Ódio



Snape vagou solitário pelos terrenos de Hogwarts durante toda a noite que sucedeu sua primeira aula com Hermione. Andava muito pensativo ultimamente e isso o incomodava, pois quando morava solitário no armazém abandonado de Hogwarts as coisas corriam muito melhor.

Mas agora ele estava preso ali por uma dívida de vida com uma sangue-ruim de 17 anos. Como poderia ensinar maldições imperdoáveis para uma menina que não tinha ódio no coração?

Encostou-se numa árvore enquanto observava o horizonte. Ele estava realmente intrigado com essa característica da garota. Sua vida sempre foi repleta de ódio, por isso nunca tinha parado para considerar que alguém poderia não odiar nada ou ninguém. Será que sua vida seria diferente se ele não sentisse essa raiva toda?

Aquilo tudo era muito perturbador. Pela primeira vez em toda sua vida solitária, Snape sentiu-se realmente sozinho. Foi escorregando pelo tronco da árvore até sentar no gramado, totalmente desolado. Caiu no choro de uma maneira que nunca tinha caído em toda sua vida.


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Não muito longe dali, outra pessoa também chorava copiosamente. Hermione estava debruçada sobre a pequena mesa da cozinha, cuja madeira umedecia com suas lágrimas. Uma única vela iluminava todo o ambiente.

Ela sentia medo, muito medo. E não era só isso, também chorava por saber que sua vida não seria mais a mesma daquele dia em diante. A aula com Snape deixara isso bem claro, mostrando que ela teria que mudar para enfrentar o que estava por vir. Mudar, não. Crescer. E isso era extremamente aterrorizante.

Por um breve momento, invejou seu professor. Ele sim poderia enfrentar qualquer coisa que viesse, pois ele tinha mais que coragem. Tinha ódio. E ela então desejou também sentir esse ódio que movia os guerreiros, que fazia homens tornarem-se heróis ou assassinos.

Adormeceu.


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Pela manhã, Snape entrou na cozinha para comer alguma coisa após sua ronda noturna pelos jardins. Deu de cara com Hermione deitada sobre a mesa quando ia até a dispensa. Ela dormia muito pacificamente, mas seu rosto inchado mostrava que ela também tinha passado uma noite de sofrimento.

Então, pela primeira vez, ele sentiu pena. Sentiu uma profunda pena da garota que ele estava mantendo como refém e desejou poder soltá-la. Se ela saísse por aí falando se sua localização, todo o plano estaria perdido. Mas será que era só isso que o impedia de libertá-la?

“Claro que é”, pensou Snape, espantando pensamentos estranhos de sua mente. “Não há nada que ligue você a essa garota além de uma dívida de vida”. Ele foi até a dispensa e preparou um sanduíche com cuidado, que deixou sobre a mesa, ao lado da garota. Pegou um pedaço de pão e deixou a cozinha rapidamente.


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Snape estava sentado na mesma sala onde lecionara sua primeira aula no dia anterior, olhando pensativamente pela janela. Teve que esconder sua surpresa evidente quando Hermione entrou no cômodo e sentou-se ao seu lado.

- Obrigada pelo sanduíche. Estava muito bom.

Ele não disse nada. Os dois sequer se atreviam a se olhar.

- Olha... Queria pedir desculpas por ontem. E te dizer que, bom... eu não te odeio.

Essas palavras saíram com alguma dificuldade da boca de Hermione, mas eram a mais pura verdade. Snape sentiu-se profundamente contente, mas achou melhor não demonstrar.

- É só que eu... eu não consigo executar essas maldições. Tem que sentir muito ódio pra lançá-las em algum ser vivo.

Snape concordou com a cabeça. Hermione olhou para ele, mas ele continuou encarando o chão perdidamente.

- Por que você não se coloca no lugar de outra pessoa que tenha tido uma vida pior que a sua? – disse Snape finalmente.

Hermione pensou por um momento. Aparentemente o professor pensou na mesma coisa, porque falou o que ela ia dizer.

- Como o grande Potter, por exemplo.

Snape não pôde deixar de dizer “o grande Potter” com algum desprezo. Hermione fingiu não notar aquele tom.

- Não acho que ele sirva – disse a garota. – Nem mesmo Harry sente ódio o bastante para lançar um feitiço desses.

Snape assentiu com a cabeça novamente. Sabia que Harry Potter não poderia nunca lançar uma maldição imperdoável por causa de seu caráter.

Ele continuou em silêncio por mais alguns instantes, analisando uma idéia que acabara de ter, mas considerou arriscada demais. Não podia fazer aquilo. Não mesmo.

- Eu gostaria de poder aplicar essas maldições, professor. Minha vida talvez dependa disso.

Snape olhou para Hermione pela primeira vez durante aquela conversa. Quando seus olhos se encontraram, suas dúvidas se acabaram e ele levantou-se rapidamente.

- Espere aqui.

Hermione ficou olhando para seu mestre enquanto ele deixava a sala, imaginando o que ele estaria planejando. Não teve muito tempo para criar teorias, pois logo ele estava de volta. E o que ele segurava fez Hermione levantar-se de tão surpresa que ficou.

Snape entrou na sala carregando uma penseira. Colocou-a sobre uma velha mesa no canto da sala e mandou Hermione se aproximar. Ele colocou a varinha sobre a própria têmpora e franziu a testa, puxando um fio prateado da sua cabeça e jogando-o na penseira.

Olhou para Hermione com seriedade, porém mais suavemente que o normal. Estendeu a mão em direção ao objeto, como se indicasse que ela deveria entrar primeiro. A garota deu alguns passos inseguros, mas jogou-se dentro da penseira logo depois.

Hermione caiu por um infinito escuro, até chegar no interior de uma antiga casa de madeira. Um bebê dormia num berço próximo da garota, mas antes que ela pudesse se aproximar, um homem de nariz adunco abriu a porta com um estrondo. Ela encostou na parede de medo, mesmo sabendo que aquilo era uma lembrança. Outra porta se abriu, e de dentro daquele cômodo surgiu uma mulher com longos cabelos negros que instintivamente colocou-se na frente do berço.

- O que você quer aqui? – perguntou a mulher.

- Saia da minha frente!

O homem estava furioso, alucinado. Empurrou a mulher e jogou-a no chão para poder botar as mãos no bebê. A mulher tirou sua varinha de dentro das vestes e a apontou para o homem.

- Estupefaça!

Mas ele foi mais rápido e desviou do feitiço, segurando-se no berço para não cair. O berço virou e o bebê rolou no chão, chorando. A mulher se levantou e correu em direção à seu filho, mas o homem a segurou com força pelo braço e começou a estapeá-la. Puxou-a pela sala e abriu a porta da casa, arrastando-a para fora. O bebê continuou caído no chão aos prantos quando a imagem ficou turva e desapareceu.

Hermione encontrou-se então nos jardins de Hogwarts, ao lado do jovem Snape quintanista. Não demorou muito para que um grupo de adolescentes grifinórios se aproximasse dele.

A garota quase caiu para trás quando um deles se aproximou. O rapaz era idêntico a Harry, com exceção dos olhos castanhos.

- E aí, Seboso?

Os outros riram. Ela reconheceu todos eles. Era Remo Lupin, Sirius Black e Pedro Pettigrew. O grupinho continuou atormentando o jovem Snape, até que Tiago fez um feitiço que virou o rapaz de cabeça para baixo, deixando a mostra suas roupas de baixo.

Mais uma vez a imagem ficou turva, e agora ela estava num corredor da escola por onde passava Snape. Apesar da fraca iluminação, tudo estava muito claro. Era noite de lua cheia.

Tiago Potter surgiu no outro extremo do corredor e correu até Snape, que o ignorou completamente.

- Sirius mandou você ir até o Salgueiro Lutador, não foi?

Snape continuou andando. Tiago não desistiu e o acompanhava de perto.

- Não vá. Pode ser perigoso.

O jovem Severo parou e olhou para Tiago furiosamente.

- Saia da minha frente, Potter. Não vou mais cair nas suas armações.

Tiago suspirou e deixou Snape passar. O rapaz continuou andando decidido até os portões de Hogwarts, quando viu o vulto de um professor vindo do corredor ao lado. Ele se escondeu e sussurrou um “droga!”, voltando para seu Salão Comunal.

Tudo escureceu. Quando clareou novamente, estavam na sala dos professores, muitos anos depois, pois Snape já estava praticamente com o mesmo rosto que estava atualmente. Dumbledore falava com ele.

- Preciso de um favor seu, Severo – disse o diretor. – Quero que faça uma poção mensal para o professor Lupin, que chegará na próxima semana.

- Sim senhor – respondeu Snape, muito contrariado. – Que tipo de poção?

- Uma poção para impedir que ele se torne um lobisomem a cada lua-cheia.

Snape arregalou os olhos. Sentiu o ar faltar em seus pulmões e ficou visivelmente abalado.

- Severo, você está bem?

- Sim, claro. Não se preocupe, diretor, ele terá a poção todo mês.

E assim a imagem escureceu pela última vez, quando Hermione finalmente retornou à sala de aula nos tempos atuais.

Snape estava sentado numa cadeira próxima à mesa. Sua expressão era diferente dos Snapes que ela tinha visto na penseira. Ele parecia mais... humano. A observava com plena curiosidade, apesar de parecer um pouco embaraçado com aquela exposição de sua vida.

Ele então abaixou a cabeça, vulnerável. Hermione tinha lágrimas nos olhos. Sem pensar, a garota correu até o professor e o abraçou.

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