Males que Vêm para o Bem

Males que Vêm para o Bem



Cap. 9 - Males que Vêm para o Bem

Já estava anoitecendo. Tonks olhou em volta sentindo-se estranhamente perdida. Não, ela não tinha fugido de casa. Ainda estava em seu quarto, sentada em sua cama, abraçando os joelhos de forma protetora. O rosto estava vermelho o nariz trancado, os olhos ardiam: sinais claros de que passara horas chorando. Os cabelos, em sua forma natural, castanhos escuros e ondulados, caiam por sobre seus ombros, e alguns fios grudavam em sua face.

Agora que parava para pensar, não podia acreditar que tinha sido tão fácil. E, de qualquer forma, tudo aquilo parecia ter acontecido há milhões de anos luz dali. Não era possível que tivesse acordado sentindo-se tonta de felicidade, não naquele mesmo dia. Então ele partira.

No que estava pensando afinal, se envolvendo com ele? Carlinhos estava certo. Tinha sido ingênua, impulsiva, inconseqüente. Essas eram características que a descreviam bem, se parasse para pensar. Ela devia ter ao menos desconfiado!

Mas como podia desconfiar de alguém como ele?

Ouviu a porta do andar de baixo se abrir, e a voz dos pais. Lembrou do que tinha feito com eles. Traíra a confiança deles. Droga. Fizera tudo, tudo errado, para terminar com absolutamente nada. Sentiu novamente as lágrimas inundarem seus olhos, e escorrerem.

- Ninfadora, você está aí? – perguntou a voz da mãe.

Ela secou o rosto e correu para o banheiro. Não queria que Andrômeda notasse que andara chorando. Ligou o chuveiro.

- Estou tomando banho – gritou.

- Ah. Bem, eu vou fazer o jantar. O que quer comer?

Ela não sentia o menor apetite. Não conseguia nem se imaginar comendo, que já se sentia enjoada. Mas, sem se importar com isso, respondeu:

- Que tal massa?

E ela ouviu a mãe dizendo, tendo certeza de que com um sorriso:

- Certo, será massa então – e descer as escadas – Já desisti de tentar fazer você comer salada, mesmo... – a voz da mãe se afastou.

Ela entrou no chuveiro, e deixou a água quente correr por seu rosto, seu corpo, como se pudesse levar seus problemas embora. A dor que fazia sua cabeça latejar foi passando lentamente, enquanto ela lavava os cabelos. Queria ficar ali para sempre... Assim, sozinha, em silêncio, com a água parecendo aliviar sua dor, fazendo com que todo parecesse mais aceitável, ou talvez como se nem tivesse acontecido... ou tivesse apenas acontecendo com outra pessoa, e ela fosse apenas a espectadora.

- Como foi o fim de semana? – perguntou a mãe tranquilamente, minutos depois, quando ela desceu até a cozinha.

- Bom. Ótimo.

Andrômeda levou um grande prato de massa para a mesa e a família sentou-se para comer. Enquanto mastigava, sem vontade, a comida, Tonks olhava repetidas vezes para o rosto calmo da mãe. Ela nem desconfiava!

Sua maior vontade era se abraçar à mãe e chorar, contar a ela o que aconteceu para poder depois ser consolada, com promessas de que tudo ficaria bem, de que tudo daria certo, para ela não se preocupar. Mas dessa vez ela não podia contar. Não podia dizer qual era o problema. E era culpa dela, totalmente. Ela fizera isso. Dessa vez, percebeu, estava sozinha.

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Tonks revirou-se na cama. Não se sentia bem. Estava com frio. Já estava praticamente escondida embaixo de incontáveis cobertores, e continuava tremendo. Isso não era bom. Devia estar gripada. Encolheu-se mais.

Não conseguia dormir. Esse era o pior. Sentia aquele horrível cansaço de quando se pega um resfriado, mas não conseguia adormecer. Pensou em chamar Carlinhos, que estava no quarto ao lado, mas não quis incomodar mais. Já lhe dera trabalho o suficiente, e afinal, ele ia embora na manhã seguinte. Não queria deixa-lo preocupado.

Talvez melhorasse com um pouco de água ou um chá. Talvez só precisasse se levantar um pouco e parar de sentir pena de si mesma, de se fazer de vítima. Talvez fosse uma coisa mais psicológica. Tinha certeza de que já tinha lido sobre isso em algum lugar.

Levantou-se rapidamente, esperando ver o resultado. Não foram muito positivos. Ela sentiu mais frio, e tremeu ainda mais. Sentiu tontura. Ao colocar as costas da mão na testa, viu que estava queimando. Droga. Não era psicológico, afinal de contas. Mas agora que, com muito esforço e meio frágil, estava de pé, iria ao menos descer até a cozinha. Talvez houvesse algo no armário de poções que a ajudasse.

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O que fora aquilo?

A pergunta rodara sua mente repetidas vezes, e ainda não havia solução. Um namorado provavelmente. Ou alguém que ela encontrou em um bar ou festa que certamente freqüentava. Jovens como ela, todos animados, bonitos, e cheios de energia e diversão. Ou – e ele torcia por isso embora não acreditasse – ele tinha entendido tudo errado, e era apenas um amigo.

Um amigo que estava deitado sobre ela na cama. Ótimo.

Seria então o fato de ela ter simplesmente saído por aí e encontrado alguém para esquecê-lo? Ou então alguém com quem passar o tempo? Não. Não, com certeza, ela não era esse tipo de pessoa. Mas também, quem garantia que ela realmente ainda sentia algo por ele? Ele já a dispensara tantas vezes... No lugar dela ele também ficaria revoltado, admitiu. Também não gostaria de ser tratado como a estava tratando. Mas era absurdamente necessário! Será que ninguém entendia?

Ainda assim... quem era o ruivo com ela? E por que ela parecia tão feliz com ele?

Mas por que aquilo o incomodava tanto? Conseguira viver todos aqueles anos sem ela, por que de repente se tornara tão ciumento? Tão dependente? Eram perguntas demais, mas não havia respostas suficientes. Resposta alguma, se fosse bem sincero.

Estava pronto para passar o resto da noite remoendo aquelas perguntas, quando, tirando-o por um segundo de seus devaneios, uma fração de segundo antes de ela entrar, ele ouviu os passos no patamar. Ouviu a porta ranger e se abrir, e ela entrar, os cabelos castanho-escuro, longos – provavelmente sua aparência natural, pensou ele – bagunçados, os olhos negros, que se arregalaram ao vê-lo ali.

Estava descalça. Usava uma calça de pijama de cintura bem baixa, como costumava usar as calças jeans durante o dia. E a camiseta vários centímetros mais curta do que seria apropriado. Ao constatar isso, ele sentiu o rosto quente.

Mas teve tempo de constatar que ela também parecia extremamente quente, de uma maneira diferente. Não parecia bem. O rosto estava corado e suado, e ela tinha uma aparência um pouco doentia. Ele levantou-se, esquecendo por um momento que estavam brigados, e deu um passo incerto em sua direção.

Ela abriu a boca para dizer algo, mas apenas respirou profundamente, o rosto mostrando uma expressão de dor. Respirava com dificuldade. Aproximando-se um pouco mais ele pôde sentir o calor emanando do corpo dela.

- Tonks? – chamou preocupado, pousando a mão delicadamente em seu ombro, lembrando-se vagamente de que o namorado dela podia não gostar disso. Ela tremia. Tornou a abrir a boca sem emitir som algum, então apenas fez um sinal com a cabeça. Queria dizer: “Estou bem, não se preocupe”. Mas era impossível não se preocupar vendo-a naquele estado.

- Você não está bem – ele disse, afastando uma mecha de cabelo do rosto úmido dela.

- Estou – murmurou ela – Tudo bem. Só vim – ela respirou com força – pegar um copo de água.

- O que está sentindo? – ele encontrou seus olhos, mas ela os evitou.

- É só uma febre. Vou estar melhor amanhã.

- Sente-se – ordenou ele.

Ela não tinha forças para revidar e iniciar outra discussão. Apenas desabou na cadeira mais próxima e deitou a cabeça nos braços, sentindo-se mole, fraca, como se não pudesse sustentar o próprio corpo. Observou, sem saber se era realidade ou sonho, Remus revirar diversos armários em uma velocidade recorde, até aparecer com um pequeno frasco com um líquido branco-transparente, que levou até ela. Mas não deu-o em suas mãos. Segurou-o para que ela o bebesse. Ela sentiu-se grata por isso, pois não tinha certeza de que conseguiria sequer segurar o frasco.

Pegou então um copo de água, e tirou de um dos armários um termômetro e uma pequena toalha, que ele colocou embaixo da torneira e depois torceu. Colocou tudo em uma bandeja que, com um feitiço, fez levitar atrás dele. Ocorreu a ela, vagamente, por que Remus não se tornara médico. Mas talvez suas condições especiais não lhe permitissem.

Então foi até ela e ajudou-a levantar. Ela caminhou lentamente ao lado dele, subindo as escadas. Pisou em falso em um dos incontáveis degraus e desequilibrou-se. Agarrou-se ao braço dele, sem pensar, com o único objetivo de manter-se de pé. Então lembrou quem ele era, e sentiu-se constrangida. Mas ele pareceu ignorar o fato e passou o braço em torno da sua cintura, ainda que hesitasse em fazê-lo, e ajudou-a a subir o restante dos degraus até chegar ao seu quarto.

Ela se deitou e enrolou-se depressa em seus muitos cobertores. Remus sentou-se ao lado dela e ficou apenas observando-a por alguns instantes, até afastar os cabelos úmidos da testa dela e colocar a toalhinha úmida nela. Ela jurou que podia sentir água fria evaporar de encontro a sua pele fervendo. Mas, de algum modo, a sensação foi agradável.

Ela se aconchegou e afundou em seu travesseiro.

- Obrigada – murmurou – Eu já estou bem – mentiu, embora ainda tremesse e ainda sentisse frio ao mesmo tempo em que o corpo pegava fogo. Mas ele parecia saber que não era verdade, por que não se moveu, apenas continuou ali – Você devia trabalhar no St. Mungus – disse ela vendo o silêncio se estender. Não gostava do silêncio. Não daquele jeito.

- Nunca conseguiria um emprego lá, você sabe. É quase impossível um lobisomem encontrar trabalho – mais silêncio – E então, por que seu namorado não está aqui com você? – ele não conseguiu impedir-se de perguntar. Quando se deu conta de que as palavras realmente haviam escapado da sua boca sentiu-se extremamente estúpido. Como uma criança implicante. Mas realmente queria ouvir a resposta.

- Não tenho namorado – disse ela, de olhos fechados, a voz lenta, em um sussurro – Do que está falando? Ah – exclamou ainda em voz baixa e cansada – é Carlinhos? – ela sorriu, mantendo os olhos fechados – Ele é só meu amigo. Meu melhor amigo desde que eu tinha onze anos. Escrevi para ele e veio me visitar. Não quis acordá-lo.

Uma alegria quase ridícula invadiu Remus, e ele fingiu na o saber o porquê. Não se sentiu mais tão culpado de estar ali cuidando dela. Por pouco não deixou mostrar o enorme sorriso que parecia vir de dentro dele.

Continuaram quietos, mas, ao menos de parte dele, aquilo não parecia mais tão desconfortável. Ficou apenas sentado ali, observando-a, admirando-a. cerca de meia hora depois, a respiração dela era compassada e ela parecia infinitas vezes melhor. Provavelmente havia adormecido. Ele se levantou devagar, tomando cuidado para não fazer barulho algum. Mas antes que estivesse totalmente de pé, a mão dela correu para seu pulso, e ela abriu os olhos, virando todo o corpo na direção dele.

- Não vá – murmurou – Por favor.

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No início ela lhe escreveu cartas, mesmo que se recriminasse por isso. Com o tempo, parou de esperar respostas. Depois escrevia as cartas apenas para amassá-las e joga-las fora. Por fim, ele ficou guardado em um canto qualquer de seu cérebro, impedido por ela de sair e tomar conta dela novamente. Mas por vezes, as memórias eram mais fortes que ela e conseguiam escapar.

Nesse dia ela estava sentada junto com Hanna no Salão Comunal da Grifinória. Nevava lá fora, e ela olhava os flocos de neve cair lentamente, pela janela. Era um dos dias em que a lembrança dele a havia vencido e ela se perdia nela. Hanna e Carlinhos haviam aprendido tão bem a identificar esses momentos que sabiam exatamente a hora em que deviam se meter, para cortar o mal pela raiz.

- Ei, Tonks – disse ela, vendo a amiga começar a se desligar do mundo a sua volta.

- Hã? – perguntou desatenta.

- Ninfadora! – Ela finalmente desviou o olhar da janela e encarou a amiga, irritada.

- O que foi?

- Acho que Brian gosta de você! Brian McMoorey!

Brian McMoorey era capitão do time da Corvinal. Há anos as partidas entre as duas casas eram as mais intensas, e os dois costumavam fazer grande questão de impedir as jogadas um do outro, em campo. Era apenas implicância quando eram pequenos. Para ela, continuou sendo. Para ele, não.

- Por quê? – perguntou, fazendo-se de desentendida.

Na verdade, talvez até o final do ano anterior, também para ela a coisa estivesse mudando. Talvez ela estivesse realmente gostando dele, quando a última partida do ano anterior ocorreu, e os dois times se enfrentaram. Talvez, mas não mais. Não depois do que ela passara no verão.

Hanna começou a falar, exultante, mas Tonks não estava prestando atenção. Pensou em como a antiga Tonks ficaria após essa notícia. Com certeza alegre, risonha, faria brincadeiras com os amigos. Talvez o chamasse para sair no próximo passeio a Hogsmeade. Provavelmente iriam se beijar, e até era possível que namorassem por um tempo, e milhares de garotas em Hogwarts morreriam de inveja dela, e ela seria alvo de olhares venenosos e cheios de inveja por parte destas, sem se importar, achando tudo muito divertido, e fazendo piadas.

Agora, nada disso levantava sequer um mínimo interesse. Um garoto gostava dela. A achava bonita. Ótimo. Provavelmente depois de alguns meses também iria embora. Ela não precisava disso. Não precisava se sentir tão bem, tão feliz, tão amada, se depois tudo seria tirado dela. Era preferível, então, não sentir.

Hanna devia ter visto pela cara da amiga que ela não se importava com a notícia. Levantou-se e a abraçou.

- Ah, Tonks – murmurou, com a voz abafada – Vai ficar tudo bem.

- Claro que vai – disse ela – Eu vou voltar a ser a velha Tonks. Só preciso de um tempo... para encontrá-la.

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Tonks acordou, sentindo o calor dos vários cobertores sobre ela. Chutou-os para longe, e sentou-se na cama. Estava suada, mas agora era simplesmente calor. Não estava mais se sentindo doente. Já estava bem, de volta ao normal.

Olhou em volta e viu Remus sentado, a cabeça caída para o lado, dormindo, no pequeno sofá de seu quarto. Fora realmente bondade dele, ficar ali com ela a noite toda! Ela se levantou silenciosamente e tomou um banho rápido. Vestiu-se e desceu para a cozinha. Queria fazer algo para lhe agradecer.

Quinze minutos depois subia de volta ao seu quarto, com uma bandeja contendo um grande copo de suco de laranja, um prato com bolo de chocolate, e outro com ovos e torradas. Bem, não sabia o que ele ia querer, então trouxera de tudo um pouco! Fazia todo o sentido.


- Remus! – gritou, atirando-se ao seu lado no sofá onde ele dormia. Ele abriu os olhos, confuso, e olhou para os lados, alarmado. Quando viu o rosto dela ainda com a aparência da noite anterior, enrubesceu e baixou o olhar – Fiz seu café da manhã! – disse ela, feliz, e pensou, com certo embaraço, que parecia uma garotinha de cinco anos, orgulhosa de um desenho que fizera, ou algo assim.

Ele sorriu, agradecido e apanhou uma torrada. Sem esperar convite, ela começou a comer o bolo de chocolate. Havia deixado que ele escolhesse primeiro, e seu agradecimento parava por aí. Além disso, estava faminta.

Comeram tudo o que ela trouxera. E, ali, ela viu que, despercebidamente, haviam feito às pazes. Não foram necessárias palavras para isso. Sentiu-se inexplicavelmente feliz.

Quando ele deixou o quarto dela, ela, alegre, não imaginava que voltaria a vê-lo horas depois, em circunstancias tão diferentes. Apenas tarde da noite, quando ela já estava pronta para ir se deitar, ele bateu à sua porta.

- Arthur foi atacado, no Departamento de Ministérios!

*

N/A: Alguns acontecimentos desse capítulo foram inspirados em outro livro, se você leu, vai saber qual é, senão, pode continuar achando que foi uma idéia totalmente original minha...
Obrigada mesmo pelos comentários, estou adorando! E, agora que os dois estão em paz, podem esperar um beijo, logo, logo....
Estou esperando a opinião de vocês!
Beijos,
Senhorita Granger

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