Chaos



Gritos. Dor. Sangue. Mais um ataque. Mais um maldito ataque. Porque diabos eles estavam lutando? Havia solta no ar uma cantiga estranha, numa língua antiga. A voz, feminina, era melodiosa... Mas de uma tristeza quase palpável. Em meio à toda destruição, a ruiva caminhava nervosa, o coração palpitando. A sensação de perda quase a sufocava.

- POTTER!!!!!!!!!

Lílian acordou assustada, enquanto Tiago, ao seu lado, pulava da cama. O grito viera da sala. O moreno vestiu rapidamente um roupão sobre o pijama. Lílian seguiu o gesto dele, passando pelo quarto de Harry, que continuava dormindo tranquilamente, assistido por Zoe, a elfa doméstica que servira a Miriam Potter e cuidara de Tiago quando ele era ainda um bebê. Finalmente, ela decseu as escadas que levavam a sala, encontrando nas chamas a cabeça de Olho-Tonto.

- O que houve? - Tiago perguntou, abaixando-se ao nível do homem.

- Ataque em Oxford. Arrume-se logo, o lugar está em polvorosa. Esse foi, provavelmente, um dos piores ataques até agora. - Moody virou-se para a ruiva - Boa noite, Lílian.

Ela respondeu com um aceno da cabeça enquanto Tiago subia as escadas aos pulos. O auror se despediu e ela juntou-se ao marido.

- Eu também vou.

Tiago virou-se para ela enquanto enfiava uma camisa.

- Não, não vai.

- Eu sou uma curandeira, Tiago. Posso ser útil. Mais útil do que você na verdade.

- E quem vai ficar com Harry?

- Zoe pode perfeitamente cuidar dele. Eu tive outro pesadelo, Tiago. Não vou ficar aqui de braços cruzados.

Ele suspirou.

- Detesto quando você tem razão. Eu não quero que você vá mesmo assim. - ele suspirou - Se arrume logo.

Ela rapidamente vestiu-se e os dois aparataram. Encontraram vários aurores andando apressados pelo bairro, onde quase predominava a comunidade bruxa. Moody aproximou-se tão logo eles apareceram.

- É bom que tenha vindo, Lílian. Há uma tenda com feridos perto da igreja. Não chegou ninguém do St. Mungus até agora, precisamos de alguém lá.

A ruiva assentiu e Tiago voltou-se para o auror-chefe.

- Onde está Sirius?

- Ele chegou agora a pouco. Eu o encontrei na casa da Timms depois de tentar a lareira dele uma três vezes. Seria uma boa vocês inventarem um jeito de se comunicar, porque eu nunca consigo encontrar o Black quando preciso dele. - Moody respondeu irritado.

- E os comensais? - Tiago perguntou novamente.

- Bateram em retirada depois de enfrentarem o primeiro esquadrão. O mestre deles não veio para a festa, felizmente. Mas acreditamos que talvez ainda exista alguma ovelha desgarrada por aí. Há muitos becos escuros onde alguém ferido poderia facilmente se esconder.

- Tivemos alguma baixa?

- Mais de cinqüenta civis mortos, a maioria bruxa. E isso é apenas uma estimativa. Há vários desaparecidos.

Alguém chamou o chefe dos aurores e Tiago retirou um espelho do bolso. Mas não chegou a usá-lo, pois logo a mão de Sirius estava sobre o seu ombro.

- Tudo bem, Tiago?

- O Moody disse que te encontrou na casa da Susan. Fez as pazes com ela?

Sirius deu um meio sorriso.

- Ela não estava em casa. E eu não queria só fazer as pazes. - o moreno tirou uma caixinha de veludo do bolso - Tomei vergonha na cara afinal.

Tiago assentiu e observou o lugar com atenção.

- O que aconteceu exatamente?

- Eu cheguei já no final do ataque. Incendiaram metade das casas. Vai ser difícil encontrar alguns corpos, a maioria ficou completamente carbonizada. Perdemos oito aurores. Mas conseguimos capturar mais de dez comensais, inclusive alguns responsáveis pelas mortes dos membros da Ordem.

- É Crouch quem vai julgá-los, não? - Tiago perguntou.

- Não acho que Crouch vá perder tempo julgando todos. Ele vai condenar vários deles sem direito a julgamento. Eu quase tenho pena desses imbecis. Quase...

- Isso não está certo. - Tiago observou, tirando a varinha do bolso enquanto caminhava ao lado do amigo - Ele pode acabar jogando inocentes em Azkaban.

- Não acho que haja inocentes entre aqueles que andam com essa gente. Por mim, todos os sonserinos seriam presos e teriam a chave da prisão jogada fora.

Enquanto isso, Lílian se desdobrava para cuidar de todos os feridos que pareciam se multiplicar na tenda improvisada. Isso até encontrar uma morena com alguns cortes leves no rosto e a perna deitada num ângulo estranho. A ruiva se assustou, pensando que ela talvez estivesse morta, mas suspirou de alívio ao perceber que a amiga respirava. Sentando-se ao lado da maca dela, Lílian sorriu ternamente para a amiga.

- Selene?

A morena, aos poucos, abriu os olhos. Por alguns instantes, ela pareceu confusa, mas logo um brilho de terror apareceu nas orbes azuis.

- Lílian? O que está fazendo aqui? - ela levantou-se assustada - os comensais, eles...

A ruiva segurou a amiga firmemente, tentando tranquilizá-la.

- Calma, Selene. O ataque já foi controlado. Não há mais comensais aqui.

Selene ainda se debateu por alguns instantes antes de assentir, voltando a se deitar. Lílian percebeu que a amiga ainda a olhava confusa.

- Onde está Susan, Lily?

A ruiva sentiu uma pontada no coração. Naquele instante ela se lembrou que Susan dissera à tarde que ia jantar com Selene. Mas a italianinha podia ter saído mais cedo, não? Antes do ataque?

- Susan estava com você durante o ataque?

- Ela mandou que eu me escondesse, ficou segurando a porta... - Selene voltou a se sentar na maca - Eu ouvi explosões, e depois o fogo e desmaiei... Vocês não a encontraram?

Lílian se precipitou para fora da tenda, caminhando pelas ruas cheias de aurores, apressada. Havia ainda muitos corpos a recolher. Sem se importar com nada, a ruiva continuou a seguir por entre os escombros, um sentimento de urgência. Ela lembrou-se do sonho que tivera. Fora uma visão. Mais uma maldita visão.

Chegou afinal aos escombros da casa de Selene, num beco afastado no fim de uma das ruas mais escuras do bairro bruxo. O lugar estava deserto. Febrilmente, ela começou a procurar. As mãos delicadas arranharam-se aos primeiros blocos de concreto que arrastaram. Nem por um momento, Lílian lembrou-se de usar a varinha.

Tão desesperada estava que não percebeu quando um vulto se aproximou até ser brutalmente erguida pelo braço.

- Lílian, o que pensa que está fazendo? - Tiago perguntou preocupado - Esse lugar é perigoso! Volte já para a tenda.

- Susan, Tiago. Susan estava aqui. - ela falou, sem prestar atenção nas palavras dele - Por favor, me ajude a encontrá-la, por favor...

O moreno olhou-a com tristeza e virou-se para outro vulto que se aproximava.

- Sirius, vá buscar uma equipe de buscas. Rápido!

O rapaz assentiu e poucos instantes depois a área era cuidadosamente vasculhada. Lílian chorava baixo, encostada ao peito de Tiago. No fundo, ela sabia que não adiantava procurar Susan ali. A aura dela... A aura de Susan tinha desaparecido completamente. Sirius aproximou-se novamente.

- Quem estava aqui?

Um outro auror veio até eles, avisando o fim das buscas. Lílian tentou se soltar de Tiago, cambaleante. Não podia... Pelo menos o corpo dela tinha que estar ali...

- Ela estava aqui, Selene disse. Vocês precisam continuar procurando.

- Lily, não há ninguém aqui. Se Susan realmente esteve nesse lugar... Não há mais nada que possamos fazer.

Sirius sentiu-se congelar. Susan estava ali? Era Susan que estavam procurando? Ele ouviu a voz de Lílian vir de muito longe.

- Ela não pode ter morrido... Por favor, me diga que isso é só mais um estúpido pesadelo.

Tiago não respondeu, mas a face dele era mais do que suficiente. Ele também estava cansado de perder aqueles que amava. Cansado... Cansado de toda aquela estupidez. Cansado de lutar e sempre acabar daquela mesma maneira... sem nada poder fazer.

Sem outra alternativa, Lílian voltou a jogar-se nos braços dele. Não era um pesadelo. Aquela era a realidade. E ela não podia fazer nada, NADA, para mudar aquilo. Nada...

- Sirius... - ela balbuciou entre as lágrimas, levantando a cabeça.

O rapaz estava a poucos metros deles, tentando assimilar a perda de Susan. A caixa com a aliança que comprara parecia pesar terrivelmente em seu bolso. Ele se aproximou, transtornado pela dor.

- O que quer, Lily?

- Ela me fez prometer que não contaria... Mas você merece saber. Você tem que saber...

- Do que está falando, Lily? - Tiago perguntou.

- Susan, ela estava... Ela estava grávida, Sirius. Grávida... de você.

Sirius sentiu o mundo rodar sob seus pés e tudo escurecer. Aquilo não podia ser verdade, podia? Susan morta... Susan grávida... Um filho... Seu filho... Morto...

- Sirius? Sirius, por favor!

A voz de Tiago vinha de muito longe, assim como a de Lily. Ele sentiu o amigo segurá-lo, deitando-o no chão e colocando sua cabeça delicadamente sobre o colo de Lílian. Os olhos verdes da amiga estavam congestionados. E foram os olhos cheios de lágrimas da ruiva a última coisa que ele viu antes de perder a consciência.


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Arthur e Mary Evans. Miranda Dawlish. Raymond Potter. Marlene McKinnon. Edgar e Camille Bones. Dorcas Meadowes. Carátaco Dearborn. Beijo Fenwick. Gideão e Fábio Prewett. Régulo Black. Miriam Potter. Susan Timms.

Quantos mais eles perderiam naquela guerra? Quantos mais ficariam órfãos, quantos ficariam viúvos, quantos mais? Quanta esperança poderiam eles ainda cultivar? Tiago abaixou a cabeça, tentando não deixar a revolta explodir em seu peito. Estivera ali há uma semana para enterrar a própria mãe. E agora voltava para prestar as últimas homenagens a uma grande amiga.

Selene estava séria, como poucas vezes estivera. Emelina também estava lá. A loira parecia ter envelhecido dez anos naqueles últimos meses. Frank, Alice, Dumbledore, Moody... Todos se confundiam com rostos que ele não conhecia. Os parentes de Susan.

Sentados num canto, estavam Sirius, Lílian e Harry. Tiago deu um meio sorriso. Sua família. Ele caminhou até eles, descansando a mão sobre o ombro da esposa. Harry deu um sorriso para o pai.

- Sirius...

O rapaz ergueu para o amigo os olhos azuis, sem expressão.

- Em toda a minha vida, apesar de ter tido muitas namoradas, eu só amei duas mulheres. E as duas agora estão longe de mim. - um suspiro. Sirius abaixou a cabeça e concluiu num sussurro - Uma delas ainda tem um túmulo onde eu posso ir chorar. Mas a outra não me deixou sequer esse consolo.

Passos soaram logo atrás de Tiago. Lílian deu um sorriso triste para Remo, enquanto Harry brincava com o cordão que pendia de seu pescoço. Sirius voltou a erguer a cabeça e seus olhos se estreitaram ao dar de cara com o recém-chegado. Antes que Remo pudesse dizer alguma coisa, Sirius levantou-se, afastando-se.

- Perdoe ele. - Tiago disse, notando a face confusa do amigo - Sirius não está muito bem. Foi muita coisa em poucos semanas para ele assimilar.

- Não se preocupe. Eu entendo o que ele está sentindo, de certa forma. - Remo sorriu, aproximando-se de Harry - E então, como vai, pequeno?

Harry fechou a mãozinha gorda nos dedos do lobisomem, sorrindo. Tiago saiu da sala, procurando Sirius, mas o outro rapaz já não estava mais lá.

Sirius aparatou diante das ruínas da casa que fora de Selene. Não se salvara muita coisa do fogo. Ele andou pelos escombros, abaixando-se ocasionalmente para encontrar algum objeto mais ou menos reconhecível. Finalmente, seus pés bateram em uma pequena caixinha verde e dourada. O gravador de Selene.

- Você gosta dele.

- Não, não gosto.

- Gosta!

- Não gosto!

- Su, admita, você está apaixonada.

- E se eu estiver? Vocês duas não têm nada a ver com isso.

- Eu avisei que ela ia responder isso, Emelina.

- Você não percebe, Su? Nós só queremos seu bem. Você vai se machucar se continuar apaixonada por Si...

- Não se manda no coração. Vocês duas já deviam saber disso.


O rapaz fechou a caixinha com força, enfiando-a num bolso da capa. Mais tarde prestaria atenção nela. Do mesmo bolso ele tirou uma outra caixinha, bem menor que o gravador. Silenciosamente, ele depositou a aliança no que restava de uma coluna de mármore que sustentara o vidro da mesa de jantar de Selene.

- Elas tinham razão, Su. Eu sinto muito.

Sem mais uma palavra, ele desaparatou.

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