Promessas feitas



Outubro - 1976

- Cada dia é menos um dia para quando deixarei de te desejar bom dia. - ela respondeu sem emoção, brincando com a comida no prato.

- Está poética hoje, Evans. - ele observou divertido - Fico feliz que nossa relação tenha melhorado a ponto de você me declamar alguns versos logo no café-da-manhã.

Lily olhou para ele, estreitando os olhos. Um brilho rápido passou pelas orbes verdes, mas ele não saberia precisar que sentimento lera naquele instante na face da ruiva. A garota levantou-se, deixando seu prato quase intacto, resmungando o mantra que estava sempre na ponta da sua língua desde o começo daquela convivência com o Potter.

- Eu não vou ceder, eu não vou ceder, eu não vou ceder... - ela repetia para si mesma numa voz quase ininteligível enquanto deixava o Salão principal.

James observou ela desaparecer e suspirou. Em seguida, sorriu novamente e passou a mãos pelos cabelos.

- Você não vai conseguir escapar de mim para sempre, Evans... - ele sussurrou para si mesmo.




O aposento permanecia exatamente como ele o deixara, anos atrás. Os brinquedos jogados pelo chão, o sinaleiro dos ventos junto à janela, tocando uma melodia suave. O quarto que pertencera a ele na infância, quando ele era apenas mais um garoto mimado, sem preocupações, pleno de inocência...

Com cuidado, ele depositou Lily sobre a cama e tirou a varinha do bolso, murmurando um feitiço para limpar a sujeira que se acumulara com o passar do tempo. Em seguida, conjurou um bule de chá e alguns biscoitos, depositando-os sobre a mesinha de cabeceira, ao mesmo tempo em que puxava uma poltrona para o pé da cama.

Delicadamente, ele tirou a roupa dela, que ainda estava manchada de sangue, cobrindo-a com o lençol para, em seguida, se deixar cair pesadamente sobre a poltrona.

Observou o seio dela subir e descer sob o lençol, juntamente com a respiração tranqüila dela. Tantas promessas feitas... Como eles puderam chegar àquele ponto?

Meneou a cabeça e desviou o olhar para os outros objetos do quarto. O armário ainda estava lá. Assim como o velho tapete que sua mãe insistia ser um legítimo "arabian", mas que nunca demonstrara qualquer sinal de que pudesse voar. As cortinas brancas, que combinavam com o dossel da cama e os lençóis... Até mesmo a pequena vassoura que seu pai enfeitiçara quando começara a ensiná-lo a voar...

Seus olhos pararam sobre a pequena escrivaninha cheia de livros de contos infantis bruxos. Sorriu, levantando-se para encarar os volumes cuidadosamente encadernados.

Um filho... Ele teria um filho com Lily... Poderia ler para ele os mesmos contos que sua mãe e seu pai tantas vezes repetiram para fazê-lo dormir.

Uma certa melancolia apoderou-se dele. Depois de tudo o que tinham feito, depois de tudo o que tinham falado... Ainda existiria alguma chance para eles? Lily se negara a casar com ele. Mas um filho... Isso certamente mudaria a decisão dela, não?

Suspirou. Lily não ficaria com ele só por estar grávida. Ela era independente demais para consentir com isso. E ele prometera que não voltaria a mendigar a atenção dela. Então, o que fazer?

Foi então que ele se deparou com algo estranho sobre a estante. Uma rosa seca. As pétalas estavam amareladas e as folhas murchas. Com os dedos trêmulos, ele tocou a rosa, esperando que ela se desfizesse. Mas ela continuou intacta enquanto ele sentia a textura delicada dela.

Fechando os olhos, ele lembrou-se de um dia muito distante, quando aquela rosa ainda estava fresca e viçosa, as pétalas vermelhas completamente desabrochadas...




Dezembro - 1976

Ela acordou com o barulho de gritos e algo se quebrando no andar de baixo. Pouco depois, uma respiração ofegante preencheu a escuridão, enquanto o alçapão que dava acesso ao quarto do sótão batia com força.

- O que diab...

Lily sentiu uma mão forte tapar sua boca e um sibilar junto a seu ouvido, pedindo silêncio. Virou-se para encontrar os olhos de James, observando-a preocupados. Ele estava suado, os cabelos mais despenteados que o normal, a respiração irregular, o pijama amassado.

Sem nenhuma explicação, ele a puxou pela mão com força, fazendo com que ela seguisse para o outro extremo do quarto, abrindo o guarda-roupa e empurrando-a para dentro, antes de também entrar e fechar a porta atrás de si com o máximo cuidado.

- Colloportus. - ele sussurrou, apontando a varinha para a porta que acabara de fechar.

- James, o que está acontecendo? - ela perguntou, tentando se mover no espaço apertado do guarda-roupa.

Ela o ouviu se sentar e, em seguida, sentiu que ele a puxava para junto dele. Lily caiu pesadamente sobre o espaço que ele deixara com as pernas e James rapidamente a envolveu pela cintura, numa atitude claramente protetora.

- Atacaram Godric's Hollow. O vilarejo que fica um pouco abaixo da colina. - ele sussurrou - Os funcionários do Ministério estão lá, mas muitos dos comensais decidiram vir se proteger aqui. Eles acham que a casa está vazia, já que meus pais estão oficialmente viajando em missão diplomática.

- Eles estão lá embaixo? - ela perguntou assustada.

- Sim. - James respondeu - E não queremos que eles saibam que estamos aqui. Então, vamos ficar em silêncio. Uma hora eles terão que ir embora. Mas tente não se mexer muito.

Ela apenas assentiu e apoiou a cabeça no peito dele, extremamente consciente das mãos quentes dele espalmadas em sua barriga sobre o tecido fino da camisola. Ela tremeu de leve, sem saber se pelo frio, pelo medo, ou pela respiração apressada de James sobre seu pescoço. Ele apenas a apertou mais contra si, provavelmente interpretando que ela estava assustada.

As horas se passavam e, apesar do sono e da posição incômoda, eles se mantinham extremamente alertas a qualquer barulho que viesse de fora do armário. O ar ali dentro estava quente e Lily sentia o corpo queimar. Gotículas de suor já se formavam em seu rosto. Quanto tempo mais teria que passar por aquela provação?

James também parecia incomodado, embora quase não se mexesse. Ela não podia vê-lo naquela escuridão, mas podia sentir a respiração dele e os lábios dele encostarem-se de quando em vez no alto de sua cabeça.

Finalmente, um silêncio calmo tomou conta do casarão. Os gritos e os sons de móveis sendo arrastados tinham cessado. Assim como a batalha. O rapaz ainda esperou quase quinze minutos depois que tudo se silenciara antes de abrir a porta. A claridade fria da madrugada cegou-os por alguns instantes. Lily foi a primeira a deixar o armário. Suas pernas dormentes quase não suportaram o peso do próprio corpo e ela cambaleou antes de recuperar o equilíbrio.

James ajeitou os óculos, flexionando os braços para que o sangue voltasse a circular por eles. Enxugou o suor que lhe brotara na testa e, com a varinha em punho, aproximou-se do alçapão fechado, agachando-se. Lily piscou os olhos confusa por alguns instantes antes de perceber o que ele estava fazendo.

- Aonde você vai? - ela perguntou exasperada antes que ele abrisse o alçapão.

- Eu preciso ver se estamos seguros. - ele respondeu, paciente.

Lily atravessou o quarto a passos largos, interpondo-se entre ele e a passagem.

- Você não vai sair daqui.

- Lily... - ele começou, passando as mãos pelo cabelo.

- Não se atreva. - ela murmurou ameaçadoramente quando ele se aproximou.

James suspirou.

- Lils, eu preciso...

Ele não pode continuar porque ela praticamente jogou-se em cima dele, beijando-o apaixonadamente. James afastou-se dela, ofegante.

- Li...

- Você não vai sair daqui. - ela o interrompeu novamente - Eu não vou deixar que você saia. EU-NÃO-VOU-DEIXAR.

E, sem aviso, ela voltou a puxá-lo para si, sentindo pequenas lágrimas formarem-se nos cantos dos seus olhos. Lily forçou-o a caminhar juntamente com ela, até que ambos caíssem sobre a cama. Ela sentiu as mãos dele se insinuarem dentro do robe que usava sobre a camisola, envolvendo sua cintura. Faria qualquer coisa para que ele não se arriscasse, para que ele ficasse ali com ela...

Ele separou-se dela por breves instantes, ajeitando-a na cama antes de voltar a beijá-la com sofreguidão. Lily fechou os olhos, tentando guardar cada sensação que os dedos de James dedilhando seu corpo lhe provocavam. Aquilo era loucura. A mais doce e deliciosa loucura que ela já fizera.

Quando o sol nasceu, encontrou os dois aninhados um contra o outro. Ele acariciou o rosto dela por alguns instantes, antes de roubar um beijo rápido dos lábios vermelhos.

- Eu juro que vou proteger você, Lils. Eu não vou te perder. Não vou deixar que você se afaste. - ele sussurrou meio rouco, enquanto acariciava os cabelos dela.

Lily sorriu, aconchegando-se nos braços dele, enquanto repousava o rosto sobre o peito do rapaz. Podia ouvir as batidas do coração dele, tranqüilas, como se murmurando eternidade.

- Isso é uma promessa? - ela perguntou, sem levantar a cabeça.

James a envolveu pela cintura, afastando-a de leve para, em seguida, deitar sobre ela. Lily o envolveu pelo pescoço, entreabrindo os lábios num breve suspiro, ao mesmo tempo em que fechava os olhos, esperando pelo beijo dele. Mas ela se surpreendeu ao sentir, em vez dos lábios mornos de James, algo macio e perfumado roçar seu rosto.

Uma rosa. Uma rosa rubra, escarlate de sangue, como aquele que fora derramado naquela noite.

- Eu te amo, Lily. - ele murmurou, com um sorriso terno.

Os olhos dele, tão próximos dos dela, afastaram qualquer temor de sua mente. Jamais se arrependeria da escolha que fizera naquele momento, para retê-lo no quarto. Incapaz de responder qualquer coisa, Lily apenas assentiu, antes de beijá-lo apaixonadamente.




Lily acordou com a cabeça doendo e o já conhecido gosto amargo nos lábios. Respirou fundo, abrindo os olhos, espantada com a claridade. Estaria morta? Aquele seria "o outro lado" do qual sua mãe costumava falar nas conversas junto à lareira, quando tentava lhe ensinar noções de religião?

Sorriu ao se lembrar da voz um tanto contrariada da mãe ao mesmo tempo em que se espreguiçava e afundava a cabeça no travesseiro macio.

"- Como assim você não vai à missa? Eles não têm culto aos domingos em Hogwarts?

Um suspiro resignado.

- Mamãe... A magia é a religião de Hogwarts..."


Um perfume conhecido invadiu seus sentidos quando ela se afundou ainda mais nos travesseiros. Ela sentou-se na cama, observando o lugar onde estava. Conhecia aquele quarto... Fora ali que tudo começara... Que ela se entregara de corpo e alma... James...

O lençol deslizou pelo tronco dela e Lily percebeu que estava só com a roupa íntima. Suspirou, enrolando-se no lençol e afastou o dossel da cama, levantando-se. E, sem grande surpresa, percebeu que tinha companhia.

James estava deitado desconfortavelmente em uma poltrona azul. Provavelmente, adormecera vigiando seu sono. Ela sorriu, aproximando-se dele. Estivera tão próxima de perdê-lo... E agora estavam ali, no mesmo quarto do sótão onde tinham dormido juntos pela primeira vez há quase quatro anos.

Ela ergueu a mão para tocá-lo, mas parou a mão no ar. Ele segurava algo entre os dedos... Uma rosa... Uma rosa seca...

Sentiu o coração se apertar. Porque fora tão cega por tantos anos? Ela o fizera sofrer e, por tabela, também sofrera. Ela fingira por tanto tempo que não se importava, que não o podia perdoar... Mas a ferida que ele lhe fizera naquela noite do baile já havia cicatrizado há muito.

Sorriu tristemente e abraçou a si mesma, observando a face adormecida dele. A sombra de um sorriso bailava nos lábios do rapaz. Com o que ele estaria sonhando? Com ela?

Lily meneou a cabeça e caminhou até o armário. Na fuga apressada que eles tinham feito após aquela noite do ataque a Godric's Hollow, ela deixara algumas roupas para trás. Com alguma sorte, talvez ainda estivessem ali.

O guarda-roupa estava vazio, exceto por um tecido brilhoso amarrotado e jogado no chão do armário. Ela sentiu o coração acelerar, puxando lentamente a roupa para si. A camisola de seda... A mesma que usara...

O que aquilo estava fazendo ali? Não se lembrava de... James... James deveria ter guardado a camisola...

Lentamente, ela se vestiu, amarrando o robe à cintura. O sol ainda não nascera por completo; era madrugada.

E ela estava viva. Assim como seu filho. Sabia que ele estava bem. Por mais incoerente que toda aquela situação fosse, por mais absurda a cena que ali se desenrolava, ela sabia que agora estava tudo bem. Não importava como ela deixara as masmorras de Voldemort ou como chegara até ali, ou o que James ainda fazia ao seu lado.

Com um sorriso, ela aproximou-se da janela. Abriu as cortinas, sentindo o vento gelado bater-lhe na face. Virou-se novamente para dentro do quarto e abriu o alçapão, recolhendo a escada que levava aos pisos inferiores da mansão. Apoiou-a, com algum esforço, na parede e subiu por ela, abrindo outro pequeno alçapão, que, dessa vez, levava ao teto.

Com um último olhar para James, ela sumiu pela passagem.

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