Estilhaços



A noite se encontrava fria e cinzenta mais uma vez. Todas as noites eram assim ultimamente, não que os dias fossem muito diferentes, por assim dizer... De fato, eles já não faziam muita diferença entre si mesmo...

Harry observou a paisagem da janela mais uma vez. Não enxergava quase nada, Londres inteira estava completamente tomada por neblina. Havia uma constante sensação de medo e tristeza percorrendo as entranhas da cidade, não era preciso muito para descobrir o que estava acontecendo... Os dementadores estavam em todo e qualquer lugar... A luz alaranjada do poste da esquina piscou tremeluzente. Harry respirou pesadamente observando o embaçar da janela, sua mente estava em outro lugar... Longe, longe demais. Longe o bastante. – corrigiu-se mentalmente.

Poucas vezes, desde que partira sentira real arrependimento de ter feito o que fizera... Um lapso, sempre acompanhado por uma sensação terrivelmente familiar a ele. Estava pensando nela... De novo...

Não era a primeira vez que passava a noite em claro assim... O máximo que conseguia na realidade, era um ligeiro cochilo, mais movido pelo excesso de cansaço que qualquer outra coisa. Acordando logo em seguida para notar que seu descanso não durara mais que uma hora.

Sentado no batente da janela, Harry pôs a mão esquerda dentro do casaco puxando um cordão comprido e dourado, que brilhava no seu pescoço com o reflexo da luz fraca vinda da rua. Tateando pela corrente até achar o pingente, Harry se voltou para a pedra pendurada nele.

Foi no terceiro dia de viagem que encontrou o pingente em suas coisas... Nem ao menos lembrava de ter ganho, mas bastou uma simples olhada no objeto para que algo dentro dele se ascendesse novamente. Hermione...

O objeto, que antes pareceu tão inútil e ingênuo, agora se tornara ironicamente necessário. De fato, Harry se tornara mais apegado ao presente que ele próprio imaginara poder ficar... Era como se aquela fosse uma forma de ficar mais próximo que ele podia da amiga, mesmo sabendo que provavelmente ela nem ao menos lembrasse de tal... Portanto foi com ligeira surpresa e nostalgia que Harry observou a mudança de cor da pedra mudar de um negro frio e opaco para um vermelho vivo e brilhante em alguns segundos...

Ele mudava constantemente, observou Harry, agora, por exemplo, se encontrava num tom azul anil que Harry não sabia o que significava. Apesar de esperar esperançosamente que significasse que a garota estava pensando nele também...

Harry voltou os olhos para o relógio em seu pulso, o ponteiro marcava doze horas. E ele estava só. O ponteiro agora marcava doze horas e um minuto. Harry agora era oficialmente maior de idade, e fazia anos que não se sentia tão só assim...

- Faça um pedido Harry... – murmurou ele.

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- Hermione! – chamou a voz distante novamente.

Seu olhar se voltou para os tênis à sua frente, mas Hermione não os via... Seu pensamento vagava...

- Hermione. – chamou a voz conhecida novamente.

- Sim...? – respondeu a garota, meio que saindo do transe.

- Vamos, nós estamos atrasados. – Rony esperava a amiga em pé no vão da porta. Com a mão direita no trinco, ele observava a amiga com ar impaciente, que se desmanchou quase que automaticamente ao observar a expressão da amiga:

- Você está bem? O que houve?- perguntou ele, apesar de ser notável no seu tom de voz que ele já tinha completa noção do que perturbava a amiga.

- Estou. – mentiu Hermione. – Pode ir, eu já estou terminando... –acrescentou ela com um pequeno sorriso.

- Ok... – respondeu ele após um momento em silêncio. – Mas não demora muito, custou muito pra gente poder sair assim...

- Certo... – replicou apanhando um dos tênis no chão e se ocupando em calçá-lo. A porta fechou atrás do amigo. Hermione parou o movimento, novamente... Era estranha a forma como todos ali pareceram decidir por ignorar completamente o acontecido... Era como se um simples aborrecimento houvesse ocorrido e fosse desconfortável tocar no assunto.

Ela se lembrava de ter se amaldiçoado por não ter dormido na noite anterior... Se não estivesse tão sonolenta, talvez tivesse percebido... A conversa que eles tiveram... A certeza que ela teve de que aquele era um começo, quando na realidade era uma despedida...

Ainda tinha na memória o momento em que entrara no quarto em busca do amigo... Rony, ela ia contar tudo, Harry estava certo, eles eram amigos... Um amigo entenderia... Mas ao invés de compreensão, tudo que ela encontrou ao entrar no local foi a feição pálida de Rony encarando-a confuso. Não havia sinal algum de Harry, sua cama estava forrada. E Rony tinha um pedaço de papel nas mãos, uma carta...

Fazia quase um mês que Harry partira. Durante esse tempo Hermione perdeu a conta de quantas vezes leu e releu aquela carta. Não havia nada, nada que pudesse consolá-la... Sem porquês, sem motivos, sem despedidas, nada... Exceto desculpas...

“Diga a Hermione... Que eu sinto muito...”.

Ele sentia muito... Então por que foi?- questionou novamente a garota.

Hermione nunca se sentira daquela forma... A descrença... Seguida de raiva... Substituída rapidamente por uma saudade e preocupação desesperadora, e então, raiva novamente. Mas no fim, as noites que ela passava em claro sempre acabavam da mesma forma... Mágoa.

Terminando de calçar o tênis, levantou e se observou no espelho. Puxando os cabelos para trás, e prendendo-os num rabo de cavalo apressado, ela parou e encarou seu reflexo.

Há alguns dias que aquela pedra havia começado a brilhar. Hermione acordara no meio da madrugada com o pescoço ardendo loucamente. Harry estava usando o presente que ela lhe dera. Obviamente, após tanto tempo, só agora ele encontrara um objetivo prático para o artefato. Pelo menos assim ela saberia que no mínimo ele ainda estava vivo... Levando a mão ao peito, Hermione segurou o pingente de seu cordão na mão esquerda, dando uma rápida olhada na pedra, que se mantinha azul-esverdeada, pôs a corrente por dentro da camiseta e pegou o casaco jeans na cadeira. A buzina do carro do ministério se fez ouvir na casa, puxando a porta atrás de si, desceu as escadas rapidamente.

Rony esperava a amiga na cozinha. Era domingo, e eles seguiam para o Beco Diagonal. E apesar de saber ser completa ingenuidade e estupidez, ela esperava que houvesse o mínimo de chance de vê-lo vagando por Londres naquele dia... Depois de tanto tempo, ela desejava secretamente que pudesse rever o amigo no dia do seu aniversário...

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- Onde eles estão? – questionou Arthur.

- Eu vou checar... – ofereceu Tonks abrindo a porta do carro logo em seguida.

- Eu ainda não acho que esta seja uma boa idéia... – comentou Molly com insegurança e irritação na voz.

- Molly, nós já conversamos sobre isso... – apaziguou o marido.

- Eu sei... Mas ainda sim, nós podíamos...

- Ele está certo, mãe... – comentou Charlie, que observava a cena em pé ao lado de Lupin.

- Eles bem que estão precisando disso... Merlin sabe como todos nós estamos... –comentou Arthur com tristeza.

Sirius se moveu impacientemente recostado no vão da porta. Todos sabiam que ele era terminantemente contra o fato de deixar Harry ir embora daquele jeito, e era fielmente apoiado por Molly.

Ele teve uma discussão terrível com Dumbledore naquela manhã, todos viram... E a pior parte era que apesar do risco que todos achavam (em lógico consenso) que Harry estava sofrendo ao fugir sozinho daquela forma, Dumbledore aparentava irracional calma com relação à situação. O que só poderia significar uma coisa... Ele sabia onde Harry estava, por que ele fora e mais importante ainda, aonde ele ia... Algo que, desconfiava Sirius, nem o próprio Harry sabia...

- Até quando você vai ficar assim? – retrucou Lupin enquanto Tonks subia as escadas em direção aos quartos.

- Eles não estão mais aqui... Eu preciso continuar fingindo? – respondeu Sirius acidamente voltando-se para encarar a janela. A relação entre ele e o amigo andara consideravelmente abalada desde que Harry fora embora...

- Sirius, ninguém forçou Harry a partir... Ele foi porque quis. – falou Lupin calmamente.

- Ele está confuso! Ele não sabe o que quer Remus! – exclamou Sirius.

- Ele tem idade suficiente pra saber...

- Ele tem dezessete anos! – respondeu Sirius. – Você sabia o que queria aos dezessete?

- Sabe? Você não é o único a se preocupar com Harry! – retrucou Lupin começando a se irritar – Todos os queremos bem a ele inclusive Dumbledore e...

- Você sabe muito bem o que Dumbledore quer!

- Se eu me lembro bem, você também pareceu querer o mesmo... – comentou Lupin. Sirius pareceu se retrair ligeiramente:

- As coisas mudaram... – disse ele encarando as próprias mãos. Lupin encarou o amigo em silêncio e após um momento falou sério com um ar compreensivo:

- Você não é o pai dele Sirius... – não foi a coisa certa a se dizer.

- Mas sou o padrinho dele! E eu não vou abrir mão disso por causa do que Dumbledore acha que é certo a se fazer! – exclamou Sirius levantando-se da cadeira.

- Dumbledore?! – retrucou Lupin exasperado e levantando-se também. – Você acha mesmo isso? – questionou ele, e pode ver um ligeiro titubear no olhar do amigo. – Você está sendo emocional... – acrescentou ele sentando-se novamente. Sirius, que se manteve de pé, retrucou simplesmente:

- E você está sendo frio demais Remus... – e virando as costas para o amigo seguiu escadas acima, esbarrando em Tonks no caminho:

- Hei! O qu...? – reclamou ela, mas o homem já tinha entrado em um dos quartos. – O que houve? – perguntou ela ligeiramente confusa. Uma expressão de entendimento logo se formou em seu rosto ao ver Lupin sentado na cadeira com ambas as mãos apoiando a cabeça, visivelmente perturbado. – Vocês brigaram de novo? Como a pergunta era mais uma afirmação que qualquer outra coisa, ela não esperou resposta. Caminhando em direção a ele, simplesmente pôs os braços ao redor dos seus ombros e o abraçou:

- Ele tem razão... – disse Lupin. – Nós não podemos fazer isso com Harry...

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