Noites das Arábias



O sol penetrou sorrateiramente pela cortina entreaberta. Lentamente, ela se mexeu sob os lençóis, colocando primeiro a perna direita sobre o chão, em seguida, a perna esquerda e, por fim, içando todo o corpo para cima, de modo a permanecer sentada na beirada da cama.

Lílian abriu os olhos devagar, espreguiçando-se de modo a sentir cada um de seus músculos se retesarem, soltando um suspiro ao se deparar com o belo dia que se anunciava lá fora.

Após um bocejo, ela se levantou, abrindo a cortina e a janela, deixando a brisa marítima da Sicília preencher o quarto. A ruiva sorriu. Sem dúvida alguma, um belo dia.

Meia hora depois ela deixou o quarto, terminando de colocar uma blusa sobre o biquíni azul. O primeiro andar do casarão estava silencioso, mas no térreo a cantoria de Dona Lavina denunciava que Lílian não fora a única a se levantar cedo.

- Bom dia minha jovem. - a voz sonora de Genaro soou atrás dela.

Lílian virou-se rapidamente, sorrindo para o avô da amiga.

- Bom dia, nonno.

- E então, como foi ontem no anfiteatro?

Ela suspirou, embora tivesse uma sombra de sorriso nos lábios. Desde que tinham chegado, há três semanas, o pai de Susan fazia questão de levá-las todas as noites ao anfiteatro, a fim de assistir luta livre. Podia entender afinal porque Susan tinha uma esquerda tão boa, fato que provara várias vezes enfrentando sonserinos idiotas que cruzavam seu caminho com alguma gracinha.

- Emelina se empolgou um pouco ontem... Ela agora quer aprender a lutar também.

Genaro sorriu.

- Sua amiga é um tanto irrequieta, não? Desde que chegou, ela já passou pela música, pela tarantela, pela cozinha, enfim, quis aprender de tudo um pouco.

- Mas só se interessou realmente pela música. Ela é assim mesmo. Como não tem certeza do que quer, sempre quer experimentar tudo para se decidir. Mas ela costuma se dedicar muito a tudo o que a interessa. Não é à toa que conseguiu resultados tão notáveis no estúdio. Emelina é o tipo de pessoa que sabe de tudo um pouco, uma especialista sem especialização.

- Você soube descrever sua amiga muito bem.

Lílian sorriu e Genaro empurrou uma porta entreaberta.

- Creio que ainda não tive tempo de apresentá-la a minha biblioteca. Sempre que estou com tempo livre, vocês saíram; sempre que vocês estão em casa, eu estou ocupado.

- Susan já fez as honras da casa. - Lílian respondeu, seguindo Genaro - Tem uma biblioteca respeitável, nonno. Eu encontrei várias obras raras aqui.

Ela parou diante de um livro antigo, de capa azul, com belas letras prateadas. Antes, entretanto, que pudesse tocá-lo, o velho senhor se interpôs.

- O Decamerão não é uma leitura adequada para sua idade, mocinha. Deixe Bocaccio para quando estiver mais velha.

Lílian assentiu, corando levemente.

- E que tal Os três mosqueteiros? - ela perguntou, desviando sua atenção para outro livro grosso, com letras douradas.

- Ah, esse é, sem dúvida, uma excelente leitura para sua idade. Mas você ainda não o tinha lido? Se bem me lembro, Dumas estava na sua lista de autores favoritos.

A ruiva deu de ombros, sorrindo.

- Dumas é o tipo de escritor que sempre gostamos de reler várias e várias vezes.

Genaro riu e entregou o volume para ela. Antes, porém, que ela pudesse abri-lo, soaram batidas na porta e pouco depois a cabeça de Susan surgiu.

- Oh, ruivinha, você não vem tomar café? Estamos esperando só você para ir à praia.

Lílian corou novamente ao ouvir um dos nomes pelo qual o detestável e nefasto Tiago Potter a chamava desde que decidira elegê-la como seu mais novo desafio.

- Você é desprezível. - Lílian resmungou.

- Sabia que isso soou como o Patolino dos desenhos animados? A diferença é que eu não imitei o Pernalonga para você me responder assim. Mas sempre há tempo. O que há, velhinho? - Susan fez graça, observando o rosado claro que tingira as maçãs do rosto de sua amiga tornar-se vermelho sangue.

Lílian suspirou, tentando recobrar a calma. Não adiantava explodir com Susan, ela simplesmente arranjaria uma maneira de fazer graça com sua irritação. Assim, ela se despediu de Genaro com um aceno de cabeça, notando vagamente o sorriso divertido que ele tinha nos lábios.

Susan deu passagem para que ela passasse pela porta e logo estavam as duas na cozinha, juntamente com as outras garotas e D. Lavina. Lílian imediatamente se esqueceu de sua irritação ao sentir o cheio gostoso que vinha do forno.

- Nonna, a senhora não pode mesmo me ensinar alguns dos seus molhos? - ela pediu, com os olhos brilhando, enquanto enchia o prato de biscoitos.

- Sinto muito, mocinha... - a velha senhora sorriu - Mas isso aqui são segredos de família. Mais importante que os segredos da Cosa Nostra.

- O que é Cosa Nostra? - Selene perguntou, levantando a cabeça do seu prato de cereais.

- A máfia siciliana. A Itália é conhecida pelas famílias mafiosas que controlam muitas das nossas cidades. - Susan respondeu, enchendo seu copo de suco de laranja.

- Sua família é mafiosa, Su? - Selene perguntou, inocentemente.

As outras garotas viraram-se abismadas para a amiga. Selene sempre conseguia surpreendê-las quando queria ser inconveniente. Mas Susan, mais do que acostumada com a amiga, apenas riu, no que foi seguida por Lavina.

- Não, minha filha, os Matteotti nunca tiveram mafiosos em seu meio. Embora meu marido às vezes tenha que encarar os senhores da Cosa Nostra, e alguns sejam seus amigos de infância, nunca se envolveu com esses negócios escusos; ele vive apenas para a música e para a família.

- Dom Genaro tem amigos de infância mafiosos? - Lílian perguntou, sem conseguir conter a curiosidade.

- É impossível por aqui não se ter alguma relação com a Cosa Nostra, Lily. - Susan respondeu - Eles são mais poderosos que o Estado. Quem quer viver em paz na Sicília, tem que estar em paz com eles.

- Agora chega, isso não são coisas com as quais crianças devem se preocupar. - D. Lavina sorriu - Está um lindo dia lá fora. Vocês deveriam estar no mar a essa hora.

As meninas assentiram alegremente e quando finalmente Lílian terminou de engolir seu suco, elas se puseram a caminho.

A praia não era muito longe do casarão. Havia uma trilha de pedras através do bem cuidado jardim, que terminava nas areias claras de uma praia particular da família. Pouco depois estavam todas dentro d’água, aproveitando a última semana delas na Sicília.

- É realmente uma pena que tenhamos que voltar para providenciar nosso material. Não existe nenhuma escola de magia aqui na Itália, Su? - Emelina perguntou, espreguiçando-se ao sol, quando afinal deixaram o mar.

- Como Hogwarts, não. - ela respondeu - Há pequenos internatos para bruxos, mas na Europa, grandes escolas só a Beaubextons, Durmstrang e, logicamente, Hogwarts. Nesse aspecto, a América está muito mais bem servida que nós. Lá existem grandes Institutos de Magia nos maiores centros do continente.

- Beaubextons é mais perto daqui pra você. - Lílian observou - Porque foi para Hogwarts?

Susan sorriu em resposta.

- Minha mãe estudou em Hogwarts. Na Corvinal. E fez um estágio na Beaubextons antes de vir para a Itália. De acordo com ela, os franceses são muito elitistas... “Insuportavelmente aristocráticos”, para ser exata. Desde pequena ela me fascinava com histórias de seus tempos em Hogwarts. Quando chegaram as cartas - porque eu as recebi das duas escolas - não houve dúvida sobre qual eu iria preferir. Minha mãe teve que gastar muita saliva para convencer a família de que seria bom para mim estudar na Inglaterra...

- Quer dizer que sua mãe estudou em Hogwarts? Que interessante! - Alice estendeu a canga ao lado de Susan - E como era a escola na época dela?

- Pelas minhas comparações das histórias que ela contava e minhas próprias impressões, eu diria que é quase a mesma coisa. O que mudou foi o diretor, que na época dela era o professor Dippet. Dumbledore era professor de transfiguração. Binns ainda era vivo. Mas já era insuportavelmente chato.

- Certas coisas nunca mudam... - Emelina suspirou.

- Eu me lembrei agora... - Selene se voltou para a loirinha - Você ainda nos deve alguns esclarecimentos, senhorita Vance.

- Esclarecimentos? - Emelina perguntou, arqueando a sobrancelha.

Alice sorriu maliciosamente.

- É verdade, se Selene não tivesse cobrado, você ia conseguir fugir... Está nos devendo uma explicação completa e minuciosa sobre as grandes personalidades da escola... Já que você namorava um até três meses atrás.

- Eu não acredito que vocês ainda estão com esse negócio de saber como são os marotos!

Lílian se levantou.

- Eu detesto interromper os interessantíssimos rumos que essa conversa estão tomando... - ela observou ironicamente - Mas já está na hora de voltarmos. Ainda vamos ensaiar antes do almoço e eu quero mandar uma carta. Então, vamos andando!

- Sim, mamãe! - as outras se levantaram, batendo continência para a ruiva.

Lílian riu, meneando a cabeça e logo elas estavam voltando para a quinta dos Matteotti.

- Lily... Como pretende mandar uma carta? Você não trouxe Deméter. - Alice observou após alguns instantes de silêncio.

- Minha mãe emprestou Miss Marple. - Susan respondeu pela amiga - Deméter teve que ficar em Hogwarts, a família da Lily não ia poder escrever para ela...

- Eu já escrevi para meus pais essa semana. - Lílian observou distraidamente.

- E para quem você vai escrever? - Emelina perguntou, sorrindo - Seria para o Lupin?

Lílian assentiu.

- Eu prometi a ele que escreveria para saber como ele estava.

- Hum... Eu vejo romance no ar... - Selene disse com ar solene.

- Impossível. - Alice respondeu, meneando a cabeça - Lupin não trairia o Potter.

- Hei, que conversa é essa? - Lílian agora corara furiosamente, enquanto Susan tentava a todo custo controlar o riso - Eu não tenho nada com o Potter para ele ser traído. E o Lupin é meu amigo!

- Triângulos amorosos são tão excitantes... - Emelina observou calmamente, sem olhar para Lílian.

A ruiva apenas grunhiu em resposta, sabendo que não adiantava brigar com as amigas. Elas a conheciam bem demais para saber como desarmá-la.

- Vão procurar piolho de cobra. - ela resmungou, apertando o passo.

As outras apenas riram, seguindo-a. Cumprimentaram Dona Lavina, que estava no jardim, podando suas roseiras e fizeram fila nos três banheiros da casa. Enquanto esperava, Lílian escreveu rapidamente um bilhete para Remo, guardando-o para mandá-lo mais tarde.

Finalmente, quando estavam todas prontas, elas se encontraram no estúdio, onde Milano, Valentim, Gabriel, César e Júlio - esses três últimos filhos das tias Lívia e Virgília que tinham chegado depois delas - terminavam de ensaiar.

- Será que podemos assistir vocês? - Gabriel, que tinha a mesma idade da prima, perguntou, entregando a guitarra para Susan.

- Não conseguiríamos tocar tendo platéia. - Alice confessou antes de a amiga procurar alguma desculpa esfarrapada.

- E como pretendem fazer no jantar que o nonno quer dar antes de vocês irem embora? - Júlio perguntou cruzando os braços, os olhos verdes quase negros brilhando divertidos.

- Que jantar? - Lílian virou-se para ele curiosa.

Antes que ele pudesse responder, a guitarra de Susan soltou um longo gemido ensurdecedor. Todos levaram as mãos aos ouvidos, enquanto a moreninha ficava extremamente vermelha.

- Su, você está tentando nos deixar surdos? - Milano resmungou.

- Desculpem... É... Vocês não acham que o nonno vai querer realmente que nos apresentemos para toda a família, não é?

- Nós vamos nos apresentar? - Selene perguntou assustada, enquanto brincava com as baquetas da bateria entre as mãos nervosas.

- O nonno é muito orgulhoso dos netos. - César explicou - E depois dessas férias, ele já as considera quase como da família. Assim, como todos os outros membros dos Matteotti, vocês terão que passar pelo batismo musical. Na véspera da despedida das férias, vai haver um jantar para toda família e ele quer que vocês toquem.

- Mas isso é loucura! Nós nem temos tanta prática assim... - Emelina observou-os aturdida.

- Vocês estão exagerando. - Júlio continuou - Eu ouvi um pouco dos seus ensaios no jardim durante a semana. E, a não ser que vocês estivessem usando magia - e, pelo que eu saiba, as leis de vocês não permitem - vocês sabem tocar sim.

- Sim, mas não com uma platéia para nos julgar. - Alice respondeu - Lílian e Susan ainda podem conseguir, mas nós só começamos a estudar música há pouco mais de um mês!

- E eu não tenho técnica suficiente para dizer que me apresentaria com segurança. - Lílian observou.

Susan ergueu os braços, como que se defendendo.

- Eu nunca toquei para toda a família. No máximo para meus pais.

- Vocês as assustaram. - Valentim ralhou com os primos e sorriu para elas - Escutem, ninguém vai julgar vocês. Nós também passamos por essa situação e até hoje me pergunto como o velho Genaro não teve um infarto diante de netos tão desafinados. Vamos, peguem os instrumentos, toquem com a gente.

- Mas... - Susan ainda tentou argumentar.

O primo fez que não com a cabeça enquanto Gabriel ligava outra guitarra ao aparelho de som, Milano afinava o baixo, Júlio sentava-se à bateria com Selene e César experimentava o trombone.

- Acho que sobraram os vocais para mim. - Valentim observou de bom humor - O que acham de fazer um coro comigo, meninas?

Emelina e Alice aceitaram os microfones que ele oferecia enquanto Lílian, Selene e Susan se ajeitavam aos seus instrumentos.

Valentim começou a marcar o compasso estalando os dedos. César levou o trombone aos lábios, deixando que os primeiros acordes da música soassem. As duas mocinhas se encararam, sorrindo. Ter Lílian e Susan como amigas permitiram que elas tivessem uma vasta experiência com a cultura trouxa. Quando a bateria deu uma virada anunciando a entrada das vozes, elas já sabiam exatamente o que cantar.

- Hit the road, Jack and don't you come back no more, no more, no more, no more
Hit the road, Jack and don't you come back no more…


Ele também sorriu ao perceber que elas conheciam a música e puxou seu próprio microfone, juntando sua voz a delas.

- What you say?

- Hit the road, Jack and don't you come back no more, no more, no more, no more
Hit the road, Jack and don't you come back no more…

- Woah, Woman, oh woman, don't treat me so mean
You're the meanest old woman that I've ever seen
I guess if you said so
I'd have to pack my things and go (That's right)

- Hit the road, Jack and don't you come back no more, no more, no more, no more
Hit the road, Jack and don't you come back no more…
What you say?

- Hit the road, Jack and don't you come back no more, no more, no more, no more
Hit the road, Jack and don't you come back no more

- Now baby, listen, baby, don't ya treat me this-a way
Cause I'll be back on my feet some day
Don't care if you do 'cause it's understood
You ain't got no money you just ain't no good
Well, I guess if you say so
I'd have to pack my things and go (That's right)

- Hit the road, Jack and don't you come back no more, no more, no more, no more
Hit the road, Jack and don't you come back no more…


César aproximou-se do piano e Lílian fechou os olhos, deixando os dedos ágeis correrem pelas teclas do piano, acompanhando o solo do trombone.

- Hit the road, Jack and don't you come back no more, no more, no more, no more
Hit the road, Jack and don't you come back no more…
What you say?
Hit the road, Jack and don't you come back no more, no more, no more, no more
Hit the road, Jack and don't you come back no more

Don't you come back no more
Don't you come back no more
Don't you come back no more
Don't you come back no more


Aos poucos os instrumentos foram serenando enquanto sobrava apenas o estalar de dedos de Valentim, Alice e Emelina, marcando o compasso da música.

Well
(Don't you come back no more)
Uh, what you say?
(Don't you come back no more)
I didn't understand you!
(Don't you come back no more)
You can't mean that!
(Don't you come back no more)
Oh, now baby, please!
(Don't you come back no more)
What you tryin' to do to me?
(Don't you come back no more)
Oh, don't treat me like that!
(Don't you come back no more)


Quando tudo voltou ao silêncio, César as encarou com curiosidade.

- E vocês dizem que não têm prática? Poderiam montar uma banda!

- Nós apenas seguimos vocês. - Susan respondeu - É bem mais fácil dessa maneira.

- Não se subestimem, meninas... - Valentim sorriu para a prima - Acabarão controlando o nervosismo algum dia. E quando isso acontecer, eu quero estar assistindo, porque tenho certeza que vai ser ótimo.

- Mas agora é melhor pararmos porque a nonna já deve estar doida para colocar todo mundo para comer. - Milano observou, abrindo a porta do estúdio - Andiamo, la gente!

Pouco depois as meninas se viram envolvidas em mais um alegre almoço em família. Nice, que tinha chegado no dia anterior, logo estava tentando encher os pratos de todo mundo, enquanto D. Lavina mandava a filha se aquietar e deixar todos à vontade para se servirem.

Após o almoço, elas seguiram para o alpendre, deixando-se cair sobre as elegantes cadeirinhas de vime. Emelina sumiu na direção dos quartos e quase todos já se preparavam para uma preguiçosa sesta quando a loirinha voltou com uma caixa de madeira.

- Ah, não, por favor... - Lílian e Alice resmungaram quando viram o conteúdo da caixa ser despejado numa mesinha à frente delas.

- Vocês prometeram. - Emelina sorriu vitoriosa - Agora, vão ter que cumprir.

Selene sentou-se no chão, admirando as cartas do baralho de Emelina.

- O que vamos jogar? - Susan perguntou, levemente interessada.

- Canastra. - Emelina respondeu simplesmente.

- Canastra se joga em duplas. Uma sobra. Então, não se preocupem, eu faço o grande sacrifício de ficar de fora do jogo. - Lílian, que se levantara levemente para ver as cartas, voltou a se jogar no sofá.

Susan se levantou.

- Nada disso, mocinha. Se eu sou obrigada a jogar, então você também vai jogar. Vamos formar duas mesas. Eu vou ver se tem mais alguém que queira se juntar a nós.

A italianinha voltou para dentro de casa enquanto Emelina separava os baralhos, sorrindo.

- Então, seremos eu e Selene contra você e Alice. - ela virou-se para Lílian - E Susan joga na outra mesa com quem aparecer.

- Isso não é muito justo. Nem eu, nem Lílian sabemos jogar. - Alice protestou antes mesmo que a ruiva o pudesse fazer - Eu jogo com você e Selene com ela. Assim as coisas ficam mais equilibradas.

- Então, agora é a hora da jogatina! - Gabriel entrou no alpendre esfregando as mãos, divertido.

Pouco depois, as duas mesas de jogo estavam formadas. Selene e Lílian contra Emelina e Alice e Susan e Gabriel contra Júlio e Milano. Assim passaram todo o começo da tarde até que, quando, pela quarta vez seguida, Emelina bateu, Lílian pôs-se em pé.

- Eu desisto. Não há como ganhar dessa maluca.

Selene riu.

- Pense assim, Lily... Azar no jogo, sorte no amor... Quem será seu predestinado? Será o Potter?

A ruiva resmungou algo incompreensível e as outras meninas riram.

- Se você não ficasse tão alterada com as brincadeiras dele, ninguém estaria te provocando, Lily. - Susan observou, enquanto descartava mais uma carta. Ela e Gabriel também estavam perdendo feio.

- Ei!!! O que vocês queriam que eu fizesse? Que deixasse ele cometer as injustiças que bem quisesse na minha frente e ficasse calada?

- Quem é Potter? - Milano perguntou após alguns instantes antes de puxar uma carta - Desculpe, priminha, mas eu bati...

- Tudo bem... - Susan suspirou, espreguiçando-se - Ela tem uma espécie de vendetta com um colega nosso. Ele fez uma brincadeira com ela no primeiro ano e desde esse tempo ela faz um escândalo sempre que ele apronta alguma.

- Porque em vez de ficar falando do Potter, não vamos ensaiar? Já que vamos ter que tocar, pelo menos um pouco de ensaio faria bem, não? - a ruiva observou de mau humor.

As meninas sorriram.

- Tudo bem, Lily, você venceu. Não vamos mais falar do Potter. - Alice se levantou - Vamos ensaiar então?

As outras assentiram e se despediram dos meninos, voltando para o estúdio. Passaram a tarde discutindo sobre as possibilidades de fugir daquele “show”, mas depois de Susan explicar o quanto aquilo era importante para Dom Genaro, elas perceberam que não havia escapatória.

Estavam mexendo em partituras, tentando encontrar alguma canção fácil o bastante para que a interpretação delas não fosse tão sofrível, quando Alice virou-se pensativa para Emelina.

- Você não está nos devendo nada? - ela perguntou.

- Devendo?

Selene sorriu.

- Eu lembro de uma promessa feita hoje de manhã, quando voltávamos da praia...

- Vocês não estão falando de novo naqueles quatro, não é? - Lílian perguntou com um suspiro resignado.

Emelina mordeu a tampa da caneta, um sorriso malicioso nos lábios.

- Vocês querem mesmo saber o que eu penso deles?

- Você namorou o Black, "Mel". - Alice respondeu, usando o apelido que Emelina odiava - Foi a primeira garota a descobrir os complexos pensamentos dos "marotos".

- A primeira e, espero eu, a última. - Lílian observou, encostando a cabeça ao piano.

- Muito bem... - Emelina respirou fundo, tentando encontrar as palavras certas para explicar às amigas o que elas queriam - O Black é um cachorro, acho que todo mundo já percebeu isso. O Potter é um egocêntrico, como nossa querida Lily sempre faz questão de salientar. O Lupin...

- Veja lá o que vai falar do Remo, Emelina. - Lílian observou, lembrando-se da carta em seu bolso.

- Não se preocupe, "ruivinha", eu não vou falar mal do seu grande amor.

- Ele não é meu grande amor. - Lílian respondeu, corando.

- Certo. Mas onde eu estava mesmo? Ah, sim, o Lupin... Bem, eu diria que ele tem algum tipo de complexo. Embora sempre participe das brincadeiras dos meninos, há algo no olhar dele que...

- Eu também percebi isso. - Susan observou - Talvez seja por causa da família sempre doente...

Emelina sorriu.

- E tem o Pettigrew, cuja vida se resume a uma coisa...

- Comer. - Selene respondeu - Acho que ele leva muito a sério aquela história que minha mãe sempre repete... "enquanto estou comendo, estou escapando...".

Lílian revirou os olhos.

- Um é safado, o outro, egocêntrico, o terceiro é complexado e o último é um comilão. Alguém pode me explicar porque eles fazem tanto sucesso?

Emelina sorriu.

- Você diz isso porque nunca sentiu o Sirius te envolver com os braços e te beijar com uma delicadeza que ninguém sonharia que ele possui.

- E porque você acabou com ele então? - Alice perguntou com os olhos brilhantes.

- Porque nunca daria certo. - a loirinha virou o restante do copo de limonada - Tanto eu quanto ele nos gostávamos como amigos. Então, para não perder a nossa amizade, eu restituí a liberdade dele.

- E agora ele está dando em cima da Dearborn. - Susan murmurou, com uma sombra nos olhos.

- E de todo o restante da população feminina... - Lílian completou, levantando-se - Pelo menos ele respeita a gente. Mas o Potter...

Selene piscou o olho para Alice e puxou a mão de Lílian.

- O Potter, Lily... Eu vejo nas linhas da sua mão. Você ainda vai se casar com ele... - a garota falou com voz cavernosa.

- Merlin que me livre de tamanha loucura! - a ruiva resmungou, puxando a mão - E eu não acredito em adivinhação.

Selene começou a gargalhar enquanto Alice meneava a cabeça.

- Alguém já percebeu que a Lily e a McGonagall são iguaizinhas?

- Alice... - Lílian falou em tom de aviso.

- Estou mentindo?

A ruiva bufou e, no instante seguinte, pulou sobre a amiga.

- Agora você me paga, Alice MacFusty!

Emelina, Susan e Selene observaram Lílian fazer cócegas em Alice. Entreolhando-se, elas logo se levantaram.

- E atenção... MONTINHO NAS DUAS!- Selene gritou antes de se jogar sobre as outras.

Já era noite quando deixaram o estúdio. Depois do tradicional jantar em família, as cinco se recolheram no quarto de Susan, preparado para acolher todas elas por aquela noite - noite de acampamento, de acordo com a italianinha.

- Afinal... - Susan dissera - Não tem graça passarmos as férias todas juntas e dormirmos em quartos separados, sem aproveitar nem uma vez para fazer uma inesquecível festa do pijama.

- Então, o que vamos fazer nessa “inesquecível festa do pijama”? - Lílian perguntou quando deixou o banheiro, juntando-se às amigas nos colchões no chão, enquanto amarrava o laço da camisola.

Despachara a coruja de Agatha, Miss Marple, com a carta para Remo antes de tomar banho. Agora era aproveitar a noite.

- O que garotas fazem quando se reúnem, Lílian? - Selene perguntou com os olhos brilhando.

A ruiva suspirou.

- Você não está querendo me dizer que vamos voltar ao tópico da tarde, não é? Será possível que vocês não consigam controlar seus hormônios?

Emelina, Susan e Selene riram, enquanto Alice tentava se controlar o suficiente para argumentar com uma ruiva emburrada.

- Lily, você não vai nos dizer que é adepta do celibato, não é?

A face de Lílian ficou da mesma cor do cabelo.

- E depois os meninos acham que vocês são inocentes... - Lílian resmungou, mas um sorriso velado apareceu em seus lábios - Tudo bem... Se vocês querem agir como aborrecentes apaixonadas; vamos agir como aborrecentes apaixonadas.

Susan abriu ainda mais o sorriso.

- Ninguém falou sobre estar “apaixonada” por aqui, Lily... Isso significa que você...

- Pode parar por aí, Susan Matteotti Timms, ou eu não respondo pelos meus atos! - Lílian respondeu rapidamente.

Todas caíram no riso juntas dessa vez. Lílian levantou-se lentamente e tirou a varinha do decote da camisola, pondo-se em posição de duelo.

- O que significa isso? - Emelina perguntou, espantada - Você não vai...

- Eu descobri lendo alguns dos livros do nonno que a Sicília, ou mais exatamente, a cidade de Siracusa, é famosa pelos eflúvios mágicos. A quinta dos Matteotti fica em um ponto estratégico entre Siracusa e o vulcão Etna. Por isso, nas noites de lua nova, como a de hoje...

- Ninguém conseguiria detectar um feitiço desavisado! - Alice se levantou rapidamente - Por isso os Sabás, as festas de bruxas, serem feitos em lugares com tais conjunturas nas noites de lua cheia.

- A lua cheia potencializa a magia. - Selene continuou, também tirando a varinha do bolso - Enquanto a lua nova a esconde. Mas hoje é o último dia de lua nova. Porque não nos contou antes, Lily?

A ruiva sorriu travessamente.

- Vocês passaram o tempo todo tentando me manter distante dos livros... Eu poderia ter descoberto isso assim que chegamos, mas...

- Isso é um mero detalhe! - Emelina parecia a mais empolgada - Só temos uma noite, então vamos aproveitá-la ao máximo.

Lílian abriu ainda mais o sorriso e apontou a varinha para si, murmurando um feitiço. A camisola se transfigurou em véus vermelhos que envolveram a agora odalisca ruiva.

- Preparem-se para mergulhar na milésima primeira noite de Sherazade. - Lílian apontou a varinha para o chão e um filete prateado escorreu como água, tocando o colchão, que, diante dos olhos surpresos das meninas, começou a se transformar em um piso de mármore branco - Tuffandosi!

Uma luz forte quase as cegou. Quando Selene voltou a abrir os olhos, percebeu que estava com uma roupa parecida com a de Lílian, só que sem os milhares de véus que caíam pelo corpo da outra. Ela observou as outras amigas, que também usavam luxuosas vestes de seda e pareciam tão atarantadas quanto ela.

Susan girou em torno de si mesma, admirando o lugar onde estavam. Parecia um palácio indiano, como os que vira em fotos nos livros de História de seu avô. As altas colunas tinham as mesmas formas sinuosas das belas árvores que refrescavam o pátio interno. No céu claro, um sol radiante brilhava.

- Tuffandosi? - Emelina perguntou para Lílian, tentando andar sem tropeçar na barra de seu vestido.

- Mergulho na História. - Susan respondeu pela amiga - Minha mãe aprendeu esse feitiço com as bruxas de Siracusa.

- Mas como a Lily sabe? - foi a vez de Alice perguntar.

- Susan o usou em mim no Coliseu. - Lílian tirou o véu do rosto, virando-se para os portões de cedro branco trabalhados em alto relevo - Eu o aperfeiçoei um pouquinho com outros feitiços, já que o original podia ser quebrado muito facilmente. Misturei o mergulho com a ilusão... Só uma grande força de vontade poderia quebrar o Tuffandosi antes que eu cesse o sortilégio.

- Mas isso é magia avançada! - Emelina exclamou.

Lílian sorriu.

- Esqueceu que Feitiços é minha melhor matéria?

Susan escolheu ficar quieta, embora soubesse que a facilidade de Lílian na matéria de Flitwick não explicava totalmente a capacidade da ruiva com magia elemental.

Um gongo soou em algum ponto distante do palácio e o portão de cedro que Lílian admirava abriu-se cerimoniosamente.

- Puxem o véu para o rosto. - a ruiva avisou - O sultão está vindo.

As garotas obedeceram enquanto cortesãos entravam no pátio, postando-se de modo a ladear as cinco. Por fim, quatro rapazes apareceram e Emelina controlou-se para não gritar de surpresa.

Lílian apenas sorriu.

- Vocês só sabiam falar deles... - ela sussurrou - Nada mais justo que trazê-los para nossa história.

Susan mordeu os lábios, observando Lílian adiantar-se e inclinar a cabeça levemente diante de Sirius, Tiago, Pedro e Remo.

- Sejam bem vindos, meus senhores.

- A sultana não deveria se curvar. - “Remo” observou, sorrindo.

A ruiva também sorriu e seu olhar cruzou com o de Tiago. Ele sorriu para ela e Lílian sentiu o estômago revirar. Porque o colocara dentro da ilusão?

- Permita-me então brindá-los com alguma diversão. - ela respondeu ao recuperar o controle de si mesma. Afinal, “o show tem que continuar”.

Lílian retirou o véu do rosto e virou-se para as amigas. Alguns cortesãos aproximaram-se, carregando instrumentos musicais. Susan observou a harpa dourada que uma moça entregou a ela.

- Lily, eu não sei tocar harpa. - ela sussurrou para a amiga.

- E eu não sei dançar. - Lílian respondeu - Mas quando começarmos, saberemos o que fazer. O feitiço nos dará a ilusão de que estamos realmente fazendo o que é preciso fazer.

Susan assentiu e experimentou as primeiras cordas da harpa. Enquanto isso, Emelina brincava com um alaúde enquanto Selene e Alice começavam a bater os pequenos pandeiros que tinham recebido.

Lílian respirou fundo e pôs-se na ponta dos pés, enquanto os quatro rapazes sentavam-se para observar a pequena diversão que a “sultana” providenciara para eles.

Ao mesmo tempo em que a ruiva se surpreendia ao perceber em seu corpo uma leveza que jamais sentira, Susan fechava os olhos, encontrando o encanto da melodia que a harpa produzia docemente.

O som dos pandeiros de Alice e Emelina marcavam o compasso, enquanto Lílian rodopiava com seus véus, como se não tivesse feito outra coisa na vida além de dançar. A ruiva quase sorriu ao pensar o que aconteceria se tentasse fazer aquilo na “vida real”. Provavelmente levaria um belo tombo e quebraria alguma coisa no processo.

A moreninha reabriu os olhos, notando que havia uma única pessoa em toda a platéia que não mantinha sua atenção em Lílian, mas nela. Um rubor invadiu seu rosto quando encarou as orbes azuis de “Sirius”, que sorriu ao perceber que ela o vira.

A melodia foi se tornando mais violenta, e a dança de Lílian, cada vez mais lânguida. Susan sentiu a cabeça começar a rodar, enquanto os dedos percorriam as cordas, nervosamente.

No mesmo instante em que “Tiago” pulou para frente, amparando a sultana que caíra por conta de uma vertigem, Susan observou seu sangue escorrer por uma das cordas. Cortara o dedo.

- Minha senhora está bem? - ela ouviu uma voz perguntar.

Susan rapidamente tirou o dedo que levara à boca, levantando a cabeça para observar o rapaz parado a sua frente. Sirius sorriu, segurando a mão dela delicadamente, beijando o dedo onde uma pequena gota de sangue denunciava o machucado.

Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, a imagem do rapaz se desvaneceu diante dos seus olhos. Estava de volta à casa de seus avós. Susan ainda observou sua mão, intacta, antes de deixar seus devaneios por uma exclamação de Emelina.

Ela rapidamente levantou-se de sua cama, aproximando-se do colchão de Lílian, onde a ruiva se deitava, apoiada em Selene.

- Eu estou bem. - ela resmungou em um murmúrio.

- Não está, não. - Alice respondeu - Bem que Emelina disse que isso era magia avançada demais. Você está esgotada.

Lílian suspirou, fechando os olhos. Ao mesmo tempo em que isso acontecia na quinta dos Matteotti; a coruja branca de Agatha Timms, Miss Marple, chegava à casa de Tiago Potter na Inglaterra, onde Remo estava passando as férias, na companhia dos amigos.

- Ei, Remo, tem carta para você! - Sirius gritou quando Miss Marple pousou sobre o parapeito da janela, tirando da pata dela o pergaminho subscrito para o amigo.

Remo rapidamente desceu do sótão, acompanhado por Tiago, ambos cobertos por fuligem.

- De quem é? - ele perguntou, limpando o rosto.

- Tem uma foto também. - Sirius observou - Acho que é da ruivinha...

Tiago rapidamente tirou os óculos, limpando as lentes de qualquer maneira no avesso da camisa.

- Deixa eu ver.

Sirius passou a foto para o amigo despenteado enquanto Remo abria o lacre do pergaminho.

“Caro Remo:

Como vai tudo por aí? Espero que você e sua família estejam bem. Por aqui está tudo ótimo. Conhecemos Roma logo que chegamos e depois de um tour pelas cidades mais importantes, viemos para a Sicília, onde a família de Susan tem uma casa de verão.

Os dias se passam com rapidez... Parece que foi ontem que chegamos. Mas em breve devemos voltar. Mais um ano de estudos... Isso não me incomoda, mas as meninas parecem querer fugir de Hogwarts na primeira oportunidade para poderem voltar.Afinal, a Itália é realmente um lugar maravilhoso e temos aprendido muita coisa com os italianos.

Tenho que ir, as meninas estão chamando para tocar. Sabia que estamos aprendendo música? É uma das paixões do pai da Susan. A outra é boxe (ele tem nos levado todas as noites para ver as lutas. As meninas adoram, mas eu acho um pouquinho violento demais. Você não concorda comigo?)

Beijos e até logo,

Lílian Evans."


- Até que dá para entender o porquê da sua fascinação com a ruivinha... - Sirius observou, enquanto olhava a foto por cima do ombro de Tiago.

Remo tirou a foto das mãos do amigo e observou Lílian acenar para ele, enquanto as outras garotas aproveitavam o mar siciliano.

- Voltem para as experiências malucas de vocês. - Remo foi até a própria mala e puxou uma pena de lá - Eu vou responder a carta dela.

Tiago ainda tentou pegar a foto de volta, mas Sirius começou a empurrá-lo de volta para as escadas que saíam do alçapão sobre o quarto do mais jovem dos Potter.

- Vamos logo, deixa de enrolar, eu quero ver aqueles chifres na sua cabeça de novo...

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