Sangue puro



Setembro - 1976

O banquete de abertura acabara de terminar. Aos poucos, os alunos seguiam para seus salões comunais, liderados pelos monitores.

Aquele corredor, entretanto, estava vazio, e os passos apressados dos dois ecoavam sinistramente pelas paredes de pedra, ecos tão furiosos quanto aqueles que os produziam.

- Ora, Evans, volte aqui! - ele ordenou, numa voz pretensamente madura.

- Potter, por Merlin, me deixe em paz! - ela pediu sem se voltar para ele.

James apenas sorriu, acelerando o passo até ultrapassá-la, parando e bloqueando a passagem da ruiva no processo.

- Por que está tão irritada, Evans?

- Não é da sua conta, Potter. - ela respondeu sem emoção - Agora pode, por favor, sair do caminho?

- É lógico que é da minha conta! - ele abriu ainda mais o sorriso - Você está assim desde a estação. Desde que descobriu que eu fui nomeado monitor-chefe. Está irritada porque vai ter que passar algum tempo mais ao meu lado. E acha que não vai conseguir resistir.

Lily bufou e tentou mais uma vez passar por ele, mas James novamente a impediu. Finalmente, perdendo o controle, ela tirou a varinha do bolso da capa e apontou para ele.

- Saia da minha frente AGORA! - ela gritou, sem se importar com a possibilidade de alguém encontrá-los.

James meneou a cabeça.

- Não vou sair até que você admita.

- Droga, Potter! - ela abaixou a varinha, o rosto contorcido numa careta de fúria - O mundo não gira ao seu redor. Minha vida não se restringe a discutir com você pelos corredores! Dane-se se você é monitor-chefe ou não; isso já era mais do que esperado, visto que você sempre foi primeiro aluno do colégio. E eu não dou um sicle por esse maldito cargo! Há outras coisas com que se importar, coisas que para você são mínimas, você com sua arrogância e com seu precioso sangue-puro!

Lily empurrou James do seu caminho, sem se importar em receber uma resposta. O rapaz observou aturdido a cabeleira ruiva sumir na esquina do corredor. O que diabos acontecera?

Silenciosamente, ele voltou para seu próprio salão comunal e encontrou uma pequena agitação no recinto. Procurou com os olhos os outros marotos. Peter, Remus e Sirius estavam sentados juntos a um dos janelões, conversando em voz baixa.

James aproximou-se decidido dos amigos e logo estava afundando na poltrona junto a Sirius.

- O que aconteceu por aqui? - ele perguntou curioso, ao que os outros três encararam-se furtivamente.

- Você não soube, Pontas? - Sirius perguntou, coçando a cabeça - Estava todo mundo comentando o que aconteceu quando embarcamos...

- Ele estava muito ocupado tentando mostrar o novo distintivo dele à Lily. - Remus respondeu pelo amigo.

- Mas o que aconteceu afinal? - James insistiu, observando as faces preocupadas deles.

- Mataram os Fawcett, Pontas. - Peter respondeu com a voz quase sumida - Toda a família. Incluindo...

- Incluindo Elise. A melhor amiga da Evans. - James concluiu, lembrando do encontro que tivera com a ruiva poucos instantes atrás.

"Há outras coisas com que se importar, coisas que para você são mínimas, você com sua arrogância e com seu precioso sangue-puro!"

As palavras de Lily ecoaram em sua mente, amargas, cheias de dor e de um certo tom de saudade. E ele fora um completo insensível, um idiota arrogante, como ela fizera questão de deixar bem claro.

Fechou os olhos, sentindo uma inexplicável melancolia. Não conhecera Elise Fawcett a ponto de chorar a morte dela, mas lembrava-se do sorriso calmo quando ela puxava Lily para longe dele a fim de evitar mais uma discussão.

"...com sua arrogância e com seu precioso sangue-puro..."

- Rapazes, eu vou dormir. - James murmurou, levantando-se.

Os outros assentiram e, lentamente, ele subiu as escadas para seu dormitório.

"...seu precioso sangue-puro..."




Ela se contorceu no chão, ainda abraçando protetoramente o próprio corpo. Aos poucos, os músculos voltaram a relaxar e ela sentiu o gosto de sangue na boca e uma pontada aguda de dor na língua. Cerrara tão fortemente os dentes para não gritar que acabara por se machucar ainda mais.

- Então, senhorita Evans... Está disposta a colaborar agora?

Lily não respondeu. Sequer olhou para o homem em pé a sua frente. Estava concentrando todas as suas energias em manter-se acordada, em controlar-se para não dar ao maldito o gosto de vê-la gritar.

Rolou para o lado pouco antes do pé dele chutar o vazio. Voldemort parecia estranhamente satisfeito em torturá-la pessoalmente. Como se sentisse um enorme prazer em assistir ao seu sofrimento.

- Vejo que não se decide... É realmente uma pena, senhorita Evans. Uma pena que tanta inteligência esteja presa a um sangue tão impuro...

- Por que? - ela se ouviu perguntar em um balbucio.

Voldemort pareceu se divertir a essa pergunta. Sentou-se em uma larga poltrona negra e encarou-a pensativo por alguns instantes.

- Há duas raças no mundo, senhorita Evans. Os bruxos e os trouxas. Os primeiro são claramente superiores. Como tal, eles devem comandar. Os trouxas, os sangue-ruins obedecem. Nós dominamos, vocês são subjugados - nós vivemos, vocês morrem. Eu represento a raça pura, senhorita Evans. O sangue de Slytherin corre em minhas veias. Ele me deixou um legado. Um legado que minha família não foi capaz de proteger. Sou herdeiro de uma linhagem nobre, uma linhagem que jamais deveria ter perecido.

- Então, quando você morrer... - ela se esforçou para articular as palavras.

Voldemort sorriu e os olhos vermelhos dele brilharam na escuridão.

- Eu não vou morrer. Sou eterno. Eterno como o nome de meu antepassado.

- Você é humano. Nasceu de uma mulher humana, de um pai humano. Todos eles morrem um dia. Também será assim com você. - ela respondeu - Ninguém é eterno. Eu posso morrer daqui a alguns instantes. Posso sofrer, posso perder...

Lily respirou fundo e o homem estreitou os olhos, observando-a curioso.

- Sim, entendo agora... Minha mãe era humana. Meu pai era humano. Mas eu não sou mais humano, senhorita Evans. O que nos faz humanos? A alma? Bem, posso lhe afirmar que não tenho uma. Não mais. Posso ter sido humano um dia, mas não o sou agora. Não há nada que eu precise temer. Ao contrário de você, que, embora não se importe com o que será feito da sua vida, sofre pela criança que carrega no ventre.

Voldemort se levantou e Lily encarou os olhos dele. Havia algo estranho naquele brilho vermelho inumano, como ele próprio fizera questão de frisar.

- Você luta para se manter viva. Não por você. Mas por ele. - ele sorriu amargo - Voltaremos a conversar algum dia, menina.

Ele apontou a varinha para ela mais uma vez. Lily fechou os olhos tão logo o feitiço a atingiu. A cabeça dela bateu pesadamente no chão. Todo o corpo dela parecia relaxado agora. Voldemort guardou a varinha, observando a moça desacordada.

- Você tem uma coragem que minha mãe não teve. - ele murmurou, antes de deixar o salão.

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