O Inferno Na Sua Pior Fase



I – O Inferno Na Sua Pior Fase

Sirius poderia dizer que aquelas semanas precedentes ao tão esperado baile dos Black foram as mais infernais que ele já passou, mas receava que isso não fosse suficientemente ruim para descrevê-las. Os adultos simplesmente piraram. Druella ficava a beira de um ataque de nervos por lembrar de qualquer coisa tão banal, como guardanapos, que ainda não havia sido providenciada. Walburga estava no limite de sua paciência com toda aquela futilidade, e talvez estivesse ainda mais irritada por não estar no comando da situação, sendo que a cunhada estava cuidando de quase tudo para a ocasião. Já Orion e Cygnus se ocupavam em garantir que elas não acabassem com todo ouro no cofre dos Black – como se isso fosse possível. Tudo para eles era desperdício, exceto bebidas. Diziam que quanto mais sob efeito de álcool os pretendentes e suas famílias estivessem, mais fácil seria. Como se, pelo amor de Merlin, alguém precisasse estar alcoolizado para desejar alguma das três irmãs. Bellatrix era a personificação da beleza em sua forma mais perturbadora. Os longos cabelos pretos caíam em cascata pelas costas e possuíam um brilho tão exagerado que não parecia real, seus olhos eram negros, negros como uma noite sem estrelas, e, embora olhos negros normalmente aparentem uma certa pureza, naqueles olhos negros só se via malícia; sua pele caracteristicamente branca, herdada da família, contrastava com os lábios perfeitamente delineados: vermelhos, mesmo sem nenhum batom. E o que a deixava mais irresistível era aquele ar de eu sei que vocês todos morrem de desejo por mim. Era de se duvidar que um homem sequer já tenha olhado para ela sem desejar se pôr à prova, sem desejar saber se conseguiria domar Bellatrix Black: ela era um desafio extremamente tentador. Tudo isso, somado ao fato de que já tinha sua fama por ser a melhor de todas as Black que já pisaram nesse mundo, a tornava um excelente partido. Andromeda, a tirar o fato de rejeitar todos os ideais e costumes Black – o que, felizmente para sua família e infelizmente para ela, os outros ainda não sabiam – também seria uma boa escolha, era com certeza uma bela mulher. Talvez não reconhecessem toda sua beleza pelo fato de que ela lembrava a irmã mais velha, e ninguém é comparável a Bellatrix. Mas, olhando bem, as duas eram inconfundíveis. O cabelo de Andromeda era levemente mais claro e mais curto, e seus olhos, ah, seus olhos eram o oposto dos da irmã. Também negros, mas neles a coisa que mais se percebia era bondade. Ela não gostava dos princípios da família, mas não odiava os membros dela como Sirius, embora discutisse várias vezes com Bellatrix e nunca tivesse tido nenhum momento de afeição com nenhum dos outros parentes, tentava ver algo de bom por trás deles, vivia tentando justificar o fato de serem como eram, algo que Sirius repreendia firmemente. Para ele, todos tinham escolha, o que fazia a diferença era terem coragem para escolher. Andie possuía um sorriso tão encantador que faria o mais cético dos bruxos vacilar por um momento. Narcissa era diferente das irmãs em quase todos os aspectos físicos. Tinha cabelos loiros, os únicos da família – o que algumas más línguas questionavam freqüentemente de onde viera –, que desciam longos e lisos por quase todo comprimento das costas. Seus olhos eram azuis claros, e não era sempre que se conseguia visualizar emoção neles. Era bonita, de fato, mas havia herdado da mãe a expressão de nojo constante. Alguns a consideravam branca de mais, pelo fato de possuir a pele muito clara e os cabelos praticamente da mesma cor, mas metade da comunidade bruxa daria muitos galeões por uma chance com ela. Era a mais magra das três, e mais alta também. Mas talvez pior que agüentar toda a tensão dos adultos e todos os momentos em que os mesmos descarregavam a raiva em cima dele, Sirius, – ou de qualquer elfo doméstico, já que ambos estavam no mesmo patamar aos olhos da familia – foi ter sido obrigado a acompanhar as primas ao Beco Diagonal. Francamente, ele tinha cara de guarda costas e não sabia? Pelo menos Regulos também foi. Não que a companhia do irmão fosse boa de alguma maneira, mas não estar sozinho no meio de toda aquela loucura já era um pouco reconfortante. Talvez, inconscientemente, também fosse bom ser designado à mesma tarefa que o irmão e não ser tão rejeitado uma vez na vida. Sirius era forte, forte como poucos, mas no fundo, todos anseiam por uma família, e ele fora privado disso ao nascer com o peso do sobrenome Black. Enfim, os cinco – Sirius, Regulos, Andromeda, Narcissa e Bellatrix – foram sozinhos ao Beco Diagonal numa tarde em que o calor estava insuportável. E calor excessivo, somado a um aglomerado de pessoas apressadas andando em todas as direções realmente não era uma boa mistura. Antes de chegarem lá, Sirius mantinha a doce ilusão de que as três garotas sabiam onde queriam ir, ele e Regulos sentariam em alguma poltrona e ficariam por horas esperando que elas se decidissem – e, como se isso já não fosse ruim o bastante, foi muito pior. Elas entraram em praticamente todas as lojas do lugar, e provaram praticamente todos os vestidos que puderam encontrar, em praticamente todas as cores disponíveis. Normalmente ver garotas desfilando de vestido seria algo no mínimo interessante para Sirius, mas aquilo já estava demais. Após várias horas de compras e tédio, somente Bellatrix ainda não havia comprado um vestido – porque, obviamente, ainda não havia encontrado nenhum bom o suficiente para ela. Sirius chegara no seu limite. “Para mim já basta, não dou mais um passo sem comer alguma coisa.” – disse, parando no meio da rua e cruzando os braços de uma maneira quase infantil. “Tanto faz por mim, não pedi que viesse.” – Bellatrix disse, fazendo menção de recomeçar a andar. “Você ouviu nossa tia, não devemos nos separar.” – Andie sentenciou, segurando a irmã mais velha pelo pulso. “Não me trate como criança, Andromeda.” – disse, puxando seu braço para fora do alcance da mão da outra. “Que seja, então. Onde você pretende ir, criatura?” Sirius a encarou com desdém. Andie revirou os olhos, as tradicionais discussões estavam para começar. – “Saiba que também não faço a mínima questão de sua presença, Bellatrix.” Antes que a garota pudesse responder, Regulos se manifestou. – “Eu conheço um lugar perto daqui.” “É um lugar decente?” – Narcissa perguntou, interessando-se pela conversa pela primeira vez. “Eu me nego a comer em qualquer bar sujo por aí, vai saber da onde vem a comida!” “Ah, Narcissa, você vai comer lá, ou não comerá em lugar nenhum.” – Sirius concluiu, ordenando o irmão mais novo para mostrar o caminho em seguida. A loira torceu o nariz, e Regulos também não pareceu muito contente em receber ordens. Justo quando ia tomar o crédito por levar todos a um lugar, Sirius tem de estragar seu momento e mandá-lo fazer isso. Sirius sempre dava um jeito de roubar-lhe a cena, seja discutindo com sua mãe, seja descendo sem camisa pelas escadas com o cabelo bagunçado, seja comendo com maus modos. Sempre. E agora, mais uma vez, ele tinha conseguido ser o centro das atenções. Os dois irmãos andavam lado a lado, e Regulos podia ver que Bellatrix mantinha os olhos fixos no outro, com uma expressão de desprezo e raiva estampada na cara. Mesmo o odiando, ela prestava atenção em Sirius quase o tempo todo, já a vira observando seus movimentos várias vezes. Mas para ele, Reg, o filho bom de Walburga e Orion, não restava nada, nem um olhar. Era um pensamento clichê, mas o que Sirius tinha que ele não tinha? Mais tarde Regulos talvez viesse a descobrir que eram, em grande parte, as coisas que Sirius não tinha que chamavam a atenção de Bellatrix – e muito mais do que qualquer Black sequer imaginara. Sirius não tinha maldade. Ele tinha sarcasmo de sobra, palavras ásperas, frases duras e atos enfadonhos certas vezes, mas não maldade. Ele era feito de luz, era um feixe de luz sufocado num mundo de trevas. “Tem certeza de que sabe onde está indo?!” – Sirius indagou, ao ver a expressão distante no rosto do irmão. “Você está com a cabeça nas nuvens.” – sorriu internamente; quase disse que o irmão estava com a cabeça na Lua, mas isso o fez lembrar de Remus, e ele jamais faria o mesmo tipo de comentário para Regulos e Moony. “É claro que eu sei onde estou indo.” – o garoto respondeu, áspero. “A propósito, já chegamos.” “Eu não gosto daqui.” – Sirius pensou alto. “É perto demais da Travessa do Tranco.” Ele olhou para os lados de uma maneira desconfiada. Havia uma dezena de bruxos mal encarados e com atitudes suspeitas pelo local, e ainda mais deles se olhasse mais adiante à esquerda, na própria Travessa. “Não era eu que teria que comer aqui ou não comeria em lugar nenhum?!” – Narcissa disse, erguendo uma de suas sobrancelhas cuidadosamente delineada. “O que?!” – Bellatrix soltou uma gargalhada falsa, ignorando o comentário da irmã. “O bravo Sirius, que tem coragem o bastante para enfrentar os Black, está com medo dos maltrapilhos da Travessa do Tranco?” Ela continuava rindo de uma maneira quase insana. Sirius soltou algo parecido com um rosnado que fez com que ela arregalasse os olhos por um momento e Cissy desse um passo para trás, e ele se arrependeu do ato irracional no mesmo instante. “Imagino que esteja se sentindo bem à vontade, Bellatrix, já vocês que são todos farinha do mesmo saco.” – retrucou, abrindo um sorriso cínico e puxando uma cadeira na mesa do restaurante. Andie sentou ao seu lado, e conteu o riso ao murmurar um “pelo menos ela te chamou de corajoso.” Sirius sorriu para a prima, ela sempre tinha um comentário alegre na ponta da língua, em qualquer tipo de situação. “Meça as palavras com cuidado, Sirius, Walburga ia ficar satisfeita em te castigar por muito menos que isso.” “É melhor você medir as palavras com cuidado, Trix.” – respondeu, lançando a ela um olhar tão mortífero quanto o da própria, para o qual ela simplesmente sorriu em deboche. Sem tomar partido na discussão, Narcissa sentou-se entre Andie e Regulos, o que deixava uma Bellatrix incômoda ao lado de Sirius. Por sorte, a mesa era redonda, o que fornecia uma distância pelo menos segura entre os dois, a garota teria de fazer muito esforço para conseguir esfaquear o primo. – “Eu não gosto desse lugar tampouco.” Bellatrix riu. – “Você é como uma borboleta sob um vidro, Cissy. É linda, mas não irá a lugar nenhum.”¹ “Por que é que você tem sempre de ser tão cruel?” – Andromeda disse, pensando alto, ao ver lágrimas brotando nos olhos da loira. Narcissa virou o rosto pálido para o lado, cobrindo-o com as mãos. “Não se deixe abalar por ela.” – sussurrou, apoiando uma mão no ombro da irmã. “Coma com cuidado Bellatrix, você não vai querer morder a língua.” – Sirius disse, encarando a prima, que agora fazia uma cara de quem não havia entendido, mas jamais perguntaria. “Morreria envenenada.” Ela apenas revirou os olhos. “Certo, quem quer pedir?” – Andie disse, pegando o cardápio, na esperança que a discussão cessasse, o que, por incrível que pareça, foi o que aconteceu. Pelo menos para aquela hora do dia, eles tinham acabado com o estoque de frases ofensivas. O único comentário que Sirius dirigiu a Bellatrix depois disso foi um “branco não lhe cai bem”, quando ela provava vestidos novamente. Era mentira, branco lhe caía tão bem quanto qualquer outra coisa, já que a desgraçada conseguia ser tão bonita. Mas, não permitindo-se admirá-la, Sirius tentava se concentrar no fato de que branco era uma cor pura demais para ela. Segundos depois, Bellatrix se dirigiu à vendedora, lançando ao primo um sorriso cínico antes de falar – “Vou ficar com o branco.” Sentiu seu sangue voltar a ferver, mas não pode deixar de soltar um riso. Aquela garota era insuportável de tantas maneiras que ele não conseguia nem descrever. “Deveria deixar o branco para o casamento, Bella.” – Narcissa disse, tentando inutilmente camuflar o ciúmes da beleza deslumbrante da irmã. “E você deveria se preocupar em arranjar um, antes de se meter no meu.” – respondeu, exibindo um sorriso vitorioso. Para completar o dia de cão de Sirius, ao chegar na Mansão, foi obrigado a passar o que pareceram horas em pé em cima de um banquinho, enquanto o alfaiate da família tirava suas medidas e o fazia provar um traje de gala atrás do outro – e ele não saberia dizer em qual se sentiu mais ridículo – e sua mãe supervisionava tudo. Por que mesmo ele estava concordando em ir a esse baile? “Certo, certo.” – disse, descendo do banquinho. “Nós realmente não precisamos fazer isso, não faz sentido que eu vá a esse baile. Vocês não precisam mostrar a ovelha negra da família para o resto da sociedade, e eu não tenho que aturar horas de tédio. Todo mundo sai ganhando.” – deu um sorriso suplicante e falso a sua mãe, na esperança tola de ser liberado. Deveria ter pensado por um minuto e ter usado outro tipo de abordagem – a contrária. Afinal, Walburga nunca faria algo que ele pedisse, mesmo que lhe fosse conveniente de certa forma. Talvez se tivesse dado pulinhos de alegria cantarolando sobre o quanto estava empolgado com o baile ela o deixasse de fora, mas as chances também eram poucas. “Nem pense nisso.” – ela sentenciou, sem sequer olhá-lo, voltando a conversar com o alfaiate sobre alguns possíveis ajustes. Obviamente, depois da sessão tortura, Sirius teve de aturar o que devia ser o quinto discurso da semana sobre como se portar num baile da elite bruxa. Vários minutos de tédio palpável – e o pior era que, até a maldita noite do baile, ele provavelmente teria que agüentar muitos outros. Quando foi finalmente dispensado para ir para o quarto, mal teve tempo de deitar na cama e ouviu uma voz muito familiar vindo de dentro de uma gaveta. – “Padfoot? Está aí?” Apressou-se em levantar em busca do espelho de duas faces, que era sempre muito útil em seus verões terríveis. – “Olá, Prongs.” Sirius viu o reflexo do amigo no espelho, e aquela foi com certeza uma visão reconfortante. Enquanto estava na mansão, Hogwarts parecia simplesmente um sonho bom que tivera, e falar com James lhe dava um gostinho de realidade, uma realidade boa, da qual ele só estava afastado por algum tempo. “Como você se sente?” – James perguntou, dando um suspiro triste pelo amigo. ”Preso. Entediado. Irritado. O adjetivo que você preferir.” “Pobre Sirius.” – brincou, levando as mãos à boca. “Então você está bem, pensei que já tinham te trancado no porão sem comida nem água.” – falou, rindo e despenteando os cabelos naquele seu jeito típico. “Não, ainda não.” – Sirius soltou uma risadinha franca. “Mas quem sabe depois do baile.” “Baile?!” ”Por onde você tem andado, James?” – perguntou, erguendo uma sobrancelha. “Como é possível que ainda não tenha ouvido falar no baile do século que vai ocorrer na mansão Black?” “Ah!” – ele deu um tapa na testa. “É verdade, papai comentou comigo. Quer dizer que suas primas estão aí também?” “Elas estão sempre aqui, não estão?” James riu. – “Bellatrix está menos irritante esse verão?” “Tá brincando? Aquela garota é o demônio.” – Sirius bufou, atirando-se de costas na cama e apoiando a cabeça no braço, enquanto segurava o espelho com a outra mão. “Pode ser, mas ela definitivamente não se parece com um.” – um sorriso malicioso se formou no rosto de James. ”É, bem, demônios tem formas diferentes de se disfarçar entre os humanos. Mas se eles supostamente tentam se camuflar, ele não fez uma escolha muito boa, não conheço alguém que chame tanta atenção quanto Bellatrix.” ”Talvez sua outra prima, Narcissa, mas acho que ela faz de propósito.” – comentou, distraído. “E você acha que Bellatrix não faz de propósito? Ela só é uma atriz melhor.” – Sirius disse, com uma expressão de nojo. Ficaram algum tempo em silêncio. Essa era uma das partes boas em conversar com James, na maioria das vezes, ele sabia quando fazer ou não perguntas, a menos que estivesse sob o efeito Lily Evans – aí ele virava um idiota de primeira. “Tenho que ir.” – Sirius disse, ouvindo Monstro chamá-lo para jantar. “Certo. Tente não fazer nada pelo qual eles queiram te matar.” – James respondeu, rindo, enquanto arrumava seus óculos. ”Acredite Prongs, eles já querem me matar, só que ainda não podem.” – disse, levantando-se da cama. “Nos falamos depois.”




N/A: ¹ fiz uma adaptação de uma parte da música Beware! Criminal - Incubus.

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