O Postal de Palas



Capítulo 1

O Postal de Palas


Como já era de costume, Arthur acordou graças à discussão dos vizinhos do 8B – o apartamento ao lado. Ali viviam os Souza, que começavam todo o dia com uma discussão matinal, e que só terminava com uma discussão noturna. No fim, Arthur sempre acabava indo dormir somente por volta das 11 horas da noite, graças aos seus vizinhos. Obrigado!

O apartamento no qual Arthur habitava era o que o próprio chamava de “Ninho de Rato”. Um cafofo cuja tintura é uma vaga lembrança e que o reboco é sinal de perigo para quem se arriscar a ficar próximo as paredes. Não passava de um conjugado de quatro cômodos – sala, cozinha, banheiro e quarto – mal distribuídos e fedorentos. E construídos com tijolos tão finos que, Arthur, achava-se capaz de destruir as paredes com um soco, sem esforço.

Moravam, Arthur, sua mãe e seus outros três irmãos neste “Ninho de Rato”. Ou melhor, aturavam-se.

Arthur é apenas um garoto de 11 anos, prestes a se tornar um adolescente, porém tem plena certeza de que sua família não estaria nesta situação deplorável se seu pai, Sr. Hermes Mortense, não tivesse desaparecido há 7 anos atrás quando saíra para comprar cigarros.

Pelo menos era isso que a Sra. Mortense, mãe de Arthur, resmungava pelos cantos. Denise Mortense havia se tornado uma mulher recalcada e deprimente desde que o marido desaparecera, por isso, Arthur procurava ficar o máximo de tempo na escola.

No entanto ele estava de férias agora. Teria de passar a maior parte das férias ouvindo as lamentações de sua mãe. Volta e outra ele conseguia escapar de casa, e ficava perambulando pela rua, com seu velho chinelo de sola tão fina que, caso ele pisasse numa moeda, poderia dizer qual era seu valor.

Era uma vida pobre e triste até então. Dentro de casa – sustentada pela renda mensal de pouco mais de um salário ganho por sua mãe como costureira –, aturava as lamentações da mãe, e fora de casa, se deparava num mundo quase fictício para um garoto que não tinha dinheiro nem mesmo para comprar uma bala na mercearia da esquina.

Para Arthur sua vida sempre seria assim: pobre e triste.

Mas ele estava errado. A sorte bateria a sua porta mais cedo do que ele podia esperar e mais tarde do que queria.

Após mais uma discussão dos Souza, Arthur finalmente conseguira dormir. Sonhava com um lugar escuro, uma sala retangular e estreita, cheia de lodo e fedorenta, embaixo de algum lugar que ele conhecia mas não recordava o nome. O sonho foi interrompido quando Arthur chegara a uma estranha depressão que formava uma espécie de escada natural.

Algo estava roçando no lado esquerdo da sua face. Pensou que fosse uma mosca e tentou tira-la com a mão. Acertou a coisa que o roçava, e teve a certeza de que não era uma mosca. Era muito maior e tinha penas. Levantou-se assustado, e uma pomba voou do seu peito e percorreu, num voou rasante, o quarto até parar de novo sobre suas pernas.

Era uma pomba cinza como brasas de cigarro. Ela o fitava como se lhe dissesse algo, como se quisesse falar. Arthur tentou lembrar a si mesmo que essa era uma idéia idiota e absurda. A pomba voou novamente e pousou sobre o braço do irmão mais novo de Arthur, Carlos.

Como já disse, a casa de Arthur era um “Ninho de Rato” (Ninho do “Arthur”, como ele brincava) apertado. Todos os Mortense dormiam no mesmo cômodo.

Carlos se mexeu quase acordando. Por sorte não acordara. A pomba levantou voou mais uma vez e parou a milímetros da cabeça da Sra. Mortense. Arthur sentiu o coração afundar, isso não era, de fato, uma boa coisa. Ele temia aquela pomba maluca.

- O que você quer? – sussurrou para pomba cinza que o fitava com seus olhos âmbares – Volte aqui.

Coincidência ou não, a pomba pareceu obedecer a sua ordem e voltou para o colo de Arthur. Somente então ele pode ver que ela carregava um pequeno pedaço de papel amarrado a pata direita. Ela esticou a pata com o papel para ele ao ver que o mesmo o notara.

- É... pra mim? – perguntou para a pomba. Sentia-se um completo retardado por está ali falando com uma ave idiota.

A pomba fez um sinal afirmativo com a sua pequena cabeça.

Arthur retirou o papel da pomba e o desenrolou. Era uma mensagem curta e direta. Dizia o seguinte:


Venha ao Postal na Rua Carmelinda Alves, Catete, Nº 0 – ás 10 da manhã de amanhã.


Atenciosamente

Cléber Watson Freidel, secretario dirigente de assuntos gerais da E.M.B de Palas



Arthur sentiu um grande ponto de interrogação se formar sobre a sua cabeça. O que diabos significava aquilo? O que era Palas? Quem no mundo usaria pombas para entregar cartas? Se é que podia se chamar aquele pedaço de papel ofício de carta.

A pomba fez uma espécie de reverência, sobrevoou o quarto e saiu pela janela que se encontrava aberta. Arthur olhava estático para a cena. Quem acreditaria nele se contasse que recebeu uma carta por uma pomba que responde e cumprimenta?

O colocariam no hospício mais próximo, é lógico.

Deitou-se, com a carta ainda nos dedos, decidido a esquecer tudo.



Eram quase 9 horas da manhã quando Arthur acordou no dia seguinte. Estranhamente não havia ocorrido a santa discussão matinal dos Souza, que servia de despertador para Arthur. Era uma sensação estranha para ele acordar tarde, em geral, quase nunca conseguia isso. Sua sorte estava melhorando, pensou.

E ele nem sabia o quanto.

Tateou em busca de seus óculos fundo-de-garrafa e acabou esbarrando no papel que recebera da pomba durante a noite. Re-leu a pequena mensagem, na esperança que ela lhe fizesse mais sentido agora.

Ainda não compreendia. Mas quem se importa?

Amassou o papel e atirou para trás da velha cômoda entupida de roupa no fim do quarto. Pegou os óculos, levantou-se e foi ao banheiro. Escovou os dentes, ajeitou os cabelos castanhos caídos até a altura dos olhos.

Chegou na cozinha onde algumas frutas repousavam dentro de uma cesta sobre a mesa. Havia um pacote de pão de forma, dois pacotes de biscoito e uma garrafa de café. Não havia nem sinal de sua mãe e dos seus irmãos (Pedro, Diego e Carlos).

Arthur comeu qualquer coisa e sentou-se no sofá surrado e empoeirado da sala. A luz da lâmpada da sala volta e meia piscava ameaçadoramente, logo queimaria de vez. Arthur ligou a velha TV (a única que existia em sua casa) e deu-lhe um soco na parte superior para que a mesma funcionasse. Seguido de um estalo oco, a imagem apareceu.

O show de desenhos animados que ele costuma ver surgiu com uma imagem tremula e chiada. Tornou a sentar no sofá que afundou 30 centímetros com o peso do garoto. Lembrou-se da carta do pombo.

“O que era aquilo? Um convite, talvez, mas pra que? O que é Palas?”

Nada. Melhor esquecer.

Nesse instante o menino Arthur estava realmente decidido a esquecer, de uma vez por todas, todo esse assunto maluco. E iria, se nesse mesmo momento uma pomba cor de carvalho não tivesse atravessado a sala e pousado na sua cabeça.

- Outra pomba?! – espantou-se. – Sai de cima de mim!

Arthur abanou a mão em cima da cabeça e conseguiu espantar a pomba que foi parar na TV (e agora com vocês: Bob Esponja, calça quadrada). A pomba olhava para o garoto com ar de reprovação. Ela esticou uma das patas, na qual, uma nova mensagem repousava.

- Outra carta para mim? – perguntou Arthur à pomba, embora já soubesse a resposta.

A pomba voou até seu colo e bicou sua coxa para que ele retirasse a mensagem. Mal Arthur havia pegado a carta e a pomba levantou voou e desapareceu atravessando para cozinha e dela pela pequena janela do banheiro.

Essa nova mensagem dizia:


São exatamente 9 horas e 13 minutos! O senhor quer se atrasar?
Venha Já!!!



Arthur ficou olhando estático para a carta. Seja lá quem fosse que estivesse mandando as cartas parecia saber exatamente o que ele estava fazendo, e sabia também que ele não acalentava o desejo de seguir as instruções das mensagens.

Que tipo de pessoa poderia saber tudo que ele fazia e pensava?

Ele não sabia, mas a idéia o assustava. Talvez essa pessoa estivesse ali, naquele momento, observando-o. Espreitando para pegá-lo. Sempre tivera a sensação de que era vigiado...

Arthur amassou essa mensagem igualmente como fez com a primeira, e quando ia atirá-la fora, desistiu. Não adiantaria nada fugir, sua deprimente mãe sempre lhe dissera que não se deve fugir. “Fugir é pior, só tardara por pouco tempo o problema, que poderá vir pior da próxima vez”.

Refletiu sobre isso, e por fim decidiu não seguir o conselho de sua mãe, que gritava em sua mente como uma arara estripada. O que ela entende da vida?

Atirou o papel na lixeira.

Tornou-se a sentar e logo esqueceu o assunto distraindo-se com o desenho animado.

Foi então, que por volta das 9 e meia uma terceira pomba entrou. Essa era de cor branca, com algumas manchas negras na cabeça.

Ela voou por cima de Arthur, que pulou do sofá de susto ao ver a pomba, e largou um envelope sobre o sofá. Circulou o garoto e sumiu pela janela.

Arthur caminhou vagarosamente até a carta. Essa fazia um estranho ruído de “TIC TAC”. Poderia ser uma bomba?

Ele já estava acreditando em qualquer coisa. Achava que nada mais poderia surpreendê-lo. Como estava enganado.

Com a mão involuntariamente tremendo abriu o envelope e tirou uma pequena mensagem de dentro (TIC TAC TIC TAC). Essa dizia apenas:



RÁPIDOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!


Arthur por um momento pensou em novamente contrariar a mensagem, quando, a mesma, explodiu. Uma rajada alaranjada de fogo passou na frente dos seus olhos, consumindo a carta sem deixar nem ao menos cinzas.

Encolheu-se assustado contra a parede. Sua mãe estava certa (porque tinha de estar desta vez?), deixar os problemas pra lá era pior. Querendo ou não teria de ir ao tal lugar que, seja lá quem for, queria que ele fosse.



Procurou como um louco pelo quarto, e já era 9 e 45 quando conseguiu encontrar a primeira carta. Carta essa onde estava o tal endereço.

Releu a carta rapidamente e saiu do jeito que estava, e de toda forma não poderia melhora sua aparência mesmo que tivesse tempo. Desceu pelas escadarias fedidas de amônia do seu prédio e saiu a toda pelas ruas.

Qualquer um que visse a cena pensaria que Arthur era um marginalzinho qualquer fugindo após ter batido uma carteira ou coisa pior. O garoto estava apenas com um blusão velho, um short surrado e com seus já tão conhecidos chinelos com a sola mais que gasta.

Arthur não percebia isso. Ele em geral tentava não olhar para as pessoas, sabia muito bem o que elas pensavam dele. O mundo fora da sua casa fedida e apertada era hostil para o menino.

Contudo o garoto continuava com sua estranha maré de sorte hoje. A Rua Carmelinda Alves era a três quadras da sua casa. Se corresse rápido (e ele corria como ninguém) poderia chegar no tal endereço sem se atrasar.

Faltavam 5 minutos para ás 10 horas quando Arthur chegou na Rua Carmelinda Alves, e foi então que finalmente reparou no detalhe crucial. A carta dizia que ele deveria ir ao prédio de número zero. Isso só podia ser um trote já que nenhuma casa tinha esse número, e ainda que tivesse, a menor numeração daquela rua era 5510.

Como pudera ser tão idiota de correr tanto sem reparar que a carta lhe mandava a um endereço inexistente?

Sentiu um profundo ódio de si mesmo até que se lembrou das pombas. Mesmo que fosse um trote, como alguém conseguira mandar cartas por pombos, e pior, saber que ele não estava disposto a vir até a rua onde agora se encontrava?

Novamente a sensação de que um ponto de interrogação crescia-lhe sobre a cabeça ficou nítida para Arthur.

Pousou os olhos distraidamente na porta do prédio número 5510. Era como se uma força oculta tivesse puxado toda sua atenção para o número. Ainda assim ele não conseguiu acreditar no que veio a seguir.

Um “+” apareceu entre os números “5” e estes viraram um “10”, deixando a numeração da porta assim, “1010”. Um “–” apareceu entre os dois “10” e este deram o resultado “0”

Arthur olhou para o papel na sua mão. A mensagem havia desaparecido. Olhou novamente para o prédio. A grande porta verde reluzia com um brilhante “0” prateado.

Havia se enganado quando pensou que nada o surpreenderia.

Foi até o prédio e bateu na porta. Após uns 10 segundos, um homem, com um grande chapéu semelhante àqueles usados pelos mexicanos, apareceu. Estava vestido com uma roupa que lembrava muito um vestido azul. Tinha vários anéis nas mãos.

- Entre rápido! – disse o homem puxando Arthur para dentro do prédio num movimento repentino.

Arthur se deparou com uma saleta semi-iluminada pouco maior que a sala de sua casa (que passava realmente longe da palavra grande). Havia apenas uma cadeira e um grande armário de madeira no local. No fundo havia outra porta, está era de um metal reluzente. Aço, talvez.

- Bem-vindo, bem-vindo, bem-vindo... – dizia o homem freneticamente enquanto mexia numa papelada no armário.

Arthur se aproximou da porta de metal e leu as seguintes inscrições, que nela estavam cravejadas:



Bem-vindo ao Postal de Palas



- Eh! Senhor? – disse Arthur. – O que é Palas?

O homem olhou para Arthur sorrindo. Retirou o imenso chapéu revelando uma cabeleira baixa e rala de cor castanha.

- Filho de trouxas, não é? – perguntou.

- Quê? – respondeu Arthur confuso. Como alguém podia ter coragem de chamar seus pais de trouxas na sua cara?

- Esquece.

O homem caminhou para a porta, deu três pancadas de leve e esperou. Houve outras três pancadas do outro lado, seguido das palavras: a senha!

- Cogumelo Lerdo! – gritou o homem que estava com Arthur.

A porta se abriu com um estranho rangido.

Um homem baixo de cabelos cumpridos aguardava do outro lado da porta. Olhou sorrindo para o homem que acompanhava Arthur e disse:

- Tudo bom, Guedes?

- Claro, Figo. Este é o senhor... Qual seu nome mesmo garoto?

- Arthur!

O homem baixo, Figo, fez uma reverencia e saiu do caminho.

- Chamo-me Figo Henrique Jordão! – disse o homem baixo.

- Pra-prazer... – respondeu Arthur confuso. – Arthur Mortense.

Os dois homens se entreolharam animados.

- Tem um nome famoso filho. – disse Figo.

-Quê?

Figo olhou para Guedes tentando não ri e murmurou: “Filho de Trouxas”

-Mortense rapaz é o nome do fundador da escola. De Palas! – contou Figo, com um estranho ar de importância.

- Escola? – disse Arthur confuso. – Não estou entendendo.

- Leve-o logo Guedes, não queremos que alguém de nome tão importante fique por ai confuso!

Guedes passou o braço pelo ombro de Arthur e o conduziu para o interior do prédio. Arthur ainda pode ouvir o resmungo de Figo dizendo: “Um filho de trouxas chamado Mortense, quando contar essa em casa ninguém vai acreditar!”

Arthur não pode deixar de reparar que o prédio estava mais iluminado, e com uma decoração belíssima agora. Havia quadro de várias pessoas esquisitas pelos corredores. Havia dezenas de portas. E eles continuavam em frente pelo corredor circular. Se continuassem assim, logo estaria de volta a porta guardada por Figo.

Pararam a chegar a uma porta de carvalho muito maior que as outras. O chão liso de mármore fazia com que o chinelo surrado de Arthur escorregasse volta e meia. Se não tivesse cuidado poderia ver o lustroso piso mais de perto.

- Entre por essa porta e siga em frente até chegar na porta no fim do corredor, o Sr. Freidel o aguarda. – comunicou Guedes. – E... tente não olhar para os lados.

Guedes abriu a porta e empurrou Arthur para dentro antes que ele tivesse chance de perguntar porque não deveria olhar para os lados. A porta se fechou e Arthur achou que não seria uma boa idéia desobedecer ao homem.

Era um corredor comum para Arthur. Seguia em linha reta, e era decorado com dezenas e mais dezenas de quadros. Havia algumas mesas com jarros de cobre em baixo dos quadros. Atravessou o corredor o mais depressa que pode, quase chegando a ponto de correr.

Até a metade do percurso seguiu a risca o conselho de Guedes. Talvez se o homem não tivesse dito para não olhar para o lado, ele talvez não o tivesse feito. A curiosidade era, provavelmente, o maior inimigo de Arthur Mortense. Ele ouviu um gemido do seu lado, e não resistiu uma espiadela.

Uma mulher coberta por um véu rosa chorava dentro do quadro. Essa cena deixou Arthur paralisado, olhava incrédulo para o quadro.

- O que foi, seu sangue-sujo? – bradou a mulher do quadro. – Vai ficar rindo da minha desgraça seu impuro?

O quadro sacudiu na parede e se seguiu de um grito de choro da mulher do quadro. Os outros quadros, como se tivessem despertado, começaram a resmungar. Arthur continuava com os olhos arregalados para aquela discussão. Uma discussão de pessoas em quadros.

Que diabo de lugar tinha quadros que discutiam?

- Esse sangue-ruim veio aqui zombar da minha dor! – continuava a mulher de véu rosa.

- Cale a boca sua chorona preconceituosa! Não vê que o jovem rapaz veio ver o Sr. Freidel? – gritou um quadro de um senhor idoso com uma toca púrpura na cabeça.

- Eu quero dormir seus quadros sem pintor, filhos de uma tinta suja! – gritou um quadro do fim do corredor.

Os quadros sacolejaram na parede e alguns caíram.

- Alguém pode queimar essa Maria Chorona? Que merda!!!

Arthur correu para o fim do corredor e abriu a porta indicada por Guedes.

Um homem grande e gordo estava adormecido numa cadeira atrás de uma bela escrivaninha. Arthur se aproximou vagarosamente do homem, tentando acordá-lo da melhor maneira possível.

- Senhor? Senhor, o senhor está acordado? – dizia Arthur.

Arthur já estava emparelhado com a escrivaninha quando o Sr. Freidel acordou. Ele levantou de sua cadeira com tamanha violência que Arthur levou um baita susto.

- O que foi? – gritou.

- Eu vim... vim por que recebi uma carta e...

- Ah, claro! É só um aluno... – o Sr. Freidel sorriu. – pensei que fosse mais uma dessas malditas reclamações dos funcionários dizendo que o Removedor Mágico de Sujeira está acabando, ou é de péssima qualidade...

Arthur jurara ter ouvido a palavra “Mágico”. Devia ter ouvido errado, era impossível que o homem tivesse dito realmente Aquilo.

- Então, o que quer comigo? – perguntou Arthur.

- Você deve ser filho de trouxas. Se não fosse não me perguntaria isso...

Arthur queria muito saber por que todas essas pessoas chamavam seus pais de trouxas.

- Os meus pais não são TROUXAS! – bradou Arthur irritado.

O Sr. Freidel olhou para ele confuso.

- Não? – perguntou. – Então você é filho de bruxos?

- Bruxos?

- É! Se você não é filho de trouxas, então é filho de bruxos... A compreendo. Pensou que tivesse ofendendo seus pais, não foi?

Arthur confirmou com a cabeça.

- Sente-se, vou lhe explicar tudo. – disse o Sr. Freidel rindo.

O garoto fez como o homem mandara e se sentou.

- Bem Arthur, todo aquele que não é um bruxo é um trouxa, entendeu? – contou. – é por isso que chamei seus pais de trouxas...

-Mas... senhor... bruxos não existem...! – Arthur fitava o homem como se ele fosse louco.

- Não? Então o que é você?

- Eu não sou um bruxo!

O Sr. Freidel riu e tornou a falar:

- Nunca fez nada estranho acontecer, Sr. Mortense?

Arthur refletiu. Agora que o homem falara, lembrasse de uma vez ter feito um garoto metido de sua escola cair da bicicleta, apenas desejando que isso acontecesse. Havia feito também o seu irmão desacelerar numa queda do brinquedo da praça. Mas isso não fora mágica, fora? No caso da bicicleta fora apenas coincidência e no do seu irmão apenas imaginara, não é?

- Vejo pelos seus olhos que já fez muita coisa inexplicável! – continuou o Sr. Freidel.

- Isso é impossível.

-Não, não é! Talvez pareça para um filho de trouxas.

Arthur queria sair dali. Queria sair dali antes que ficasse tão louco quanto aquelas pessoas. Agora ele se lembrava do número na porta do prédio. Se aquilo não era mágica, era o quê?

- Bem, Sr. Mortense, sabe porque está aqui?

- Não, mas... ouvi algo sobre uma escola e... – disse Arthur sendo logo interrompido.

- Ótimo, ótimo, ótimo... – disse o Sr. Freidel, revirando a gaveta de sua mesa e tirando o que pareceu ser um formulário. – bem, Arthur, você está aqui pois conseguiu uma vaga na Escola de Magia e Bruxaria de Palas e...

- Escola de Magia e Bruxaria? – repetiu Arthur incrédulo.

- Sim. Onde pensa aprender tudo para ser um bruxo? – o Sr. Freidel falava como se explicasse que 2 + 2 eram 4 para um débil. – E um bruxo de qualidade, pelo menos, é o que se espera pelo nome... Sabe sobre seu sobrenome?

- Figo me disse que era o nome do fundador de Palas...

- Correto. Tome... preencha-o! – O Sr. Freidel esticou o formulário para Arthur.

Arthur pegou o formulário e leu:




Escola de Magia e Bruxaria de Palas


Formulário de Inscrição


Você deseja ingressar na E.M.B de Palas?

Sim( ) Não ( )



Obs: Avisamos que toda e qualquer decisão tomada pelo aluno será irreversível.


- O que acontece se eu assinalar que sim? – perguntou ao Sr. Freidel.

- Tornara-se aluno de Palas, obviamente.

- E se marcar que não?

- Irá embora daqui e viverá como um trouxa para sempre, é claro!

Arthur não tinha idéia do que ele queria. Estava diante de um mundo desconhecido e não sabia se gostaria dele, contudo, conhecia o mundo “Trouxa”, como eles chamavam, e sabia que não era nada agradável para ele.

- Filho, posso te dar um conselho? – perguntou o Sr. Freidel.

Arthur fez que sim.

-Eu também nasci trouxa, e sabe, tive o mesmo medo que você está sentindo agora. Medo do desconhecido. Mas pense. Pense no mundo de onde vêm. Sentia-se feliz e aceito nele? Sentia-se igual aos outros? Por pior que seja sua opinião sobre Palas, o que eu duvido muito, lá haverá pessoas como você. Lá você se sentirá em casa. Será aceito.

Arthur refletiu sobre as palavras do Sr. Freidel e lhe deu razão. Nunca havia se sentido como todo mundo, até mesmo na sua família, se sentia excluído. Como não devia ser maravilhoso um lugar onde todos fossem como ele.

Assinalou que sim e devolveu o formulário para o Sr. Freidel, este recebeu o papel (cujo um bruxo numa vassoura ficava passeando pra lá e pra cá) e sorriu. Um sorriso quase fraternal.

- Bem-vindo a Palas. – disse enquanto tornava a guarda o formulário.

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