Cubilis



Haviam ido quase três semanas desde o início das aulas. Adentrava o salão para o café da manhã tentando não topar com alunos ou corujas que voavam tentando achar seus destinatários, quando viu que uma delas tentava entregar-lhe alguma coisa. Era uma coruja das torres como ela nunca tinha visto: negra. Ainda observando o elegante animal, pegou o pergaminho e agradeceu o animal afagando-lhe as peas da cabeça. A coruja voou e ela se deu conta de que não fazia idéia de quem poderia ter-lhe enviado aquilo. Abriu o rolinho curiosa e deu com um selo em cera verde. Um brasão que ela já conhecia.

No sábado seguinte, ela ainda não sabia o que a fizera aceitar aquele convite. Lucius Malfoy era um Comensal e dos mais famosos! à vista do brasão no pergaminho, teve um insight e teve certeza de que era ele a quem o centauro vidente chamara "a serpente"...
Saltou da carruagem ajudada pelo auxiliar que vestia negro. Trazia os longos cabelos presos no alto da cabeça por um diadema de prata e brilhantes, com cachos muito definidos caindo pelas espáduas quase nuas, cobertas apenas pela estola de zibelina prateada. Trajava um pesado longo de veludo negro preso no pescoço por uma fina gargantilha, acompanhado de uma luva de cetim que subia até pouco acima dos cotovelos; o traje justo - um modelo de estilista trouxa - marcava o contorno do corpo, era aberto atrás e deixava descobertas as costas até a região da cintura, revelando a horrenda e delicada tatuagem em sépia, que, no decorrer daquela noite, intrigaria várias pessoas. Trazia ainda uns poucos e leves acessórios também em prata e brilhantes.
Seguindo a indicação de um mordomo que recebia os convidados, dirigiu-se à porta principal, passando pelo longo caminho coberto por uma espécie de tenda, feita de um finíssimo tecido de cor vinho, decorado em dourado ao estilo persa. Nos jardins que ladeavam a passarela, flores em vários tons de fogo brilhavam suavemente como se possuíssem luz própria e minúsculas fadas de forte brilho amarelado volitavam por entre as plantas. De dentro da mansão vinham sons de conversas abafadas e de um animado minueto.
Quando já se aproximava da enorme porta de madeira, foi surpreendida por uma voz macia e perigosamente sedutora...
- Boa noite, Senhora Lunare.
Ela parou, olhando subitamente na direção das palavras, encontrando dois olhos de aço incrustados em uma pele claríssima que recobria uma estrutura facial máscula e simétrica, emoldurada por cabelos que mais pareciam lisos fios de ouro branco, cuidadosamente presos em um rabo de cavalo.
- Boa noite, Senhor Malfoy. - disse com alguma insegurança na voz, enquanto ele gentilmente beijava-lhe a mão, com uma espécie de discreta reverência.
- Estou encantado em conhecê-la. É mais bela do que eu supunha... Talvez esperasse uma beleza diferente, algo, angelical. - Um sorriso malicioso perpassou-lhe a face.
- Obrigada. - Ela desviou o olhar, encabulada. Sabia o que ele esperava encontrar, decerto conhecera Aurea Nox quando era Comensal e apesar de serem parecidas, a mais velha sempre teve um ar inocente e um corpo menos desenvolvido, que ela perdera logo que entrara na adolescência. - É um prazer conhecê-lo também, senhor Malfoy... - disse, recompondo-se.
- Ora, por favor, me chame de Lucius.
- Está certo... Lucius. - Forçou um sorriso. Não sabia exatamente o que pensar. Não deveria, então, estar assustada e apreensiva por estar entre Comensais? Mas não estava... De certa forma, sentia-se em casa e Malfoy não causara a impressão de terror que ela esperava... Não duvidava das intenções e capacidades dos Comensais da Morte, mas parecia que, agora que finalmente parara de fugir, agora que finalmente estava frente a frente com um, ele era apenas um homem comum... Ou talvez não exatamente um homem comum: um cavalheiro refinado e sedutor...
- Parece um pouco tensa, Senhora Lunare... Soube que não conhece muitas pessoas por aqui, mas esteja certa de que são tão agradáveis quanto seus conterrâneos. Também sabemos dar festinhas por aqui. - disse com o mesmo sorriso.
- Lacrima. - sorriu. Afinal, porque estranhar a segurança perante os inimigos? Estava pronta para encará-los, entrar no covil e conhecer os costumes dos chacais. - De fato, não conheço ninguém além dos meus colegas de trabalho...
- Então acho que vai gostar da nossa pequena reunião, Lacrima. Posso dizer que as pessoas mais interessantes da alta sociedade estão presentes hoje. Algumas linhagens quase tão tradicionais quanto a sua...Aliás, perdoe-me a indiscrição, mas o que faz tal dama lecionando? - falava sempre com aquele mesmo sorriso sedutor e o tom animado.
- Bem, não me agrada muito ficar em casa na companhia da governanta ou passar o dia todo gastando o dinheiro da família em futilidades... Prefiro ocupar meu tempo falando de coisas que gosto. Mesmo que seja para crianças desinteressadas! - respondeu divertida. Também sabia interpretar papéis... Porque ele não perguntara o que ela viera fazer na Inglaterra? Estava claro que ele sabia, ou pelo menos imaginava e foi hábil o suficiente para não tocar no inconveniente assunto.
- Ora, que mulher determinada! - uma expressão supresa - Uma jóia rara, eu diria... É difícil encontar pessoas tão... interessantes. - um brilho estranho perpassou o rosto do anfitrião. Ele tinha algo de predador. "Definitivamente digna de ser observada" - anotou mentalmente. - Mas, entremos! O clima está bem melhor lá dentro!
Ele ofereceu-lhe o braço que ela aceitou, acompanhando-o salão adentro. Aquilo se transformava em uma de brincadeira que não parecia exatamente segura... Mas ela não rejeitaria o desafio.
Adentraram juntos o salão principal da mansão, trocando algumas palavras e despertando a curiosidade de um ou outro conviva que por acaso prestara atenção ao casal.
- Lucius, sua mãe odiaria saber que gastou dinheiro à toa com a sua educação! - uma voz desafinada de coquete assumida ressoou abruptamente nos ouvidos de Lacrima. - Como deixa de nos apresentar sua nova amiga?!
- Oh, me perdoe, Lady Fimmel! - um sorriso gentil acompanhado de um leve enfado. - Esta é Lady... ou melhor, Signora Lunare. A senhora obviamente já conhece essa família, não?
- Claro! - uma expressão de grande surpresa pairava no rosto da mulher - Os Lunare são uma família tradicionalíssima, conhecida em toda a Europa! A imprensa sempre cita o château de Nigra Nox como um dos mais bem conservados catelos medievais do mundo... É certamente um prazer conhecê-la, querida!
- Esta, Lacrima, é Lady Caroline Fimmel...
- Prazer em conhecê-la...
- Lady Fimmel é uma apreciadora de antigüidades, como pode notar...
- De fato, me interesso bastante.
- Caroline, desculpe interromper, mas peço que nos dê licença. Lacrima ainda não conhece as pessoas aqui...
- Oh, sim! Conversaremos mais tarde!
E assim se iniciou a noite de Lacrima, entre apresentações, sorrisos falsos e verdadeiros, interesses e desinteresses, intenções diversas, enfim, pessoas novas. Ao final de inúmeros minutos e taças, Lacrima deixara o covil de Comensais da Morte para estar numa encantadora reunião da alta sociedade britânica. O anfitrião, imoralmente irônico, parecia ter saltado das páginas de Wilde. Sentia os vapores de Baco invadirem-lhe o corpo numa reconfortante onda de calor e leve torpor. Sentia-se muito à vontade e as conversas fluíam agradavelmente, permeadas por uma heterogênea conjunção de risos.
- Ora, mas como faz calor nesta sala! Se me permitem, ladies and gentlemen, vou me retirar para o jardim. Me daria a honra de sua companhia, Sra. Lunare?
- Oh, sim!
- Eu pagaria para escutar o diálogo de ambos... - falou uma das mulheres, logo que Lacrima e Lucius se distanciaram.
- Ela tem um gênio bem intrigante. Ou pelo menos uma língua afiada. O que você acha, Florence? Será que ela consegue resistir à lábia dele?
- Não duvido que ela possa. Duvido que ela queira!

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