Capítulo XIII



Ela parecia delicada, mas sabia que sua aparência física era falsa. Hermione possuía uma força emocional que nunca detectara nas mulheres que conhecera.

- Por que viveu tanto tempo com Rony? Deve ter percebido desde o início que o casamento não daria certo. Ela franziu a testa.

- Eu era muito jovem e esperava um filho de Rony. A princípio pensei que ele mudaria, amadureceria. Sonhava com o dia em que seria mais importante que seus amigos, quando ele construiria um futuro, em vez de viver apenas o momento. Sempre soube que o fato de sermos jovens tornava tudo mais difícil para nós, mas queria que o casamento desse certo.

- E viveu com ele durante nove anos.

- Eu tentei, Harry. Continuei acreditando que um dia teria um marido e um filho, em vez de viver como se tivesse sempre de cuidar de duas crianças. Esse dia nunca chegou.

- Sempre admirei sua força.

Ela o encarou surpresa. Hermione riu, e o som rouco encheu todos os espaços do carro. Harry se deu conta de que poucas vezes ouvira aquela risada depois que haviam acabado os estudos.

- Não sei se era força, estupidez ou teimosia. – O sorriso desapareceu, dando lugar à tristeza. – Quando fiquei grávida, jurei que meu filho teria a família que um dia eu tive com mãe, pai e talvez até alguns irmãos. A morte desse sonho foi uma das mais duras provas que tive de enfrentar.

Ele assentiu e concentrou-se na direção. Que idéias passariam pela cabeça de Hermione? Ela ainda amava Rony? Lamentava a decisão de tê-lo deixado? Se Rony quisesse a reconciliação, ela concordaria? Estaria disposta a dar ao ex-marido uma segunda chance a fim de encontrar a felicidade que um dia buscara? Mas os sentimentos e pensamentos de Hermione não eram de sua conta. Ela era a ex-esposa de seu melhor amigo, e o único laço que os unia era Rony. Mesmo assim, queria apagar aquela ruga apreensiva de sua testa. Queria ouvir a risada rouca e alegre mais uma vez, ver os olhos caramelo brilhando com entusiasmo. Queria banir a tensão que pairava sobre eles.

- Não foi tão ruim. – ela disse, como se pudesse ler seus pensamentos e compartilhasse de seus desejos. - Lembra-se do piquenique que fizemos no terceiro aniversário de Bryan?

Era impossível não sorrir diante de uma recordação tão adorável. Havia sido um dia mágico. O clima cooperara, proporcionando um daqueles típicos dias perfumados de primavera. A comida estivera deliciosa, Bryan se mostrara encantador como só uma criança de três ano pode ser, e Rony desempenhara com perfeição o papel de pai e marido.

- Qual era o nome de sua companhia naquele dia? – Hermione perguntou com tom debochado. – Açúcar? Canela?

- Mel. – Harry respondeu, mesmo sabendo que ela se lembrava do nome. Rindo, balançou a cabeça num gesto divertido.

- Ela era linda.

- Sim, é verdade.

- E também muito inovadora na maneira de vestir-se, especialmente para um piquenique. Quem teria pensado em usar saltos finos, microssaia e top para ir a uma festa de aniversário de um garoto de três anos?

- Ela foi a única mulher que conheci que acreditava que patê era a parte careca no topo da cabeça de um velho.

Harry foi recompensado por uma gargalhada. Rouca e sincera, ela encheu carro, divertindo-o e provocando outras lembranças engraçadas daquele ia peculiar.

- Cada vez que ela se debruçava para espiar o bolo, temia que seus… dotes pulassem para fora da roupa – Hermione continuou. - Não sei o que era pior. Quando ela se debruçava sobre o bolo, ou quando tentava jogar bola naqueles saltos.

- Ela não era muito brilhante, mas tenho certeza de que tinha um bom coração.

- Pois está enganada. Ela pensava que crianças eram inoportunas e que animais eram sujos, e acreditava que alguém devia dar um prêmio a Coco Chanel por ter criado roupas que mulheres com seios grandes podiam usar.

- Mesmo assim, foi uma festa linda. Saiu com ela outras vezes depois daquele dia?

- Aquele foi meu primeiro e último encontro com a adorável Mel. Gostava dela enquanto se mantinha calada, mas a doce Mel adorava falar.

Hermione riu mais uma vez. Depois ficou séria e encarou-o.

- Por que não se casou?

"Porque a mulher que eu queria pertencia a meu melhor amigo."

- Não sei. Sempre estive muito ocupado cuidando da empresa, e não tive tempo para o romance. Além do mais, creio ser uma dessas pessoas que vivem melhor sozinhas.

- Ninguém vive bem sozinho.

- Ah, não? Então, por que não se casou novamente?

- Porque não tive tempo. – ela riu. - E não estou sozinha. Tenho Bryan, e conciliar o trabalho e a educação de um filho é muito difícil. Estou sempre correndo atrás de um dos dois.

Harry prestou atenção ao volante. Haviam ultrapassado os limites de Londres, e o tráfego se tornava mais denso. Queria protestar, dizer a ela que um filho não era o mesmo que um homem. Em vez disso, os dois ficaram em silêncio enquanto ele enfrentava o trânsito, tentando não pensar em Hermione.

Harry lembrou-se de quando o Sr. Weasley o pediu que cuidasse de Rony por ele, que não se preocupava com os outros, ou com Gina, mas sim com Rony, pois não era forte como ele. E Harry prometera. E sentira-se como um irmão para Rony. Ao estacionar diante do edifício onde Hermione morava, ele baniu da mente todos os pensamentos relativos ao passado. Ao desligar o motor, tentou ignorar também o vago sentimento de decepção que o invadia.

- A aventura chegou ao fim. – disse.

- Parece que sim. – Por um momento, a voz dela parecia vibrar com o mesmo desapontamento. – Não quer entrar?

- Não. Preciso ir para casa, e você precisa conversar com Rony. – Ele desceu do carro e foi buscar a mochila no porta-malas. Depois acompanhou-a até a porta do prédio.

- Obrigada por ter cuidado de mim, Harry.

- Eu não sei cuidei de você. Mesmo que tivesse de passar uma semana sozinha na floresta, eu apostaria em você.

- De qualquer maneira, foi bom não estar sozinha… ter alguém a meu lado nas horas mais escuras.

Um leve rubor coloriu seu rosto e, Deus o ajudasse, queria acariciar aquela face rosada. A necessidade de tocá-la, mesmo que fosse pela última vez, era quase uma dor física.

- Diga a Rony que o verei na Toca. – E inclinou-se para beijá-la no rosto. Não sabia o que havia acontecido, se errara o alvo ou se ela virara a cabeça no último instante, mas de repente os lábios estavam sobre os dela.

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