Reféns



— CAPÍTULO DEZESSEIS —
Reféns




Hermione ficou abismada, mas o fato é que ela, Rony e Harry não conseguiam encontrar em suas buscas na biblioteca nenhum feitiço que Harry pudesse usar para sobreviver sem oxigênio durante uma hora. Já iniciava-se a última semana antes da segunda tarefa, e eles já não sabiam nem onde procurar. Na manhã de segunda-feira chegou uma resposta de Sirius, que Hermione leu por cima do ombro de Harry. Dizia apenas:

"Mande de volta essa coruja dizendo a data da próxima visita de vocês a Hogsmeade."

Harry parecia decepcionado com a resposta curta.
— Sem ser nesse, no outro fim de semana — Hermione disse, respondendo à pergunta que Sirius fizera e estendendo uma pena para Harry, que pegou-a e escreveu, não muito animado, antes de devolver o pergaminho à coruja.
Hagrid já voltara a ensinar, e desde sua volta estava continuando a matéria da profa. Grubbly-Plank, sobre os unicórnios. Naquele dia, ele levou dois filhotes para os alunos verem, e disse que, pequenos, eles ainda não implicavam tanto com garotos. Assim, a turma inteira pôde se aproximar deles. Hermione o viu chamar Harry a um canto e falar alguma coisa com ele que o deixou com um sorriso radiante.
— Ele queria saber se eu já estou pronto para a segunda tarefa — Harry explicou, quando voltou para perto dela e de Rony.
— E você mentiu? — Hermione perguntou, irritada.
— Não tive coragem de dizer a verdade, ele está tão animado...
Na noite da véspera, após o jantar, os três foram mais uma vez para a biblioteca, procurar.
— Tem que haver alguma coisa! — Hermione exclamou, folheando furiosamente as páginas de um livro.
— Rony, Mione — chamou Fred, que surgiu com Jorge por entre as prateleiras. — a profa. McGonagall está procurando vocês.
Hermione sentiu o coração dar um salto. Será que a professora iria puni-los por estarem tentando ajudar Harry?
— Para quê? — Rony perguntou.
— Não sei, — respondeu Jorge. — mas ela pediu para levarmos vocês à sala dela.
Hermione e Rony entreolharam-se, apreensivos, depois olharam para Harry.
— Bem, vemos você na sala comunal — Hermione disse, acompanhando Fred e Jorge, seguida por Rony.
Os quatro saíram da biblioteca, andando devagar, e uma enxurrada de pensamentos preocupados invadiu o cérebro de Hermione. Ela segurava-se para não começar a falar e contaminar Rony também com seu nervosismo.
Durante o longo caminho até a sala da profa McGonagall, Hermione lembrou-se de uma cena parecida, no primeiro ano, quando ela e Harry tinham sido pegos por Filch fora da cama depois da meia-noite e levados à sala da professora. Na ocasião, perderam muitos pontos da Grifinória e ganharam detenções. O que será que podia ser agora?
Rony também parecia nervoso ao seu lado. Tinha as orelhas tingidas de vermelho e um olhar apreensivo. Ela conteve ímpetos de pegar a mão dele, em apoio. Até brigou consigo mesma. Por que pegar a mão dele?, pensou, que idéia mais idiota.
— Pronto — Fred disse. — Boa sorte para vocês...
Jorge bateu na porta e retirou-se junto com o irmão. Pela segunda vez em um pequeno espaço de tempo, Hermione assustou-se ao ver sair por trás da porta não a pessoa que esperava encontrar, mas Dumbledore. O diretor sorriu, calmo, e abriu passagem para os dois. Num impulso incontrolável, Hermione agarrou o braço de Rony e enroscou o seu nele.
Estavam na sala, além de Dumbledore e McGonagall, Ludo Bagman, Percy Weasley, Igor Karkaroff, e, para surpresa de Hermione, Cho Chang. No instante seguinte houve outra batida na porta, e Dumbledore foi abrir. Madame Maxime entrou, com uma miniatura de Fleur Delacour; devia ser a irmã mais nova da garota. Hermione sentiu ódio de ambas; de Madame Maxime por causa de Hagrid, e da garotinha por causa de Fleur. Ao pensar nisso, ela quase soltou o braço de Rony, mas não o fez. Ele parecia ligeiramente desconcertado com o fato de ela estar com o braço enroscado no dele, e mantinha-se um tanto imóvel.
— Bem, agora já estamos todos aqui, suponho. — disse Dumbledore.
Na verdade, estavam todos ali, mas um tanto apertados. Percy não dirigiu um único olhar ao irmão, parecia concentrado demais em manter sua pose de substituto de Crouch.
— Ele continua mandando Percy em seu lugar — ela murmurou no ouvido de Rony, que demonstrou ter ouvido com um movimento quase imperceptível da cabeça.
— A questão é a seguinte: — disse Dumbledore. — amanhã às nove e meia da manhã se realizará a segunda tarefa do torneio tribruxo. Para tanto, serão "roubadas" dos campeões coisas sem as quais eles não podem viver, ou melhor, pessoas. Vocês estão aqui para serem os reféns dos campeões, se quiserem, é claro.
Hermione franziu o cenho. Estavam ali a irmã de Fleur Delacour, Cho Chang, que estava namorando Cedrico Diggory, ela e Rony. Certamente, Rony não era alguém sem quem Krum não viveria, mas era alguém que faria falta para Harry. Ela ficou assustada com a idéia de ser a coisa de que Krum mais sentiria falta. Rony parecia estar pensando no assunto, também, pois corria os olhos pelos outros reféns.
— Prof. Dumbledore, eu tenho uma dúvida... — disse ele, para a surpresa de todos. — Por que Harry tem dois reféns?
Hermione apertou os olhos, incrédula. Como ele podia ser tão lento?
— Dois reféns, sr. Weasley? — perguntou a profa. McGonagall. — Por acaso o senhor sabe contar? Harry só tem um, que é o senhor. A srta. Granger é a refém de Vítor Krum, a srta. Chang é...
— Ah, claro — Rony disse, em uma voz ligeiramente mais alta. — Eu me confundi, professora. Desculpe.
Tão logo as atenções saíram de cima dele, Rony soltou o braço do de Hermione, com raiva. Ela suspirou, com uma vontade enorme de dizer a ele que não pedira para ser a refém de Krum, que não queria ser.
— Se concordarem, é claro, — continuou Dumbledore — eu farei com que mergulhem em um sono encantado, e uma vez adormecidos, vocês ficarão presos no fundo do lago, onde os campeões devem procurá-los. Não se preocupem, pois estarão absolutamente seguros, e tão logo retornarem à superfície, acordarão como se nada tivesse acontecido. Aceitam?
Hermione teve vontade de responder que não, mas ficou calada. Depois que os outros três concordaram, ela também aceitou. Olhou para Rony, que não apenas se soltara dela como também se distanciara bastante (apesar do pouco espaço na sala) e não lhe dirigia um olhar sequer.
— Comecemos por você, srta. Granger. — a profa. McGonagall disse, lançando a ela um sorriso de confiança, provavelmente para assegurá-la de que tudo daria certo.
O diretor aproximou-se dela, levantou a varinha e a última coisa que ela viu foi uma luz que saiu da ponta.

Hermione só ficou sabendo que foi levada junto com os outros reféns para o lago e que tinham ficado presos à cauda de uma estátua de sereiano depois do final da segunda tarefa, porque em sua cabeça não pareceu ter passado tempo algum entre o momento em que Dumbledore apontara-lhe a varinha e o momento em que emergiu da água, segura pelo braço forte de uma figura humana com cabeça de tubarão.
Ela imaginou logo que deveria ser Krum, e que o truque dele para sobreviver debaixo d’água devia ter sido uma semi-transfiguração. Ele arrastou-a para fora do lago e levou-a até Madame Pomfrey, que cuidava de Cho Chang e Cedrico Diggory, encharcados e enrolados em pesados cobertores. A enfermeira estava entregando a eles canecas com uma poção. Na beira do lago, Fleur Delacour tentava soltar-se dos braços de Madame Maxime, chorando.
— Minhe irrmazinhe! — dizia ela. — O que acontecerrá com ela? Non consegui trrazê-le! Prreciso voltarr parra buscá-le!
Invadida por uma compaixão repentina, Hermione teve vontade de dizer a ela que sua irmã ficaria bem, que estava apenas adormecida, mas Madame Pomfrey puxou-a para enrolar-lhe um cobertor e entregar-lhe uma caneca.
— Poção estimulante — disse a enfermeira.
Ela bebeu a poção, que esquentou-a completamente por dentro. Krum estava sentado a seu lado, e Madame Pomfrey enrolava nele um cobertor. Logo depois de tomar sua caneca de poção, ele puxou-a com ele até um canto afastado.
— Hermi-ônini... Eu sabia que serria focê. Quando descobrri a pista do ovo de ourro eu soube que o que tirrarriam de mim serria focê. Por isso querria tanto ficar perrto de focê, estava prreocupado... Mas agorra já acabou.
Ele abraçou-a forte e foi bom, pois apesar do cobertor ela ainda sentia muito frio. Logo em seguida, ele a beijou com sofreguidão, no que parecia ser uma mistura de saudade com alívio por ter conseguido trazê-la sã e salva. Depois ainda aninhou-a nos braços outra vez, mas ela estava concentrada no lago, perguntando-se se Harry teria conseguido achar um jeito de sobreviver uma hora debaixo d’água, e esperando apreensiva por algum sinal dele e de Rony.
— Eu nunca me senti assim com outrra garrota — disse Krum, muito sério, ainda apertando-a nos braços. — Nunca gostei de ninguém assim. Focê... está mudando a minha vida, Hermi-ônini. — ele fez uma pausa, enquanto ela dedicava a maior parte de sua atenção ao lago e apenas uma pequena parte ao que ele dizia. — Focê acha que, se não estiferr fazendo nada no verrão, poderria me fisitarr na Bulgária?
Para azar de Krum, naquele momento surgiram na superfície do lago Rony e a irmã de Fleur, e logo em seguida Harry. Hermione precisava ir ver os dois.
— Só um pouquinho, Vítor — disse, desvencilhando-se do abraço e começando a se apressar na direção dos amigos.
Ela viu Fleur adiantando-se para a irmã e Percy para o irmão. Harry vinha logo atrás, e foi ajudado por Dumbledore e Ludo Bagman. As pessoas nas arquibancadas gritavam e aplaudiam e os sereianos cantavam músicas bem agudas. Madame Pomfrey puxou Harry para junto dos outros pacientes, enrolou-o com um cobertor e entregou-lhe a poção. Hermione aproximou-se dele, entusiasmada.
— Harry! Você conseguiu! Conseguiu descobrir o que fazer sozinho! — exclamou.
— Tem um besourro prreso nos seus cabelos, Hermi-ônini — disse Krum, surgindo de repente ao lado dela.
Hermione espantou o inseto e continuou falando com Harry.
— Acho que você ultrapassou o tempo, Harry.
— Claro, devo ter tirado o último lugar por ter sido um idiota em pensar que se deixasse a irmã de Fleur lá embaixo ela morreria. — respondeu Harry, irritado.
— Pelo menos o último eu sei que não foi... A Fleur tirou o último.
— Claro.
Ela procurou Rony com os olhos e viu que Percy o abraçava insistentemente. Madame Pomfrey foi até lá e buscou-o, junto com Fleur e a garotinha. Enrolou cobertores nos três e deu-lhes canecas com poção estimulante. Fleur enrolou seu cobertor na irmã e deu a ela sua poção, depois aproximou-se de Harry, dizendo muito emocionada:
— Você salvou Gabrielle! Você a salvou, mesmo ela non sende sua refém! Obrrigada, obrrigada! — Fleur segurou o rosto de Harry com as duas mãos e beijou-lhe as duas bochechas. — E você, tomben ajudou! — disse ela a Rony, beijando-o também.
Hermione sentiu uma fisgada muito incômoda no peito, e toda a compaixão que já pudera ter sentido por Fleur e sua irmãzinha evaporaram. Ela fechou a cara, e ao olhar para o lado percebeu que Krum tinha uma expressão parecida, provavelmente porque ela ignorara seu convite e esquecera que ele existia enquanto verificava se seus amigos estavam bem. Mais uma vez perguntou-se por que as pessoas precisavam gostar umas das outras, e principalmente, por que precisavam gostar de pessoas que não as correspondiam.
Ludo Bagman anunciou em seguida as notas dos campeões; Cedrico ficou em primeiro, Krum em terceiro e Fleur em quarto; Harry ganhou o segundo lugar pela determinação em trazer todos os reféns à superfície, de modo que, somando com a nota anterior, ele e Cedrico ficaram empatados em primeiro lugar no torneio. Hermione aplaudiu tanto que Krum ficou ainda mais emburrado, mas, sinceramente, ela não estava se importando.

Nos dias que se seguiram, Krum não procurou Hermione. Ela não o viu nas refeições, nem na biblioteca, e tampouco recebeu coruja alguma. Imaginou que ele deveria estar muito chateado com ela por causa de seu desprezo durante a segunda tarefa.
— Que maldade, Mione. Ele salvou você! — disse Gina.
— É, mas se ele não salvasse nada ia acontecer comigo. Foi um salvamento simbólico...
— Mione! Que insensível você está se mostrando...
— Talvez eu devesse procurá-lo para terminar tudo.
— Se você quer terminar de arrasá-lo, então faça isso.
— Por que você tem tanta pena dele?
Gina hesitou.
— Porque eu lembro de mim; eu gosto tanto de Harry que aceitaria qualquer migalha dele. Acho que Krum é assim com você. É por isso que eu sinto pena.
Para a surpresa de Hermione, Gina levantou-se, de cara fechada, e deixou-a sozinha no canto da sala comunal em que tinham estado conversando.
Apesar da distância de Krum, Hermione ouvia o nome dele o tempo todo; as pessoas pareciam ter adorado comentar sobre o fato de ela ter sido escolhida como a coisa que mais faria falta ao campeão de Durmstrang.
Por outro lado, Rony parecia animadíssimo depois da segunda tarefa. Como tinha sido um dos reféns, as pessoas não paravam de abordá-lo para perguntar como tudo tinha acontecido, e Hermione podava-o quando podia.
— Por que você não cobra ingresso? — disse, irritada, quando Denis Creevey, o irmão de Colin, veio pedir-lhe um relatório completo.
No almoço de quinta-feira, ele já estava contando que tinha sido seqüestrado por cinqüenta sereianos e que tinha levado a varinha escondida para enfrentá-los no fundo do lago. Padma Patil misteriosamente reaparecera com um interesse súbito nele, e Hermione deixou que ele chegasse ao clímax da história para cortá-lo.
— Você ia atacá-los com o seu ronco? Sim, porque Dumbledore nos mergulhou no sono encantado ainda na sala da profa. McGonagall, nós só acordamos quando voltamos à superfície. — disse, fazendo o garoto murchar, depois retirou-se e deixou que ele tentasse se explicar com Padma.
Enquanto andava irritada, acabou esbarrando em alguém na saída do salão principal.
— Hermi-ônini. — disse Krum, sem olhá-la nos olhos.
— Vítor...
Ficaram parados um em frente ao outro, em silêncio, ele encarando os próprios pés e ela sentindo-se muito mal por vê-lo naquele estado. Ela pôs a mão no ombro dele, e ele olhou-a, finalmente. — Me desculpe... Eu...
— Focê não estava nem oufindo o que eu estafa dizendo.
— Estava, sim! Me entenda, eu estava preocupada com os meus amigos, precisava ir vê-los!
— Eu entento, sim. Entento que focê se imporrte com eles, mas não que não se imporrte nem um pouco comigo!
O rosto dele estava cheio de mágoa, e ela lembrou-se do que Gina dissera sobre aceitar qualquer migalha. Sentiu pena da amiga e de Krum, e por menos verdade que fosse, decidiu provar para ele que se importava, sim. Atirou os braços ao redor do pescoço dele em um abraço apertado e beijou-o, tentando esquecer que estavam no saguão da escola e que qualquer um poderia vê-los. Quando se afastou, ele tinha uma expressão completamente diferente.
— Espero poder visitá-lo na Bulgária, sim. — ela disse, com a testa encostada na dele, mas arrependendo-se imediatamente.
— Mesmo?
— Mesmo.
Ela afastou-se e subiu correndo as escadas rumo à torre da Grifinória. Na hora parecera-lhe o certo a fazer, mas agora ela sentia nojo de si mesma por não ter sido sincera.

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