Aliança



James revirou-se na cama, observando o teto. Estava acontecendo tudo de novo. Exatamente da mesma forma. Exatamente pelo mesmo motivo.

Quando Lily simplesmente desaparecera naquela noite, depois da festa de formatura, ele chegara a se perguntar se não tinha errado. Se perguntara o quão torpe fora, quão idiota... Se perguntara o quanto ainda a amava...

O orgulho o impedira de assumir a culpa. O impedira de voltar a procurá-la. Por dois anos, ele simplesmente fingira que Lily Evans jamais passara pela sua vida. Ele se divertira com outras, sem jamais procurar se comprometer novamente. E, durante aquele tempo - disso ele tinha certeza - fora feliz. Feliz como o James Potter que era antes de conhecer a ruiva.

Então, ela voltara. A mesma face de anjo, o mesmo nariz arrebitado, a mesma petulância... E, sem que ele se questionasse sobre o que estava fazendo, viu-se novamente a tentar conquistar o sorriso de Lily para si. Nem por um instante ele pensara na razão de estar se jogando por livre e espontânea vontade no mesmo precipício em que já caíra no passado.

Ela também não procurara entender as razões que os levavam a se querer tanto. Como ele mesmo, não demorou para que Lily fosse subjugada pelo próprio desejo. E, durante algumas semanas, eles voltaram a ser os adolescentes apaixonados de dois anos atrás.

Quanto tempo mais teria durado aquela ilusão não fosse o ataque de Voldemort? Quanto tempo mais teria ao lado dela se não fosse aquele seu estúpido senso de proteção? Quanto tempo, se não tivesse se importado com ela, se não tivesse demonstrado sua preocupação?

Lily se afastara e o magoara com o firme propósito de não se deixar envolver novamente. Ele sabia disso. Ela não o esquecera. Ela jamais o esquecera de verdade.

Sabia disso porque as duas últimas semanas tinham sido um inferno. Ele via claramente o quanto ainda a afetava. E o quanto ela o afetava. Lily se arrepiava a simples aproximação dele. Ele sentia calafrios sempre que a encontrava sozinha de manhã. Os olhares de ambos se encontravam freqüentemente, e logo se desencontravam, como se pretendessem que aquele contato fora apenas uma coincidência.

Aquilo tudo era loucura. Ele estava ficando louco. Completamente louco. E, como sempre, Lily era a culpada. Ela sempre tivera o dom de perturbar seu espírito. Como podia se livrar daquilo? Como podia se livrar daquele maldito sentimento?

Levantou-se, suado. Não havia como. Não havia como lutar, não havia como fugir, não havia como arrancar de si aqueles pensamentos. O que só lhe deixava uma opção.

E, trocando-se rapidamente, ele deixou o apartamento.




Dezembro - 1976

- Hei, vocês dois, arranjem um quarto, sim? - Sirius observou, bem humorado.

James imediatamente afastou-se da namorada, que quase perdeu o equilíbrio no processo. Encostando-se à parede para não cair, Lily apenas ergueu os olhos, tentando recobrar a respiração enquanto James sorria marotamente, arrepiando os cabelos já suficientemente bagunçados por ela própria.

- Sirius, se você não tiver uma boa explicação para quase me enfartar, eu juro que mato você. - Lily respondeu quando finalmente pode se controlar o suficiente para recobrar o equilíbrio.

- Enfartar? Não acho que você quisesse dizer isso, anjinho. Você não está com raiva pelo susto, mas pela interrupção. - Sirius sorriu.

Lily corou fortemente, bufando de raiva. Entendera perfeitamente a insinuação daquele cachorro, mas ele estava muito errado se acreditava que ela pudesse fazer aquilo, ainda por cima no meio de um corredor, onde qualquer um poderia encontrá-los.

James sorriu, embora estivesse se sentindo um tanto frustrado. Lily sempre conseguia fugir de qualquer tentativa de avanço que ele fizesse e, justamente quando ele conseguia pegá-la desprevenida... Sirius aparecia.

- Então, Almofadinhas, o que tem a dizer? - James perguntou, sério.

- Nada demais. Só queria lembrar a vocês que amanhã vamos viajar e as crianças não devem estar fora da cama a essa hora ou vão perder as carruagens.

Lily piscou os olhos, surpresa e James apenas cruzou os braços. Uma risada abafada veio do fim do corredor e, pouco depois, Remus apareceu.

- Não fiquem tão decepcionadas com a interrupção do tio Almofadinhas, crianças. - Remus piscou o olho, envolvendo Lily pelos ombros e começando a guiá-la pelo corredor, enquanto Sirius fazia o mesmo com James - Afinal, vocês vão passar todo o feriado juntos.

- Pois é. Terão a casa do Pontas todinha só pra vocês dois por uma semana! - Sirius continuou - E tenho certeza que encontrarão muitas formas de esquecer o tédio em que vão ficar até nossas ilustres presenças chegarem na véspera de natal.

- O fato de eu ter concordado em passar o Natal na casa do James não significa que vá acontecer qualquer coisa que as mentes sujas de vocês estão imaginando. - Lily respondeu, tentando não notar a maneira como seu rosto queimava de vergonha.

- Não mesmo? - James perguntou, desapontado.

A ruiva voltou-se para ele enquanto entravam no Salão Comunal e apenas revirou os olhos.

- Boa noite para vocês. - ela resmungou, antes de subir as escadas para seu dormitório.




A campainha soou estridente por todo o apartamento. Por alguns instantes, apenas o silêncio reinou, mas logo o som de passos apressados se dirigiu para a porta. A chave girou na fechadura, uma, duas, três vezes. E finalmente, a porta se abriu.

Os olhos verdes dela caíram sobre os seus, com espanto e, antes que ele pudesse dizer alguma coisa, ela desapareceu atrás da porta, tentando fechá-la, mas James a empurrou antes que pudesse batê-la na cara dele.

Lily abriu a boca, como se fosse perguntar alguma coisa, mas não chegou a sair nenhum som de sua garganta. James a beijara antes que pudesse pedir qualquer explicação, qualquer desculpa ou razão. Qualquer pensamento racional desapareceu no exato instante em que ele a encostou contra a parede, segurando-a firmemente pela coxa até que não houvesse espaço entre seus corpos.

A mão dele se insinuou por debaixo da camisa, logo encontrado o fecho do sutiã. Finalmente ele despregou os lábios dos dela, deixando que ela voltasse a respirar - embora ela não se lembrasse de ter segurado a respiração enquanto ele a beijava.

Os dois se encararam em silêncio, ambas as respirações aceleradas, descompassadas, desencontradas. Ela não se lembrava de ter visto aquele brilho nos olhos dele antes - tanto desespero, tanta necessidade, tanta fome. A blusa que ela usava caiu no chão com um suave farfalhar e ele estreitou os olhos, observando-a com atenção antes mergulhar o rosto no pescoço dela.

Lily sentiu-se trêmula ao perceber a respiração quente dele junto ao seu ombro. Lentamente, ele beijou o colo dela, depois os ombros, depois o pescoço, estendendo a tortuosa espera dos dois.

- Eu quero me casar com você, ruiva. - ele murmurou baixinho junto ao ouvido dela - Estou cansado de viver sem você.

Ela piscou os olhos lacrimosos e logo se viu encarando-o novamente. Com cuidado, Lily retirou os óculos dele, percorrendo com as pontas dos dedos as curvas da maçã do rosto do moreno. James fechou os olhos e ela o envolveu pelo pescoço, se aproximando e sentindo o gosto salgado da lágrima que escapara de seus próprios olhos.

Dessa vez ele pode perceber nela o mesmo desespero que o queimava por dentro. A mesma vontade de se desvanecer dentro daquele beijo, de esquecer do mundo, da vida, de todo o resto.

Por fim, voltaram a se separar. Lily o empurrou de leve, fazendo com que ele a deixasse em pé novamente.

- Lily... - James pediu em voz baixa.

Ela sorriu, secando os olhos e voltando a se aproximar. A camisa dele logo se juntou a dela no chão, permitindo que suas peles pudessem se tocar. Lily voltou a envolvê-lo pelo pescoço, trazendo-o novamente para perto de si, acariciando sua nuca pouco antes de beijá-lo novamente.

James a estreitou contra si, fechando os braços ao redor da cintura dela, como se temesse que ela lhe fosse arrebatada ou fugisse. Poucos instantes depois, estavam no quarto dela. Lily o puxou para cama, caindo por cima dele.

- Diga que se importa. - ela sussurrou em tom urgente, encostando a testa a dele - Diga que isso significa tanto para você quanto significa pra mim.

Ele sorriu, invertendo as posições, observando os cabelos dela caírem como uma manta sobre os travesseiros, enquanto os olhos dela refletiam o pálido brilho do luar lá fora.

- Eu amo você, Lily. - ele respondeu simplesmente, sorrindo.

Ela apenas assentiu, finalmente abandonando-se completamente aos braços dele.




Ele girou a chave na fechadura, observando o sol que entrava sorrateiro pela janela, iluminando a pequena e bem organizada sala. Sorriu, apalpando o bolso do sobretudo.

Acordara muito cedo aquele dia, apesar de ter passado quase toda a noite... ocupado. Lily estava dormindo, a cabeça apoiada em seu ombro, com a mão dele abraçando-a protetoramente pela cintura. Com cuidado, ele a deixara na cama, recuperando as roupas que abandonara na sala na noite anterior e deixando o apartamento antes que ela tivesse acordado.

Só se lembrara de deixar um bilhete para ela quando já estava no meio do caminho. Em sua ansiedade, no entanto, ele continuou seu caminho, as mãos aquecidas dentro dos bolsos, disposto a terminar aquilo antes que ela acordasse.

Olhou para o relógio. Oito horas. Como sempre. As lojas começavam a abrir no centro de Londres e, quando ele chegou ao seu destino, suspirou aliviado ao perceber que não precisaria esperar.

A pequena joalheria estava encastelada naquele lugar desde antes de a rua tornar-se uma das mais movimentadas da cidade. Eram poucos aqueles que realmente paravam para admirar os objetos expostos na vitrine. James, no entanto, a freqüentava desde pequeno. Muitas vezes visitara o velho Montmartre com o pai à busca de presentes para a senhora Potter.

Um sininho tocou quando ele abriu a porta, passando por ela e logo o dono da loja apareceu em pessoa. Os óculos fundo de garrafa sobre os olhos negros, o cabelo grisalho e o estranho cavanhaque faziam dele uma figura, no mínimo, excêntrica. Mas James não estava ali para pensar sobre a aparência do velho.

- Senhor Potter! - Montmartre sorriu, aproximando-se - Há muitos anos que não o vejo. O que faz por aqui?

- Eu quero comprar uma jóia. - James sorriu, aproximando-se do balcão - Uma aliança.

- Uma aliança? O senhor vai... - ao ver o semblante sério do rapaz, Montmartre apenas assentiu - Tem alguma idéia de como ela deve ser?

James meneou a cabeça e o velho joalheiro abriu alguns armários, depositando várias pequenas caixinhas sobre o balcão e revelando aos olhos de seu cliente dezenas de delicadas alianças. O moreno as observou com curiosidade por alguns instantes antes de sorrir, puxando uma das caixinhas para si.

Havia uma delicada pérola incrustada no aro dourado, rodeada por pequeninos brilhantes. Ele observou o anel com cuidado antes de devolvê-lo à caixinha e entregá-lo para Montmartre.

- Vou dar uma ordem de pagamento ao Gringotes. Pode me trazer uma pena?

Meia hora depois, estava de volta à casa de Lily, observando o sol que se infiltrava pela janela. Respirando fundo, ele se dirigiu ao quarto dela.

Os cabelos vermelhos estavam embaraçados, caindo grudados ao longo do roupão azul. O perfume dela impregnava o quarto, atestando que ela recém saíra do banho. James sentiu vontade de jogá-la novamente na cama, mas controlou-se, tirando do bolso a caixinha que encerrava seu presente e depositando-a sobre o colchão.

- Eu não vou pedir duas vezes. - ele sussurrou - Não vou implorar, nem me humilhar de novo. Eu estou cansado de assistir você negar o que sente e o que eu sinto. Estou cansado de sentir você tentando esquecer o que existe entre nós. Cansado de vê-la fugir de mim quando obviamente me ama tanto quanto eu te amo.

Ela mordeu os lábios, observando a caixinha entreaberta e se aproximando. James a observou parar diante dele por alguns instantes e, em seguida, levantou o rosto dela, delicadamente, lendo naquele olhar uma dúvida silenciosa. Sorriu quase imperceptivelmente.

- Não escolhemos as pessoas que queremos amar. - ele murmurou - Eu poderia ter qualquer uma aos meus pés. Você era a única que me era indiferente. E foi justamente por você que eu fui me apaixonar. Eu sei que já machuquei você, assim como você me machucou. Dizem que Deus gosta de jogar dados com o universo. Eu acho que ele está se divertindo muito com nós dois.

Ela sorriu de leve, brincando com a aliança por entre as mãos.

- E mesmo sabendo quem eu sou, você quer se arriscar. - ela respondeu - Pensei que era eu quem devia vir com manual de instruções... Eu não entendo você.

- Seria covardia fugir sem ter tentado.

- Como eu fugi. - ela retrucou, sem olhar para ele.

Ele se ajoelhou ao lado dela, olhando-a sério.

- Lils... Eu só quero uma chance de provar que podemos ficar juntos.

A aliança escorregou por entre as mãos dela, encaixando-se com perfeição no anular dela. Lily se levantou, encarando-o com altivez.

- Você está assumindo um risco que vai contra todas as probabilidades. Sabe que não vai dar certo e mesmo assim...

- Só não vai dar certo se você não quiser. - ele respondeu levantando-se - Você sabe que eu não sou mais a mesma pessoa que você conheceu... Lily, eu só vou perguntar uma vez... Você quer casar comigo?

Ela olhou para a aliança em seu dedo e para os olhos escuros do rapaz em pé a sua frente. Respirando fundo, ela tirou a aliança, entregando-a de volta à caixinha.

- Eu sinto muito, James. Eu não posso arriscar.

James sentiu o próprio coração dar uma volta inteira dentro do peito. Segurou a vontade de gritar com ela, de acusá-la de tê-lo usado, de dizer o quão cruel ela estava sendo. Mas conteve-se. O olhar que ela lhe lançou o fez se conter. Um olhar cheio de mágoa e ternura e alguma coisa mais que ele não saberia nomear.

- Essa é sua última palavra? - ele ainda se ouviu perguntar, um nó na garganta.

Lily apenas assentiu com a cabeça, sem encará-lo. Respirando fundo, ele deu as costas a ela.

- Até amanhã, Evans. - ele frisou o sobrenome dela, deixando o apartamento.

Quando já estava na rua, ele encarou o céu azul sobre ele. O que faltara para que pudesse ser feliz?

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.