Os Campeões



— CAPÍTULO SETE —
Os Campeões




No dia seguinte, Hermione acordou melhor. Como era cedo, pensou que não encontraria ninguém na sala comunal, mas era grande o fluxo de pessoas já vestidas passando por ela para sair pelo buraco do retrato. Também vestida já estava Gina, quando a encontrou.
— Mione... Como está?
— Estou bem... Acho que estou melhor.
— Por que não se veste e descemos para o café da manhã?
— Tudo bem...
Gina acompanhou-a ao dormitório enquanto ela trocava a camisola pelas vestes de Hogwarts. Com a chegada dos estrangeiros, os diretores das casas mandaram que os alunos usassem o uniforme da escola até nos fins de semana.
Antes de saírem da torre da Grifinória, encontraram Harry e Rony. Gina corou absurdamente, e Hermione enroscou o braço no dela em uma atitude de apoio. Os quatro saíram pelo buraco do retrato, rodeados de colegas. A escola inteira parecia estar descendo ao salão principal, fazendo escala no saguão de entrada para observar o cálice de fogo. Havia uma agitação incomum no ar. Angelina Johnson, que jogava no time de quadribol da Grifinória, colocou um pedaço de pergaminho com seu nome nas chamas azuladas. Hermione disse a ela que torceria para que fosse escolhida.
Depois do café da manhã, Harry sugeriu que fossem visitar Hagrid. Hermione lembrou-se com entusiasmo de que ainda não dissera nada ao amigo sobre o F.A.L.E., e imaginou que ele provavelmente concordaria com a causa. Pediu que os meninos esperassem e subiu correndo para pegar a caixa dos distintivos.
— Ora, pensei que tinham esquecido onde eu morava — disse Hagrid ao vê-los.
Hermione tentou esconder o choque; Hagrid estava arrumado. Usava uma gravata amarela, um horroroso terno de tecido marrom peludo e o cabelo parecia ter sofrido uma tentativa um tanto frustrada de ser domado com alguma coisa gelatinosa.
Os três acabaram almoçando com Hagrid e passando a tarde na cabana. Hermione explicou ao amigo tudo sobre o F.A.L.E., mas para sua surpresa, ele não concordou com suas idéias de liberdade e direitos para os elfos domésticos.
— Seria fazer a eles uma maldade — disse ele. — É disso que eles gostam. Sem o trabalho ficariam infelizes, e receber salário, para eles, seria um insulto.
— Mas Dobby, aquele elfo que Harry libertou, ele queria a liberdade, e agora ele quer um trabalho assalariado... — ela argumentou.
— Bem, existem aberrações em todas as espécies, não é? Mas esteja certa de que elfos como esse Dobby não são nem de longe a maioria. Nada feito, Mione.
Desconcertada, Hermione guardou a caixa de distintivos no bolso das vestes. — Não fique assim — ele acrescentou, puxando-a pela mão. — Você sabe que eu apóio o que quer que você faça, não sabe? Mas desta vez você está errada.

No final da tarde, os três fizeram menção de sair.
— Acho que vamos indo para a festa — Harry disse.
— Esperem, eu também vou — Hagrid disse, pegando um frasco enorme de perfume e despejando em si grandes quantidades.
Como os garotos tossissem e fizessem caras esquisitas, Hagrid saiu pela porta dos fundos dizendo que ia tirar o excesso. Eles ouviram barulho de água, depois não ouviram mais nada.
— Hagrid? — Hermione chamou.
Ao olhar pela janela, o viu conversando com Madame Maxime, encantado por ela de maneira semelhante à que Rony ficara pela garota de Beauxbatons na noite anterior. Hermione sentiu uma versão mais fraca do mesmo mal-estar que sentira então. — Pensei que ele fosse com a gente — disse.
O que estava acontecendo com seus amigos, todos? Saiu com Rony e Harry da cabana e os três andaram em direção ao castelo, pouco atrás dos alunos de Beauxbatons, que eram conduzidos por Madame Maxime e Hagrid. Ao chegar no salão principal, tomaram seus lugares lado a lado. O banquete teve início e terminou, com uma tensão no ar. Todos aguardavam ansiosos o anúncio dos nomes dos campeões. Com os pratos já limpos, Dumbledore se pôs a falar.
— É agora; o cálice de fogo devolverá os nomes dos três campeões, e o Torneio Tribruxo estará oficialmente iniciado.
Depois de alguns instantes, um pergaminho saiu das chamas, e Dumbledore pegou-o. — O campeão de Durmstrang é... Vítor Krum — anunciou.
O salão inteiro irrompeu em aplausos, com exceção de Hermione. Rony parecia não caber em si de felicidade.
— Eu sabia, eu sabia! — ele murmurava.
Karkaroff vibrou e bateu nas costas do aluno carinhosamente. Sorridente, Krum levantou-se e foi até Dumbledore, recebeu seus cumprimentos e dirigiu-se a uma sala ao lado do salão principal, que a profa. McGonagall lhe indicou. Dumbledore já cercava o cálice à espera do segundo nome. Outro pergaminho saltou de dentro do cálice e o diretor agarrou-o.
— O campeão de Beauxbatons é... Fleur Delacour!
Para a infelicidade de Hermione, quem se levantou foi a garota por quem Rony se encantara. Ela o viu cochichando algo sobre ela com Harry, e murmurou entre dentes:
— Patético.
Fleur sacudiu a cascata dourada de cabelos enquanto andava até a outra sala para juntar-se a Krum. Os colegas que ela deixou para trás na mesa da Corvinal pareciam desconsolados. Algumas garotas choravam copiosamente por não terem sido escolhidas. Hermione revirava os olhos com crescente impaciência. Por que todos agiam de forma tão ridícula?
Dumbledore pegou o terceiro pergaminho devolvido pelo cálice de fogo, e anunciou:
— E o campeão de Hogwarts é... Cedrico Diggory!
Balbúrdia na mesa da Lufa-Lufa. Hermione aplaudiu pela primeira vez. Apesar de ter torcido para Angelina Johnson, achava que Diggory merecia ser o representante da escola, e, além disso, gostou de ver alguma decepção no rosto de Rony.
— Aí estão — disse Dumbledore — os três campeões, que irão disputar...
O diretor parou de falar, e o salão inteiro mergulhou em um silêncio profundo; havia mais um pergaminho saindo do cálice de fogo. Dumbledore aproximou-se, pegou-o e abriu. Não pareceu satisfeito com o que leu, pelo contrário; parecia não acreditar no que via. Levantou os olhos, por fim, e disse:
— Harry Potter.
O silêncio continuou. Hermione viu Harry levantar as sobrancelhas em surpresa, sem fazer menção de se levantar. — Harry Potter! — chamou Dumbledore, mais alto e com a voz mais dura. Como o amigo continuasse sentado, imóvel, Hermione empurrou-o de leve.
— Anda! — murmurou.
Harry andou devagar até Dumbledore, acompanhado pelos olhares estupefatos de todos. A profa. McGonagall conduziu-o até a sala onde os campeões tinham ido. Hermione ainda não entendera... Quem teria posto o nome de Harry no cálice de fogo? Rony, ao seu lado, tinha no rosto uma expressão de fúria. Olhou-a, de repente e disse:
— Como será que ele conseguiu, hein? Passar pela faixa etária?
— Quê? — ela disse, incrédula. — Não vai me dizer que você... Rony, você sabe que Harry não colocou o nome dele no cálice de fogo. Não sabe?
— Eu não sou tão burro, Hermione. Você deve tê-lo ajudado, não é? Pesquisou na biblioteca como ele poderia fazer, não é?
— Rony! Como você tem coragem de me acusar dessa maneira?
As pessoas ao redor começavam a olhá-los. Bagman, Crouch, os diretores e os professores não estavam mais lá na frente, e os alunos começavam a deixar o salão principal. Hermione e Rony continuaram ali, discutindo.
— Por que não me ajudou também, hein? Pensei que era minha amiga... Grandes amigos, vocês dois!
— Eu sou sua amiga, seu idiota! — ela explodiu. — Mas eu não deveria! Nunca vi alguém tão patético, tão egoísta, tão mal-humorado, tão...
— Claro que não! — ele gritou. — Claro que não viu. Eu não sou talentoso, nem poderoso, nem nada demais! Sou um qualquer, simples, ordinário! Não tenho cicatriz nenhuma na testa nem sobrevivi heroicamente a nenhum ataque de Você-Sabe-Quem!
Hermione sentiu ímpetos de atirar alguma coisa pesada na cabeça dele e obrigá-lo a crescer. Agarrou-o pelos ombros, sacudindo, e vociferou:
— E seja grato por isso! Você tem uma família maravilhosa ao invés de ser órfão! Não ouve sua mãe chorando e implorando pela sua vida quando chega perto de um dementador! E nem é discriminado por não ser de uma família mágica!
Rony desvencilhou-se bruscamente.
— Ah claro! Os coitados... Vocês se merecem! Pois vão para o inferno!
Ele deu as costas e começou a se afastar. O salão principal estava vazio agora. Hermione sentiu os olhos marejados. Como ele podia ser tão burro? Ela correu atrás dele e puxou-o pelo braço com força.
— O que você quer? — berrou. — É atenção, não é? Pois tome a sua atenção!
Ela atirou os braços ao redor do pescoço dele, e desatou num choro compulsivo no mesmo instante. Os soluços eram tantos que ela mal conseguia respirar. Sentiu os braços dele envolvendo-a de leve, e ele disse:
— Mione... Mione, calma... Eu... Eu exagerei. Você não tem culpa. Você não ajudou Harry, não é mesmo? É vítima tanto quanto eu...
Ela afastou-se rapidamente, secando as lágrimas. Sentia raiva e compaixão ao mesmo tempo; por ela mesma, por Harry, por ciúme de Fleur Delacour e por tudo o mais que estivesse errado. Respirou fundo algumas vezes, até conseguir fazer os soluços cessarem. Enquanto isso Rony a olhava, apreensivo.
— Vê se deixa de ser burro, — ela disse, entre dentes. — vê se cresce! Idiota!
E saiu correndo, em direção à torre da Grifinória, sem olhar para trás.


Hermione passou grande parte da noite em claro, pensando. Arrependeu-se de toda a discussão com Rony. Ele era burro, sim, e egoísta... mas a vida inteira dividira a atenção com outros seis irmãos, usando seus livros e vestes velhos, ficando sempre com as sobras. Até que era compreensível.
O que não era compreensível era o nome de Harry, saindo do cálice de fogo. Não via a hora de conversar com ele para ter pelo menos uma idéia do que poderia ter acontecido, e do que aconteceu depois que ele se juntou aos campeões. Será que ele disputaria o torneio? O que aconteceria com ele? Quem poderia ter o interesse de que ele participasse, e por quê?
No café da manhã do dia seguinte, encontrou Rony. Ele também não parecia ter dormido bem, e num primeiro momento eles não disseram nada um ao outro. Hermione mastigou vagarosamente sua torrada, escolhendo as palavras que diria. Estavam sentados frente a frente. Ela levantou os olhos e disse:
— Vamos esquecer aquela discussão da noite passada... Certo? Desculpe o que eu disse... Eu até... até entendo você.
Ele olhou-a, pesaroso.
— Me desculpe também. Eu nunca realmente duvidei de você... eu... Me irritei quando você começou a defender Harry. Aliás, não me peça para acreditar nele.
Hermione suspirou. Juntou algumas torradas, pensando em levá-las para Harry na torre da Grifinória, e enrolou-as num guardanapo. Levantou-se, dizendo:
— Não vou lhe pedir nada, fique tranqüilo. Mas estou avisando; você vai se arrepender quando finalmente se der conta da besteira que está fazendo.
Quando Hermione se aproximava do retrato da mulher gorda, Harry vinha saindo.
— Hermione.
— Olá... Trouxe para você — ela mostrou as torradas. — Quer dar uma volta?
— Boa idéia — ela viu alívio no rosto dele.
Os dois foram andando lado a lado, descendo as escadas. — Não vai me perguntar como consegui me inscrever? É a única coisa que as pessoas me perguntam agora.
— Não seja bobo, Harry. E não se faça de vítima; afinal, quem não conhece você não tem como adivinhar que você não se inscreveu.
— E quanto a quem me conhece?
Ele encarava-a incisivamente. Ela evitou os olhos dele; teve certeza de que ele já encontrara Rony e já sabia que o garoto estava furioso com ele. Não quis comentar o assunto, no entanto.
— Reconheça, Harry, que se o seu nome simplesmente surgiu do cálice de fogo, é uma coisa óbvia que ele foi colocado lá. Nós sabemos que não foi você, mas como alguém mais vai poder saber?
— Dumbledore sabe. A profa. McGonagall.
— Tudo bem, Harry, mas eu falo do resto das pessoas, dos nossos colegas. Se tivesse sido o nome do Malfoy, por exemplo, você não pensaria que ele tentou se inscrever?
Harry não respondeu. Os dois passaram pelas portas de carvalho da escola nesse momento, e andaram pela grama em direção ao lago, onde o navio de Durmstrang estava ancorado. — Mas me conte... Como vão ficar as coisas, você vai competir?
— Vou.
— Mas...
— Não tive escolha. Primeiro, todos vieram e começaram a discutir como isso poderia ter acontecido, de o cálice devolver um nome a mais. Moody acha que a pessoa que me inscreveu confundiu o cálice, para que ele pensasse que eram quatro escolas. Sendo o único inscrito da quarta escola, eu seria obviamente escolhido.
— Faz sentido... Mas nenhum aluno poderia ter confundido o cálice...
— Exatamente. Só alguém com magia muito avançada poderia.
— Mas quem? E por quê?
— Moody acha... — ele hesitou. — Ele acha que a pessoa que me inscreveu espera que eu morra durante o torneio.
Hermione parou de andar.
— E mesmo assim vão deixar você participar?
— Não vão deixar é que eu não participe. Ter o nome escolhido pelo cálice é como um contrato, Dumbledore falou na sexta-feira, quando mostrou o cálice. Como eu disse, não tive escolha.
— Mas não consigo imaginar quem poderia...
— Você viu o Rony?
Ela olhou-o. Obviamente ele quisera que ela falasse de Rony o tempo todo. Com um suspiro, ela disse:
— Vi, estava tomando café.
— Ele ainda acha que eu me inscrevi?
Hermione imaginou que, ironicamente, estava na mesma posição em que Harry ficava quando ela e Rony brigavam. Era uma situação horrível.
— Acho que não... — disse, sem jeito. — Não de verdade.
— Como assim não de verdade?
— Você não percebe? Ele está com ciúmes! A atenção está toda em cima de você, e nunca dele... Você sabe disso. Mesmo que não tenha culpa.
— Pois diga a ele que eu troco de lugar quando ele quiser.
— Não vou dizer nada, vocês têm que resolver isso sozinhos.
Harry atirou a última torrada no lago. — Você sabe o que deve fazer agora, não sabe? Escrever para Sirius.
Hermione dirigiu um triste olhar para o horizonte. Por que sentia tanta pena de Rony? O idiota tinha dito “não fazem garotas assim em Hogwarts”, e ela ainda sentia pena? Que ele fosse se lamentar com Fleur Delacour. Ela chutou uma pedra para o lago, incapaz de enganar a si mesma.

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