Hogwarts novamente



Entrou na sala cansado mas com ânimo. Hogwarts tinha essa propriedade sobre ele, lá, sempre achava que poderia fazer qualquer coisa.

Andava muito sozinho, seria bom fazer parte de uma família novamente, mesmo sendo uma família temporária como a da escola, mesmo assim, já era uma família.

Nunca tivera sorte com parentes, os verdadeiros pais ele e o irmão Rômulo não conheceram, foram criados por uma bruxa quarentona que os tratava com todo o carinho, mas não era sua mãe.

Do irmão ele não tinha notícias há anos. Rômulo ficou rico, muito rico, e ele nem ao menos ficou sabendo como. Só sabia o que se passava através dos jornais.

Os seus amigos, a família que ele escolhera havia se destruído. Tiago e Pedro estavam mortos tudo graças a Sirius que por ele apodreceria em Azkaban. Só que Sirius fugira, provavelmente para terminar o serviço e matar Harry. Remus não falharia como da outra vez, protegeria Harry com a própria vida se fosse preciso.

E houve Selena, a sua única tentativa de construir uma família... Mas tudo era vago quando se tratava de Selena. Ela simplesmente sumira levando consigo as duas meninas deles.

Não conseguia definir o que sentia por uma mulher como aquela, ora ódio, ora devoção, amor. Apesar do que ela fizera, ainda assim, cairia aos seus pés se ela voltasse. Não fora em ocasião nenhuma feliz como quando estava com ela em seus braços.

Mas Selena tinha feito algo imperdoável... Se não o queria mais, que partisse. Ele jamais quis que ela fosse infeliz, que sofresse. Mas ela não devia Ter levado Sara e Luna, as gêmeas eram bebês ainda, não suportariam os ambientes em que Selena costumava freqüentar.

E Remus morria de saudades delas. Às vezes, mesmo depois de muito tempo que partiram, quando ele tinha esperança de que por algum motivo voltariam, ele acordava no meio da noite ouvindo o choro delas, ou então estava lendo e ouvia seus passinhos e risadas felizes pela casa, ia até o quarto, dava uma olhada nos berços vazios e voltava chorando para sala. Até que não suportou mais e vendeu a casa em que vivera com ela.





A janela do seu dormitório em Hogwarts dava exatamente para a árvore a onde conheceu Selena, de forma que ficava impossível fugir das lembranças.
Na noite em que a encontrou pela primeira vez, ou melhor que ela o encontrou, Remus estava dando uma volta de madrugada pelo castelo, os outros meninos iam fazer uma traquinagem que ele não achou interessante, algo como por pó-cosquinha no lugar do açúcar na cozinha, de forma que ele passeava só.

Gostava de andar próximo ao lago, o caminho oposto ao salgueiro lutador que não lhe trazia boas lembranças.

Nessa época ele tinha uns doze anos, nem os marotos sabiam que ele era um lobisomem, aliás, eles nem eram os marotos ainda. Mas já desconfiavam que o amigo mais certinho tinha um segredo.

_ Oi, menino-lobo!

Remus se assustou tanto com a voz vinda do nada que não processou no seu cérebro a idéia de que aquela voz infantil sabia do seu segredo mais íntimo. Ele não estava acostumado com não perceber a presença de alguém, seu olfato era muito aguçado e mesmo despreocupado como estava, notaria uma menina tão próximo dele. A garota dos seus 12 anos estava pendurada na árvore que ele escolhera para se encostar e observar o luar.

Era uma noite escura de lua minguante, não dava para ver muita coisa, apenas um vulto descendo agilmente pela árvore enorme e falando com ele como se o conhecesse há anos:

_ Você não acha impressionante que Dumbledore consiga que gente como nós estude aqui? Ele deve ser muito influente mesmo... - ela sorria para ele, um sorriso verdadeiro, cúmplice. Remus não sabia o que dizer ou como reagir, nunca vira aquela menina antes, não poderia dizer nada sobre ela, somente que era muito bonita, fascinante, e ela, pelo que dizia, sabia demais sobre ele - Me diz uma coisa, dói? Você sabe, quando....

_ ...

_ Eu sei que você deve estar pensando que eu sou uma dessas fofoqueiras de plantão que ficam bisbilhotando a vida de todos, mas não sou... Eu descobri por um acaso, sabe... Fiquei impressionada! Eu jamais suspeitaria, logo você um... É melhor nem falar nada, essa escola tem ouvidos em todos os lugares...

_ O quê você quer de mim?

_ Ah! Nada! De você eu não quero nada... Nem me veio a mente uma coisa assim... Claro que você ia pensar em chantagem. Não deve Ter conhecido muita gente boa nesse mundo, né? Eu também não conheci... Mas é exatamente nesse ponto que eu me surpreendo com você, Remus... Esse é o seu nome, não é? - fez que sim com a cabeça, cada vez mais abismado - Pois é, Remus, você não parece guardar rancor de nada nem de ninguém... É um rapaz nos moldes do exemplar apesar desse detalhezinho de ser... - ela olhou curiosa para o menino dos cabelos castanhos claros - Dói, não dói?

_ Todas às vezes...

_ E você não tem vontade de chutar os traseiros desses bruxinhos e bruxinhas normais que dão chilique por qualquer coisa sem nunca Ter realmente tido um problema real?

_ Não. Eu considero um privilégio simplesmente poder estudar aqui... E acho tolice pensar que os meus problemas são maiores que os dos outros, prefiro gastar meu tempo tentando resolve-los...

_ ... - ela ficou calada, de repente toda sua revolta perdera o sentido.
_ Olha, menina, não sei quem você é, nem o que quer - Não se sentiu confortável desde que ela aparecera, parecia que a qualquer momento algo podia ataca-lo - Mas sei que você me tem em suas mãos, se por um acaso decidir o que quer de mim para ficar calada, me procure... Tenho certeza que sabe a onde me encontrar...

Remus saiu andando, deixando a menina para trás, sozinha, no escuro.




_ Como assim nunca a viu antes?

_ Ora, Tiago, eu não passo o dia catalogando as meninas que estudam aqui, ao contrário de vocês eu gasto pelo menos algumas horas do meu dia envolvido com estudos...

_ Perda de tempo!

_ Concordo com você, Sirius! - disse Pettigrew.

_ Já que você não vai contar o que essa menina falou que te deixou tão impressionado, podia pelo menos dizer como ela é... Quem sabe, como você mesmo disse, ela faça parte do nosso catálogo...

_ Duvido que uma garota como aquela fosse dar bola para três paspalhões como vocês...

_ Olha aí, Tiago, ele está duvidando do nosso charme pré-adolescente...

_ Liga não, Sirius! Só porque o senhor Certinho aqui nunca viu a menina antes, não significa que nós não a tenhamos visto....

Pedro deu uma gargalhada que fez Lupin ficar com ainda mais raiva. No entanto, ele sabia que precisaria da ajuda do “catálogo pessoal” daqueles três para encontrar e descobrir mais alguma coisa sobre aquela menina.
_ Ela tem uns doze anos, cabelos negros e lisos até a cintura, a pele queimada, olhos escuros puxados, rasgados, sei lá... É quase da minha altura, tem um corpo bonito...

_ Como foi que eu deixei passar essa?

_ É o que eu estou me perguntando também, Sirius...

_ O que é mais estranho é a sensação de que algo está prestes a acontecer... Parece que vão lhe atacar de surpresa a qualquer momento... - Lupin falava essa parte quase em murmúrio enquanto os outros dois discutiam que uma menina bonita como aquela não poderia passar despercebida.

_ Selena - disse Pedro - da Sonserina... Quando você falou dessa sensação eu liguei o nome a pessoa...

_ Pedro, seu sacana, você viu uma gatinha dessas rondando por aí e não avisou, seu egoísta!

_ Primeiramente, Sirius, eu não seria idiota de avisar aos meus amigos bonitões que tem uma gatinha no castelo antes de tentar...

_ Seu imundo! - Sirius riu.

_ E em segundo lugar, se for essa a menina, está mais para a cobra que para gata...

_ Por que? - perguntou Tiago interessado.

_ Ela é encrenca das bravas! Sei de pelo menos 3 caras que tentaram e se estreparam... Um deles foi o Augustus César...

_ O cara grego que estava fazendo intercâmbio?

_ Esse mesmo, Remus... Lembra que ele voltou subitamente para Grécia?

_ Sei... - disse Sirius - O cara era chapa! Teve que voltar às pressas, me disse que eram problemas de família, estávamos no meio do semestre...

_ Realmente, Sirius, deve Ter dado um grande problema de família... Essa menina, Selena, sugeriu ao diretor da Sonserina, como é o nome dele?

_ Strickwall?

_ Ele mesmo! Sugeriu que Augustus tivesse tentado abusar sexualmente dela...

_ Bobagem! Aquela coisinha não teria coragem nem para falar pessoalmente com uma menina, quanto mais assedia-la...

_ Foi esse o argumento que Dumbledore usou para não expulsar o rapaz da escola, apenas o mandou de volta para a Grécia com essa mancha na sua ficha permanente...

_ Mas qual é a verdade?

_ Até a onde eu sei, Tiago, Augustus estava mandando bilhetinhos para uma menina que ele achava linda, mas só isso...

_ Nossa! E por que essa Selena foi fazer uma coisa dessas com o rapaz?

_ Dizem que ela não sossegou enquanto não o tirou daqui... Chorava, reclamava, pensou-se até em fazer exames...

_ Por que?

_ Ele cruzou o caminho dela...

Remus Lupin estava assustado. Como podia uma menina como ela, justamente como ela, Ter descoberto seu segredo. Ele estava perdido.

_ E você, Pedro, não tentou?

_ Tentei, Tiago... Ou melhor, ia tentar, mas...

_ Você ficou com medo da garota, Pedro? - riu Sirius - Me mostra essa criatura cruel que eu dobro ela num instante...

_ Ela está na nossa mesma turma de Poções! E quer saber, é toda sua...

_ Ela não é de ninguém aqui, seu abutres! - Disse Lupin forçando um sorriso fingido - Ela é minha, eu vi primeiro!





_ Vai lá!

_ Vamos, Remus, coragem!

Maldita a hora em que tivera a idéia de dizer que ia conquistar a menina. O que mais ele queria era tirar seus amigos da pista dela. Vai que ela resolve abrir a boca. Não suportaria mais viver sem a amizade deles, e ele ainda não tinha certeza se o aceitariam sabendo que ele é um lobisomem.

Agora estavam dando a maior força. Praticamente o empurrando para a mesma bancada em que Selena estava. Era melhor ir antes que o “ajudassem” de uma forma mais drástica.

Sentou, colocou os livros, nem olhou para ela, que ocupada, separava os materiais para a aula e nem percebeu que alguém se aproximara.

_ Não gosto de fazer nada em equipe... - falou ao notar um par de pernas ao lado da sua mochila.

_ Não tenho outro canto para sentar...

_ Ora, pois fique em pé... - levantou e viu Remus - É você?

O garoto reorganizou seu material, levantou. Ela segurou no braço dele o fazendo virar o rosto em sua direção. Seus olhares se cruzaram e a sensação de ataque surpresa eminente não estava mais lá, só um fascinante olhar negro e profundo.

_ Pode ficar aqui... Se quiser... - ela baixou a vista.

A menina parecia tão diferente em suas vestes, de óculos, tão indefesa, ninguém diria que ela tinha doze anos, aparentava menos. Ele voltou a sentar.

Fizeram a poção de encolhimento juntos. E pela primeira vez ele teve uma companhia de estudo de verdade numa aula de poções já que os meninos iam para brincar e ela, pela primeira vez também, não reclamou, ou fez o parceiro ir para detenção.

_ Senhorita Marvolo, - professor Stone de Poções era um velho rabugento que gostava de famílias com tradição no sangue - sua poção de encolhimento está perfeita! - obviamente ele nem sequer citou o nome de Remus, um menino que nem sabia a qual família pertencia - Quem sabe a senhorita saiba em que ponto da poção devamos adicionar raiz de teixo para transforma-la em poção de engrandecimento, valendo 20 pontos para Sonserina? -O professor era fã confesso do sobrenome Marvolo.

Selena levantou da cadeira e tomou ar para responder. Remus escreveu no caderno dele com a letra bem grande para que ela pudesse ver: “depois do cozimento das couves de Bruxelas”. Selena fechou seu sorriso de satisfação e com sua varinha fez caderno dele pegar fogo.

_ ANTES do cozimento das couves de Bruxelas, professor... - falou e sentou revoltada.

_ Muito bem, senhorita! É sempre uma satisfação ministrar aulas para alunos tão competentes.

_ Hei, por que você fez isso? Perdi minhas anotações do ano inteiro e eu só quis te ajudar...

Ela olhou com a cara mais indignada do mundo.

_ Me ajudar? Quem pediu ajuda? Acha que não sou capaz de responder uma pergunta estúpida como essa? E justo você que não sabe nem consertar um caderno queimado? Caderno Reparo! - o caderno ficou melhor do que novo.

_ Desculpe! Não quis te ofender... É que eu achei que você queria...

_ Chantagem... Achou que eu trocaria um segredo por notas boas...- Ela juntou suas coisas porque a essa altura a aula havia acabado - Já lhe disse que não saí por aí bisbilhotando sua vida, foi um acidente! E além do mais você é lamentável em poções...

Lupin se arrependeu pelo que fez. A garota estava realmente chateada. Ficou na dúvida se devia ir embora ou atrás dela para tentar se desculpar. Não precisou decidir.

_ Olha, já sei o que eu quero... Afinal, é isso que você espera, não é? Que eu lhe peça alguma coisa...- Ela voltou da porta por onde já tinha saído - Pois bem... Eu quero você!!!

_ Quê?

_ Você! Uma noite por semana... Escolha um lugar e me avise!





Desistira de ler aquele livro estúpido de recordações. Ele lhe trazia lembranças ruins e intermináveis pesadelos o quê não era nada bom se somado a presença constante de dementadores nos arredores do castelo. Isso intensificava a dor.

Era um verdadeiro absurdo o ministério submeter crianças aos dementadores. Harry Potter parecia sofrer ainda mais que os outros, outro dia quase caiu da vassoura.

Gostaria de poder ensina-lo a se defender. Gostaria de poder contar a verdade ao menino, mas havia alguma coisa que o impedia, como se faltasse um pedaço. Ou quem sabe, estivesse esperando que Sirius fosse encontrado.

Sabia que se Harry fosse como Tiago bastaria alguém dizer que Sirius era seu padrinho e matou seus pais para que, ao contrário do resto da população, ele fosse correndo de encontro ao assassino, armado com um pirulito e uma chupeta e coragem suficiente para alagar o continente. E Harry era bem como Tiago.

Tivera uma aula bem interessante na turma dele sobre bichos-papões. Lembrar Snape vestido como a avó do Longbottom ainda lhe dava cãibras.
Arriscara-se demais se colocando na frente de Harry, mas valera à pena, antes um grupo de crianças descobrir que ele não gosta da lua, do que se deparar frente à frente com o próprio... Pois com certeza era nele que o bicho-papão de Harry ia se transformar.

Logo seria lua cheia de novo. Mais uma noite de solidão. Outro sumiço repentino. Não sabia mais o que Dumbledore ia inventar, mas confiava na criatividade dele. A poção de Snape ajudava muito, mantinha sua consciência humana. Às vezes chegou a pensar que seria melhor se não tivesse nada de humano e pudesse viver despreocupadamente como um lobo, pensando apenas na caça do jantar e nas lobas no cio. Tudo bobagem! Descobrira que a melhor parte de ser um lobisomem era dar o real valor a ser humano.

Sentou e leu a parte das anotações de Joseph Chant correspondentes à época em que conheceu Selena e passou a vê-la uma vez por semana sempre em um local diferente escolhido por ele. Um lixo! Muito impessoal! Como se os dois se encontrassem para um compromisso burocrático.
Lógico que Chant não poderia saber o que acontecia naqueles encontros. Por mais amigo que fosse de Selena ela não contaria sobre o que conversavam, o que tramavam, as besteiras que falavam. Como aos poucos foram ficando próximos, melhores amigos.

No começo, ele tinha suas reservas com ela. Mas para quê esconder alguma coisa de Selena, ela descobriria se quisesse. E além do mais, já sabia do mais importante.

_ O que foi, Menino-lobo? - ouvia a voz dela em sua mente - Algum problema?

Batidas na porta, era Madame Pomfrey avisando que estava na hora. Fechou o livro e seguiu pelo túnel até a sala embaixo do Salgueiro.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.