Capítulo XIV



O beijo foi breve, mas Hermione sentiu profundamente a força do contato. Antes que tivesse temp para reagir, ele se virou e partiu. Enquanto via o carro afastar-se, levou a mão aos lábios onde sentia a marca deixada pela boca suave e quente.

Ele a beijara. Harry Potter a beijara. Por quê? O que o impelira a beijá-la? Incapaz de compreender o que acabava de acontecer, virou-se para entrar no edifício, sentindo a confusa crescer em sua mente. O beijo fora tão inesperado! E o que a confundia acima de tudo era a certeza de que, em algum recanto secreto da alma, havia desejado aquele beijo e queria repeti-lo.

Bryan a recebeu na porta, e assim ela baniu todos os outros pensamentos da cabeça. Por um momento, enquanto retribuía o abraço exuberante do filho, Hermione sentiu apenas uma imensa gratidão por tudo ter acabado bem.

- Hermione, é bom vê-la inteira. – Rony disse enquanto se levantava do sofá e a beijava carinhosamente no rosto. – Onde está Harry?

- Ele seguiu viagem para A Toca. Disse que o encontraria lá. - Observou Rony, ele também era bonito, impressionava com aqueles cabelos ruivos, até os ombros. Os olhos brilhavam com um entusiasmo quase infantil e uma malícia sedutora, mas, naquele momento, nenhum dos dói estavam presentes. Havia apenas uma sombra até então desconhecida para ela.

- Papai fez carne assada. – Bryan contou. – Com cenouras e batatas.

- É mesmo? – ela reagiu surpresa. – Não sabia que cozinhava tão bem. Rony encolheu os ombros.

- Um feitiço de vez em quando não faz mal a ninguém. E Bryan não pode passar o tempo todo que está comigo comendo bobagens. Não é bom para ele.

Aquele não era o Rony que Hermione conheça. O homem com quem viveu durante nove anos nunca se preocupava com os efeitos de alimentos impróprios em seu organismo ou no do filho.

- Bem, parece que teremos um jantar, afinal. – disse, lembrando que há horas não comia nada. Estava com fome.

- A comida está pronta. – Rony anunciou.

- Deixe-me lavar as mãos e poderemos comer. – Hermione seguiu para o banheiro.

Rony havia preparado carne assada e Harry a beijara. Aquele era o dia mais estranho de sua vida. Enquanto lavava o rosto, esperou que a água fria banisse o calor deixado pelo contato breve daqueles lábios. Por que ele a beijara? E, mais importante, por que havia desejado aquele beijo? E ainda havia Rony... ele estava tão mudado, parecia mais maduro? Ela não sabia ao certo. Devia ter sido um momento de anomalia da natureza, um ato incomum entre pessoas que haviam passado por uma situação traumática que pusera em risco suas vidas. Ouvira falar em casos parecidos. Pessoas que faziam amor no meio de um desastre, ou saía beijando todos os estranhos que encontrava depois de superar o estresse.

Com ela isso já havia ocorrido. Lembrou-se do dia do confronto final com Voldermort, quando passara por um triz de ser morta, jogara-se nos braços de Rony tentando acalmar-se e amenizar o medo que a assolava e acabara beijando-o. Ele não havia entendido a atitude dela, mas correspondeu sinceramente. Começaram a namorar depois disso, e meses depois, estavam casados.

Harry e ela haviam escapado por pouco da morte, e tiveram de conviver de forma próxima durante dois dias e duas noites no meio da floresta. A chegada ao edifício indicara o final do drama, e certamente fora essa constatação que provocara o beijo. Não havia significado nada para ele, e não devia dar mais importância ao fato do que permitia a realidade.

Bryan e Rony a esperavam sentados à mesa quando ela entrou na cozinha. A conversa durante o jantar foi leve e agradável. Bryan contou tudo que vira na Toca, mencionou novamente o lago, o menino acrescentou:

- Papai disse que algumas vezes eles iam nadar sem roupas!

Hermione lutou contra a imagem que invadiu sua mente. Não queria pensar no corpo forte e bronzeado de Harry emergindo do lago, nu ainda por cima...

- Isso Harry não me falou.

- Harry te contou alguma história?

- Não há muito o que fazer além de conversar quando duas pessoas ficam perdidas na floresta.

Era engraçado, ela pensou enquanto comia. Confessara a Harry seu medo do escuro, algo que jamais revelou ao homem com quem estivera casada durante nove anos. Confiava em seu ex-marido, mas não sabia por que não tinha comentado nada sobre o assunto. Antigamente, ela se abria mais com Harry, realmente, e simplesmente discutia com Rony.

Depois do casamento Harry havia se tornado mais fechado. Bryan estava falando sobre a casa onde o pai morava. Hermione sabia que devia ter achado impressionante! Com toda aquela magia, o lugar era lindo realmente. E eles haviam reformado toda a casa, tornando-a maior e mais luxuosa. Mais tarde, depois de arrumarem a cozinha e colocarem Bryan na cama, Hermione e Rony se sentaram à mesa diante de duas xícaras de chá para conversarem.

- Você está muito quieto. – ela começou. – Aconteceu alguma coisa?

- Na verdade, há algo que quero discutir com você. Uma onde de apreensão a invadiu. Nunca vira Rony tão sério, tão sombrio.

- O que foi?

Ele escolheu as palavras com cuidado antes de começar.

- Durante os últimos dois meses, tenho tido alguns problemas bem desagradáveis, como dores de cabeça, tontura e visão embaçada. Cheguei a pensar que precisava de óculos, e por isso fui procurar um médico, mas ele não encontrou nada de errado em meus olhos.

A apreensão cresceu quando ele desviou o olhar e mexeu o chá pela terceira vez. Os dedos tremiam, e ele parecia nervoso.

- Rony, está me assustando. Fale de uma vez. O que está acontecendo?

- Tenho um tumor. As palavras pairaram no ar por alguns instantes, enquanto Hermione rezava para ter ouvido mal.

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