Dia de Mau-Humor



DIA DE MAU-HUMOR


Lily acordou extremamente mau-humorada no dia seguinte. Tinha demorado para dormir, pois ficou lembrando da maldita frase de Potter. Aliás, primeiro foi a frase. Mais tarde conseguiu relembrar do sorriso, do movimento de mãos, de cada ponta de seu maldito cabelo desarrumado. Lembrou do tom de voz, do olhar, e até das dobras de sua veste. Parecia tão real que ela tivera a sensação de viver aquela cena muitas e muitas vezes antes de pegar no sono. E quando finalmente dormiu, Hermione a sacudiu avisando que deviam tomar café para não se atrasar para a primeira aula. Levantou-se e ainda em estado de sonolência colocou as vestes e penteou o cabelo. Teve a impressão de ter deixado alguns nós e de ter colocado uma roupa amassada, mas para seu estado de quase Zumbi estava muito bom. Desceu as escadas lentamente, dando passos pesados e irritados. Estava disposta a gritar com o primeiro que aparecesse na sua frente. E, é óbvio, que essa pessoa foi ninguém menos do que James Potter. Revirou os olhos assim que o viu, mas não tinha como fugir. Ele veio andando em sua direção, sorrindo. Tudo o que ele sabia fazer: sorrir. Lily tentava escolher o melhor entre os milhares de xingamentos que pulavam em sua mente, mas não tinha se decidido quando ele chegou perto dela e disse:


-Bom dia, Lily! Acordou mais bonita do que nunca!


-Percebe-se que seu senso de estética é zero, Potter. -disse ela bufando. Que ele a elogiasse normalmente ela até podia entender, pois afinal de contas ela era apresentável. Mas naquele dia ela estava um lixo e tinha plena consciência disso.


-Sinto dizer que você está enganada, minha flor! Eu tenho muito senso de estética. Sou muito seletivo quanto a garotas. E, é importante lembrar, que eu me acho lindo, e todas as meninas da escola estão aqui para comprovar o que eu digo!


Ela abriu a boca para começar o seu sermão de quão metido ele era, e de como ele estava errado, já que ele NÃO era bonito! Mas enquanto escolhia as palavras mais furiosas e agressivas chegou Harry. Atrás dele estavam Ron e Hermione. Os três vieram sorrindo e acabaram com o clima. Ela perdeu totalmente o rumo de seus pensamentos, e quando se deu conta estava caminhando rumo ao Salão Principal conversando calmamente com James. Mas isso não ia ficar assim. Ela precisava descontar seu mau-humor, e tudo indicava que James era a vítima. Sentaram-se na mesa da Grifinória e começaram a comer. Lily enfiava o garfo com força na comida, e imaginava diversas cenas que a divertiram muito: ela chutando James, ela enfeitiçando James, ela dando um tapa em James ou simplesmente xingando James até fazê-lo chorar. Certo, essa última parte era improvável, mas em sonhos tudo é possível, como ela explicou para si mesma. Continuou pensando em Potter, mas de repente viu que as cenas não eram mais aquelas. Eram cenas reais! Quando James a convidou para sair pela primeira vez, como James tinha explicado como transformar uma almofada em colher e quando no primeiro dia em Hogwarts ele mostrou a ela como atravessar a barreira da plataforma 9 ¾. E depois a maldita cena de ontem: “Eu confio em você, Lily”. Algumas cenas eram para ter caído no mais profundo esquecimento, não tinha sentido lembrar disso agora! Era um espaço na sua mente a ser ocupado pelas lições e aulas! Mas não por Potter! Com raiva, bateu o garfo com tanta força na mesa que fez o prato pular e derrubar as torradas com geléia em cima de sua roupa. E como não podia deixar de ser, com a parte da geléia para baixo. Harry perguntou:


-Está tudo bem?


Ela respondeu que sim e sorriu, quando de repente sentiu algo em seu colo. Virou-se assustada e constatou que era James limpando suas vestes com um guardanapo. Ela levantou as sobrancelhas e perguntou espantada:


-Por que você fez isso?


-Porque a sua roupa estava suja! -respondeu como se aquilo fosse evidente. Ela não encontrou resposta e olhou para o prato. -No que você estava pensando?


-Eu? -ele parecia realmente preocupado com ela, e tinha limpado suas roupas, o que ela foi obrigada a reconhecer: foi educado. Não podia responder que estava pensando nele. Ele ia dar aquele seu sorriso nada modesto e dizer algo como “não há motivo para preocupação então, você está pensando em coisas belas” ou “Lily, meu bem, eu também te amo”. Ela ia tentar explicar e dizendo que a princípio estava pensando em maneiras de matá-lo e humilhá-lo, mas aquilo era muita maldade. Afinal, ele estava preocupado. Não estava? -Estava pensando na aula de Flitwick, o novo feitiço é muito difícil.


-Com certeza -disse ele sem desconfiar de nada -Muito difícil. Eu...meio que reparei em você enquanto praticava o feitiço, e o movimento da sua mão não está certo. Tipo, você girou o pulso duas vezes, mas é para fazer isso apenas uma vez e meia. Se você acentuar a penúltima sílaba do feitiço também pode ajudar...


-Você reparou em tudo isso?


-Er...Sim... -disse ele um pouco envergonhado. -Se você quiser eu posso te ajudar a treinar, antes da nossa aula de História da Magia.


-História da Magia! -disse ela batendo novamente na mesa e fazendo o prato pular de novo. Chamou a atenção de várias pessoas da mesa com o gesto brusco, mas ela fingiu não perceber os olhares sobre ela -Tinha me esquecido completamente! Quando vai ser?


-Essa tarde. Lily, a gente estava falando sobre isso enquanto vinha para cá. Tá tudo bem mesmo?


-Claro, tudo ótimo! Só tinha me esquecido! -era só o que faltava: preparar uma aula para James Potter, como se ela não tivesse mais nada o que fazer.


-Se você não puder ou não quiser, tudo bem, a gente marca outro dia. Quer dizer, não deram nenhum prazo pra gente, né?


-É...Mas tudo bem, eu num vou fazer nada de especial hoje! -onde estavam seus pensamentos malignos e mau-humorados? Há dois minutos atrás ela estava pensando em como assassiná-lo, e há menos de 30 segundos estava reclamando da falta de tempo! E agora dizia que tinha todo o tempo do mundo? -Deve ter bebida alcoólica nesse suco... -disse baixinho.


-Como? -James perguntou.


-Nada não! -disse ela.


Eles ficaram sem falar por um tempo. Harry e Ron falavam animadamente sobre o jogo Grifinória e Sonserina que seria na próxima semana, e Hermione estava com a cara enfiada num caderno de Transfigurações revendo suas anotações da última aula. Ela estava tendo dificuldades para transformar um jabuti numa caixa de fósforos. Segundo ela um dos palitos lembrava vagamente um rabo de jabuti. Harry e Ron, que nem estavam perto de conseguir o resultado que a menina atingira em tão pouco tempo (Ron tinha conseguido deixar o casco do bicho em formato de caixa e Harry não conseguia tirar as patas de sua caixinha) disseram que ela estudava demais e que não pensava mais em nada, o que a deixou muito ofendida. Todos acabaram de comer e se encaminharam para a aula de Transfigurações. Lily, que agora estava mais acordada, lembrou-se de repente que tinha esquecido suas anotações da última aula no dormitório, e se recusava a ir para a aula sem elas. Ron murmurou algo como “conheço essa história...” o que fez Hermione corar e Harry sorrir. Foi decidido que Lily subiria até a torre e os encontraria na sala. Mas o destino não estava ao seu favor. Os três estavam muito empenhados em juntar Lily e James, e a cada oportunidade que tinham os deixavam sozinhos. Como era de se esperar mandaram James fazer companhia a ela, ao que ela protestou. Mas, sem saída, foi obrigada a aceitar, já que ele podia ir até a torre da Grifinória se quisesse. E como ela tinha pressa não valia a pena discutir. Sua raiva estranhamente tinha passado, mas ela se conhecia bem: o mau-humor estava apenas adormecido e a qualquer momento podia voltar. E pobre de quem estivesse do seu lado...Os dois foram andando quietos, e aquele silêncio estava constrangedor. James resolveu então falar alguma coisa:


-E então, Lily, que horas eu posso te encontrar para a gente estudar?


-Hum...Eu não sei...Acho que às 17:00 eu vou ter tudo preparado.


-Então eu te encontro no salão comunal.


-Certo. -ela murmurou enquanto olhava para baixo.


-Escute, Lily, se você não quiser fazer isso eu entendo. Eu gosto de você, mas não quero que você faça nada contra a sua vontade. Não posso e nem quero te obrigar a me aturar. -ela não respondeu nada, apenas continuou olhando para baixo. Ele continuou -Se você quiser desistir da aula, me avisa.


-Por que você está dizendo isso? -ela o olhou firmemente, diretamente nos olhos. Ele não respondeu imediatamente, de modo que os dois ficaram se olhando por alguns momentos. Então ele sacudiu a cabeça e desviou o olhar.


-Eu já disse: eu gosto de você. Você pode não acreditar, pode dizer que eu não gosto de ninguém, mas o fato é que eu gosto de você. E não quero ver você fazendo nada de má vontade.


Ela assentiu e ele continuou andando. Ela o seguiu. Sorriu. De repente já nem se lembrava mais do porquê de ter acordado de tão mau-humor. Estava gostando de vê-lo assim...Não sabia explicar. Não que estivesse gostando de tudo aquilo. Não estava gostando, estava?? Ela sempre, sempre havia odiado Potter! Tinha de ter alguma razão! Então por que ela estava sorrindo ao pensar nele? Por que tinha pensado que afinal de contas ele não era um traste tão grande? Aliás, por que estava pensando em James Potter, por que estava andando calmamente com James Potter como se os dois fossem velhos amigos? Eles não eram nem amigos! Ou eram? E todos os anos que ela o rejeitara, todos os xingamentos que ela tinha usado para descrever sua pessoa, todas as brigas, tantas lágrimas de raiva? Tudo isso tinha um motivo! Parou subitamente de andar. Tinha um motivo. Um motivo para odiar James Potter, um motivo para rejeitá-lo. Um motivo concreto. Um motivo materializado na sua frente. A cena a seguir comprovou todas as suas teorias, e ela cerrou os punhos para tentar controlar a sua raiva. Estava certa quando pensara que seu mau-humor estivera adormecido. Mas naquela hora toda a ira pareceu voltar a seu corpo com força redobrada. Sentia seu corpo arder, mas permaneceu apenas olhando.


James estava a alguns passos a sua frente. Parara para conversar com uma menina do quinto ano da Corvinal, segundo as suposições de Lily. Ela não sabia ao certo sobre o que conversavam, mas o tom galanteador de James era muito evidente. Lily revirou os olhos, sentiu vontade de vomitar. Aparentemente os dois estavam muito animados com a conversa. Lily não se controlou mais, e encaminhou-se para perto dos dois. E aquele lance de ser legal? Aquele “eu-gosto-de-você-e-só-quero-te-ver-feliz”? Pura falsidade! Como ela pôde acreditar? Decididamente aquele Potter não era confiável! Só não sabia como caíra num truque tão barato! Quando estava mais ou menos próxima começou a gritar com todas as suas forças:


-POTTER! O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO COM ESSA GAROTA?


-Garota, não -disse a menina impaciente por ter sido interrompida no que devia ser o melhor da conversa -Meu nome é Julia Adams, eu sou do quinto ano da Corvinal.


-NÃO ME INTERESSA DE ONDE VOCÊ É! SÓ SEI QUE É UMA OFERECIDA! -ela tinha plena consciência de que devia estar muito vermelha e que provavelmente estava chamando muita atenção, mas não ligou para isso. Ia descontar toda a sua raiva nos dois.


-Lily, você ta dando um escândalo... -a voz de Potter estava tímida, o que a irritou ainda mais. Pra que continuar se fingindo de bonzinho? Ela já tinha percebido que era tudo falsidade!


-EU NÃO LIGO PARA ISSO! EU QUERO DAR UM ESCÂNDALO! VOCÊ É UM FALSO, POTTER! FALSO E GALINHA!


-Eu tava só conversando, Lily! -ele tentou se explicar. -Eu num tenho interesse nela.


-Não tem?? -Julia pareceu ficar brava também. -Olhe, James, a gente se vê por aí.


-Julia! Ei, espera! -ele tentou impedi-la, mas ela caminhou muito rápido até sumir de vista. Ele virou-se para Lily chateado e disse -Você tinha que atrapalhar tudo?


-TUDO O QUÊ? HÁ DOIS MINUTOS ATRÁS VOCÊ DISSE QUE GOSTAVA DE MIM!


-E gosto, Lily! Mas VOCÊ não gosta! Quer que eu fique parado? Eu num to morto, não! Num vou ficar esperando você se decidir! Se você me disser um “Sim” eu largo qualquer garota na hora, você sabe disso!


-EU NÃO QUERO QUE VOCÊ LARGUE NINGUÉM! EU NÃO GOSTO DE VOCÊ! E NÃO QUERO QUE UM DIA, DEPOIS DE VOCÊ SE CANSAR DE MIM, DECIDA ME LARGAR PRA FICAR COM OUTRA! -Ela continuou gritando, apesar de sentir (contra sua vontade, é importante ressaltar) que sua raiva estava sumindo.


-Eu nunca faria isso com você! -disse ele indignado.


-EU NÃO ACREDITO EM VOCÊ! -ela estava se sentindo bem menos disposta a gritar, mas não desistiu.


-Então é melhor eu desistir de você de vez! Eu não agüento mais! Você diz que não acredita em mim, diz que me odeia e assim que eu paro pra conversar com uma menina você começa a gritar! Decida-se, Lily Evans!


-Eu JÁ me decidi há MUITO tempo!


-Ótimo!


-Ótimo!


Os dois viraram de costas e começaram a andar. Então perceberam que estavam na direção errada e deram meia-volta. Assim que se cruzaram levantaram a cabeça e aceleraram o passo. James ia até a sala de aula encontrar Harry, Ron e Hermione enquanto Lily foi até o salão comunal pensando. “Eu fiz uma escolha, não fiz? Não só uma escolha como uma ótima escolha! Ele disse que gostava de mim, mas não deu dois segundos e ele já deu em cima de outra! Não é isso que eu quero! Tudo bem que ele é bonito, bom apanhador, simpático e...Não! Pare de pensar em elogios para James Potter! Ele não merece elogios! O fato é que você não gosta dele! Ou gosta? Ah, Lily Evans, deixe de ser idiota! Pare de gastar seu tempo pensando em Potter. Você o odeia e pronto!”.


James a viu sair de vista e suspirou. Saiu de seu esconderijo e se dirigiu para a sala de aula. Por que tudo tinha que ser assim?

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