Atrás da Fruteira



— CAPÍTULO DEZ —
Atrás da Fruteira




Ainda leve do feitiço calmante, Hermione levantou-se da maca, imaginando por que estivera tão preocupada. Afinal, Harry tivera que enfrentar um dragão, apenas... E se saíra tão bem! Não havia motivos para se preocupar. Deixou a barraca de primeiros-socorros, imaginando que Rony deveria estar por ali esperando Harry ser liberado por Bagman da conversa que ele quisera ter com os campeões. Não encontrou o amigo, mas não se importou. O veria mais tarde, não havia motivo para se preocupar.
Hermione tinha plena consciência de que tinha sono e refeições atrasadas e horas de nervosismo acumuladas, mas a súbita e irreal calma que a dominava a impedia de preocupar-se com o que quer que fosse. Ainda assim, havia um vestígio de angústia por baixo de toda a calma, por não ter o controle total de seus pensamentos.
Foi andando rumo ao castelo, devagar, e encontrou Hagrid. Efeito do feitiço também ou não, ela abriu os braços e atirou-os ao redor da enorme cintura do amigo, que acariciou sua cabeça com uma das mãos enormes.
— Harry foi incrível, não foi, Mione?
— Foi... Ainda bem. Hagrid... — ela afastou-se para olhá-lo nos olhos. — estou me sentindo estranha. Eu estava muito nervosa, então Madame Pomfrey lançou esse feitiço calmante em mim, agora parece que todas as sensações no mundo são iguais... Parece que tudo é motivo para paz e calma.
— E não é mais ou menos assim que as coisas deveriam ser? Venha, Mione, vamos tomar um chá na minha casa.
Hermione sentiu-se amparada pelo enorme braço que a enlaçava pelos ombros. Passou o resto da tarde na cabana de Hagrid, e felizmente os efeitos do feitiço passaram depois de algum tempo, permitindo que ela finalmente refletisse com clareza sobre os acontecimentos inacreditáveis da primeira tarefa, enquanto andava de volta até o castelo.
Agora sim, parecia-lhe um grande feito e uma grande sorte que Harry não tivesse tido grandes problemas para pegar o ovo de ouro. Porém, o fato de a primeira tarefa ter sido lutar com dragões era assustador; o que viria nas próximas?
O último assunto que voltou a analisar, agora com a mente clara, foi Vítor Krum. Não foi preciso pensar muito para concluir que toda a irritação que costumava sentir ao lembrar que ele existia dissipou-se, dando lugar a uma sensação agradável que ela não era capaz de classificar.
Assim que ela pôs os pés no salão de entrada, deparou-se com Rony. Ele e Harry vinham de algum lugar, animados.
— Mione! Harry está em primeiro lugar, empatado com Krum!
Ela sentiu algo estranho quando ouviu o nome de Krum pronunciado por Rony. Mas disfarçou; sorriu e disse:
— Que fantástico! Parabéns, Harry...
— Você estava indo jantar?
— Bem, na verdade...
— Não seja boba; certamente Fred e Jorge levarão comida das cozinhas lá para cima e farão uma festa surpresa para Harry, para comemorar o sucesso na primeira tarefa.
— E vocês, onde estavam?
— Estivemos andando pelo castelo, mas viemos procurar você. — disse Harry.
— Pensei que iam esquecer que eu existo, agora que não precisam mais compensar em mim a falta que sentiam um do outro.
— Como você é boba. — Harry disse, abraçando a amiga. — Desculpe, você agüentou um bocado, não é?
— Nada insuportável. — ela trocou um olhar com Rony, que abaixou a cabeça, rindo. — Bem, quase nada.
O súbito desejo que sentiu de que Rony também a abraçasse pedindo desculpas arrancou qualquer vestígio que restasse de Vítor Krum em seus pensamentos. Harry soltou-a, dizendo:
— Vamos ao corujal; vou escrever para Sirius sobre a primeira tarefa.
No caminho, ele contou que a próxima tarefa fora marcada para o dia vinte e quatro de fevereiro, e que havia uma pista dentro do ovo de ouro que ajudaria os campeões a desvendar o que teriam de fazer. Rony não parava de elogiar o desempenho do amigo, provavelmente tentando compensar pelo tempo que passara sendo injusto com ele.
Quando os três finalmente voltaram à sala comunal, havia realmente uma festa para receber Harry. Fred e Jorge tinham espalhado muita comida em cima das mesas, e a conversa alta só cessou quando o viram entrar, dando início a uma longa salva de vivas e aplausos.
Hermione bebeu tanta cerveja amanteigada que sentia como se tivesse sido submetida a dois feitiços calmantes de Madame Pomfrey, ainda que seus sentimentos agora lhe parecessem mais autênticos. Tinha crises de riso por qualquer motivo; riu até de alguns alunos desavisados que comeram bombas de chocolate sabotadas pelos gêmeos.
Lembrou-se subitamente do F.AL.E., e perguntou a Fred quando ele lhe entregou uma tortinha de geléia:
— Vocês trouxeram tudo isso da cozinha?
— Isso mesmo. — ele pigarreou antes de forçar um falsete, imitando voz de elfo: — "Tudo o que pudermos lhe arranjar, meu senhor, qualquer coisa!".
Ela ignorou a provocação.
— Como é que se entra lá?
— É fácil; tem uma porta escondida atrás de uma pintura de fruteira. É só fazer cócegas na pêra; ela ri e... — ele parou, franzindo o cenho. — Por quê? Não me diga que quer entrar lá e promover uma greve entre os elfos?
Hermione riu, com a ajuda da cerveja amanteigada, como se ele realmente estivesse dizendo uma coisa ridícula.


Dezembro começou, e Hermione não se lembrava de ter visto um tão frio na escola. Ela tornou a ver Vítor Krum algumas vezes; tanto de longe, no salão principal, quanto na biblioteca, onde timidamente cumprimentavam-se. Além dos estudos, Hermione tratava de concentrar seus esforços no F.A.L.E., e foi depois de uma aula de Aritmancia que resolveu seguir as orientações de Fred para visitar a cozinha.
Não foi difícil encontrar a grande pintura de uma fruteira. Receosa, ela esfregou a ponta dos dedos no desenho da pêra, que instantaneamente transformou-se em uma maçaneta, que ela girou ansiosa, entrando a seguir na maior cozinha que poderia imaginar. Era toda branca, repleta de enormes fogões, pias e bancadas, que apesar de compridos eram baixos, perfeitos para a altura dos elfos. Ela deixou o queixo cair; havia mais de cem elfos domésticos trabalhando, usando aventais com o timbre de Hogwarts. O único que usava roupas diferentes (e aliás, extremamente diferentes) aproximou-se dela.
— Posso ajudá-la, senhorita?
Ela não sabia o que dizer. Alguns elfos a olhavam pelo canto dos olhos enormes, sem abandonar suas tarefas.
— Olá.. — ela balbuciou. — Meu nome é Hermione Granger, e eu vim... Vim conhecer a cozinha!
A criaturinha, que usava um abafador de chá na cabeça fazendo as vezes de chapéu, abriu um largo sorriso, dizendo:
— Pois então seja bem vinda, senhorita! É aqui que preparamos toda a comida de Hogwarts!
— Quem sabe se você ajudasse então? — disse outra voz fininha, que Hermione reconheceu imediatamente.
— Winky! — disse, aproximando-se do elfo. — Você veio trabalhar em Hogwarts? Que ótimo!
— Ótimo? Ótimo? — Winky começou a chorar. — Winky foi libertada! Winky é uma vergonha! Imagine, ter que... que... procurar emprego! — ela atirou-se no chão, chorando.
Hermione não sabia o que fazer.
— Winky ainda chora pelo seu dono... — explicou o elfo do chapéu de abafador de chá. — Mas Dobby não... Dobby já está quase acostumado à liberdade!
Hermione sorriu, surpresa.
— Dobby? Você é o Dobby?
— Sim, senhorita! Meu nome é Dobby...
— Harry me falou de você!
— Harry... Harry Potter? — os olhos verdes do elfo brilharam.
— Sim, ele é meu amigo!
— Oh! A senhorita é amiga de Harry Potter! Harry Potter libertou Dobby!
— Esperem; eu preciso buscá-lo para ver vocês! Já volto!
Hermione saiu em disparada pela porta, subiu correndo as escadas e encontrou Rony e Harry, que disseram que tinham estado procurando por ela. Quando começaram a desconfiar do lugar para onde ela os estava puxando, quiseram desvencilhar-se.
— Deixem de ser bobos, vocês vão querer ver isso; tenho certeza!
Como ela imaginava, Harry ficou satisfeito ao rever Dobby, que por sua vez parecia estarrecidamente encantado. Muito prestativos e eficientes, os elfos serviram chá e bolo para os três. Depois disso, Rony pareceu mais animado e até fez amizade com Dobby, prometendo-lhe o suéter que ganhasse de sua mãe no Natal. Dobby contou que ele e Winky tinham pedido emprego a Dumbledore, que não só lhes deu o emprego como ofereceu-lhes salários. Enquanto Dobby contou que ganhava um galeão por semana, Winky olhou com nojo para Hermione para dizer-lhe que não tinha decaído o suficiente ainda para aceitar pagamento por seu trabalho. Ela ainda insinuou que seu antigo dono, Bartô Crouch, não gostava de Ludo Bagman.
Quando os três voltavam à torre da Grifinória, Hermione resumiu suas considerações sobre a visita em uma frase:
— A melhor coisa que poderia ter acontecido a esses elfos era Dobby ter vindo juntar-se a eles. Logo eles perceberão o quanto ele está mais feliz em liberdade.


Embora já soubesse previamente da existência do Baile de Inverno, Hermione só foi contaminada pela ansiedade que o envolvia quando ele começou a ser anunciado, na quinta-feira seguinte, como um evento tradicional do Torneio Tribruxo. Tão logo todos ficaram sabendo, não havia outro assunto de que se falasse pelos corredores. Naquele dia, ela almoçou com Gina, que parecia agora realmente desanimada com a iminência do baile.
— Não sei como eu pude acreditar que Harry poderia me convidar — disse ela. — É claro que ele não vai!
— E como você pode ter certeza?
— Ah, Mione... Você sabe muito bem que desde que ele se saiu bem na primeira tarefa, tem tantos membros em seu fã-clube quanto Vítor Krum ou Cedrico Diggory.
“Ou Fleur Delacour”, Hermione pensou amargamente.
— Gina, eu posso falar com Harry...
— Não adianta, Mione, porque o pior de tudo não são as garotas que correm atrás dele. Não há nada que você possa fazer, pois só há uma garota que Harry quer convidar para o baile, e essa garota não sou eu.
Hermione já sabia o que vinha a seguir. Como amiga próxima de Harry, já notara o interesse dele por Cho Chang, da Corvinal. Nunca comentara com Gina para não magoá-la. — Ele gosta de Cho Chang. — Gina disse. — Você sabia, não é?
— Gina, eu...
— Não se preocupe, não estou cobrando nada de você. Eu sou uma idiota, nem conheço Harry direito! Por que ele repararia em mim?
— Se for assim, então ele também não conhece Cho Chang.
— Mas dói saber que ele gosta dela. — a garota suspirou tristemente. — E quanto a você, Mione? Está esperando que alguém em especial a convide?
Desta vez, não havia insinuação alguma sobre Rony no tom de Gina. De qualquer maneira, Hermione imaginou-se indo com ele, e acabou concluindo que a idéia de dançar com ele, vestindo trajes a rigor, era algo que não parecia ter grandes possibilidades de dar certo. Por outro lado, imaginou-se vendo-o dançar com outra garota, vestindo trajes a rigor, e sentiu uma fisgada muito incômoda no estômago.
— Na verdade não tenho pensado nisso — respondeu, vagamente.
Gina soltou mais um suspiro. Tinha o queixo abandonado em cima de uma das mãos enquanto a outra movia o garfo através da comida intocada.
— Eu não deveria esperar que Harry me convidasse, mas sim que qualquer garoto me convidasse, senão não poderei nem ao menos ir. — disse ela, soltando de vez o talher.

Pouco antes do jantar, Hermione passou na biblioteca para devolver um livro de Runas Antigas. Vítor Krum estava lá, sentado a uma das mesas com um livro, os olhos perdidos em alguma outra direção, numa expressão de profundo tédio. Quando a viu, porém, seu rosto pareceu iluminar-se. Ele andou até ela, que já ia se aproximando da saída mas parou para ouvi-lo.
— Hermy-on? — ele disse, corando.
— Olá, Vítor. — ela sorriu.
— Ahm... Será que focê tem um minuto?
— Claro...
Os dois saíram juntos da biblioteca, e Hermione notou o jeito nervoso com que ele andava, os ombros encurvados. Ele virou-se de frente para ela passando a mão pela cabeça, e com alguma dificuldade em olhá-la nos olhos, começou:
— Pem, eu... Estive esperrando focê aparrecer na biblioteca durrante o dia todo. — ele corou muito mais agora. — Na ferdade, todo o tempo que eu passo nessa biblioteca é esperrando que focê aparreça.
Hermione sentiu o próprio rosto também corar, furiosamente, imaginando que devia estar sentindo quase tanta vergonha quanto ele. — Hermy-on... Focê... gostarria de ir ao baile comigo?
Ela sentiu o ar escapar-lhe dos pulmões completamente. Não tinha a menor idéia do que responder, embora uma voz no fundo de sua cabeça gritasse “não” enlouquecidamente. Algo deve ter transparecido em seus olhos, pois ele baixou a cabeça com a mesma expressão que ela vira no camarote da Copa Mundial de Quadribol; ela quase podia ver o pomo de ouro sacudindo as asas dentro da mão dele e o sangue escorrendo-lhe pelo nariz.
— Focê não prrecisa responder agora — ele adiantou-se, forçando um sorriso, ainda encarando os próprios pés.
— Mas, eu... — começou ela, decidindo que não queria e não podia ser a causa daquela decepção que se projetava por trás do sorriso forçado.
— Pense, e depois me responda. — adiantou-se ele, interrompendo-a. — Me procurre ou até me mande uma corruja se preferrir. Poa noite.
Ele saiu antes que ela pudesse dizer qualquer coisa. Ficou ali por alguns instantes, parada, ligeiramente trêmula do choque. Depois, voltou à torre da Grifinória. Trabalhava em seus deveres na sala comunal, ao lado de Harry e Rony, quando Fred e Jorge abordaram os dois garotos.
— Já convidaram alguém? — Fred perguntou.
Rony e Harry entreolharam-se, antes de sacudir as cabeças negativamente em resposta. — É melhor se mexerem, — continuou Fred — ou todas as garotas legais já terão sido convidadas.
— Ah, é? E você, vai com quem? — Rony perguntou, um tanto incrédulo.
— Angelina.
— E você já a convidou?
— Bem lembrado... — Fred levantou a voz para chamar a garota do outro lado da sala. — Angelina!
— O quê? — ela perguntou, de onde estava.
— Quer ir ao baile comigo?
Ela pensou um pouco, depois aceitou com um sorriso ligeiramente envergonhado, retomando em seguida a conversa com a amiga Alicia Spinnet. Fred piscou o olho para o irmão mais novo e retirou-se com Jorge. Rony comentou com Harry:
— Eles têm razão. É melhor nos mexermos, não queremos ir ao baile com um par de trasgos...
Hermione achou que ouvira mal.
— Me desculpe, — disse — um par de quê?
Ele olhou-a, como se ela estivesse se intrometendo.
— Ora, eu detestaria ter que ir, por exemplo, com Heloísa Midgen. — ele soltou uma risadinha, cutucando Harry com o cotovelo.
Hermione conhecia Heloísa; não era a garota mais bonita que ela já vira, mas era realmente simpática e inteligente.
— A acne dela está bem melhor, e ela é bem legal! — defendeu.
— O nariz dela é torto — ele retorquiu com displicência.
Foi o suficiente para ela revoltar-se. Era como se Rony estivesse em um supermercado, como os dos trouxas, escolhendo um pedaço de carne para o almoço!
— Quer dizer então — disse, a voz tremida de raiva. — que basicamente você vai levar a garota mais bonita que aceitar você?
— É, eu diria que é por aí. — ele deu de ombros.
Ela encarou-o por mais alguns instantes, mal acreditando que sequer considerara a possibilidade de ir ao baile com ele.
— Vou dormir. — ela juntou suas coisas com pressa, incapaz de ficar ali por mais um minuto sequer.
Subiu as escadas para o dormitório, furiosa, murmurando para si mesma: — Quem ele pensa que é? Quem ele pensa que é?
Bichento estava deitado em sua cama, e ela nem ao menos trocou-se para deitar ao lado dele. Olhou a lua pela janela, pensando que se tivesse uma coruja, a mandaria naquele momento para Vítor Krum, aceitando o convite. Aliás, por que fora que não aceitara imediatamente? Recusou-se a aceitar qualquer resposta que contivesse o nome de Rony.

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