Um segundo...



Acordei um dia desses mais saudoso do que nunca e dei-me a lembrar do tempo que mais ficou gravado em minha memória. Custei a espantar esses pensamentos... e para qualquer lado que olhava, pendia em meus olhos um apetrecho que me remetia àquele tempo.
Por fim desisti ao ímpeto de refrear minha memória e, pelo contrário, sentei-me numa mesa, e passei a escrever o que lhes conto agora.
E para introduzir essa história que foi tão feliz quanto infeliz... tão adorável quanto terrível começo com uma pergunta, caros leitores: é possível amar verdadeiramente? É possível deixar a razão de lado para se entregar a volúpia? E deixar que um sentimento de apego domine qualquer tipo de comportamento seu? Essa pergunta, deixo a vocês refletirem. Alguns verão a resposta nessa história, outros, aqueles que conseguem ir além das palavras verão que alguém como eu não é capaz de amar... verdadeiramente... não... eu sou capaz de destruir... de matar... de estraçalhar... de magoar... mas... de amar... de verdade? Não sei... quem sabe eu mesmo consiga obter a resposta em minhas memória, agora que as visito.

Bem, começo pelo ano em que completei meus dezessete anos. Um homem formado. Eu seria feliz se não tivesse a sina de exterminar um demônio. Mas deste demônio, falarei mais tarde, por hora descrevo uma tarde de verão que passei na companhia dos que amo num lugar chamado A TOCA. Foi nesse dia que meus olhos demoraram-se um pouco mais na minha amiga. Hermione nunca foi mais do que uma boa amiga. Não... minto, ela era mais sim, seria injusto se não dissesse isto, visto tudo o que ela fizera até então para conservar-me vivo. Mas, quando se trata de paixão, meus caros, aí sim, Hermione nunca passou de uma amiga. Ela não era feia de todo, mas ninguém, em sã consciência a chamaria de bonita. Ela tinha um belo corpo, que foi se formando com o passar dos tempos, apesar de sempre magrela, mas eram os cabelos, despenteados e volumosos como uma juba de leão que tiravam a meiguice do seu rosto. Ela nunca tivera um namorado, enquanto Hogwarts inteira já havia experimentado as doçuras de um relacionamento e seu único beijo viera de Krum, um garoto bem mais velho do que ela.
Mas volto à tarde de verão. Eu havia terminado com Gina, minha namorada do ano anterior, a fim de mantê-la segura e já estava na Toca, casa de meus quase-sogros, quando Hermione chegou, dois dias depois. Ela cumprimentou a todos, mas mais efusivamente a mim. Nós sentamos a sos no quarto de Rony e ela disparou todos os tipos de perguntas próprias dela. Mas, de repente, uma pergunta diferente das “Como você está... o que você fez... você está bem?” surgiu nos seus lábios como se estivesse destoada:

- Harry, você terminou com Gina? – perguntou ela, parecendo estar distraída com os próprios dedos a desamassar a saia.

- Bem... – comecei... – Eu precisava... você sabe que é arriscado para ela...

- Sim... sim... para protegê-la... – respondeu ela, parecendo levemente aborrecida, mas assim, mesmo, alargou o sorriso. – Bem... mas e daí? O que pensa em fazer daqui pra frente?

É estranho lembrar disso agora. Lembrar dos gestos de Hermione... de sua dissimulação sutil... É uma coisa bem marcante em Hermione... sua capacidade de esconder os sentimentos coisa que, mais tarde, aborreceria-me profundamente.

Descemos as escadas para encontrar os outros Weasleys que já jantavam. Notei os olhares de Rony para Hermione que os evitava, assim como os de Gina para os dois. Brotou uma sensação estranha em mim. Não era ciúme, afinal de contas... nunca... Deus é testemunha... nunca até ali, havia pensado Hermione em outros termos. Apenas fiquei chateado, pois não queria que os dois namorassem e começassem a me evitar, principalmente agora que havia terminado com a Gina.

Bem, chegado a este ponto, deixe-me voltar à Krum. Dizem as lendas que ele foi o primeiro a provar dos lábios de Hermione. Algumas más línguas diziam mais do relacionamento dos dois, mas eu não creio. Não que eu esperasse castidade de Hermione. Não... eu não esperava. Até preferia que ela tivesse tido outros relacionamentos (que não com Rony), mas isso nunca aconteceu. Ninguém a queria.
Ela não era uma beldade, claro, mas a verdade é que era o seu comportamento que assustava os outros garotos. Hermione era certinha demais, sagaz demais, inteligente demais, consciente demais para os outros garotos. E até mesmo para mim... e muito mais para Rony.
Era diferente de Gina. A ruiva não era tão inteligente quanto Hermione (eu me pergunto se um dia Hogwarts já viu alguém mais inteligente que ela) mas era esperta, agradável e linda (sim, linda. Enquanto a ruivíce e sardíce caíam terrivelmente mal para Rony, para Gina, davam-lhe o aspecto de uma beldade exótica) e por isso, todos queriam ficar com ela. E ela não esperou por mim, não... Gina foi além... quis experimentar outras coisas... Ela era experiente e tinha, exatamente como Hermione, a habilidade para notar as coisas que eu Rony jamais conseguíamos ver.
Era um orgulho para mim ter namorado com Gina, mas agora, assustava-me o fato de ela querer buscar noutro rapaz o amor que havia perdido em mim.
Gina sentou na minha frente no jantar. Poucas vezes me olhou, mas estava claro o ressentimento em seu olhar. Ela não havia aceitado aquilo tão bem quanto deixara transparecer.

Nos dias seguintes, os preparativos para a festa de casamento de Gui e Fleur encheram os dias. Quando chegou o baile, todos estavam muito bem vestidos, até mesmo Rony num fraque preto como manda a ocasião.

- Você acha que eu devo pedir a ela hoje?
- O que? – perguntei eu, sem entender direito o que meu amigo falava.
- Hermione... você acha que eu devo pedi-la em namoro hoje?
- Vocês já ficaram juntos alguma vez? – perguntei por perguntar, pois já sabia a resposta.
- Claro que não!
- Eu acho que você deve ficar com ela antes... ver como é... se gostar dela, peça-a em namoro... mas se eu fosse você... iria com calma... ela é a nossa amiga... e se vocês dois brigarem... saiba que não vou ficar do seu lado só porque somos amigos...

Eu estava morrendo de raiva... queria ir contra esse namoro, mas como ser contra quando Rony estava investindo suas esperanças nele... e pior... naquela noite... na noite da festa... com cerveja amanteigada e cantinhos escuros por todo o lado.
Eu pensei em arranjar alguém para ficar com a Hermione naquele dia... cheguei a pensar em pagar para alguém... sabendo da falta de atrativos de Hermione... mas não seria necessário...
Hermione tem um dom único que muitas garotas gostaria de ter em ocasiões de festa. Foi como na noite do baile tribruxo. Quando todos achavam que Hermione nem tinha sido convidada, ela entrou fabulosa, linda, ao lado do homem mais cobiçado da noite.
Nesta noite, ela apareceu sozinha, desacompanhada... mas bela... os cabelos arrumados no alto da cabeça... os cachos descendo pelas costas nuas enquanto ela andava graciosamente num vestido de seda e organza verdes. Eu achei que o vestido combinaria mais com Gina, que tem os olhos verdes, mas Gina escolheu um vestido azul mais recatado para aparecer naquela noite.
Rony, como outros garotos, começaram a rodear Hermione como urubus em carniça, de forma que vez ou outra ela lançava olhares para mim do tipo “Me ajude”.
Eu sempre a ajudava... a tirava para dançar bem quando alguém estava prestes a dar uma investida. Até a salvei uma vez de Rony. Eu quis perguntar se ela queria ficar com ele, mas essa pergunta morreu em minha boca... Foi então que divisei Krum. Krum... o salvador da noite... com aquele sorriso branco e olhos iluminados para Hermione.
- Veja, Hermione... é Victor... ! – apontei-o para ela. Mas ela não pareceu tão animada.
Quando andávamos em direção ao Búlgaro, o chão tremeu e uma explosão aconteceu.
Fiquei desacordado por alguns segundos, mas quando acordei, Hermione não estava mais do meu lado. Ela estava postada do lado de Krum, ou melhor... do corpo de Krum que tinha as vísceras dilaceradas.
- O que aconteceu? – perguntei a ela... percebi que ela estava suja de fuligem... como eu devia estar, mas estava bem... sem maiores ferimentos que não pequenos arranhões.
- Uma explosão... Gui morreu... Harry...

Uma tristeza se abateu sobre a Toca nos dias seguintes. Pela primeira vez eu quis estar em um lugar diferente. Achei que era o momento certo para ir a Godric’s Hollow, mas Hermione me impediu.

- Você não vai... – disse ela, sempre autoritária.
- Hermione... isso fazia parte dos meus planos desde o ano passado... – eu retorqui. Irritado com a mania da amiga de querer controlar minha vida.
- Você vai mudar de planos então! Você não vai abandonar a Sra. Weasley num momento como este. Você sabe muito bem que ela o considera como um filho e sempre te tratou como tal. E agora você vai retribuir todo o carinho que ela te dispensou. Quem vai a Godric’s Hollow sou eu. Mandarei te chamar quando for a hora.

E foi o que aconteceu.

No dia seguinte, Hermione arrumou suas malas e partiu silenciosamente.

Eu fiquei. Fiquei mergulhado naquela tristeza. Sra. Weasley chorando. Sr. Weasley se lamentando... Gina chorando em seu quarto. Não resisti uma tarde e entrei para consolar a garota de meus sonhos adolescentes. Minha namorada...
- Gina... – disse sentando-se ao lado dela e alisando as suas costas. O simples contato já fazia meus pelos se arrepiarem. Como eu desejava aquela garota.
- Harry... – disse ela, encostando sua cabeça nos meus ombros. – Sei que você não quer ser mais meu namorado... sei que quer me evitar para meu próprio bem... mas eu preciso tanto de você agora...
- Gina... você sabe que...
A frase morreu na minha boca... no lugar veio uma idéia. Uma boa idéia.
- Gina... eu sei da solução para o nosso problema.
- Que solução? – disse ela, assoando o nariz.
- Eu quero proteger você, e por isso tenho que me manter afastado. Mas eu posso fazer isso sem me afastar propriamente dito. Podemos namorar em segredo, Gina. Sem ninguém saber. Você estará protegida e poderemos ficar juntos... meu amor... um segredo só nosso!
Beijos, abraços e juras de amor nós trocamos naquela tarde. E a cena se repetia todos os dias em segredo no quarto de Gina ou em algum canto da casa. Eu cheguei a abençoar Hermione pela idéia de me deixar ficar na toca.
Eu me sentia mal... muito mal. Enquanto os Weasleys choravam a perda de um ente querido eu não pensava em outra coisa que não beijar os lábios carnudos de Gina.
E foi assim, numa tarde, que Gina se entregou a mim e eu a ela. Foi tudo muito belo, lembro-me ainda hoje. Essas coisas a gente nunca esquece. E achei, naquela hora, que conhecia o amor e que não poderia ser mais feliz. Eu tinha Gina e estávamos vivos... quem quer mais do que isso?
Mas, então... recebi uma coruja de Hermione com uma frase que cortou-me a felicidade.

“Harry,

Venha...
Estação de Godric’s Hollow, plataforma 10 3/8, dia 20 de agosto, às 14 horas.

Hermione”.

Maldita Hermione! Sempre querendo mandar em mim. Acabando com a minha felicidade. Quão injusto eu poderia ter sido, eu fui. Mas sabia que ela estava fazendo a minha tarefa... a minha função... então, juntei minhas coisas e parti. Rony quis vir comigo, mas não deixei. Já foi muito ruim para a Sra. Weasley... não queria ser o responsável por mais uma morte naquela família. E digo isso porque sei que aquela explosão do casamento foi destinada a mim, não importa o quanto Scrimgeor diga que não.
Pois bem, eis que cheguei na estação que Hermione mandara, no dia certo, na hora exata. Quando desci do trem vi Hermione com aquela juba correndo para mim. Eu abri os braços, pronto para o seu costumeiro abraço, mas quando ela chegou perto, bem perto, ela hesitou. Não foi mais que um segundo... um segundo... mas foi o suficiente para ler a minha alma... era isso o que ela estava fazendo. Ela percebeu que eu estava diferente... percebeu que eu não era o mesmo homem... percebeu que eu havia dormido com Gina... um segundo... tudo isso num segundo...
Num segundo... também eu percebi uma estranha expressão em sua face... não mais que o brilhar de uma lágrima nos olhos que se evaporou quando ela piscou no segundo seguinte, mas ali, ela revelou uma tristeza... - sim... acho que é isso... claro que não cheguei a esta conclusão naquela hora... muitos anos se passaram desde então... e o homem de hoje consegue perceber o que o rapaz daquele dia não poderia... – era mesmo uma tristeza profunda.
O abraço enfim aconteceu. Eu estava preparado para ser sufocado por aquela juba castanha me encobrindo os olhos num abraço demorado como era de costume, mas ela ficou apenas alguns segundos e se afastou de mim.

- Que bom que veio, Harry... – disse ela, somente... com um tom de voz que tirou de algum lugar de sua alma. Poucas vezes havia visto Hermione como naquele dia... e depois disso... somente umas três ou quatro. Naquele dia, ela se recuperou rapidamente. Quase nem deu a perceber que ela estava chateada. Dissimulada como sempre... Hermione sempre foi mestra em dissimulação. Só mais tarde descobriria que durante anos ela passou disfarçando seus verdadeiros sentimentos.

- E aí? Você me chamou para quê? – perguntei um pouco rispidamente. Não consegui digerir direito o que havia visto nos seus olhos, mas sabia que não havia me agradado. Sabia que ela havia descoberto um segredo que pertencia somente a mim e a Gina e detestei-me. Não queria ser tão óbvio para ela. E odiaria-me ainda mais quando soubesse que ela era completamente um mistério para mim.

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