Bagman e Crouch



Harry se desvencilhou de Rony e se levantou. Tinham chegado, pelo que parecia, a um trecho
deserto de uma charneca imersa em névoa. Diante deles havia dois bruxos cansados, com cara de
rabugentos, um dos quais segurava um grande relógio de ouro, e o outro, um grosso rolo de pergaminho e
uma pena. Ambos estavam vestidos como trouxas, embora sem muita habilidade; o homem do relógio
usava um terno de tweed com botas de borracha até as coxas; o colega, um saiote escocês e um poncho.
- Bom-dia, Basílio - cumprimentou o Sr. Weasley, apanhando a bota que os transportara e
entregando-a ao bruxo de saiote, que a atirou em uma grande caixa de chaves de portal usadas, a um lado;
Harry viu, entre elas, um jornal velho, latas de bebidas vazias e uma bola de futebol furada.
- Olá, Arthur - disse Basílio em tom entediado. - Não está de serviço não, é? Tem gente que se dá
bem... estivemos aqui a noite toda... é melhor você desimpedir o caminho, temos um grupo grande
chegando da Floresta Negra às cinco e quinze. Espere um pouco, me deixe ver onde é que você vai ficar...
Weasley... Weasley... - Ele consultou a lista no pergaminho. - A uns quatrocentos metros para aquele
lado, primeiro acampamento que você encontrar. O gerente é o Sr. Roberts. Diggory... segundo
acampamento... pergunte pelo Sr. Payne.
- Obrigado, Basílio - disse o Sr. Weasley e fez sinal para todos o acompanharem.
Eles saíram pela charneca deserta, incapazes de distinguir muita coisa através da névoa, Passados
uns vinte minutos, avistaram uma casinha de pedra ao lado de um portão. Mais além, Harry - pôde
distinguir mal e mal as formas fantasmagóricas de centenas de barracas, montadas na ondulação suave de
um grande campo, no rumo de uma floresta escura no horizonte. Eles se despediram dos Diggory e se
aproximaram da casa.
Havia um homem parado à porta, contemplando as barracas. Harry soube só de olhar que aquele
era o único trouxa legítimo numa área de muitos hectares. Quando o trouxa ouviu os passos do grupo,
virou a cabeça para olhá-los.
- Bom dia! - cumprimentou o Sr. Weasley animado.
- Bom dia - disse o trouxa.
- O senhor seria o Sr. Roberts?
- É, seria - respondeu o Sr. Roberts. - E quem é o senhor?
- Weasley, duas barracas reservadas há uns dois dias?
- Certo - confirmou o Sr. Roberts, consultando uma lista pregada à porta. - O lugar é lá perto da
floresta. Só uma noite?
- Isso - respondeu o Sr. Weasley.
- O senhor vai pagar agora, então? - perguntou o Sr. Roberts.
- Ah... certo... é claro. - O Sr. Weasley se afastou um pouco da casa e fez sinal a Harry para
acompanhá-lo. - Me ajude, Harry - murmurou, puxando do bolso um rolinho de dinheiro de trouxa e
começando a separar as notas. - Esta aqui é de... de... de dez? Ah é, vejo agora que tem um
numerozinho... então esta é de cinco?
- De vinte - corrigiu-o Harry falando baixo, incomodamente consciente de que o Sr. Roberts
estava tentando ouvir cada palavra que diziam.
- Ah é, é mesmo... Não sei, esses pedacinhos de papel...
- É estrangeiro? - perguntou o Sr. Roberts, quando o Sr. Weasley voltou com o dinheiro certo.
- Estrangeiro? - repetiu o bruxo, intrigado.
- O senhor não é o primeiro que se atrapalha com o dinheiro - disse o gerente, observando o Sr.
Weasley atentamente. - Tive dois querendo me pagar com grandes moedas de ouro do tamanho de cabras
de automóvel faz uns dez minutos.
- Sério? - disse o Sr. Weasley nervoso.
O Sr. Roberts vasculhou uma lata à procura de troco.
- Nunca esteve tão cheio - disse ele de repente, voltando outra vez o olhar para o campo
enevoado. - Centenas de reservas. As pessoas em geral aparecem sem aviso...
- Verdade? - exclamou o Sr. Weasley, a mão estendida à espera do troco, mas o Sr. Roberts não lhe deu nenhum.
- É - disse pensativo. - Gente de toda parte. Montes de estrangeiros. E não são só estrangeiros.
Gente esquisita, sabe? Tem um sujeito andando por aí de saiote e poncho.
- E não devia? - perguntou o Sr. Weasley ansioso.
- Parece que é uma espécie de... sei lá... uma espécie de convenção - comentou o Sr. Roberts. -
Parece que todos se conhecem.
Como numa grande festa.
Naquele momento, um bruxo de bermudão largo materializou-se do nada ao lado da porta da casa
do Sr. Roberts.
- Obliviate!- disse ele bruscamente, apontando a varinha para o Sr. Roberts.
Instantaneamente os olhos do Sr. Roberts saíram de foco, suas sobrancelhas se desfranziram e um
olhar de vaga despreocupação cobriu o seu rosto. Harry reconheceu os sintomas de alguém que acabara
de ter a memória alterada.
- Um mapa do acampamento para o senhor - disse o homem, placidamente, ao Sr. Weasley. - E o seu troco.
- Muito obrigado.
O bruxo de bermudão acompanhou o grupo em direção ao portão do acampamento. Parecia
exausto; a barba por fazer azulava seu queixo e havia olheiras roxas sob seus olhos. Uma vez longe do
raio de audição do gerente, ele murmurou para o Sr. Weasley.
- Estou tendo um bocado de problemas com ele. Precisa de um Feitiço de Memória dez vezes por
dia para ficar feliz. E Ludo Bagman não está ajudando.
Anda por aí falando em balaços e goles a plenos pulmões, sem a menor preocupação com a
segurança a trouxa. Pombas, vou gostar quando isso terminar. Vejo você mais tarde, Arthur.
E desaparatou.
- Pensei que o Sr. Bagman fosse chefe de Jogos e Esportes Mágicos - disse Gina parecendo
surpresa. - Devia ter mais juízo e parar de falar de balaços perto de trouxas, não devia?
- Devia - concordou o Sr. Weasley, sorrindo e passando com os garotos pelo portão do
acampamento -, mas Ludo sempre foi um pouco... bem... displicente com a segurança. Mas não se
poderia desejar um chefe mais entusiasta para o Departamento de Esportes. Ele jogou quadribol pela
Inglaterra, sabem. E foi o melhor batedor do Wimbourne Wasps que o time já teve.
O grupo avançou lentamente pelo campo entre longas fileiras de barracas. A maioria parecia
quase normal; os donos tinham visivelmente tentado o possível para fazê-las parecer equipamento de
trouxas, embora tivessem cometido alguns deslizes ao acrescentarem chaminés ou cordões de sinetas ou
cata-ventos. Porém, aqui e ali, havia uma barraca tão obviamente mágica que Harry não se surpreendia
que o Sr. Roberts estivesse desconfiado. Lá para o meio do campo, havia uma extravagante produção de
seda listrada como um palácio em miniatura, com vários pavões vivos amarrados à entrada. Um pouco
adiante, eles passaram por uma barraca que tinha três andares e várias torrinhas; e, mais além, havia uma
outra com um jardim anexo, completo, com banho para passarinhos, relógio de sol e fonte.
- Sempre os mesmos - comentou o Sr. Weasley sorrindo -, não conseguimos deixar de nos exibir
quando nos reunimos. Ah, lá está, olhem, aquela é a nossa.
Tinham alcançado a orla da floresta no alto do campo, e ali havia uma área livre com um pequeno
letreiro enfiado no chão em que se lia "Weezly".
- Não podíamos ter ganhado um lugar melhor! - exclamou o Sr. Weasley feliz. – O campo
preparado para as partidas é logo do outro lado da floresta, estamos o mais perto que poderíamos estar. -
Ele descarregou a mochila dos ombros. - Certo – disse excitado -, rigorosamente falando, nada de
mágicas, não quando estamos no mundo dos trouxas em tão grande número. Vamos armar estas barracas
à mão! Não deve ser muito difícil... Os trouxas fazem isso o tempo todo... tome, Harry, por onde você
acha que devo começar?
Harry nunca acampara na vida; os Dursley nunca o haviam levado em férias, preferindo deixá-lo
com a Sra. Figg, uma velha vizinha. No entanto, ele e Hermione descobriram como distribuir os paus e as
estacas, e embora o Sr. Weasley atrapalhasse mais do que ajudasse, porque ficara excitadíssimo quando
precisaram usar o martelo, eles finalmente conseguiram erguer duas barracas modestas para duas pessoas cada.
Todos se afastaram para admirar a habilidade manual deles. Ninguém que visse aquelas barracas
teria adivinhado que pertenciam a bruxos, pensou Harry, mas o problema era que quando Gui, Carlinhos e
Percy chegassem, eles formariam um grupo de dez pessoas. Hermione parecia ter identificado esse
problema, também; lançou a Harry um olhar cômico quando o Sr. Weasley ficou de quatro e entrou na
primeira barraca.
- Vamos ficar meio apertados - comentou ele -, mas acho que vai dar para nos espremermos.
Venham dar uma olhada.
Harry se abaixou, passou por baixo da aba de entrada e sentiu o queixo cair. Entrara em uma
barraca que parecia um apartamento antigo de três quartos, completo, com banheiro e cozinha. E o que
era curioso, estava mobiliado no mesmíssimo estilo que o da Sra. Figg; havia capas de crochê nas
poltronas sem par e um forte cheiro de gatos.
- Bom, não é para muito tempo - disse o Sr. Weasley, secando a careca com um lenço e espiando
as quatro camas -beliches que havia no quarto. - Pedi a barraca emprestada ao Perkins, lá do escritório. Ele
não acampa muito atualmente, coitado, está com lumbago.
O Sr. Weasley apanhou uma chaleira empoeirada e espiou dentro.
- Vamos precisar de água...
- Tem uma torneira assinalada no mapa que o trouxa nos deu - disse Rony, que seguira Harry para
dentro da barraca e parecia completamente indiferente a essas extraordinárias proporções internas. - Fica
do outro lado do campo.
- Bom, então por que você, Harry e Hermione não vão apanhar um pouco de água... - o bruxo
entregou aos garotos a chaleira e duas caçarolas -... e nós vamos apanhar lenha para fazer uma fogueira?
- Mas temos um forno - lembrou Rony -, por que não podemos...?
- Rony, segurança antitrouxa! - disse o Sr. Weasley, o rosto brilhando de expectativa. - Quando os
trouxas de verdade acampam, eles cozinham em fogueiras ao ar livre, já os vi fazendo isso!
Depois de uma rápida visita à barraca das garotas, que era ligeiramente menor do que a deles,
embora sem o cheiro de gato, Harry, Rony e Hermione atravessaram o acampamento levando as vasilhas.
Agora, com o sol de fora e a névoa se dissipando, eles puderam ver a cidade de lona que se
estendia para todas as direções. Caminharam lentamente entre as fileiras de barracas, espiando tudo com
interesse. Harry estava começando a se indagar quantos bruxos e bruxas devia haver no mundo; ele nunca
pensara realmente nos bruxos de outros países.
Seus companheiros de acampamento iam acordando aos poucos. Os primeiros a dar sinal de vida
foram às famílias com crianças pequenas; Harry nunca vira bruxos tão pequenos antes. Um pirralhinho,
que não tinha mais de dois anos, estava agachado do lado de fora de uma barraca em forma de pirâmide,
empunhando uma varinha com a qual cutucava, feliz, um caramujo na grama, que ia ganhando lentamente
o tamanho de um salame. Quando se emparelharam com ele, a mãe saiu correndo da barraca.
- Quantas vezes, Kevin? Não pode... mexer... na... varinha... do papai, putz!
Ela pisou no enorme caramujo, estourando-o. A bronca acompanhou os garotos pelo ar parado, se
misturando aos gritos do garotinho:
- Você acabou caramujo! Você acabou caramujo!
Um pouco mais adiante, eles viram duas bruxinhas, pouco mais velhas do que Kevin, cavalgando
vassouras de brinquedo que se elevavam o suficiente para os dedos dos pés das meninas rasparem a
grama orvalhada. Um bruxo do Ministério já as vira; quando passou correndo por Harry, Rony e
Hermione, murmurava agitado:
- Em plena luz do dia! Os pais devem estar cochilando, suponho...
Aqui e ali bruxos e bruxas adultos saíam das barracas e começavam a preparar o café da manhã.
Alguns, lançando olhares furtivos para os lados, conjuravam fogueiras com as varinhas; outros acendiam
fósforos com ar de dúvida, como se tivessem certeza de que aquilo não ia funcionar. Três bruxos
africanos conversavam sentados, trajando longas vestes brancas, enquanto assavam uma carne que
parecia coelho sobre uma fogueira púrpura berrante; um grupo de bruxas americanas de meia-idade
fofocava alegremente sob a bandeira estrelada que elas haviam estendido entre as barracas, na qual se lia
Instituto das Bruxas de Salem. Harry captava fragmentos de conversas em línguas estranhas que saíam
das barracas pelas quais passavam, e embora não conseguisse entender uma únic a palavra, o tom das
vozes era de excitação.
- Hum... são os meus olhos ou tudo ficou verde? - perguntou Rony.
Não eram os olhos de Rony. Os garotos tinham entrado em uma área em que as barracas estavam
cobertas por uma camada de trevos, dando a impressão de que morretes de formas estranhas haviam
brotado da terra. Viam-se rostos sorridentes nas barracas com a aba da entrada erguida. Então, às costas,
os garotos ouviram alguém gritar seus nomes.
- Harry! Rony! Hermione!
Era Simas Finnigan, um colega quartanista da Grifinória. Estava sentado diante de uma barraca
coberta de trevos, em companhia de uma mulher de cabelos louro-claros que só podia ser sua mãe e com
Dino Thomas, também da Grifinória.
- Gostaram da decoração? - perguntou Simas sorrindo, quando Harry, Rony e Hermione se
aproximaram para cumprimenta-los. - O Ministério não está nada feliz.
- E por que não deveríamos mostrar nossas cores? - perguntou a Sra. Finnigan. - Vocês deviam
ver o que os búlgaros penduraram nas barracas deles.
Vocês vão torcer pela Irlanda, naturalmente? - acrescentou ela fixando Harry, Rony e Hermione com insistência.
Depois de terem tranqüilizado a senhora de que realmente iam torcer pela Irlanda, os garotos
seguiram caminho, embora Rony tivesse comentado:
- Gomo se a gente fosse dizer que não ia, com aquela turma em volta da gente.
- Que será que os búlgaros penduraram nas barracas? - indagou Hermione.
- Vamos dar uma olhada - disse Harry, apontando para uma grande área de barracas mais adiante,
onde a bandeira da Bulgária, vermelha, verde e branca, tremulava a brisa.
As barracas não estavam enfeitadas com plantas, mas cada uma exibia o mesmo pôster, um pôster
com um rosto muito carrancudo com grossas sobrancelhas negras.
A foto, é claro, se mexia, mas apenas para piscar os olhos e franzir a testa. - Krum - disse Rony
em voz baixa.
- Quê? - perguntou Hermione.
- Krum! - repetiu Rony. Vítor Krum, o apanhador búlgaro!
- Ele parece bem rabugento - comentou Hermione, olhando para os muitos Krums que piscavam e
franziam a testa para eles.
- Bem rabugento?- Rony olhou para o céu. - Quem se importa com a cara dele?
Ele é incrível! E é bem moço, também. Tem uns dezoito anos, por aí. É um gênio, espere até ver hoje à noite.
Já havia uma pequena fila à torneira no canto do acampamento. Harry e Rony entraram logo atrás
de dois homens que discutiam acaloradamente. Um deles era um bruxo muito velho que usava uma longa
camisola florida. O outro era visivelmente um bruxo do Ministério; este segurava calças listradas e quase
chorava de exasperaçã o.
- Vista as calças, Arquibaldo, seja bonzinho, você não pode andar por aí vestido assim, o trouxa
no portão já está ficando desconfiado...
- Comprei isso numa loja de trouxas - defendeu-se o velho bruxo, teimando. – Os trouxas usam isso.
- Mulheres trouxas usam isso, Arqui, não os homens, eles usam isto aqui - disse o bruxo do
Ministério mostrando as calças listradas.
- Não vou vestir isso - retrucou o velho bruxo indignado. - Gosto de sentir uma brisa saudável nas
minhas partes, obrigado.
Hermione foi tomada por um tal acesso de riso, nessa hora, que precisou sair da fila e só voltou
depois que Arquibaldo tinha se abastecido de água e fora embora.
Caminhando mais devagar agora, por causa do peso da água, os garotos tornaram a atravessar o
acampamento. Aqui e ali, eles viam rostos mais familiares: outros alunos de Hogwarts com as famílias.
Olívio Wood, o ex-capitão de quadribol do time de Harry, que terminara os estudos em Hogwarts,
arrastou o garoto até a barraca dos pais para apresentá-lo, e lhe contou cheio de excitação que acabara de
entrar para o time de reserva do Puddlemere United. Depois os garotos foram saudados por Ernesto
Maemillan, um quartanista da Lufa-Lufa, e, mais adiante, viram Cho Chang, uma garota muito bonita que
jogava como apanhadora no time da Corvinal. Ela acenou e sorriu para Harry, que derramou um bocado
de água na roupa ao retribuir o aceno. Mais para impedir Rony de caçoar do que por outro motivo, Harry
apontou depressa para um enorme grupo de adolescentes que ele nunca vira antes.
- De onde você acha que eles são? - perguntou Harry. - Eles não freqüentam Hogwarts, freqüentam?
- Devem freqüentar alguma escola estrangeira - sugeriu Rony.
- Sei que há outras, mas nunca encontrei ninguém que estudasse nelas. Gui teve uma
correspondente em uma escola no Brasil... isto foi há anos... e ele quis ir para lá numa viagem de
intercâmbio, mas mamãe e papai não tiveram dinheiro para bancar a viagem. A moça ficou toda ofendida
quando ele disse que não ia e mandou para ele um chapéu enfeitiçado. As orelhas dele murcharam.
Harry riu, mas não manifestou a surpresa que era saber que havia outras escolas de magia. Supôs,
agora que via representantes de tantas nacionalidades no acampamento, que fora muito burro por jamais
ter imaginado que Hogwarts não poderia ser a única. Ele olhou para Hermione, que não demonstrara a
menor surpresa com a informação. Sem dúvida, ela devia ter visto referências a outras escolas de magia em algum livro.
- Vocês demoraram uma eternidade - comentou Jorge, quando eles finalmente chegaram às
barracas dos Weasley.
- Encontramos alguns conhecidos - disse Rony, pousando as vasilhas de água. - Você ainda não
acendeu a fogueira?
- Papai está se divertindo com os fósforos - disse Fred.
O Sr. Weasley não estava tendo o menor sucesso em acender a fogueira, mas não era por falta de
tentativas. Fósforos partidos coalhavam o chão ao seu redor, mas ele parecia estar se divertindo como nunca.
- Opa! - exclamou ele, ao conseguir acender um fósforo, mas largou-o na mesma hora no chão,
surpreso.
- Chegue aqui, Sr. Weasley - disse Hermione bondosamente, tirando a caixa das mãos dele e
começando a mostrar como fazer fogo direito.
Finalmente, eles acenderam a fogueira, embora levasse no mínimo mais uma hora até ela
esquentar o suficiente para cozinhar alguma coisa. Mas havia muito que ver enquanto esperavam. A
barraca deles estava armada ao longo de uma espécie de rua de acesso ao campo de quadribol, por onde
funcionários do Ministério corriam para cima e para baixo, cumprimentando cordialmente o Sr. Weasley
ao passar. O Sr. Weasley fazia comentários contínuos, principalmente para benefício de Harry e
Hermione; seus próprios filhos já conheciam bastante o Ministério para se interessar.
- Aquele era Cutberto Mockridge, chefe da Seção de Ligação com os Duendes... lá vem Gilberto
Wimple, ele trabalha na Comissão de Feitiços Experimentais, já usa aqueles chifres há algum tempo...
Alô Arnaldinho... Arnaldo Peasegood, ele é um obliviador, trabalha no Esquadrão de Reversão de
Feitiços Acidentais, sabe... e aqueles outros são Bode e Croaker... são dois inomináveis...
- São o quê?
- Do Departamento de Mistérios, ultra-secretos, não tenho a menor idéia do que fazem...
Finalmente, a fogueira ficou pronta e eles já haviam começado a preparar salsichas com ovos
quando Gui, Carlinhos e Percy saíram caminhando da floresta para se reunirem à família.
- Acabei de aparatar, papai - disse Percy em voz alta. - Ah, que excelente almoço!
Já haviam comido metade das salsichas com ovos quando o Sr. Weasley se levantou de um salto,
acenando e sorrindo para um homem que vinha em sua direção.
- Ah-ah! - exclamou ele. - O homem do momento! Ludo! Ludo Bagman era, sem favor algum, o
homem mais chamativo que Harry já vira na vida, até mesmo incluindo nessa conta o velho Arquibaldo
com sua camisola florida. Usava longas vestes de quadribol com grandes listras horizontais amarelas e
pretas. Uma enorme estampa de uma vespa tomava todo o seu peito. Tinha a aparência de um homem
corpulento que parara de se exercitar; suas vestes estavam muito esticadas por cima da enorme barriga,
que certamente não existia na época em que ele jogava quadribol pela Inglaterra. Seu nariz era achatado
(provavelmente quebrado por algum balaço errante, pensou Harry), mas os redondos olhos azuis, os
cabelos louros curtos e a pele rosada o faziam parecer um menino de escola que crescera demais.
- Olá, - exclamou Bagman alegremente. Andava como se tivesse molas nas solas dos pés, era
visível que estava num estado de extrema excitação.
"Arthur, meu velho", ofegou ele, ao chegar à fogueira, "que dia, hein? Será que podíamos ter
desejado um tempo mais perfeito? Uma noite sem nuvens... e quase nenhum problema na programação...
quase nada para eu fazer!" Por trás dele, um grupo de bruxos do Ministério, de cara exausta, passou
apressado, apontando para a evidência distante de algum tipo de fogueira mágica que disparava faíscas
violetas a seis metros de altura.
Percy adiantou-se rapidamente com a mão estendida. Pelo jeito o fato de desaprovar o modo de
Ludo Bagman dirigir o departamento, não o impedia de querer causar boa impressão.
- Ah... sim - disse o Sr. Weasley, sorrindo -, este é o meu filho, Percy, começou a trabalhar no
Ministério agora, e este é Fred, não, Jorge, desculpe, esse é o Fred... Gui, Carlinhos, Rony... min ha filha,
Gina... e os amigos de Rony, Hermione Granger e Harry Potter.
De maneira discretíssima, Bagman olhou uma segunda vez ao ouvir o nome de Harry e seus olhos
deram a conhecida espiada na cicatriz na testa do garoto.
- Pessoal - continuou o Sr. Weasley -, este é Ludo Bagman, vocês sabem quem ele é, e é graças a
ele que temos entradas tão boas...
Bagman abriu um sorriso de lado a lado do rosto e fez um gesto com a mão significando que não fora nada.
- Quer arriscar uma apostinha no jogo, Arthur? - perguntou ele ansioso, sacudindo, ao que
parecia, um bocado de ouro nos bolsos das vestes amarelas e pretas. - Já aceitei a aposta de Roddy
Pontner de que a Bulgária vai marcar primeiro, ofereci a ele uma boa vantagem, levando em conta que os
três jogadores avançados da Irlanda são os mais fortes que já vi em anos, e a pequena Ágata Timms
apostou meias quotas da fazenda de enguias de que a partida vai durar uma semana.
- Ah... vá lá, então - disse o Sr. Weasley. - Vejamos... um galeão na vitória da Irlanda?
- Um galeão? - Ludo Bagman pareceu ligeiramente desapontado, mas se recuperou: - Muito bem,
muito bem... mais alguma aposta?
- Eles são um pouco jovens demais para andar jogando – disse o Sr. Weasley. - Molly não gostaria...
- Nós apostamos trinta e sete galeões, quinze sicles e três nuques - disse Fred, ao mesmo tempo
em que ele e Jorge juntavam rapidamente todo o dinheiro que tinham - que a Irlanda ganha, mas Vítor
Krum captura o pomo. Ah, e damos uma varinha falsa de lambujem.
- Vocês não vão querer mostrar ao Sr. Bagman esse lixo - sibilou Percy, mas o bruxo não pareceu
achar que a varinha era lixo; muito ao contrário, seu rosto de colegial iluminou-se de excitação ao recebêla
das mãos de Fred e, quando a varinha deu um cacarejo e se transformou em uma galinha de borracha,
Bagman caiu na gargalhada.
- Excelente! Não vejo uma varinha tão convincente há anos!
Eu pagaria cinco galeões por uma dessas!
Percy ficou paralisado, numa atitude de indignada desaprovação.
- Meninos - disse o Sr. Weasley entre dentes -, não quero vocês jogando... isto é tudo que
economizaram... sua mãe...
- Não seja estraga-prazeres, Arthur! - trovejou Ludo Bagman excitado, sacudindo as moedas nos
bolsos. - Eles já são bem grandinhos para saber o que querem! Vocês acham que a Irlanda vai vencer, mas
Krum vai capturar o pomo? Nem por milagre, moleques, nem por milagre... Vou dar uma excelente
vantagem nessa...e acrescentar mais cinco galeões por essa varinha marota, concordam...
O Sr. Weasley ficou olhando sem ação enquanto Ludo Bagman puxava um caderninho e uma
pena e começava a anotar os nomes dos gêmeos.
- Tchau - disse Jorge, apanhando o pedaço de pergaminho que Bagman lhe estendia e guardandoo no peito das vestes.
Bagman virou-se animadíssimo para o Sr. Weasley.
- Daria para me fazer um chá, suponho? Estou de olho para ver se localizo Crouch. O meu
contraparte búlgaro está criando dificuldades e não consigo entender uma palavra do que ele diz. Bartô
poderia resolver o problema, fala umas cento e cinqüenta línguas.
- O Sr. Crouch? - disse Percy, abandonando subitamente o seu ar de impassível desaprovação e
quase se contorcendo de óbvia excitação. - Ele fala mais de duzentas! Serêiaco, grugulês, trasgueano...
- Qualquer um sabe falar trasgueano - disse Fred fazendo pouco -, é só a gente apontar e grunhir.
Percy lançou a Fred um olhar feiíssimo e atiçou os gravetos da fogueira vigorosamente para fazer a chaleira ferver.
- Já teve notícias de Berta Jorkins, Ludo? - perguntou o Sr. Weasley quando Bagman se sentou na
grama ao lado deles.
- Nem um pio - disse Bagman à vontade. - Mas ela vai aparecer. Coitada da velha Berta... tem a
memória de um caldeirão furado e nenhum senso de direção.
Perdida, se quiserem me acreditar. Vai aparecer na seção lá para outubro, pensando que ainda é julho.
- Você não acha que já estava na hora de mandar alguém procurá-la? - sugeriu, hesitante, o Sr.
Weasley, quando Percy estendeu a Bagman o chá pedido.
- o que o Bartô Crouch não pára de dizer - respondeu Bagman, arregalando inocentemente seus
olhos redondos -, mas o fato é que não podemos destacar ninguém no momento. Ah... é falar no demônio! Bartô!
Um bruxo acabara de aparatar junto à fogueira, e não poderia oferecer um contraste maior a Ludo
Bagman, estirado na grama com as vestes velhas do Wasp.
Bartô era um homem mais velho, formal, empertigado, vestido com um terno e uma gravata
impecáveis. A risca nos seus cabelos grisalhos e curtos era quase absurdamente reta e o bigode fino de
escovinha parecia ter sido aparado com uma régua. Seus sapatos eram exageradamente lustrosos. Harry
percebeu na hora por que Percy o idolatrava.
Percy acreditava piamente em obedecer às regras sem fazer concessões, e o Sr. Crouch
obedecera à regra de se vestir como trouxa tão rigorosamente que poderia ter passado por gerente de
banco. Harry duvidava que seu tio Válter pudesse ter descoberto quem ele realmente era.
- Estrague um pouco a grama, Bartô - disse Ludo animadamente, batendo no chão.
- Não, muito obrigado - respondeu Crouch, e havia um vestígio de impaciência em sua voz. -
Estive procurando-o por toda parte. Os búlgaros insistem que coloquemos mais doze cadeiras no
camarote de honra.
- Ah, é isso que eles querem? - exclamou Bagman. - Achei que o sujeito estava pedindo uma
pinça emprestada. Sotaque forte o dele.
- Mr. Crouch! - disse Percy sem fôlego, curvando-se numa espécie de meia reverência que o fez
parecer corcunda. - O senhor aceita uma xícara de chá?
- Ah - exclamou o bruxo, olhando surpreso para Percy. - Claro... obrigado, Wearherby.
Fred e Jorge se engasgaram dentro das xícaras de que bebiam.
Percy, as orelhas muito rosadas, ocupou-se com a chaleira.
- Ah, e tenho querido dar uma palavra com você, também, Arthur - disse o Sr. Crouch, seu olhar
penetrante recaindo sobre o Sr. Weasley. - Ali Bashir está em pé de guerra. Quer falar com você sobre o
embargo dos tapetes voadores.
O Sr. Weasley soltou um profundo suspiro.
- Mandei-lhe uma coruja sobre isso ainda na semana passada. Já devo ter dito a Bashir umas cem
vezes: tapetes são classificados como artefatos mágicos pelo Registro de Objetos Enfeitiçáveis Proscritos,
mas, e ele quer me escutar?
- Duvido - respondeu o Sr. Crouch, aceitando a xícara de Percy. - Ele está desesperado para
exportar para cá.
- Bom, eles nunca vão substituir as vassouras na Grã-Bretanha, vão? - disse Bagman.
- Ali acha que há um nicho no mercado para um veículo familiar - explicou o Sr. Crouch. - Eu me
lembro de que o meu avo tinha um Axminster que levava doze pessoas, mas isso foi antes dos tapetes
serem banidos, naturalmente.
Ele falou como se não quisesse deixar a menor dúvida de que todos os seus antepassados
cumpriam rigorosamente a lei.
- Então, muito ocupado, Bartô? - perguntou Bagman despreocupadamente.
- Bastante - respondeu o outro seco. - Organizar chaves de portal em cinco continentes não é uma tarefa qualquer, Ludo.
- Imagino que os dois vão ficar contentes quando o evento acabar - comentou o Sr. Weasley.
Ludo Bagman pareceu chocado.
- Contente! Não me lembro de ter me divertido tanto... ainda assim, não é que não haja mais
trabalho pela frente, hein, Bartô?
Hein? Muita coisa ainda para organizar, hein?
O Sr. Crouch ergueu as sobrancelhas para Bagman.
- Combinamos não anunciar nada até todos os detalhes...
- Ah, os detalhes! - exclamou Bagman, afastando a palavra como se fosse uma nuvem de
mosquitos. - Eles já assinaram, então? Concordaram? Aposto o que você quiser como esses garotos vão
saber logo. Quero dizer, vai acontecer em Hogwarts...
- Ludo, precisamos receber os búlgaros, sabe - disse o Sr. Crouch bruscamente, cortando os
comentários de Bagman. - Obrigado pelo chá, Weatherby.
Ele devolveu a Percy a xícara de chá intocada e esperou Ludo se levantar; Bagman se pôs em pé
com dificuldade, virando o restinho de chá, o ouro em seus bolsos tilintando alegremente.
- Vejo vocês todos mais tarde! - disse ele. - Vão ficar no camarote de honra comigo, vou
comentar o jogo! - Ele acenou, Bartô Crouch fez um movimento rápido com a cabeça e os dois desaparataram.
- Que é que vai acontecer em Hogwarts, papai? - perguntou Fred na mesma hora. - Do que é que
eles estavam falando?
- Você vai descobrir logo - disse o Sr. Weasley sorrindo.
- É informação privilegiada, até o Ministério achar conveniente comunicá-la - disse Percy
empertigado. - O Sr. Crouch estava certo em não querer revelar nada.
- Ah, cala a boca, Weatherby - disse Fred.
A atmosfera de excitação foi-se adensando como uma nuvem palpável sobre o acampamento, à
medida que a tarde avançava. A hora do crepúsculo, o próprio ar parado de verão parecia estar vibrando
de excitação, e quando a noite se estendeu como um toldo sobre os milhares de bruxos que aguardavam,
os últimos vestígios de fingimento desapareceram: o Ministério pareceu se curvar ao inevitável e parou de
combater os indisfarçáveis sinais de magia que agora irrompiam por toda parte.
Ambulantes aparatavam a cada metro, trazendo bandejas e empurrando carrinhos cheios de
extraordinárias mercadorias. Havia rosetas luminosas - verdes para a Irlanda, vermelhas para a Bulgária -
que gritavam os nomes dos jogadores, chapéus verdes cônicos enfeitados com trevos dançantes, echarpes
búlgaras adornadas com leões que rugiam de verdade, bandeiras dos dois países que tocavam os hinos
nacionais quando eram agitadas; havia miniaturas de Firebolts, que realmente voavam, e figurinhas
colecionáveis dos jogadores famosos, que andavam se exibindo nas palmas das mãos.
- Guardei o meu dinheiro o verão todo para o dia de hoje - disse Rony a Harry, quando os três
saíram caminhando entre os vendedores comprando lembranças. Embora Rony já tivesse comprado um
chapéu com trevos dançantes e uma grande roseta verde, comprou também uma figurinha de Vítor Krum,
o apanhador búlgaro. O brinquedo andava para a frente e para trás na mão do garoto, amarrando a cara
para a roseta verde acima.
- Uáu, olha só para isso! - exclamou Harry, correndo até um carrinho atulhado de coisas que
pareciam binóculos de latão, só que eram cheios de botões estranhos.
- Onióculos - disse o vendedor pressuroso. - Você pode rever o lance... passar ele em câmara
lenta... e ver uma retrospectiva lance a lance, se precisar. Pechincha: dez galeões um.
- Eu queria não ter comprado isso - disse Rony, indicando o chapéu com os trevos dançantes e
olhando, de olho comprido, para os onióculos.
- Três - disse Harry com firmeza ao bruxo.
- Não... não precisa - disse Rony ficando vermelho. Sempre se melindrava com o fato de que
Harry, que herdara uma pequena fortuna dos pais, tivesse muito mais dinheiro do que ele.
- Não vou te dar nada no Natal - disse Harry, empurrando os oníóculos nas mãos do amigo e de
Hermione. - Por uns dez anos, não se esqueça.
- É justo - disse Rony rindo.
- Aaah, obrigada, Harry - disse Hermione. - E eu compro os programas para nós, olha...
As bolsas de dinheiro bem mais leves, os três voltaram às barracas. Gui, Carlinhos e Gina
também estavam usando rosetas verdes, e o Sr. Weasley carregava uma bandeira da Irlanda. Fred e Jorge
não compraram suvenires porque tinham entregado todo o dinheiro a Bagman.
Então, eles ouviram um gongo, grave e ensurdecedor, bater em algum lugar além da floresta e, na
mesma hora, lanternas verdes e vermelhas se acenderam entre as árvores, iluminando o caminho até o
campo.
- Está na hora! - exclamou o Sr. Weasley, parecendo tão excitado quanto os garotos. - Andem
logo, vamos!

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