aventurou no alto da Torre de Astronomia com Rony e seu irmão Carlinhos para contrabandear para fora do castelo o filhote de dragão que o guarda-caça ganhara de um dos seguidores do Lorde das Trevas. Harry não se sentia bem colocando Hagrid naquela situação, mas estava disposto a usar de todas as armas que possuía para atingir seus objetivos.
Um longo silêncio se seguiu, que para Harry pareceu uma eternidade, mas que foi quebrado somente após o meio-gigante dar um longo suspiro, levantar a cabeça – o olhar decidido em direção ao rapaz – e dizer.
— Está bem Harry, pode contar comigo. Vou ajuda-lo!


— Crianças! Venham comer, o jantar está servido! – Molly Weasley anunciou de um ponto estratégico da cozinha, onde sabia que seria ouvida tanto por quem estivesse nos aposentos na parte superior da residência, como por quem estivesse no alpendre da entrada da casa.
Fred e Jorge, que estavam dormindo quase que todas as noites na casa – durante as férias o movimento da loja não era muito bom e podiam encerrar o expediente mais cedo – foram os primeiros a se sentarem à mesa, seguidos por Fleur e Gui – que também não realizava serões no Gringotes com a mesma freqüência de antes – e logo em seguida por Gina, que parecia estar muito interessada nas ausências de Hermione e Rony.
— E papai? – indagou Gui – Não vamos espera-lo?
— Ele chegará mais tarde, como vem ocorrendo com freqüência. – resignou-se a Sra. Weasley, lançando um preocupado olhar para o seu relógio mágico que indicava “Perigo Mortal” na seta destinada ao Sr. Weasley.
Neste momento, o filho mais novo da matrona desceu ruidosamente as escadas, como se quisesse que todos os ocupantes da casa soubessem que ele já se encontrava ali.
— Onde está a Hermione, querido? – perguntou a mãe ao recém-chegado – Não estavam juntos?
— Não, quase não a vi hoje! – respondeu o rapaz tentando aparentar indiferença, mas suas orelhas estavam em fogo.
— Estou aqui Sra. Weasley! – disse a jovem hóspede do alto da escada, descendo lentamente os degraus – Desculpe a demora.
— Ótimo! – exclamou a aplicada cozinheira, e com um toque de sua varinha, as panelas e caldeirões começaram a distribuir-se pela mesa.
Rony e Hermione sentaram-se em cantos opostos à mesa e evitaram ao máximo cruzar os olhares durante a refeição. Quando eram obrigados a se dirigirem um ao outro, apresentavam um tom extremamente formal como: “Pode me passar, por gentileza, a travessa de batatas?” ou “Muito obrigado pelo suco de abóboras”. A única coisa que faziam em comum era lançar olhares fulminantes para Gina, sempre que esta se dirigia a um dos dois.
Ao final da refeição, após alguns instantes de conversas paralelas, Gui e Fleur se despediram dos demais e subiram para seu quarto, Gina se ofereceu para ajudar a mãe com a arrumação da mesa e Rony e Hermione, após um olhar quase imperceptível, que fez com que as orelhas do rapaz acompanhassem a cor de seus cabelos e que a garota escondesse um pequeno riso com uma das mãos, ambos disseram quase simultaneamente:
— Vou alimentar o Bichento! – disse ela, saindo apressada pela porta da frente.
— Vou cuidar do Pitchi! – emendou ele, tropeçando em um caldeirão vazio enquanto saía atabalhoado pela porta dos fundos.
A espevitada ruivinha, apesar de que teria gostado de Hermione ter se oferecido para ajudar na arrumação, deu um longo sorriso, satisfeita com o rumo que as coisas estavam tomando.


Tia Petúnia levantou os olhos de seu prato de sopa e congelou seu olhar por sobre os ombros do marido que, ao lado de Duda, estava muito preocupado em dar a devida atenção à sua refeição, mas, como a mulher mantivesse o olhar insistentemente naquela direção, Tio Valter viu-se obrigado a suspender sua tarefa e virou-se para o espaço existente às suas costas, só então percebendo a presença do sobrinho no aposento.
— Vim despedir-me de vocês! Estou indo embora!
Valter Dursley demonstrou uma expressão de júbilo no olhar, como se acabasse de ter recebido uma grande quantia em dinheiro inesperada, Tia Petúnia, no entanto, manteve-se séria.
— E para onde você vai? –indagou a mulher.
— Para sua própria segurança, é melhor que não saibam. – respondeu o sobrinho.
O Sr. Dursley pareceu amedrontado.
— Mas você não vai voltar, não é? Ninguém virá atrás de você, certo? – questionou o balofo.
— Se alguém vier, é só dizerem que não sabem do meu destino, eles saberão que estão dizendo a verdade. – acalmou-o o bruxo.
— Você sabe que pode ficar até o seu aniversário, se quiser... – disse Tia Petúnia, para assombro e desespero dos outros dois integrantes da família.
— Não será necessário, mas obrigado. – disse Harry dirigindo-se para a porta.
— E as suas... coisas? – lembrou o tio, preocupado – Não vai leva-las?
— Já retirei tudo que me pertencia desta casa, adeus! – respondeu, lembrando-se que havia solicitado a Winky que levasse toda a sua tralha para a mansão dos Black e, virando-se sem olhar para trás, saiu pelo acesso principal da casa.
O jovem fechou a porta às suas costas e caminhou em direção à rua, olhando atentamente ao redor, quando teve certeza que não havia ninguém a observa-lo, desaparatou.

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