Vozes no Escuro



Após dois dias de repouso na enfermaria – exigência da Sra. Johnson, que achava que a Tontura Alucinótica Passageira de Arthur estava se agravando. O garoto passou todo o tempo que esteve na enfermaria com gosto de lodo na boca devido ao remédio que era lhe dado de duas em duas horas.
A primeira coisa que Arthur fez foi devorar umas cinqüenta Jujubas Pula-Pula de Thiago. Isso pareceu resolver o problema da amargues nos lábios.
- Será que isso é grave? – Liana estivera incrivelmente preocupada com Arthur. Segundo Thiago ela andara até pesquisando sobre o assunto na biblioteca. – essa tal tontura alucinótica...
- No Maximo, Arthur pode pegar um tumor cerebral e morrer. – brincou Thiago.
- Não fala assim!
- Não precisam se preocupar. – contou Arthur rindo. Era a primeira vez que ria desde o ocorrido nas arquibancadas. – a Sra. Johnson disse que não é perigoso. Ela disse que devo estar dormindo pouco.
- Pouco? – grasnou Thiago, abrindo o rosto numa larga careta. – você é sempre o primeiro a dormir lá no nosso quarto, é só baixar na cama e já está roncando!
Arthur deu de ombros.
- Liana! – chamou uma voz fina atrás deles. – Liana, espere.
Uma garota de cabelos castanhos claros lisos – embora um pouco ondulados – de olhos acinzentados cambaleava para eles segurando uma penca de livros. Parecia exausta e cansada de tanto correr com aquele peso, mas continuava ser muito bonita.
Quase tão bonita quanto Ana Rivers, pensou Arthur logo que pôs os olhos na garota.
“Quase”, disse a Voz Invasora em concordância, “Mas não vejo nela o sangue, meu igual, falta-lhe o sangue para chegar aos pés de nossa Aninha”.
Arthur concordou mentalmente.
- Felícia, oi! – disse Liana ao ver a garota.
- O-oi. – Felícia lançou um olhar significativo para Arthur e Thiago, avaliando os dois numa rapidez incrível. – Liana eu...
- Ah, deixa eu te apresentar! – cortou Liana alegremente. – este é Arthur Mortense e Thiago...
- Brandevil! – completou o garoto prontamente.
- São dois amigos meu. – contou Liana. – está é Felícia Bane, estamos organizando um grupo de estudo sobre Ocultismo, a maioria do primeiro ano está tendo problemas com essa matéria. – o rosto da garota radiou ao chegar aqui. – Aliais, porque vocês não participam? Seria superlegal...
Thiago fitou Arthur a espera de uma solução.
- Bem, Liana é... que... – Arthur fitava o rosto alucinado da amiga e não tinha palavras para recusar o convite.
- Vocês precisam pensar? – perguntou Liana.
- É... Temos que pensar! – respondeu Thiago cutucando Arthur com o pé.
- Temos, sabe como é... provas de meio de ano.
Liana concordou com um aceno.
- A propósito... – disse Felícia que olhava do próprio pé para Liana, e vice-versa. Não encarava os garotos. – É sobre o grupo que vim falar. Precisamos de você agora numa reunião...
- Claro! – Liana pegou alguns dos livros que Felícia carregava para aliviar a amiga e se dirigiu com ela para a biblioteca onde seria o encontro. – Tchau Arthur, tchau Thiago... Espero que vocês participem do grupo!
- Tchau. – responderam os dois em coro.
Mais tarde na aula de Botânica & Biologia Mágica, Thiago indagou Arthur sobre a amiga de Liana.
- Ela era muito bonita, não achou? – perguntou sorrindo sem parar.
- Um pouco. – disse Arthur corando.
- Um pouco? Ela é mais bonita até que a minha prima Ana...
- Não mesmo! – rugiu Arthur. Suas expressões mudaram completamente, parecia um cão enfurecido agora. Parecia preste a atacar seu amigo.
Thiago preferiu não prosseguir com a discussão. Algo na atitude de seu amigo estava errado, muito errado. Foi como se, por um breve momento, uma outra pessoa – um Espectro do Mal – se apossasse dele.
Não parecia o Arthur Mortense de antes.
Logo esses pensamentos foram se esvaecendo da mente de Thiago. No fim nem se lembrava de ter tido esta conversa. O garoto já havia reparado que vinha esquecendo muitas coisas este ano. Entretanto, pensava ele, não eram coisas importantes, eram?


As três da tarde Arthur chegou a sala de História da Magia, e o Profº Virgilius já não lhe parecia tão agradável como das vezes antes de sua primeira reunião no CBCV – que aliais teria sua segunda reunião hoje.
Virgilius permaneceu em sua interminável falação sobre os primórdios da magia, numa lengalenga insuportável e silenciosa. Faltavam trinta minutos para saída quando ele pediu um trabalho de 5.000 palavras sobre os bruxos mais importantes da primeira era, incluindo uma dissertação comparando o mundo mágico antigo do mundo mágico atual.
Quando a aula terminou, para a surpresa de Arthur, Virgilius o chamou em sua mesa.
- Apenas um minuto, Sr. Mortense. – aderiu cordialmente.
- Que foi, professor? – disse Arthur se afastando de Thiago e Silvano, e se dirigindo para a mesa do professor.
- Eu quero apenas... Sr. Dogal, Sr. Brandevil sumam da minha sala. – disse Virgilius com clama a Thiago e Silvano que se retiraram vagarosamente da sala.
Quando os dois garotos sumiram, o professor prosseguiu:
- Pois bem, Mortense, Arthur... Soube que continua a ter desmaios seguidos de alucinações. É verdade?
- É que...
- É verdade?
- Sim... mas...
- Tome isso, Arthur! – Virgilius puxou um frasco pequeno e amarelo-escuro cheio até quase a metade e entregou ao garoto. – quero que tome isso antes de dormir e assim que acordar entendeu?
Arthur encarou o frasco dado por Virgilius com desconfiança. Afinal, Sra. Johnson, havia dito que ele estava bem, e é claro que estava, depois de ter tomado doses e mais doses daquele remédio horrível.
- O que é isso? – perguntou ainda encarando o frasco.
- Um remédio.
- Mas eu já estou bem! – garantiu o garoto. – e já tomei bastante desses remédios!
Virgilius meneou a cabeça. Seus cabelos negros caiam serenamente pelo rosto encobrindo lhe a parte direita.
- Não tomou esse remédio, garanto que não. – disse pondo seus olhos diretamente nos de Arthur.
- Mas...
- NADA DE “MAS”, MORTENSE! – bradou o professor, seu olho tremia num tique de raiva. – TOME ESTE REMÉDIO EXATAMENTE COMO DISSE... E SE NÃO O FIZER EU SABEREI...
Arthur se encolheu e foi saindo guardando o frasco no bolso. Já estava quase na porta quando Virgilius o chamou novamente.
- E não se esqueça de tomar uma dose desta coisa antes da nossa reunião de hoje, entendeu? – completou finalmente.
Arthur saiu as presas sem responder.


Vítor tremeu ao tocar no frasco amarelado. Parecia que estava tomando um choque ou algo assim. O repôs na mesa perto de Arthur e comentou:
- Eu não tomaria nada que aquele Carrasco do Capeta me desse!
- Pela primeira vez eu concordo com o chorão. – afirmou Thiago analisando o frasco.
- Thiago! – vociferou Liana, lançando um olhar de Thiago para Vítor. – de toda forma também não estou gostando disso. – acrescentou ela. – esse Virgilius é muito misterioso, não acham? Nunca sabemos se ele está ao nosso lado ou contra nós.
Vítor a encarou incrédulo.
- Você tem duvidas quanto a isso? – indagou.
- Bom... – Liana refletiu um pouco. – ele ajudou Arthur na primeira aula de História da Magia, não é?
- Para mim... – disse Vítor. – ele só fez isso por que é professor. Aquele homem não gosta nem dele próprio, vocês ainda não o conhecem bem... Ele anda meio devagar esse ano, mas esperem só!
Arthur não acreditaria no que Vítor Menezes falava se Freidel não o tivesse dito que o “tal do Jorge Virgilius” era uma pessoa insuportável e arrogante, ainda que muito inteligente. Sim, ele deveria ser, Freidel não era o tipo de falar mal de alguém à toa. Mas se Vítor estava certo: o pior estava por vir.
“E o pior, que o provável sucessor de Belforth será aquele insuportável do Virgilius”, dissera Freidel.
Arthur de repente se viu totalmente infeliz pela idéia de Virgilius ser diretor de Palas, assim como Freidel, via algo, nada bom, por de trás daquele homem tão calado. Mesmo velho e doente, Belforth, era amável, e justo ao que parecia...
Se os garotos – exceto Vítor, é lógico. – tinham alguma dúvida de que Jorge Virgilius era o Carrasco do Capeta que os veteranos diziam que ele era, essa dúvida acabou na segunda reunião da CBCV.
Principalmente para Arthur, que acabara por esquecer, propositadamente, de tomar a coisa dada pelo homem.
Logo nos primeiros dez minutos de aula, Vítor já estava recolhido num canto chorando enquanto Virgilius gritava com toda sua fúria sobre a incapacidade mental do garoto. Depois de berrar no que pareceu meio século, ele mandou o garoto entrar numa porta depois do palco (ainda não utilizado), era o Quarto Escuro.
Algumas pessoas se remexiam nervosas ao ver Vítor cambaleando para Aquele Quarto.
Arthur foi pego pela curiosidade de saber o que havia lá. Mal sabia ele que logo seria mando para lá também.
Trinta minutos depois Vítor retornou do quarto pela outra porta – que ficava ao lado da qual ele entrara. O segundanista tremia dos pés a cabeça. E um filete de sangue corria pelo seu nariz.
- Espero que melhore agora, moleque. – alvejou Virgilius ao ver o garoto. Um sorriso cínico pendia no canto do seu rosto. Os olhos escuros tremiam de excitação entre os cabelos lisos cor da noite.
Vítor se misturou aos alunos choramingando.
Então, assim que todos retomaram a aula, foi a vez de Arthur. O motivo para tal castigo fora dado por um feitiço de defesa mal executado que refletira o ataque de seu par – Silvano – contra um terceirianista desavisado que acabou com uma espécie de musgo gosmento crescendo em meio a pele e tomando seu lugar.
- Acho que você precisa de uma lição como o Sr. Menezes. – disse Virgilius simplesmente para Arthur apontando para a porta após o palco.
Com a varinha empunhada o garoto se dirigiu para o quarto. Abriu a porta se perguntando o que na Terra aconteceria ali dentro. Quando a porta se fechou silenciosamente atrás dele só restou a escuridão total. Não havia nem uma resta de luz.
Nada.
Deu um passo a frente, cauteloso, poderia haver um buraco ou coisa assim. Mal tinha dado três passos quando entendeu a finalidade do lugar: tinha de se achar a saída naquele breu todo. Contudo seria muita modéstia pensar que só haveria a dificuldade de iluminação.
Mas se bem que com uma luzinha.
Luz!
Arthur quase acertou um soco em si próprio. Havia acabado de aprender no dia anterior como executar um feitiço de iluminação.
- Lumus. – disse e a ponta da varinha brilhou com um chamuscado prateado de luz.
Entrementes, a luz da varinha quase não era suficiente para iluminar o Quarto Escuro. A escuridão que caía ali era quase mágica – se não fosse mágica mesmo -, e parecia infindável. Mesmo assim foi útil para se ver uns poucos contornos do lugar que permitiram Arthur avançar por um corredor estreito.
O garoto começou a apertar o passo. Queria sair dali o mais rápido possível. Já estava quase correndo quando...
(BAM)
... se estatelou com o chão.
Sentiu alguma coisa, como uma minhoca ou uma cobra (mas pelo tamanho estava mais para minhoca) subir pelas suas pernas. Sacudiu-se rolando no chão em pânico. Ouviu o barulho do seu corpo estourando varias das coisas que rastejavam pelo solo. E mais e mais “minhocas” foram subindo no seu corpo.
Levantou-se pulando e se sacudindo, mas algumas permaneciam firmes avançando sobre seu corpo. Uma das coisas se enroscou no seu pulso. Ele virou a luz da varinha para vê-la e quase gritou de medo.
Era uma espécie de cobra misturada com sanguessuga e gosmento como uma lesma. Puxou o bicho de sua pele, mas não conseguiu ergue-lo. Parecia fazer parte de sua carne agora. No pavor, tocou, casualmente, a luz da varinha na “minhoca” e ela pulou de volta a escuridão do solo.
E é claro Arthur percebeu o segredo.
Aquelas coisas fossem o que fossem temiam a luz. Correu a luz de sua varinha por todas elas até está livre. Avançou novamente, dessa vez se cuidando para não cair.
Foi então que o chão duro e firme de pedra foi transposto por um chão macio de grama. O corredor se tornou mais amplo se tornando em uma sala. Arthur forçou a visão em busca de uma direção a seguida quando alguma coisa pulou encima dele e tomou-lhe a varinha.
Ele não conseguia ver quem, ou melhor, o que lhe roubara a varinha, mas via o brilho prateado dela se afastando. Correu atrás e soltou na direção dela quando o que a segurava parou. O ser se moveu rapidamente de posição, e Arthur estatelou contra o chão de grama.
Por um segundo fugaz pensou que jamais reaveria sua cara varinha, quando sentiu algo do tamanho de um coelho pular no seu estômago. Viu a coisa pela luz prateada de sua varinha que a criatura erguia e a reconheceu.
Era um diabrete-vermelho. Esse tipo de criatura só pode ser encontrada em países tropicais como o Brasil, pois vive em climas áridos e extremamente quentes.
- Devolva! – disse Arthur a criatura.
Esta apenas sacudiu a cabeça e ficou brincando de pula-pula em sua barriga.
- Minha... varinha... me... dê... agora... – a voz do garoto tremia com as pancadas que levava no baixo-ventre.
Arthur rolou rapidamente para o lado, e num movimento cruelmente perfeito agarrou o diabrete pelo seu pescoço fino. Retomou sua varinha e se levantou – ainda pressionando firme o diabrete.
Ficou ali parado com a criatura entre os dedos refletindo sobre o que faria. Chegou a ponto de quase se livrar da criatura até que a Voz Invasora retornou. A voz que agora o comandava não perdoaria jamais a infeliz criatura.
“Mate-a, Arthur... Mate-a assim como mataremos todos que são contra nós... Não seja tão fraco como foi com Blackheart, vê no que deu poupa-lo? Ana, nossa Ana, está mais próxima dele agora”
E Arthur matou.
Seguido de um “CRACK” houve um silêncio tenebroso. Um silêncio que só durou até...
(Os ecos dos Espectros do Mal)
... as vozes sinistras começarem.
“Você tem que pegá-lo”, dizia uma voz maliciosa, “tem de me libertar, meu igual... Liberte-me pelo sangue que nos uni...”
A escuridão se decepou e Arthur caiu em outro mundo. Era um mundo de trevas, onde nem mesmo o mal habita. Rodopiou por uma extensão que parecera ter o mesmo comprimento do universo.
E então tornou a cair num assoalho duro. E dessa vez muito úmido.
Arthur seguiu, sem saber porque, pela escada do lugar que se encontrava. Era uma escada talhada na pedra, e era escorregadia pelo lodo e pelo musgo que se ajuntaram ali depois de séculos de total esquecimento.
A atmosfera ali era de agonia. Havia infiltrações por toda parte, e os pingos d’água faziam aquele ricochetar contra as rochas que formavam aquele calabouço. O barulho produzido era quase de enlouquecer.
As escadas terminaram numa câmara menor. Um ala circular onde um altar – ou algo parecido – estava centralizado. E encima deste altar estava o tesouro. Aquilo que Arthur vinha procurando há muito tempo.
O Amuleto.
Não sabia como sabia, mas sabia. Sabia que era o amuleto. O amuleto que era a chave do poder. A chave do seu poder. Correu como um alucinado para o objeto, e antes de tomá-lo em suas mãos o fitou alegre.
“Pegue-o”, pediu a voz, “Pegue-o e juntos seremos o manto da destruição. Sim. Juntos traremos o meu reino sombrio de volta a este mundo... Meu igual”
Os dedos finos do garoto avançaram em direção ao amuleto. Iam vagarosamente como se aproveitassem o momento. E com toda delicadeza que pode fechou o punho sobre ele.
Um homem emergiu a sua frente no mesmo momento que iria pegar o amuleto e segurou sua mão. O homem tinha cabelos cumpridos, castanho-escuro, seus olhos era fundos e medonhos, vidrados como de um louco. E sua pele branca estava terrivelmente abatida.
O homem deu uma forte puxada com mão e tomou o amuleto. Ergueu-o em vitória e de repente, sem nenhum aviso ou espera, se desfez. Sua pele, sua carne, seu cabelo se desmancharam restando apenas uma caveira suja e mal-cheirosa.
A caveira, do que a pouco fora um homem, caiu e se debruçou sobre Arthur. Seu crânio se levantou e disse:
- Sangue que nos uni!
Arthur gritou de pavor e despertou no meio do salão da CBCV. Virgilius estava, como da outra vez na sala de História da Magia, debruçado sobre ele. Empurrava do melhor jeito que podia o líquido de um frasco amarelo-escuro semelhante ao que dera a Arthur.
- Está me ouvindo, Arthur? – disse ele preocupado.
Arthur não conseguiu falar e acabou por vomitar. Olhou ao redor e viu que já não havia ninguém ali a não ser ele e Virgilius. Depois de dois ou três minutos já começara a se sentir bem de novo. O professor o conduziu até um banco e deixou que respirasse por uns instantes antes de prosseguir.
- Arthur, preciso que você me conte exatamente o que vê nestes seus desmaios... – disse ele. – e em seus sonhos também.
O garoto levou a mão à boca de novo pensando que iria novamente vomitar, mas pode se conter. E então conseguiu falar ao Virgilius.
- Eu quase não me lembro de nada. – disse o garoto sinceramente. – é como se alguém pouco-a-pouco apagasse essas lembranças da minha cabeça. – logo se arrependeu de dizer “alguém”. – me esforço para lembrar, mas quanto mais me esforço mais esqueço.
- Conte-me apenas então o que viu agora. – Virgilius guardou o frasco que ainda segurava. – não irá se esquecer deste tão cedo.
- Eu vi...
A imagem nítida do homem que lhe tomara o amuleto (O seu amuleto) surgiu parada como um fantasma ao lado de Virgilius. Arthur se encolheu no banco apavorado e chorando. Os olhos do homem giravam nas órbitas.
- O que foi? – perguntou o professor. – o que está acontecendo?
- Ele está do seu lado... DO SEU LADO! – gritou Arthur caindo da cadeira ao tentar ir ainda mais para trás.
Virgilius olhou rapidamente ao redor. Não havia ninguém mais ali.
- Não tem ninguém aqui, Arthur. – afirmou o professor pacientemente.
- Tem sim! – discordou Arthur. – e ele não quer que eu conte... Está me mandando ficar calado... Ele vai... Ele vai me matar se eu contar... – Arthur chorava ainda mais.
- Não há ninguém, eu já disse.
- Tem...
- Conte-me o que você VIU!
Virgilius já não sabia de onde tirar paciência. Segurou Arthur pelos braços e sacudiu até que ele parasse de berrar e chorar.
- DIGA-ME O QUE VOCÊ TEM VISTO? – vociferou o professor.
A visão desapareceu.
Arthur sentiu seu coração aliviar e, devagar, contou ao Virgilius o que via. Quando terminou seu relato o professor o olhou sem demonstrar qualquer reação, e então levantou, ajudou Arthur a levantar e disse:
- Vamos até o diretor, Arthur. – sua voz era quase bondosa agora. – quero que lhe conte exatamente o que me contou.
- O diretor? – indagou o garoto preocupado. – mas não é nada importante... É só uma Tontura Alucinótica Passageira...
- Não importar, garoto. Você vai contar tudo ao professor para o seu bem... para o bem de todos nós.
Enquanto Arthur rumava com Virgilius para a sala do diretor Belforth perguntava-se por que Virgilius dissera “para o bem de todos nós”. Haveria se referido a eles dois ou se referia a toda escola?
Poderiam ter descoberto que a morte de Giselda, a prisão do seu namorado e o acidente de Blackheart foram culpa sua?
“Somente sua culpa, seu moleque”, disse a Voz Invasora, “e somente nossa glória”


A sala da diretoria ficava no 7º andar. Era a única sala que havia neste nível e era guardada por uma porta forjada em cobre com desenhos de dois leopardos se encarando feito em prata. Belforth estava sentado em sua mesa, com uma cara extremamente cansada, analisando uma papelada sem fim enquanto todos os quadros de sua sala falavam sem parar.
Quando Arthur entrou, um quadro grande, que ficava atrás de Belforth de um homem robusto de cabelos castanho-escuros e olhos fundos e sem expressão o fitou risonho. A semelhança com aquele homem que vira a pouco no Quarto Escuro era incrível.
Arthur achou incrivelmente assustador. Aquele quadro tornava aquela visão mais real e menos alucinação. Contudo havia o fato que o homem do retrato tinha um olhar mais bondoso, um rosto mais jovial e um sorriso cortês. O mesmo sorriso de Arthur.
- Então esse é o meu tataraneto? – indagou o retrato sorrindo.
- Sim, Octavio. – concordou Belforth sem animação.
- Nota-se a semelhança.
O quadro parecia quase orgulhoso de ver Arthur.
- Sente-se, Arthur. – disse Virgilius. Voltou-se ao diretor e disse: - acho que confirmamos nossas suspeitas, diretor... Arthur teve outra daquelas visões e dessa vez fiz com que me contasse tudo.
- Já esperava por isso. – disse o diretor meneando a cabeça.
Arthur continuava com os olhos no quadro.
- Esse quadro é do meu... tataravô? – perguntou desconfiado.
- Sim, é. – Belforth sorriu. Era o primeiro sorriso que dava em dias. – este é um retrato de Octavio Mortense, fundador de Palas e seu tataravô.
- É uma honra conhece-lo meu caro descendente. – contemplou o quadro com uma altivez nobre.
Arthur apenas sorriu em resposta.
- Bem, Arthur... – disse o diretor se levantando. – gostaria de ouvir a história que contou ao Jorge, se não se importa, é claro.
- Não me importo. – mentiu Arthur rapidamente.
- Então, tenha a bondade de começar. – concluiu o diretor.
Virgilius ficou de um canto da sala mirando os dois. Seus olhos, cheios de malícia e astúcia, brilhavam como lantejoulas.
Arthur mais uma vez disse o que havia acontecendo com ele em Palas. Emitindo é claro a sua suspeita de que ele próprio fora culpado pelas coisas sinistra que aconteceram na escola.
Eles não precisam saber, pensou.

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