Castelos de Areia



Apesar da brisa marítima que soprava, a noite estava quente. Susan tirou uma presilha do bolso, prendendo os cabelos negros desleixadamente, enquanto seus olhos se prendiam na entrada do bar onde seus primos tinham acabado de entrar. Ao lado dela, Milano sorriu.

- Está com medo de entrar, bruxinha?

A morena apenas sorriu.

- Apenas na sua imaginação.

Ela respirou fundo e seguiu o primo para dentro do bar. Suas amigas já se encontravam confortavelmente instaladas em uma mesa próxima ao palco enevoado. A voz doce de uma mulher cantava em italiano canções de amor, enquanto alguns casais tomavam conta da pista. Ela sentou-se entre Lílian e Gabriel e observou a cantora e o rapaz que estava ao piano. E sorriu.

Mi dispiace devo andare via
Ma sapevo che era una bugia
Quanto tempo perso dietro a lui
Che promette e poi non cambia mai
Strani amori mettono nei guai
Ma, in realtà, siamo noi

E lo aspetti ad un telefono
Litigando che sai libero con il cuore nel lo stomaco
Un gomitolo nell’angolo
Lì da solo, dentro un brivido
Ma perché lui non c’è


Lílian fechou os olhos, tamborilando os dedos ao ritmo da música. Estava completamente mergulhada em seus próprios pensamentos quando sentiu alguém lhe pousar a mão no ombro. Lentamente, ela reabriu os olhos, e estava pronta para soltar um "dá o fora, Potter" quando se deparou com os olhos claros de Júlio, um dos primos da amiga.

Sem perceber, ela estreitou os olhos. Porque raios pensara no maroto?

- Você quer dançar? – Júlio perguntou com um meio sorriso.

Ela olhou a mesa, surpreendendo-se ao perceber que nenhuma das meninas estava lá. Todas já se encontravam na pista. Estreitou ainda mais os olhos. Como pudera estar tão desligada?

Sorriu novamente, levantando-se e estendendo a mão a ele.

- Eu só acho que você vai se arrepender desse convite. Eu não sei dançar muito bem.

- Engraçado... Todas as meninas disseram isso. – Júlio gargalhou de leve – Vocês nunca tiveram aula de dança na escola?

Lílian meneou a cabeça enquanto deixava que ele a guiasse.

- Vocês têm aula de dança aqui? – ela perguntou curiosa.

- Desde pequenos. Faz parte das tradições de família aprender a tarantela. E, para aprender a tarantela, temos que aprender o básico antes.

- Interessante isso... – a ruiva observou, enquanto ele a envolvia pela cintura e começava a dançar.

- Não olhe para seus pés. – ele advertiu quando ela abaixou a cabeça – Apenas sinta a música. Será mais fácil se você apenas me seguir. Com o tempo, você vai pegando prática.

Ela assentiu em silêncio e ele sorriu em resposta.

E sono strani amori che
Fanno crescere e sorridere
Fra le lacrime

Quante pagine lì da scrivere
Sogni e lividi da dividere
Sono amori che spesso a questa età
Si confondono dentro a quest’anima
Che si interroga senza decidere
Se è un amore che va per noi


Valentim rodopiou com a prima, arrancando um sorriso de Susan.

- Você está tentando me fazer cair?

Ele sorriu candidamente.

- Eu? Eu sou um santo, minha cara priminha.

Ela meneou a cabeça e sua atenção voltou-se para o casal que estava no palco. O irmão mais velho de Valentim e a esposa dele, Laura.

- Eu não sabia que Magno e Laura estavam esperando um filho. Porque ninguém me avisou? – ela perguntou, voltando a atenção para Valentim.

- Você já pensou na possibilidade de que estava tão nas nuvens quando chegou que não prestou muita atenção no que minha mãe disse naquele jantar de boas vindas?

Susan piscou os olhos, confusa.

- Tia Nice falou? Eu não me lembro...

- Você está mais aérea que o normal, bruxinha... O que aconteceu? – Valentim perguntou sério.

A morena suspirou. Apesar de todos os seus primos parecerem irresistíveis conquistadores à primeira vista, ela tinha a todos como irmãos. E eles sentiam o mesmo por ela.

- Bem... Digamos que exista um garoto... – ela fechou os olhos – E que esse garoto seja um projeto de Don Juan...

- E nossa pequena Susan está apaixonada pelo projeto de Don Juan. – Valentim completou – Vocês são amigos?

Ela assentiu com um sorriso triste. Valentim suspirou, estreitando-a um pouco mais nos braços, como se quisesse protegê-la.

- Acho que, infelizmente, não posso fazer nada. Só posso rezar para que você não se magoe, bruxinha.

E quante notte perse a piangere
Rileggendo quelle lettere
Che non riesci più a buttare via
Dal labirinto della nostalgia
Grandi amori che finiscono
Ma perché restano nel cuore

Strani amori che vanno e vengono
Nei pensieri che lì nascondono
Storie vere che ci appartengono
Ma si lasciano come noi


Emelina fechou os olhos, inalando o perfume almiscarado de Milano. Ela observou as outras amigas dançando. Lílian e Júlio conversavam e a ruiva parecia estar se divertindo muito com os comentários do rapaz.

Susan também conversava com Valentim, mas ela não parecia tão alegre quanto Lílian. Milano também olhava para a prima, curioso.

- Você sabe se aconteceu alguma coisa com a Su? – ele perguntou após alguns instantes.

Ela meneou a cabeça, embora os olhares que Susan trocara com o “sultão Sirius” na magia de Lílian lhe dissessem que acontecera sim, e ela sabia exatamente o que era.

Strani amori fragili
Prigionieri, liberi
Strani amori mettono nei guai
Ma, in realtà, siamo noi

Strani amori fragili
Prigionieri, liberi
Strani amori che non sanno vivere
E si perdono dentro noi
Mi dispiace devo andare via
Questa volta l’ho promesso a me
Perché ho voglia di un amore vero
Senza te


A música terminou e Júlio puxou Lílian para perto do palco.

- Espere só um instante que eu vou providenciar a tarantela.

- Mas, Júlio, eu estava brincando...

Ele meneou a cabeça, sorrindo.

- Agora não há mais volta. Apenas a primeira palavra conta, senhorita Evans, e você quer aprender a tarantela. Eu vejo nos seus olhos.

Lílian riu e ele pulou para cima do palco, conversando alguma coisa com Laura e Magno antes de puxar o microfone para si.

- Pessoal, esta noite temos aqui entre nós nossa prima, diretamente importada da Inglaterra e algumas amigas dela. Eu proponho mostrarmos a elas algumas de nossas tradições. Como, por exemplo... A Tarantela!

Palmas soaram por todo o bar enquanto Júlio devolvia o microfone para Laura. A moça levantou-se, sem se incomodar com a barriguinha já proeminente da gravidez, e sorriu.

- Penso então que, antes de começarmos, precisamos de um pouco de História aqui...

- Aparentemente, todos os membros da família Matteotti gostam de um pouco de mofo, não? – alguém observou entre os convivas, arrancando gargalhadas de todos.
- Música e História. É uma bela combinação. – Laura sorriu – Antes que a música comece, permitam-me explicar para nossas convidadas a história da nossa tarantela.

Alice, que a esta altura estava tão vermelha quanto Lílian costumava ficar quando brigava com Tiago, voltou-se para Selene, parada ao seu lado.

- Eles tinham que chamar a atenção de todo mundo para a gente? – ela perguntou, tentando ignorar a quantidade de olhares que relanceava nelas.

Selene apenas sorriu em resposta, prestando atenção no que Laura dizia.

- Conta-se que no século XIV, na Europa, mais precisamente em regiões do sul da nossa Itália, havia muitas aranhas denominadas tarântulas. A picada dessa aranha causa febre alta e delírio, fazendo o doente pular e dançar até esgotar-se, na tentativa de expulsar completamente do corpo o mal produzido pelo veneno da aranha. Diz a lenda que para o doente sobreviver à picada teria que dançar ao ritmo da música Tarantela, surgindo assim a nossa dança.

- E depois dizem que os bruxos são doidos... – Emelina observou para Milano – Vocês dançavam para tirar o veneno da aranha do corpo?

- Bem... – ele riu – Na época, os nossos médicos eram conhecidos como bruxos. Tem certeza que a maluquice não vem do seu ramo?

Emelina riu, cruzando os braços, enquanto uma música alegre começava a preencher o salão do bar.

Aissera, Nanninè, me ne sagliette, tu saje addo'? (Tu saje addo'?)
Addo' 'stu core 'ngrato cchiu' dispietto, farme nun po'! (Farme nun po'!)
Addo' lo fuoco coce, ma si fuie, te lassa sta! (Te lassa sta!)
E nun te corre appriesso, nun te struie, sulo a guarda'! (Sulo a guarda'!)


Valentim puxou Susan para o centro da roda que se formara aos primeiros acordes da tarantela. Apesar de extremamente vermelha, ela seguiu os passos do primo e logo dançava com desenvoltura, balançando a saia enquanto erguia os braços, rodopiando junto a ele.

- Não é muito difícil. – Júlio observou para Lílian, que olhava o “show” da amiga de boca aberta – Vamos para o meio também.

Ela meneou a cabeça, observando-o surpresa.

- Eu não vou me meter no meio da roda.

- Ah, vai sim.

E antes que ela pudesse protestar, ele a puxou para junto de Susan e Valentim. Lílian observou parada por alguns instantes o rapaz começar a dançar ao seu redor, até dar um grande suspiro e começar a repetir os movimentos que Júlio fazia.

Jammo, jammo, 'ncoppa jammo ja',
Jammo, jammo, 'ncoppa jammo ja'.
Funiculí - funiculá, funiculí - funiculá,
'Ncoppa jammo ja', funiculí - funiculá.


Emelina riu, observando as duas amigas dançarem na roda. Susan parecia mais à vontade depois de alguns minutos e Lílian, embora ainda estivesse corada, já começava a arriscar alguns passos mais difíceis que Júlio lhe mostrava.

- Então... Pretende ficar fora da diversão, senhorita? – Milano perguntou ao lado dela, divertido.

Ela voltou-se para ele, tirando uma mecha dos cabelos dourados de cima do rosto.

- Você não está querendo que nos enfiemos aí dentro, não é? – ela perguntou, apontando para a roda.

Ele sorriu em resposta e começou a puxá-la.

- A dança é em homenagem a vocês. Nada mais justo que participem dela!

- Eu posso argumentar que tenho fobia social? – Emelina perguntou antes de parar ao lado de Susan e Lílian.

- Não, senhora. – ele respondeu, rindo.

Se n' 'e' sagliuta, oi' ne', se n' 'e' sagliuta, la capa già! (La capa già!)
E' gghiuta, po' e' turnata, po' e' venuta, sta sempe cca'!(Sta sempe cca'!)
La capa vota, vota, attuorno, attuorno, attuorno a te! (Attuorno a te!)
Sto core canta sempe nu taluorno,sposammo,oi' ne'!(Sposammo,oi' ne'!)


- Vocês pretendem ficar aqui a noite toda? – Gabriel perguntou para Alice, que se segurava firmemente a Selene, tentando pensar em algum feitiço que pudesse pregá-la ao chão.

- Hum... Eu posso? – Alice perguntou em resposta.

Selene soltou a amiga, aceitando a mão que César estendera a ela.

- Eu não vim aqui para ficar só olhando. – ela voltou-se para Alice – Afinal de contas, você é uma grifinória ou não? Honre a casa dos leões, minha cara!

Alice suspirou.

- Eu acho que preferia enfrentar um trasgo...

Selene sorriu, ajudando Gabriel a puxar Alice.

- E vamos à tarantela!!!

Jammo, jammo, 'ncoppa jammo ja',
jammo, jammo, 'ncoppa jammo ja'.
Funiculí - funiculá, funiculí - funiculá!


O dia já amanhecia quando eles deixaram o bar, caminhando na orla da praia para voltar à quinta dos Matteotti. Todos tinham tirado os sapatos, aproveitando a água morna nas primeiras horas da manhã.

- Eu vou sentir muita saudade dessas férias... - Emelina disse após alguns instantes, observando o sol, que parecia uma enorme bola de fogo sobre o Mediterrâneo.

- Todas vamos sentir. - Alice respondeu, ao mesmo tempo em que tentava controlar um bocejo - Acho que nunca me diverti tanto.

Uma gargalhada divertida soou na praia quase deserta.

- Não se despeçam ainda, meninas. - Milano observou com um sorriso - Ou se esqueceram do que lhes espera amanhã?

Susan e Emelina empalideceram, enquanto Lílian corava imensamente. Alice apenas bocejou, sonolenta demais para processar a informação que acabara de receber e Selene abriu um sorriso nervoso.

- Eu quase tinha me esquecido disso... - Susan observou em voz baixa, ao mesmo tempo em que engolia em seco - Nós precisamos ensaiar.

- Receio que a essas alturas já seja tarde demais para ensaios... - César observou - Você têm pelo menos uma idéia do que vão tocar amanhã?

Emelina meneou a cabeça, mordendo os lábios. Lílian suspirou.

- Acho que podemos pelo menos estabelecer uma pequena divisão... Mel, como você tem se saído bem no piano, pode tocá-lo. Eu fico nos vocais. Susan pode tocar violão, já que é a especialidade dela.

- Ei, quem disse que eu sou especialista? - a moreninha perguntou, cruzando os braços - Eu vou me esconder no sótão e só saio de lá na hora de ir para o aeroporto.

- Deixa de drama, Su. - Valentim respondeu à prima.

- Alice pode ficar na flauta doce. Não é um instrumento muito difícil e ela já o domina razoavelmente. - Lílian continuou.

- Adoro quando Lílian toma as rédeas da situação... Ela é tão perfeitamente racional... - Selene observou.

- E você pode ficar na bateria. - Lílian se virou para a amiga, com um meio sorriso.

- Você só se esqueceu de um detalhe, ruivinha. - Júlio interrompeu a garota - O mais importante. Que música vocês vão tocar? Não são todas as canções que conseguem misturar esses instrumentos com harmonia.

- Isso é o de menos. - Susan respondeu pela amiga - A gente escolhe alguma música hoje de tarde. Agora, tudo o que eu preciso é da minha cama.

Os garotos sorriram, meneando a cabeça. Conheciam aqueles argumentos muito bem - tinham incorrido no mesmo erro quando fora a vez deles de se apresentar para a família. Mas se elas queriam deixar tudo para última hora, quem poderia culpá-las? Estavam de férias, tinham mais que aproveitar mesmo.

Naquele dia, o almoço foi servido tarde. O sol já quase desaparecia no horizonte quando elas afinal se reuniram no estúdio para combinarem sobre o que fariam no dia seguinte.

- Será que não podemos arrumar nossas malas e fugir para o aeroporto e acampar lá até amanhã de noite? - Susan perguntou com uma careta, após pesquisar algumas partituras da coleção de seu avô.

- Alguém já lhe disse que você fica muito rabugenta quando não dorme direito, Susan? – Selene perguntou, deixando-se afundar numa cadeira.

- Acho que podíamos tocar algo mais clássico... Um pouco de jazz... – Lílian refletiu, observando as partituras que a amiga passava para ela – Algo como Sinatra ou Cole Porter...

- Potter? Está pensando no Tiago, Lily? – Emelina perguntou com um sorriso malicioso.

- Porter, Emelina, PORTER, não Potter. Cole Porter foi uma grande letrista e compositora. Autora de pérolas como “Night and day”, “Begin the Beguine”…

- Poupe-nos da história dela, Lily. – Susan resmungou, bocejando – Eu preciso urgentemente dormir.

- Só depois que acabarmos aqui. – Alice sentenciou – Não podemos deixar para escolher a música na hora de tocar.

Lílian baixou a cabeça, escondendo-a junto às teclas do piano. Ela respirou fundo e deixou seus dedos encontrarem as teclas, arrancando delas um som alegre. Susan mordeu os lábios e voltou-se para a ruiva.

- Você tocou isso naquele dia...

Lílian levantou a cabeça.

- We are family. Porque?

- Acho que encontramos nossa música. – Susan levantou-se – Meninas, vamos ensaiar!

- Você não estava com sono? – Selene perguntou ao ver a amiga se levantar de um salto.

Susan deu de ombros.

- Temos um show para apresentar amanhã. Vamos fazer isso logo.

As outras assentiram e logo estavam todas em seus instrumentos. Lílian deu lugar a Emelina no piano e puxou o microfone para si.

- We are family
I got all my sisters with me
We are family
Get up everybody and sing!


Genaro sorriu quando as garotas subiram ao palco. Elas pareciam cansadas e extremamente nervosas. Passando pelo fato de que tinham passado a noite anterior praticamente toda no estúdio, ensaiando para aquela apresentação, ele não se surpreendia com o estado delas.

Susan sentou-se num banquinho, abraçando o violão. O velho senhor sorriu. Apesar de sua vista cansada e da distância, podia ver claramente a maneira como a neta tremia.

A casa estava cheia. Todos os filhos de Dom Genaro e Lavina estavam lá. Nice, com Salvatore; Virgília, a mãe de César e Júlio, com o esposo Pietro; Lívia com Antony, Gabriel e Debora; Marco e Agatha; Mário sem sua sisuda batina negra; Catarina com o marido Andrea e os caçulas da família Francesco e Lorena e, finalmente, Raul e Angela, juntamente com o pequeno Augusto.

Ele adorava ter a família toda reunida em volta de uma mesa tipicamente italiana. Capelletti, brushetta, carpaccio, risotto, spaghetti, massas de todos os estilos e a tradicional polenta – tudo estava lá. Os pratos iam e vinham enquanto o som de conversas alegres enchia todo o jardim.

Voltou a atenção para as garotas, notando que seus netos também estavam muito atentos a elas. Susan não estava conseguindo controlar sua tremedeira. Ao lado dele, Marco levantou-se, observando a filha.

- Acho que ela precisa de uma pequena ajuda... – Marco sorriu para o pai e a esposa, encaminhando-se para cima do palco improvisado.

Enquanto isso, Alice olhava desoladamente para a flauta doce em suas mãos, Emelina sentava-se pesadamente ao piano, Selene brincava nervosa com as baquetas da bateria e Lílian arrumava o microfone para si.

- Susan, você está bem?

Every one can see we’re together
As we walk on by
And we fly just like birds of a feather
I won’t tell no lie
All of the people around us they say…


Susan voltou-se para o pai no mesmo instante em que as baquetas de Selene escapavam das mãos da moça, parecendo ter ganhado vida própria.

- Pai, eu não...

- CUIDADO!!! – Selene gritou, pulando de seu banquinho e quase derrubando a bateria.

Marco virou-se no exato instante em que as baquetas, enlouquecidas, avançavam para cima dele.

- Mas o que diabos...

Ao mesmo tempo em que as baquetas começavam a chocar-se contra a cabeça de um aturdido Marco, Alice afinal levava a delicada flauta aos lábios.

- FFFFFFFFFFFFFFFFFFF...

No mesmo instante, todos pararam o que estava fazendo para taparem os ouvidos, enquanto Alice parecia desesperada, com metade da flauta dentro da boca.

- FFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFF... FFFF... FFFFF...

Can they be that close
Just let me state for the Record
We’re giving love in a family dose


Lílian correu para a amiga enquanto Marco fugia das baquetas de Selene, que ia atrás dele, desesperada. Susan apenas observava em silêncio o violão, agora abandonado aos seus pés.

Nesse instante, Emelina, que parecia ter entrado em transe, começou a tocar o piano.

- Emelina, me ajuda aqui! – Lílian gritou, tentando desentalar a flauta da garganta de Alice, que tinha o rosto lavado por grossas lágrimas e começava a ficar roxa.

A loira continuou a tocar, sem se importar com o ruído ensurdecedor que saía da flauta. Milano e Júlio pularam para cima do palco, ainda tampando os ouvidos, enquanto Agatha, de varinha em punho, corria atrás do marido e de Selene, sendo seguida pelas crianças da família, que pareciam estar se divertindo muito com aquilo.

We are family
I got all my sisters with me
We are family
Get up everybody and sing!


Júlio segurou Alice pelos braços, forçando-os para trás, enquanto Milano afinal tirava a flauta dos lábios dela, deixando que a garota voltasse a respirar. Ao mesmo tempo, Agatha finalmente conseguiu enfeitiçar as baquetas, fazendo com que elas caíssem inertes no chão.

Living life is fun and we've just begun
To get our share of the world's delights
High hopes we have for the future
And our goal's in sight
No we don't get depressed
Here's what we call our golden rule
Have faith in you and the things you do
You won't go wrong, oh no
This is our family Jewel, yeah!


Genaro sorriu, enquanto Emelina continuava a tocar furiosamente. Lílian estava sentada no chão, tentando acalmar Alice, cantarolando para ela uma música totalmente diferente da que era tocada. Selene estava saltitando ao redor de Marco, pedindo desculpas. E Susan respirava fundo, enquanto fazia caretas.

We are family
I got all my sisters with me
We are family
Get up everybody and sing!


- Acha que algum dia elas vão se recuperar disso? – Lavina perguntou ao marido com um sorriso, enquanto as meninas afastavam Emelina à força do piano.

- Com toda certeza. Afinal, minha mãe já dizia... Amanhã será um novo dia...




- Aquilo foi realmente muito ridículo... E inesquecível... – Lílian resmungou, enquanto erguia mais uma torre.

- Lily, você não acha que esse castelo já tem torres demais? – Emelina perguntou, observando a obra que elas estavam empreendendo desde que tinham deixado a água.

Aquelas eram as últimas horas delas na Itália. Estavam em seu último banho de mar antes de se prepararem para seguir até o aeroporto.

Susan desenhou mais uma janela para, em seguida, levantar-se e se afastar a fim de contemplar seu trabalho.

- Belo castelo. – Gabriel observou.

- É Hogwarts. – Selene sorriu, orgulhosa.

Lílian cavoucou com o pé um pequeno buraco e enfiou um raminho de palmeira ao lado dele.

- O Lago e o Salgueiro Lutador. – ela anunciou – Está pronto.

Nesse instante, Agatha aproximou-se delas, vindo do caminho de pedras que deixava a quinta dos Matteotti.

- Meninas, vão se aprontar. Vamos deixá-las no aeroporto.

Com um suspiro profundo, as cinco amigas se ergueram, e foram seguidas pelos primos e pela mãe de Susan. Duas horas depois, estavam todos na van de Agatha. Dom Genaro foi o último a se aproximar na despedida, quando todas já estavam dentro do carro.

- Espero vê-las novamente, meninas. – ele sorriu – Nossa casa estará sempre aberta para vocês.

Elas sorriram, assentindo. Mais uma hora de viagem e estavam no aeroporto. Lílian fez Alice, Emelina e Selene se afastarem para que Susan pudesse se despedir dos pais e pouco depois estavam embarcando.

O avião decolou com alguns poucos minutos de atraso. Susan observou pela janela sua terra distanciar-se cada vez mais, até que pudesse divisar entre as nuvens apenas o brilho escuro do mar. A maré estava enchendo. Em breve, a praia onde tinham passado agradáveis dias estaria sob a água. E o castelo que tinham construído juntas desabaria sob a ação do vento e do oceano.

Mesmo assim, ela sorriu. Tinha certeza que um dia, estariam de volta aos risos, às palhaçadas, às alegrias, às confissões... Todos juntos. E então construiriam muitos outros castelos de areia, tantos quanto eram os sonhos deles. Susan virou-se ao sentir o peso da cabeça de Lílian sobre o ombro. A ruiva acabara por adormecer. Ajeitou delicadamente a amiga e voltou-se novamente para a janela.

Seriam todos felizes. Mal podia esperar pelo futuro...

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