CBCV



O caos parecia ter reinado em Palas após a morte da quintanista, o que agora já fazia quase dois meses. Algumas garotas que conheceram a menina assassinada, Giselda Brote, ainda continuavam a chorar pelos cantos. A maioria delas parecia ter ficado traumatizadas ao verem Giselda se contorcendo para morte no chão do dormitório.
Fora anunciado aos alunos na manhã do dia do falecimento de Giselda que a quintanista teve o coração comprimido por um feitiço errôneo que fizera seu sangue subir para cabeça – e por isso ela estava com sangue saindo por cada canto de seu corpo quando as colegas acordaram.
O suposto autor do feitiço fora Henrique Couto, um sextanista que namorava Giselda estivera discutindo com ela numa das masmorras não-utilizadas de Palas, onde segundo conhecido de ambos, costumavam namorar.
Segundo o Inspetor, Ernesto Grawn, ele ralhara com os dois 15 minutos antes do ocorrido. Segundo ele, Henrique e Giselda saíram juntos para os dormitórios. Algumas alunas do terceiro ano disseram que ouviram um murmúrio de vozes ao lado do quarto delas seguidos de um zumbido em confundível de um feitiço estuporante.
A perícia afirmou ser possível que o feitiço que tirara a vida de Giselda tenha sido feito por um Feitiço Estuporante diretamente no peito e mal executado. A hipótese mais aceita para o caso que tudo acorrera por um grave acidente.
Liana, que estava sentada ao lado de Arthur, Thiago e Vítor (Arthur ainda tentava se lembrar o que ocorrera entre ele e o segundanista há dois meses atrás), estava absorta numa notícia do O Bruxedo. Logo os garotos se curvaram para ela a procura do que lhe chamara tamanha atenção.
- Henrique Couto confessou o crime ontem à noite na presença de todo o Tribunal de Investigação dos Bruxos. – disse ela pasma. – ele diz aqui que a estuporou porque ela disse que já não gostava mais dele que queria terminar o namoro e... Ai! Você é tão grosso Thiago!
Thiago puxara o jornal de Liana e corria os dedos pela matéria onde uma foto de uma bancada de júris encarava com ar azedo a figura chorosa de Henrique Couto.

NAMORADO DA ALUNA ASSASSINADA NA E. M. B. DE PALAS FAZ DECLARAÇÕES A TIB
Henrique Couto confessa o crime

Essa manhã a comunidade mágica brasileira acordou chocada ao ouvir a confissão de Henrique Couto, 17, até então o principal suspeito do crime.
Para a perícia já não havia dúvidas de que Henrique matara sua namorada, e aconselhado pelo seu advogado o adolescente resolveu confessar sua culpa ontem à frente da TIB (Tribunal de Investigação dos Bruxos).
“Foi um acidente”, declarou em lágrimas, “Havia me enfurecido com a “Gil” quando ela disse que terminaria comigo, não consegui aceitar, discutimos, ela foi se retirar para o dormitório então comecei a gritar que ela estava tendo caso com outro, ela permaneceu indo para o quarto e... acabei por fazer o que fiz.”
A sessão da TIB foi interrompida duas vezes, pois o jovem tinha constantes acessos, tem sido mantido por calmantes e indutores de sono.
A diretora da TIB, Francisca Solano, diz que agora os Investigadores estão trabalhando para saber se Henrique matou Giselda intencionalmente ou fora um trágico acidente.
A família de Giselda não foi encontrada para comentar a notícia.

Logo que terminou Thiago lançou o jornal para Arthur que leu rapidamente a notícia. Ao terminar conduziu O Bruxedo para Vítor.
- Nossa, uma coisa dessas na escola... – murmurou Vitor absorto. – sinceramente Palas não tem estado muito bem... Ouvi coisas muito estranhas que aconteceram aqui nos últimos anos.
- Que coisas? – perguntou Thiago, para variar, comendo.
- Bem, vocês se lembram do que o Virgilius disse sobre o quadribol no inicio do ano letivo? – Vítor não parecia confortável em dizer o nome do professor. – sobre o novo campo já está construído?
Arthur, que por de certo já ouvira falar do quadribol, e vira algumas fotos e livros de Thiago sobre o assunto, estava interado no assunto. E estava até meio ansioso pelo inicio da temporada de quadribol de Palas que havia sido adiada devido à morte de Gisela Brote.
- Que tem isso? – disse interessado.
- Não se perguntaram porque o campo antigo foi interditado, ou melhor, dizendo, destruído?
- Não! – responderam Thiago, Arthur e Liana juntos.
Vítor pareceu decepcionado.
- Bem, o fato é que houve um acidente lá no terceiro jogo do ano. – continuou já sem animação. – parte da arquibancada veio abaixo e uma professora, a antiga professora de Transfiguração, morreu... Uma viga da estrutura do estádio perfurou seu tórax.
- Que horrível! – disse Liana largando o pão que comia no prato.
- Tinha reparado que esse lugar não era lá muito alegre. – acrescentou Thiago rindo.
- Mas não foi só isso! – retrucou Vítor. – Ouvi coisas de alunos mais velhos, e de alguns quadros também. – pigarreou como se tivesse um caroço duro e amargo na garganta. – Parece que há 11 anos vem acontecendo coisas desse tipo. Mortes, sabe.
Os garotos se entreolharam sorrindo nervosos. Queriam rir do que Vítor dissera, até Vítor queria ri do que dissera, mas por alguma razão (algo que sabemos sem saber. Um pressentimento), não podiam fazê-lo. Era arriscado.
Tinham uma consciência que nem ao menos sabiam que tinham. Era como se houvesse um cérebro dentro dos seus cérebros.
As pombas cruzaram o Salão Principal.
- Estou atrasada. – disse Liana meigamente. – tenho que ir, rapazes.
Sorriu para eles e se foi. Seus cabelos escuros e lisos, que geralmente estavam presos num coque ou rabo-de-cavalo, hoje estavam soltos. Iam até a altura do ombro. Ela se virou já de longe, com seus óculos de aro fino, e sorriu para eles, acenando em despedida.
- Sabe... até que ela é bonita. – comentou Thiago observando os últimos vestígios da menina ao sumir no fim do Salão. – ela fica bem interessante quando não está séria...
Vítor como que por instinto riu para Arthur que correspondeu sem-graça.
Arthur não via graça, ou mesmo beleza em Liana – não aquela nascida trouxa que andara suportando. Só havia uma única garota que merecia sua atenção. A dona da verdadeira beleza, e sangue. A garota que via na outra mesa abraçada a Felipe Blackheart na sua rodinha particular de puxa-sacos.
Ana Rivers, pensou.
O garoto tentou afastar o pensamento. Ele vinha e ia como uma onda. Num momento estava lá no outro desaparecia por completo. Uma hora ele a amava, amava sua beleza e seu sangue-puro, e na outra ele a odiava, não de verdade, mas sim de algum modo. A odiava por ser uma metida esnobe.
E esse Arthur que detestava Ana e gostava de Liana. Liana era uma boa amiga. E não o via como um... lixo ou coisa assim. Liana que o via como um igual. Que tratava todos com respeito.
“E Liana que não passa de uma sangue-ruim”, sussurrou a voz sombria que vinha ouvindo desde que chegara a Palas, “Ela não está a sua altura meu igual, não está não”.
É não estava.
E mais uma vez o pensamento desapareceu.
E Arthur se pegou imaginando no que estivera pensando afinal.


No fim da última aula daquele dia os alunos se depararam, no Salão Principal, com um grande quadro de aviso que dizia que o CBCV começaria no dia seguinte. Arthur agora entendera porque o Profº Virgilius não estava de bom-humor na sua aula. Não que um dia tivesse estado, mais hoje estivera, no mínimo, antipático. Ele ainda não tinha conversado com o professor desde o dia que desmaiara em sua aula.
E de verdade esperava não falar.
Mesmo assim, Arthur continuava a não achá-lo tão mau como os veteranos costumavam dizer.
- Espere até sua primeira aula de CBCV! – disse Vítor no jantar. – Espere só!
Talvez ele estivesse certo, pensou o garoto já no dormitório. Se a simples lembrança que em algumas horas o CBCV começaria de novo já fizera o humor do Virgilius piorar daquele jeito, talvez fosse verdade que ele era o diabo nessas reuniões.
Agoras obrigatórias, lembrou-se tristemente.
Pelo menos ainda tinha uma noite antes de descobrir se era mesmo verdade. Adormeceu e ao que se lembrava não teve qualquer tipo de pesadelo. Fora uma noite tranqüila.
Na manhã seguinte a depressão pelo CBCV havia sido amenizada pelo anúncio do inicio dos jogos de quadribol na próxima semana. Arthur teve a visão embrulhante de Blackheart beijando Ana dizendo que faria uns cem pontos em homenagem a ela.
“Não contaria com isso, amigão”, alvejou a parte mais negra da mente de Arthur, “Acho que seu plano de saúde já venceu e o quadribol já lhe será passado em alguns dias”.


O dia pareceu correr até aquela que seria a primeira reunião da CBCV – Curso Básico de Combate com Varinhas. O tempo parece se apressar quando vai de encontro a coisas ruins, Arthur refletiria mais tarde.
A sala onde acontecia os encontros da CBCV ficava no quarto andar. Era a maior sala que Arthur vira em Palas até então. Era quase tão grande como o Salão Principal.
Virgilius estava de pé, re-encostado numa pilastra, no que parecia ser um palco. Estava com uma cara péssima, mesmo com a maior parte do seu rosto encoberto pelos cabelos mais-que-negros, os alunos podiam perceber isso.
Arthur se dirigia para perto do palco com os outros alunos lado-a-lado com Thiago e Silvano Dogal – um garoto mulato e de cabelos curtos que Arthur conhecera há alguns dias. Estavam muito próximos de Virgilius quando Arthur e seus amigos se encontram com Blackheart e seu amigo Diogo Linz.
- Ah, olha que está aqui... o merdinha! – sussurrou Blackheart rindo para que Virgilius não ouvisse.
- O que você está fazendo aqui? – perguntou Arthur encarando o garoto fixamente.
- O CBCV é para todos os alunos até o terceiro ano. – Blackheart deu um empurrão em Arthur ao ir embora. – nos vemos por ai, Arthur. – acrescentou por último.
Felipe cruzou entre os estudantes até achar Ana. Os dois se abraçaram por breves segundos que pareceram anos para Arthur. Sentia o coração descer aos pés quando aquele verme se aproximava de Ana.
Silvano ao seu lado pareceu ter ficado incomodado também. Assim como Thiago.
Mas antes que um dos três pode-se dizer algo Virgilius ergueu a varinha e todas as portas da sala se fecharam com um estrondo. As grandes labaredas que iluminavam o lugar diminuíram sua intensidade quase se extinguindo.
- Acredito que essa seja a primeira reunião da CBCV de muitos aqui, da maioria afinal. – começou Jorge Virgilius. – E desde já deixo claro que não haverá flexibilidade de minha parte. Não me importa o que lhes acontecera nesta aula, cujo intuito e fazê-los apreender a se defender de perigos reais.
“E para aqueles engraçadinhos que costumamos ter em toda maldita classe não haverá punições, detenções, castigo ou qualquer coisa. Só o Quarto Escuro. Me entenderam, só o quarto escuro.
“E não adianta chorar para suas mamães, até estarem no quarto ano terão de agüentar essas aulas. E espero que seja com força. Nada me enfurece mais do que um covarde.”
Depois do seu discurso Virgilius mandou os alunos se dividirem em pares. Em seguida chamou um dos alunos que havia cursado o CBCV no ano anterior para que no palco à frente demonstrassem com ele o feitiço que os alunos treinariam.
- Ergam a varinha acima de suas cabeças, inclinem o corpo e se concentrem no alvo. – rugiu Virgilius, quase irritado. – observem o adversário com atenção, não sejam apressados, demorem o tempo que for preciso. A precisão é importante, não a pressa. E então... se prepare Adolfo... um, dois e... três. Expelliarmus!
Basicamente a primeira reunião da CBCV foi usada para o aprendizado do Feitiço de Desarmar. Todos sendo observados a cada movimento pelo olhar maligno de Virgilius. Vítor que parecia ser o mais amedrontado e menos competente no que fazia.
- Você é uma anta gorda, Menezes! – berrou Virgilius já quase no fim da reunião. – diabos, juro que se pudesse não te aturaria aqui mais nenhum segundo. Se continuar assim semana que vem te colocarei outra vez no Escuro. Entendeu, seu incompetente?
- Professor, eu... – Vítor parecia que iria chorar.
- E NEM MAIS UMA PALAVRA!
Foi um alívio para Arthur quando a reunião terminou. Quando Virgilius disse que eles poderiam ir foi único momento que parecia realmente feliz.
Vítor ainda continuava a tremer de susto.
- Eu não disse? – bravejou ele meia-hora depois. – é horrível. Não agüentarei isso até o quarto ano. Juro que não vou.
Thiago estava preste a comentar que não fora tão mal assim mais desistiu ao ver o olhar de desaprovação de Arthur.
Na semana seguinte a animação do começo da temporada de quadribol correu pelos corredores da escola. Todos pareciam muito contentes, mas de certa forma Arthur estranhara essa alegria. Ninguém parecia está perturbado que há um ano atrás uma professora tenha morrido durante um jogo.
Contudo, essa teoria de Arthur foi desaparecendo com a proximidade do jogo.
O garoto achava que os jogos de quadribol seriam o melhor evento que vira em Palas desde que chegara. Estava realmente animado com a idéia de ver um jogo montado em vassouras, mesmo que achasse um pouco esquisito.
Sua animação só desceu a zero quando descobriu que Felipe Blackheart (sempre o demônio do Blackheart) era do time do terceiro ano. Arthur ficou extremamente irritado ao ver todos comentar como Felipe era isso e era aquilo no quadribol – o melhor artilheiro de toda Palas comentara uma segundanista. E o namorico dele com Ana já chegara a níveis insuportáveis para Arthur. Insuportáveis.
Ela era dele, pensou no café da manhã duas horas antes da primeira partida que seria o time do segundo ano contra o do terceiro, e onde é claro, Blackheart jogaria.
“O sangue dela é seu, meu garoto”, disse a voz invasora para Arthur, “E aquele verme não pode tomá-la de nós, não senhor!”.
Arthur fitou diretamente Blackheart. Desejou que ele se arrebentasse, desejou que ele nunca mais pudesse jogar quadribol... desejou vê-lo morto. E então teria tudo. Ana, gloria...
... e sangue!
(Sangue-puro)
- Você não concorda, Arthur? – perguntou Thiago, que para Arthur parecia estar a quilômetros de distancia e não a sua frente.
- Quê?
- Você está bem cara? – disse Silvano que estava ao lado de Vitor, que por sua vez estava ao lado de Liana.
- Que aconteceu? – Arthur estava irritadíssimo. E não se lembrava do motivo de sua fúria.
- Eu perguntei – disse Thiago. – se você não acha uma idiotice que o primeiro ano não possa jogar, que você acha?
Arthur apenas sacudiu a cabeça afirmativamente.
- Arthur, você tem certeza de que está bem? – disse Liana que o fitava preocupada. – você ficou tão abatido de repente.
- Estou ótimo! – proferiu Arthur sorrindo.
Tinha um sorriso malicioso, quase perverso, tão diferente de seu sorriso habitual.


A nova arena de quadribol estava reluzindo de nova. A decoração Azul e Prata com os leopardos de Palas estavam espalhadas por toda parte. Os professores (a tirar por Virgilius) estavam animados em seus lugares.
Arthur, Liana, Thiago e Silvano se espremeram entre uns segundanistas até terem uma boa visão do campo. Haviam vindo para essa parte do campo porque queriam ver se encontravam Vítor. Mas não o encontrariam até o fim do dia.
- Acho que o Vitor não vai aparecer. – disse Silvano. – ouvi dizer que ele não gosta muito de assistir ao quadribol.
- Por que? – perguntou Liana fitando o campo admirada.
- Sei lá!
- É por que ele é louco. – disse Thiago rindo. – e um completo idiota.
- Thiago! – murmurou Liana irritada.
- Quê? – indagou o garoto desentendido.
Nesse momento Ana Rivers chegou até eles. Tinha uma espécie de adesivo-mágico colado nas vestes negras com um cão negro de aparência feroz onde lia-se: Os Destruidores são demais!
- O que são Destruidores? – perguntou Thiago encarando a prima com o mesmo ar de irritação que fazia sempre que a via.
Ana o encarou como se tivesse visto uma barata ou um rato de esgoto.
- O time do meu namorado. – respondeu com indiferença.
Arthur apertou a borda da arquibancada para conter a fúria, respirou fundo e tentou esconder (do melhor jeito que pode) sua frustração de ver Ana, sua Ana, chamar Blackheart (Maldito seja!) de “meu namorado”.
Silvano coçava os seus cabelos duros e crespos incessantemente. Fitou Ana quando ela chegou mais logo desviou o olhar. Parecia estar extremamente nervoso e apreensivo como se uma bomba fosse explodir aos seus pés.
- Meu namorado... – sussurrou Thiago, perdendo toda sua animação de outrora.
Uma onda de aplausos explodiu pela arena do campo de quadribol de Palas. E quatorze vassouras subiram ao ar, seguidas pela décima quinta do juiz. Mesmo aquela distancia o vulto de Blackheart estava claro aos olhos de Arthur.
Viu uma bola ser lançada pelo juiz. E alguém falava ao seu lado. A bola subiu pelo time dos segundanistas, foi roubada pelo terceirianista Diogo Linz, que cruzou para Blackheart. E alguém falava ao seu lado.
“A bola está com o maldito”, sibilava a voz invasora. “Sim, ele está com a gloria”
COM A NOSSA GLÓRIA, ARTHUR!
A voz gritava tão alto na pobre cabeça do garoto que ele levou a mão aos ouvidos – ou pensou levar. Havia um falatório por de trás da voz, como uma T.V chiada. Mais a voz cobria todo o resto, ela era muito forte e devastadora.
“Ele tem que morrer”, perseverou a voz.
(Ana será nossa)
- Sim será. – afirmou Arthur muito baixinho, quase sem mexer os lábios.
“Somente nossa, meu igual”.
- Somente... nossa. – a voz de Arthur continuava a morrer.
O campo começava a ficar distorcido.
“E quando você a tiver, quando tiver seu premio, meu caro Arthur...”, disse a voz mansamente, “Me ajudará, me libertará... me erguerá ao meu trono de trevas. Nosso trono de trevas”.
Arthur sacudiu a cabeça afirmativamente. Sentiu, como se uma onda quente e fria ao mesmo tempo, invadisse seu peito, seu coração, e se alastrasse sobre seu corpo. Já não era o garoto bom que costumava ser.
Arthur Mortense desejava o mal. O ódio. As trevas. Desejava ter a escuridão que sempre detestara antes. Antes de encontrá-lo. Antes de encontrar seu igual.
E Ana.
As vozes longínquas estavam aumentando, ficavam a cada segundo mais nítidas. Até que a Voz Invasora retornou.
“Mate Blackheart, Arthur”, havia um rosto pronunciando a voz agora. Um rosto vazio e transparente – era como uma sombra – e por mais distorcido que fosse, era inegável. Era o rosto de Arthur.
Era como falar com um espelho. Um espelho que mostrasse um figura sombria de você mesmo. O Arthur-Sombra, não possuía olhos, ou boca, o cabelos. Era só um esfumaçado negro, como um gás, que se formava a sua frente e falava.
“Deixe que o ódio do seu coração floresça”, prosseguiu, “Deseje o que quer desejar. Não se envergonhe de sua crueldade. Confesse a si próprio que quer matá-lo. Confesse!”.
- Eu quero... – começou Arthur muito fracamente. As vozes distantes começavam a aumentar. Ele só conseguia ver uma forma borrada do campo, e Blackheart seguindo por ele. Imaginou que ele caia, que caia e morria... E que muito sangue lhe escorria. E a visão do vermelho-sangue lhe alegrava. Alegrava-lhe muito. Podia explodir de tanta felicidade. – EU QUERO QUE ELE MORRA! – gritou por fim.
“Muito bem, prossiga!”, a voz do Arthur-Sombra estava mais solene agora. Satisfeita, para ser mais exato.
- QUERO SEU SANGUE! QUERO! QUERO! QUERO! – Arthur berrava sem parar.
Tudo se apagou quando Blackheart caiu da vassoura caindo sobre as arquibancadas e batendo contra uma viga que o repeliu de volta para o campo. O sangue escorria sobre seu rosto e pelo rasgo feito na altura da barriga. Estava morto.
- NÃO! – gritou Arthur mais alto que antes. – EU NÃO QUIS ISSO! NÃO DE VERDADE! – as lágrimas lhe escorriam pelo rosto. – foi a voz... a culpa é da voz...
As figuras semi-distorcidas de Liana, Thiago e mais uma quantidade monstruosa de pessoas debruçadas e ao redor dele chamuscava. Arthur estava caído sobre o chão de madeira rústico da arena.
Foi um outro pesadelo, pensou, não pode ter sido real.
Nesse momento alguém gritou em desespero por Felipe Blackheart. Não era a voz de Ana, era uma voz bem masculina na verdade, mas para o garoto era a sua pobre Ana. Ela estava triste. Triste por que ele matara Blackheart.
Tentou dizê-la que fora necessário. Que ele estava entre os dois. Que agora ele, Arthur Mortense, a faria feliz.
Mas não conseguiu.
- Ele está sangrando muito! – disse alguém desconhecido. Parecia em pânico.
Não, não estou, pensou Arthur embora não conseguisse dizer isso a pessoa.
E para seu temor percebeu que essa pessoa apontava para o campo e não para ele.
Havia...
Arthur Mortense havia...
(Não posso falar isso. Não posso acreditar nisso)
Arthur havia matado alguém. Havia matado Blackheart.
O mundo desapareceu na escuridão e no silêncio total.


- O imbecil do Felipe não morreu por muito pouco. – disse Thiago, horas mais tarde na enfermaria onde Arthur havia sido mandado mais uma vez. O garoto acabara por desmaiar logo no inicio da partida. Os enfermeiros começavam a ficar preocupados com esses estranhos desmaios. – Ele caiu da vassoura e colidiu contra uma parte da arquibancada do outro lado de onde a gente tava, ele está com um corte feio na barriga.
Thiago fungou pesaroso.
- Pena que eu estava socorrendo você e não vi tudo com detalhes, quando o deixei e corri pra ver o babaca já estava largado no chão. – acrescentou rindo. – E o que aconteceu com você Arthur? Ouvi dizer que teve uma Tontura Caótica Ligeira...
- É Tontura Alucinótica Passageira. – corrigiu Arthur rindo.
O humor do garoto parecia ter voltado, em parte, agora que sabia que Blackheart – que estava do outro lado da Ala Hospitalar iria ficar totalmente curado. Embora, segundo Thiago, ele fora removido do quadribol pelo resto do ano.
Thiago estava felicíssimo com isso.
- Que seja! – resmungou Thiago. – nem sabia que esse diabo de coisa existia.
- Para ser sincero, nem eu?
Os dois se entreolharam sem saber o que dizer e então caíram na risada.
Contudo Arthur continuava preocupado. Podia esconder dos outros, mas no fundo sabia que a manobra que quase matara Blackheart não fora um erro do terceirianista.
E sim que fora sua culpa.
Arthur Mortense desejou que aquilo ocorresse e aquilo ocorreu.
Temia que aquela voz voltasse, e que dá próxima vez conseguisse terminar o que começara. Sabia que ela dormia agora. Mas que voltaria. Voltaria até que o dominasse de uma vez por toda. E hoje...
... Ela chegara bem perto disso, disse a si mesmo em pensamentos.

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