Legends



“After all, I believe that legends and myths are largely made of 'truth'.”





  • J.R.R Tolkien 







 



Tensas semanas de negociação para solucionar todos os problemas políticos causados pela descoberta de Beauxbatons por trouxas haviam deixado a todos os envolvidos com a confortável e bem-vinda sensação de que tudo ficaria bem. Todo o nervosismo e inquietação ficariam para trás e a França seguiria seus dias mais uma vez mergulhada em sua sempre proeminente pompa e tranquilidade. 



Aquele fora o motivo pelo qual os acontecimentos daquela noite jamais poderiam ter sido previstos por ninguém, nem mesmo pela sempre tão desconfiada Bellatrix. Em sua ânsia de livrar-se de toda a estranheza pessoal que a situação lhe trouxera, a bruxa não negaria, num futuro questionamento, que parte da culpa poderia ser direcionada a si: ao extremo nível de confiabilidade que atribuiu ao trabalho inicial dos aurores, à sua confiança em seus próprios interrogatórios e à sua constante tolice em subestimar seus inimigos, especialmente quando se tratavam de trouxas. Mesmo aqueles que ela considerava como inferiores podiam surpreendê-la, e em sua vaidade Bellatrix esquecia-se disso. Somado ao desejo de livrar-se do problema e voltar ao estado de isolamento que seu esconderijo francês se tornara, longe das dúvidas que o contato com sua vida passada lhe trazia, tamanho descuido teria consequências irreparáveis. 



Uma e quarenta e sete da manhã. Era o que marcava o relógio, quando a suite principal da sede do ducado de Bordeaux foi literalmente invadida por diversos servos e vassalos da duquesa, todos em suas roupas de dormir e desculpando-se por acordá-la. Dentre todos, a expressão de Rabastan havia sido aquela que lhe deu noção da real gravidade do que quer que tivesse acontecido, mesmo antes de lhe contarem. Só podia ser algo muito sério, para tirar a constante nota de deboche que ele sempre carregava, e que agora estava assustadoramente ausente.



Sentando-se abruptamente na cama, estendeu a mão para o lado sem nem mesmo olhar para pegar o robe que alguém certamente lhe estenderia. Bellatrix tentou evitar que todos os piores cenários do mundo se formassem em sua mente. Acabou demorando muito para falar algo e sendo obrigada a ouvir Aaron dizer a coisa mais óbvia que alguém poderia dizer. 



— Madame, perdoe a intromissão, mas… temos um problema. — àquela hora da madrugada, Bellatrix não possuía estoques de paciência o suficiente dentro de si para ser educada e não rolar os olhos face a tamanha obviedade. 



— Evidentemente temos um problema, Guillot. — ela cuspiu de volta, terminando de amarrar o robe a seu redor e descendo da cama. — Ou essa comitiva inteira não estaria aqui. Espero eu, pelo menos, que nenhum de vocês seria idiota o suficiente para invadir meu quarto no meio da noite com mais uma dezena de pessoas sem um motivo decente. — a última parte não deixava de ser um aviso. — Qual é o problema?



Aaron abriu a boca e se calou, sem saber como expressar o que havia acontecido. Fitando os próprios pés e arrancando dela mais um suspiro irritado, ele começava a se arrepender de ter sido a primeira pessoa a falar. Em sua ingenuidade, ou talvez orgulho, ele raramente se lembrava que não tinha nenhum tipo de tratamento diferenciado como reflexo da relação deles, se é que o que acontecia podia ser chamado assim. Pela reação dela, a resposta mais apropriada possivelmente era “não”. 



— Temos visitas. — Rabastan interveio, com a voz baixa. Antes que ela pudesse questionar, ele continuou. — De Beauxbatons. Pessoas que conseguiram escapar. 



— Escapar? — Bellatrix engasgou com a palavra que não parecia fazer sentido no meio daquela frase. Por que alguém precisaria…? Merda. Com uma pequena pausa e um aceno para o irmão postiço, ela se apoiou no dossel da cama, calculando milhares de vezes na cabeça os próximos passos. — Trouxas? — resposta positiva. — Qual a situação? — foi então que Rabastan engoliu seco. 



— De acordo com Maxime, grave. Muito grave. Eles conseguiram esconder as crianças de um lado da escola e selar aquela sessão com magia. O problema é…



— Eles estão trancados. E possivelmente cercados. A escola é protegida contra aparatação, então as crianças não podem ser rapidamente evacuadas. Quem escapou? 



— Maxime e uma das professoras. Alguma coisa Levereaux. — Bellatrix caiu na risada e ninguém entendeu. Na realidade, a ação dela causara enorme desconforto. 



Bellatrix não podia acreditar no que estava ouvindo. De todos os cenários, aquele era o mais imbecil que poderia ter sido concebido. Tão imbecil que nem mesmo passara por sua cabeça. — Deixe-me ver se eu entendi: a escola está sob ataque e fogem a diretora e a maldita professora de Defesa Contra as Artes das Trevas? — o riso dela parecia muito mais naquele momento com sua realidade: sarcástico, furioso e quase desesperado — Acabaram de inventar um novo nível de burrice! 



A bruxa andou na direção da porta, batendo os pés e xingando numa estranha mistura de inglês e francês, amaldiçoando a todos os idiotas que respondiam a ela. Explodiu para fora do quarto, ordenando que a levassem onde as “convidadas” estavam. Em outros tempos, alguém pagaria muito caro por aquela estupidez, e a noção de que ela seria obrigada a ser compreensiva e diplomática já lhe embrulhava o estômago. Os outros seguiram-na e alguém teve a genial ideia de avisá-la que o Ministro da Magia Francês estava a caminho. Oh, como aquela fora uma chance desperdiçada para manter-se calado e um Avada Kedavra nunca fora tão necessário. Ou teria sido, se ela o pudesse ter usado. 



— Archambault… que maravilha. — ela disse mais para si do que para os outros. — Como se ele fosse capaz de ajudar em algo. 



Na sala de desenho, as duas mulheres estavam sentadas em um canto, com as roupas manchadas de sangue e sujeira, segurando xícaras do que devia ser um chá com algum tipo de poção calmante. Seria de dar pena, caso elas não tivessem diminuído a inteligência do país todo numa única noite. 



— Oh, vossa graça, obrigada, muito obrigada! — foi a diretora que se levantou, em toda sua altura parecendo quase cômica com tanto medo estampado no rosto. Com uma reverência desajeitada, ela continuou — Nos perdoe pela hora, madame, mas foi horrível! Tão horrível! — Bellatrix não sabia se o que a irritava mais era o pesado sotaque, a afetação, ou o fato de que ela era uma maldita mestiça de bruxo com gigante que seria muito mais útil na droga da escola do que tomando chá. 



— Olympe, minha cara, não há porque se desculpar. Sente-se, por favor, e sintam-se à vontade. As duas. Madame Levereaux, por favor se aproxime. Nesse momento precisamos nos focar nas crianças, por favor me contem como está a situação na escola, quem está com os alunos, quantos feridos. Quanto mais detalhes melhor podemos planejar a estratégia para libertar a escola. 



Maxime franziu o cenho e balbuciou alguma coisa que a duquesa não entendeu, mas a professora a encarava com a mesma confusão, e ela sabia que aquilo não podia significar nada bom. — Madame, perdoe-me se estiver sendo insolente, mas… — Levereaux engoliu seco e continuou. — Nós imaginávamos que este assunto estava acima de sua autonomia. 



— Acima de minha autonomia? — Bellatrix cerrou os olhos. — Isso é um assunto de guerra, e até onde eu me lembro, ainda sou a general atuante nesse reino. Se tem alguém com autonomia para resolver um ataque sou eu. — Bellatrix parou, finalmente entendendo o que elas queriam dizer. Merde.



— É claro, madame, tem toda a razão. Apenas imaginamos, claramente em erro, que como sua majestade foi envolvido na primeira parte dessa questão por conta da delicada característica do problema… — Maxime respondeu, com todo o cuidado possível. 



— Trouxas e o acordo de paz. — Bellatrix respondeu para ninguém.



— Exatamente... Talvez fosse melhor informar o rei e esperar sua chegada e a do ministro para formular a solução de uma só vez? — os dedos de Bellatrix fecharam-se e ela nunca desejara tanto pegar sua varinha e destruir alguém. Além de toda a parte diplomática, havia algo mais que a impedia de agir: Olympe Maxime estava com a razão, e não havia sequer uma alma ali que discordasse dela. 



Era como se todas as fibras do corpo da duquesa gritassem contra o que ela estava a ponto de fazer. Suas mãos tremiam, seu braço estava tão tenso a seu lado que ela parecia ser incapaz de movê-lo, seus lábios apertados como seu maxilar, e seus olhos se recusavam a olhar para a única forma de contatar Voldemort rápido o suficiente.  



Perfeitamente delineada em seu braço esquerdo, agora que o Lorde das Trevas estava vivo como talvez nunca antes, era a primeira vez que a Marca Negra lhe causava tanto temor. Medo não era uma emoção que ela comumente associaria a Voldemort, mas, se ela tomasse como medida o tempo que levou para levantar a manga, essa realidade estava para mudar. 



Em outra situação, Bellatrix teria considerado cômica a reação de alguns dos presentes - em sua maioria aqueles que preferiam ignorar o passado de sua suserana e do rei - no momento em que a tatuagem ficou completamente visível para todos: olhos arregalados, respirações presas, e uma expressão incômoda que não conseguiam disfarçar. Cômico, no entanto, não era um adjetivo que ela parecia ser capaz de associar a nada, não em uma noite como aquela. 



— Bom, então não temos porque esperar. — a bruxa suspirou e puxou a varinha. 



— Madame, — uma muito incomodada Levereaux se pronunciou, seus olhos fixos na marca que já parecia mover-se sozinha, apesar de não ter sido ativada. — imaginava que a utilização da Marca Negra tivesse sido proibida pelo Acordo de Paz.



Levantando os olhos, Bellatrix precisou usar toda a sua força de vontade para não se utilizar da onda de ódio que borbulhou por seu corpo. Infelizmente para a professora, ela não tinha a mesma sorte de Maxime em estar correta. Engolindo seco para não deixar as faíscas que pareciam sair por sua pele, de algo que devia ser uma Maldição Cruciatus esperando para sair, Bellatrix respirou fundo uma última vez antes de responder. 



— Não, na verdade a proibição está na Ação de marcar alguém. Uma vez que os Comensais da Morte não mais existem, faz inclusive sentido. Eu saberia, eu me recordo de estar lá, de ter escrito o acordo que citou. — muito mais calma do que ela imaginava ser capaz, ela se parabenizou mentalmente. — Mas se te ofender ao utilizar o meio mais rápido e preciso de chamar o rei, que evitaria a morte de talvez dezenas de crianças, posso enviar uma coruja. 



Levereaux teria respondido rapidamente com uma negação ofegante, horrorizada com a ideia de ter ainda mais impacto no destino incerto dos alunos. No entanto, os movimentos da professora não foram rápidos o suficiente para antecipar ou evitar os acontecimentos que se desdobraram. Ela se perguntaria, mais tarde, quando toda a tensão tivesse passado, se omitir sua estúpida questão teria evitado a coisa toda. 



Soltando um som terrível, como se todo o ar tivesse deixado seus pulmões da maneira mais dolorosa possível, Bellatrix deixou a varinha cair e agarrou o local da marca negra, olhando para a tatuagem — agora em movimento e ardente carmesim — com absoluto horror. A falta de compreensão estampada no rosto dela e o fraco desconforto demonstrado pelos demais ex-Comensais presentes, somados às expressões de preocupação deles, só podiam significar uma coisa: algo estava acontecendo, completamente fora do que quer que fosse o normal para uma Marca Negra, e somente com ela. 



Rabastan, ignorando a dor tão familiar e quase reconfortante no braço esquerdo, andou rapidamente até a mulher e segurou-a pelos ombros, preocupação o corroendo mais do que qualquer queimação pudesse fazer. — Bella, o que diabos?! — a exclamação saiu mais alta do que ele desejava, e a dispensa de formas de tratamento foi reparada por alguns dos menos íntimos, mas ele não se importava. As lágrimas nos olhos dela eram quase insuportáveis de assistir, aquela era a mulher que mais de uma vez havia resistido a uma Cruciatus. 



— Ele… — a voz dela falhou, quando ela foi atingida por mais uma onda de dor, ainda mais forte pela reação da bruxa, que curvou-se completamente para a frente. 



Cambaleando para trás e passando a mão nervosamente pelos cabelos, completamente perdido e sem a mínima noção do que fazer para ajudá-la, Rabastan balbuciou alguma coisa nada inteligível e apoiou as mãos nos joelhos. Pela maneira como Bellatrix tocou as têmporas em absoluta agonia, ele realmente não tinha como ajudar, por mais que tentasse. 



Num ímpeto, Madame Maxime se levantou, demandando que alguém fizesse alguma coisa para acudir a duquesa ou pelo menos a explicassem o que diabos estava acontecendo. Cruzando os enormes braços e batendo sapatos de cetim que pareciam grandes demais mesmo para ela, a mulher parecia quase ameaçadora, apesar de tremendamente cômica. 



— Não é evidente? — Rabastan debochou, num misto de impaciência e desespero. — Sua Majestade não precisará ser informado. Ele já sabe e para azar de minha querida irmãzinha, não está nada contente. — lambendo os lábios nervosamente, Rabastan girou nos calcanhares e parou no meio da rotação abruptamente, olhando fixamente para um ponto do outro lado da sala. 



Seguindo toda a movimentação exagerada de Rabastan, os demais olhares da sala seguiram o dele, parando com um susto no mesmo lugar, exceto por Bellatrix, que se mantinha concentrada em sua terrível agonia. Não era necessário muito para os demais presentes saberem quem se escondia debaixo da pesada capa, que parecia estar ainda úmida da chuva que castigava o país naquela noite sombria. 



Os olhos vermelhos e a pele tão clara que cintilava sob as velas e a aura de poder que o cercava eram mais do que suficientes para que a insígnia bordada na capa fosse quase inútil em apresentar o Lorde das Trevas. Com a varinha guardada, mas uma mão firmemente levantada na altura do queixo como se segurasse algo - provavelmente, alguns concluíram, o que quer que ele estivesse usando para dilacerar Bellatrix - ele adentrou a sala sem fazer um som sequer e muito menos pedir permissão, causando dezenas de reverências desajeitadas dos presentes, que lembraram com um susto na presença de quem estavam. 



O próprio Rabastan sabia que não escapava daquela vergonhosa exibição, caindo exageradamente e com um baque surdo de joelhos, ganhando nada mais do que um olhar de repreensão e decepção do rei. Assustadoramente, Voldemort parecia muito mais com seu eu de vinte anos antes do que com sua versão recente. A diplomacia não teria lugar, não naquela noite. Vossa Majestade abrira espaço para as trevas de seu título mais uma vez tomarem conta, e a noite prometia sanar diversos rumores e trazer à tona memórias que muitos queriam esquecer enquanto outros ansiavam por reviver. Rabastan, estando no segundo grupo, não conseguiu esconder um sorriso. 



Bellatrix, ainda ignorante à chegada de seu mestre, tentava engolir um choro que insistia em querer tomar conta dela, quando notou o estranho comportamento de todos. Algo dentro de sua alma gelou, um presságio do que estava ocorrendo e do que ainda estava por vir, seu sangue tornando-se frio e denso demais em suas veias. Sua agonia não havia se intensificado somente por um capricho ou desejo de um Voldemort que estava muito além do que ainda podia ser considerado como “furioso”, mas pela proximidade. 



Engolindo seco, ela usou a força que ainda tinha para erguer-se e girar com cuidado nos calcanhares, buscando não olhar na direção dele antes do necessário. As duas versões de si mesma, sempre em constante guerra, pareciam concordar pela primeira vez em muito tempo: ela havia cometido erros sérios demais para serem ignorados, deixado suas insatisfações e seus medos pessoais ficarem no caminho de seu trabalho. 



Ela havia deixado a Inglaterra, dentre outras coisas, para não permitir que a Bellatrix mulher ofuscasse a Bellatrix profissional, para que sua lealdade e seu foco não fossem desviados… mas, depois de tanto tempo, qual era sua desculpa para o que estava acontecendo? Quase três anos haviam se passado desde o fim da guerra, mais de dois desde a fatídica e momentânea reconciliação deles. Muitos, ou provavelmente todos, concordariam que já havia passado do tempo de ela ser capaz de encará-lo face a face novamente, deixar de apoiar-se em Rabastan e em Gabrielle Ceresier, e assumir a posição que devia ter, com todo o poder que ele, talvez erroneamente, havia lhe dado. E, ainda assim, ela insistia em jogos infantis que provavelmente causariam a morte de dezenas, ou centenas. 



Teria ela, enfim, se tornado completamente incompetente? Incapaz de servir ao homem a quem entregara sua alma e vida, tantas décadas antes? A resposta que via nos olhos dele, ao terminar de se virar, não ajudava em nada para acalmar sua mente já tão despedaçada pelas próprias dúvidas e pela tortura que ela merecidamente recebera.  Forçando-se para dar alguns passos na direção de Voldemort, sem conseguir evitar o olhar de reprovação do bruxo, ela fez menção de fazer uma reverência. Antes que pudesse completá-la, no entanto, o pulso levantado de Voldemort se moveu milimetricamente e ela caiu de joelhos com um baque tão humilhante ou pior que o de Rabastan, quando a dor lancinante que se espalhou mais uma vez a partir de sua Marca Negra. Em outras situações, ela teria se enfurecido, mas estava tão resignada de sua culpa que simplesmente aceitou. 



— Majestade, — ela praticamente soluçou. — estávamos para chamá-lo. 



Voldemort deixou a mão suspensa cair, e Bellatrix quase despencou com o alívio de ter a dor insuportável removida. Esforçando-se para manter-se de joelhos, e com os olhos fixos no mármore abaixo de si, ela observou pelo reflexo na superfície perfeitamente negra como Voldemort se aproximou calmamente, de forma que ela não conseguia precisar se ele estava aproveitando o momento ou simplesmente se controlando. 



— Lestrange. — Voldemort sussurrou, quando parou à frente dela, o tom dolorosamente similar ao que ele usara tantas vezes no passado, após fracassos terríveis. O desdém tão presente que ela quase conseguia tocar, a omissão de seu título ou da forma de tratamento claramente proposital, o uso de seu sobrenome somente mais um indicativo do quão furioso ele estava, além de mais uma forma de machucá-la. O bruxo displicentemente estendeu a mão direita na direção dela, que levou mais tempo do que gostaria para entender o recado direto e também o indireto. 



O direto: o anel com o brasão real dele cintilava a sua frente, e como parte da cena que ele estava fazendo, a parte final do processo de colocá-la em seu lugar era bastante literal. Tomando a mão dele entre as suas Bellatrix jogou para o fundo de sua mente qualquer tipo de protesto que pudesse produzir e pressionou os lábios contra o brasão do anel. O recado indireto, contudo, era mais preocupante: se o Lorde das Trevas estava colocando-a em seu devido lugar, abaixo dele como os demais, isso significava algo muito maior: a paciência de Voldemort havia acabado de vez. Dois anos depois, aquilo não devia atingir tão profundamente como atingia. Recolhendo a mão e fazendo um pequeno aceno para que todos se levantassem, sem ajudá-la a se colocar de pé como de costume no passado, ele observou a sala ao redor de si por um pequeno momento, antes de encará-la mais uma vez. 



— Que bagunça. — ele disparou, em um francês perfeito e calculado: Todos deviam entender e participar. Maxime era a prova de que havia funcionado, pois não conseguiu nem mesmo esconder a afetação em ver o rei falando em sua língua. — Entrego um país em suas mãos, o maior país depois do Reino Unido, nosso maior poder no continente e… Como, Lestrange? Eu estive presente na situação inicial, eu questionei, você me assegurou de que tudo estava acertado, de que nada além de uma brincadeira adolescente havia acontecido. 



— Eu sei, majestade. — Bellatrix fitou os sapatos, muito para seu arrependimento. 



— Olhe para mim, quando estou falando com você, Bellatrix. Não me importa o que os joguinhos dos últimos anos tenham te feito pensar, eu ainda sou seu rei e você vai me respeitar. — Bellatrix arregalou os olhos e o encarou, levando vários segundos para entender que a última frase ressoara somente em sua mente. — Melhor assim. Diga-me, madame Lestrange, como você justifica esse desastre? — andando até que seu corpo estivesse próximo o suficiente para que ela pudesse sentir o ódio dele faiscar, Voldemort a encarou de cima, esperando uma resposta que ela não tinha. Ou pelo menos não que ela pudesse dizer em alto e bom Francês. 



— Não tem justificativa, milorde. Fui… descuidada em minha investigação, lidei com um problema sério com menos atenção do que a questão merecia, e agora pago o preço com vergonha e pesar. — abaixando a cabeça em sinal de respeito, terminando em uma pequena reverência, Bellatrix engoliu seco e negou com a cabeça. — Aceitarei de bom grado qualquer castigo que me aplicar, majestade, peço apenas a oportunidade de remediar meus erros. 



Voldemort riu-se, e segurou-a pela parte de trás do pescoço, fazendo-a se erguer e o encarar novamente. O aperto dele em sua nuca quase não doía, e Bellatrix tinha certeza de que sentiria-se melhor caso doesse. 



— Oh, ma chérie, não se preocupe. Você vai resolver. Eu vou somente observar. — ele se afastou, soltando-a abruptamente. — Hoje, estou aqui somente como mais um soldado. Numa coisa a madame Lestrange estava correta, ela ainda é minha general e, ainda que a ordem precise partir de mim, a estratégia vem dela. É o trabalho dela, ou o posto seria inútil e desnecessário. Diga-nos, madame, o que faremos? — cruzando os braços, e encarando-a sério, Voldemort levou a atenção de todos a ela que, em seus pijamas, ainda não tinha um plano. “Se estivesse tão preocupada em resolver o problema original quando esteve em se livrar de mim, não estaríamos aqui agora.”, a voz dele era alta e clara em sua mente, e completamente coberta de razão. 



A chegada do Ministro da Magia quase passara despercebida em meio a tensão, mas quando Voldemort anunciara a ele que havia chegado em um momento perfeito, pois ela estava a ponto de dividir com eles a estratégia para libertar as crianças, Bellatrix tivera a certeza de que ela não escaparia tão fácil. 



— Em primeiro lugar, — a bruxa limpou a garganta. — Levereaux e Maxime… quantos eles são? Com o que estão armados? — a falta de precisão nas respostas das duas era enlouquecedora, mas pelo menos trezentos era a aposta mais próxima. Bellatrix teria perguntado como trezentos trouxas teriam sido capazes de dominar um castelo cheio de bruxos, mas quando a resposta à segunda pergunta chegou, ela entendeu. Armas de fogo. As duas deram diversas descrições sobre os “lançadores de metal incandescente”, mas Bellatrix conhecia aquelas armas muito bem, desde os anos 70. Mesmo assim, ela dobraria aquele número na cabeça. Melhor exagerar do que levar ao pé da letra as maluquices daquelas duas. — Ok… e como vocês escaparam? Por onde nós conseguimos entrar? A escola fica no meio das montanhas, e é fechada para aparatação. Se tentarmos passar pelos trouxas, perderemos muitos no processo e não chegaremos rápido o suficiente, precisamos passar por trás deles. 



Olympe Maxime nunca antes havia ficado tão vermelha, pelo menos não na presença de Bellatrix, e a duquesa quase podia ouvir a resposta antes de ser pronunciada. — Existe uma passagem… — ela mordeu o lábio. — Que somente eu conheço… eu a uso quando, bem, preciso deixar a escola. Emergências, é claro. — Bellatrix bem podia imaginar o tipo de emergência, pelo tom escarlate que a meio gigante se tornara. Os franceses jamais poderiam ser acusados de púdicos, mas Maxime estava desafiando aquela regra. A sobrancelha arqueada de Voldemort dizia que ele sabia a verdade muito mais do que todos, e Bellatrix deixou-se sentir falta de uma época em que ele dividiria aquela verdade com ela. — A passagem desce a montanha, até um lago. De lá, aparatamos. — Bellatrix assentiu. 



— Quanto tempo levamos para subir pela passagem?



— Existe um elevador. — Maxime ficou ainda mais vermelha. — Então, poucos minutos, mas somente duas ou três pessoas cabem nele. Quatro ou cinco, do tamanho de vocês. — Bellatrix odiava Maxime por dividir aquela informação num momento tão sério, mas amava a luxúria da diretora ser tão classuda. Um elevador, por Merlin. 



— Começamos por aí. — Bellatrix lambeu os lábios. — O rei, eu, Rabastan e Maxime subimos na frente. Seguidos por Levereaux, Guillot e os demais. — ela olhou para o ministro da Magia — Eu preciso que convoque os aurores, — e então para Voldemort —  e os antigos Comensais da Morte da França. Vamos precisar de todos. Dos pais dos alunos também, se possível. O elevador não vai ser rápido o suficiente. Nós subimos primeiro, fortificamos os feitiços que selam as crianças, até os reforços chegarem. — olhando instintivamente para Voldemort, quase que buscando aprovação, ela o encontrou assentindo. 



 — Parece que temos um plano. — ele concordou e diminuiu o espaço entre eles, agarrando-a pelo pulso esquerdo, sem delicadeza, mas com a raiva de antes aparentemente controlada. Levantando a manga do robe, ele tocou a marca, e a fez chiar. A queimação não era em nada comparada ao que ela passara recentemente, mas acordara qualquer lembrança já escondida por trás da adrenalina. Ainda sensível, ela precisou respirar fundo, enquanto ele chamava seus antigos colegas, e Archambault corria em círculos dando ordens e fazendo tudo o que podia para chamar os aurores o mais rápido possível.

“Nada tão rápido quanto tatuagens de fogo”, ela o ouviu dizer entre arfadas. Por um momento, o toque de Voldemort em seu braço durou mais do que devia, e a proximidade foi grande demais, levando o corpo de Bellatrix a traí-la, mudando sua pulsação para uma que não a deixava orgulhosa. Culpando a adrenalina da iminente batalha, Bellatrix procurou se recompor. Soltando o braço da bruxa, Voldemort se afastou, encarando-a com a clara intenção de deixar claro que ela podia mentir para si, mas jamais para ele. 



— Não podemos esperar os aurores. — Bellatrix comentou, e virou-se para o Ministro. — Pierre, você conhece a localização da escola. Vamos na frente e você nos encontra lá com os reforços. Os antigos Comensais desaparatarão onde o Lorde das Trevas indicou ao convocá-los. 



— Então é melhor nos apressarmos, Bellatrix. — o tom dele era impaciente, e com razão. Quando ele lhe estendeu a mão, a bruxa franziu o cenho em confusão. Naquela situação jamais imaginaria receber aquele tipo de convite, mas a parte sensata de si sabia que ele também estava lhe dizendo que não tiraria os olhos dela por nenhum segundo. Ela tinha muito do que se desculpar. 



— Rabastan, Aaron… 



— Sim, milady — a resposta a fez sorrir. 



— Acompanhem Maxime e Levereaux. Meus demais vassalos e membros de minha criadagem que estiverem dispostos a lutar, por gentileza aparatem também com os dois, ou posteriormente com o Ministro. 



Voldemort removeu a mão, antes que ela pudesse tocá-lo para aparatar. Olhando-a de cima a baixo, sem parar em ponto algum, quase para desapontamento da bruxa, ele rolou os olhos. — Vossa Graça, talvez, queira vestir algo mais… apropriado para a ocasião. — olhando ao redor, e percebendo-se a única ainda em pijamas, Bellatrix suspirou e puxou a varinha, transformando a camisola e robe de seda em um vestido longo preto. Dando dois passos para  frente, ela tocou a mão de Voldemort e sentiu-se ser puxada para o enorme e doloroso vazio que era a aparatação acompanhada. 



O ar gélido e úmido dos Pirineus a puxaria bruscamente para o outro lado, muito mais rápido do que ela podia imaginar. A dor de cabeça que vinha com pular centenas de quilômetros em poucos segundos não demorou a chegar, mas ela tinha problemas maiores. Abraçando a si mesma, a chuva fina que castigava o local mostrava-se forte demais para o vestido que ela havia conjurado. Rabastan, Aaron, Maxime e os demais ainda não haviam chegado, como de esperado. Nem todos eram tão talentosos como Voldemort na aparatação de longa distância. Olhando ao redor, ela reconheceu o lago que Maxime citara, e sorrira ao perceber que Voldemort havia pegado a localização na mente da diretora. 



A noite nublada era ainda mais escurecida pela lua nova no céu, e Bellatrix agradeceu mentalmente pela falta de luz que os esconderia. Nenhum deles temia o escuro, de qualquer forma. Fora nas trevas que eles haviam se fortalecido, e nelas ela buscaria triunfar. Apertando mais os braços ao redor de si, e tentando ignorar o silêncio sepulcral que tomara conta dos dois únicos bruxos presentes, ela xingou mentalmente a incapacidade dos outros.



— Não se esqueça que foi o seu terror de ficar sozinha comigo que nos colocou nessa situação, Bellatrix. — ele comentou, a falta de outros presentes removendo a necessidade do Francês ou das falas mentais. 



— Eu não tenho terror algum em ficar sozinha com você, milorde. — Bellatrix lambeu os lábios nervosamente, e o assistiu calmamente jogar uma pedra no lago. — Não o temo, e sabe disso. 



— Eu não disse que você me teme, apesar de fielmente acreditar que você devia. Ultimamente, essa falta de temor toda tem beirado o desrespeito. Você é uma incógnita, Bella. Transita entre estar apavorada de mim, e não me temer nem um pouco. Entre não querer estar presente em minha vida, e querer dominá-la. — ele parou, e cruzou os braços. — E foi então que eu me lembrei. O show todo, a insolência, os sinais contraditórios, não tem nada a ver comigo, ou com algo que eu cause. Pelo menos não diretamente. Você não tem medo de mim, você tem medo de quem você se torna quando eu estou presente, mais ainda do quanto você não confia em si mesma quando eu estou aqui. — a bruxa engoliu seco. — Infelizmente, Bella, nenhum de nós tem tempo para você estar firme o suficiente em suas ditas convicções. — ele olhou pra cima, e o olhar da bruxa seguiu o seu. Entre as montanhas, a escola se revelou. — Hora de crescer. 



 Desviando o olhar, e apertando ainda mais os braços a seu redor, Bellatrix se limitou a não responder à provocação. “Beirando o desrespeito”, toda a cena sobre lembrá-la de seu lugar, ela não arriscaria irritá-lo mais ainda. Mesmo aquelas palavras andavam muito próximas do limite entre a provocação e a bronca. Virando-se de costas para ele, Bellatrix forçou-se a lembrar do propósito de tudo aquilo, do que estavam fazendo ali, e de como ela precisava aprender a garantir que algo daquele tipo jamais aconteceria novamente. E suas muletas usuais não seriam capazes de segurá-la. 



Algo pesado caiu sobre seus ombros, e Bellatrix virou-se no susto, encontrando Voldemort mais próximo do que ela tinha esperado. Entendendo que o manto em seus ombros era dele, que se afastava trajado em pesadas roupas negras muito mais apropriadas ao tempo do que as dela, Bellatrix fechou e abriu os lábios, resistindo ao instinto de devolver o manto. Em algum momento, ela agradeceu, lembrando a si que precisavam ser profissionais. Que limites existiriam, mas que não podia fugir. 



— Você não tem utilidade nenhuma para nós doente, Bellatrix. — ele simplesmente respondeu, a voz já não tão áspera. 



— O quão ferrada eu estou quando isso tudo acabar? — a bruxa perguntou, sincera, e ele a encarou curioso. — O quão terrível será o meu castigo? Por… 



— Por…? 



— Por causar dor e sofrimento a todos nós por anos e, ainda assim, não ser capaz de separar as coisas. — ela admitiu. 



— Isso depende do quão capaz você for de resolver a sua lambança. Pode te custar uma cruciatus, ou um país. — o som de pessoas desaparatando não foi o suficiente para abafar a ameaça. Respirando fundo, ela assentiu, mas ele ainda não tinha terminado. “Ou você acha mesmo que eu sou necessário aqui?”, não, ele não era. E nem prudente era a presença dele ali, se ela fosse realista. Voldemort estava ali para distraí-la, e ela precisaria ser capaz de resolver não somente o problema na escola acima deles, mas também de acertar sua capacidade de trabalhar ao lado dele. E, se fosse sincera, o quão errado ele podia estar? Ela era sua segunda em comando, e mal conseguia ficar no mesmo cômodo que ele. Caso não fosse capaz, bem, ele precisaria de um novo braço direito. “Três anos tarde demais”, alguns argumentariam, e ela os provaria errados. 



Maxime, escoltada por Rabastan, os conduziu até um canto escondido na montanha, parecendo corada demais e animada demais para quem estava indo literalmente para a guerra. Olhando de canto de olho para Rabastan, Bellatrix recebeu em resposta um olhar inocente. Vindo dele, de todas as pessoas. Não era de se impressionar que, naquela situação tão tensa e horrível, Olympe estivesse enxergando um cavaleiro salvador em Rabastan. Principalmente porque dois iguais se reconhecem. Uma pena que o timing fosse tão ruim… lhe faltaria tempo para provocar o amigo. 



— Majestade, Vossa Graça, por aqui. — ela puxou a varinha e o pedaço gelado de rocha se transformou aos poucos em uma bela e trabalhada porta dourada. Puxando a porta para fora, e revelando um confortável elevador, a diretora deu espaço para que eles passassem. 



— Logo Aaron e os demais estarão aqui. — Rabastan completou. — Conseguimos enviar o elevador de volta a eles? — a diretora assentiu. 



— E Levereaux sabe o caminho até as crianças. — Maxime entrou até o fundo da caixa de metal, sendo seguida pelos demais. Bellatrix comentaria que todo o medo e horror que ela demonstrara em sua casa pareciam ter desaparecido, mas ela não reclamaria ou chamaria atenção para algo que lhe era favorável. 



A porta se fechou em um clique atrás de Rabastan, e o elevador se moveu bruscamente, tão rápido quanto o do Ministério da Magia. Sentada confortavelmente numa espécie de banco no fundo, inacreditável, Maxime observou como os três não foram afetados pelo solavanco, com os olhos arregalados. Arqueando a sobrancelha, Bellatrix a encarou e sussurrou somente uma palavra: warriors. Maxime conhecia o suficiente da língua materna da duquesa para entender, e assentiu.



O elevador era silencioso e parou atrás de uma porta de madeira adornada. Esperto. Sussurrando, a diretora explicou que aquela parte específica da escola estava selada quando ela escapou, mas que não podia garantir que ainda estaria. Colocando-se na frente, Bellatrix abriu cuidadosamente a porta de ferro e, depois, a de madeira, espiando pela fresta, varinha em punho. Atrás dela, Voldemort fez menção de reclamar, mas havia zero chances de ela permitir que ele se ferisse ali, desnecessariamente e para provar um ponto. 



Lentamente abrindo a porta, e verificando que o local ainda parecia seguro, silenciosamente a bruxa saiu do elevador, sendo seguida pelos demais. Sinalizando para que ficassem quietos, e para que Maxime os guiasse até as crianças, Bellatrix lançou alguns feitiços não verbais ao redor deles, garantindo que o local permanecesse selado. Ao longe, ela via uma enorme porta de bronze, que ela conseguia sentir que não estava mais completamente selada. 



Dando alguns passos à frente, na direção oposta à deles, ela se arriscou silenciosa como um fantasma. Caso ela conseguisse fortificar também aquela porta, eles teriam mais território. Olhando ao redor, e ouvindo os protestos intermináveis de Voldemort em sua mente, ela andou até a porta e murmurou uma dezena de feitiços protetores, reforçando os antigos e trancando aquela sessão do colégio com enormes fechaduras mágicas. Literais correntes invisíveis, maciças e enormes, que os ganhariam tempo. Mesmo com as balas, que já marcavam a porta, eles levariam horas para quebrar as correntes, que estavam ancoradas nos pilares da escola. 



Voltando na direção do grupo, e passando reto por um irritado Voldemort que continuava a lhe dizer mentalmente o quanto aquilo fora estupidamente arriscado, ela seguiu Maxime na direção de onde estavam os alunos. “Somos mais fortes”, ela rebateu em algum momento. “E eles são centenas, armados com malditas armas de fogo. Você tem zero noção de onde estão, e podia ter caído em uma armadilha.” a voz dele era quase preocupada. “Você me incumbiu de proteger essa escola e recuperá-la, estou fazendo isso.” 



— Você é tão inútil morta quanto doente. — ele respondeu, em alto e bom tom, segurando-a pelo braço. Rabastan e Olympe ainda pareciam ignorantes à pequena discussão. — Eu não te treinei para ser imprudente. — soltando-a, ele andou na frente, e Bellatrix suspirou. Aquele caminho parecia o mais longo de sua vida.



 



A grande sala onde as crianças estavam sendo mantidas, junto com os professores, estava abarrotada. Maxime fora ovacionada quando passara pela porta, tranquilizando a todos de que a ajuda estava a caminho. Quando ela deu passagem aos demais, as crianças não conseguiam acreditar no que estavam vendo. Algumas fizeram pequenas reverências, e outras simplesmente deixaram o queixo cair. Os uniformes azuis de dormir, como eles eram franceses, estavam sujos e rasgados e alguns manchados de sangue. 



— Bonsoir… — Bellatrix começou, dando alguns passos na direção do meio da sala. — A maioria de vocês já me conhece. — a fala dela foi interrompida por um som de explosão, que inundou a sala e arrancou gritos dos mais novos. — Para quem não conhece, me chamo Bellatrix. Professores, mostrem a Rabastan onde estão as proteções. Ele as ajudará a reforçá-las. Logo mais pessoas chegarão e farão o mesmo, mas as explosões me dizem que precisamos nos apressar. Maxime, vá com eles. — voltando-se novamente para as crianças, ela respirou. — Onde eu estava? Ah, é claro. Meu nome é Bellatrix Lestrange. Vejo que alguns reconheceram o nome. “A Protetora da França”, é uma das coisas de que me chamam. Bem, até onde eu me lembro, essa escola fica na França e eu estou bem acostumada com batalhas. — as crianças pareciam interessadas, e Voldemort a encarava num misto de choque e surpresa. De todos os talentos de Bellatrix, acalmar crianças não esteve jamais na lista. — Que sorte a de vocês! Mas hoje, alguém ainda mais especial do que eu veio ajudar a proteger a escola. Eu só posso proteger a França, porque ele protege o reino. — ela deu espaço para que Voldemort se aproximasse. — Quantas crianças podem dizer que conheceram o Rei em pessoa? E que o viram em ação? Ah, porque vocês verão. 



— Vamos precisar que vocês fiquem o mais quietos possível.  —  Voldemort completou. — Porque não pretendemos tirar vocês da escola. — algumas crianças prenderam a respiração. — Mas tirar eles daqui. A escola é de vocês, são esses intrusos que devem partir. Mas para isso… precisamos de todos. — as crianças assentiram. — Quanto mais tempo tivermos até eles descobrirem onde vocês estão melhor… 



— Quando os outros chegarem, vão trazer mais ajuda para quem está machucado. — ela lambeu os lábios. — Por enquanto, crianças do primeiro e segundo ano devem ficar o mais longe possível das portas e dos locais selados, junto com os feridos. Terceiro e quarto anistas, ajudem as enfermeiras e os aurores a organizarem os menores e os feridos. Alunos do quinto e do sexto ano… eu não vou impedi-los de ajudar a expulsar os intrusos, mas oficialmente não posso pedir nada além de: não fiquem no caminho. Vocês são mais úteis aqui, mantendo os outros seguros, do que bancando os heróis. — uma série de olhares envergonhados desviaram-se dos olhos verdes dela. — Quanto aos maiores de idade: defendam sua escola. Eu não sei quanto tempo os aurores vão levar para chegar, e mesmo depois que os demais reforços chegarem… pode ser que precisemos lutar antes do previsto. Então, quem já quiser se unir ao coro de proteção ou quem tiver noções de como ajudar aos feridos, fique a vontade.    



As crianças começaram a se movimentar, e Bellatrix puxou a varinha. Sendo seguida de perto por Voldemort, que nem mesmo murmurava seus feitiços, trancaram a sala ao redor deles com mínimo esforço. Ela quase o odiava, ainda que também não estivesse realizando a tarefa mais complicada de sua vida. No fundo, ela sabia que barreiras mágicas não seguravam balas a não ser que fossem campos de força literais, mas enquanto eles não derrubassem as paredes, eles tinham tempo para subir o campo. 



— Acha que conseguimos sozinhos? — ela perguntou, displicente. — Subir um campo forte o suficiente em tempo hábil. Hogwarts levou horas para subir o campo que te segurou para fora, e eles tinham dezenas de professores, além de mim. 



— Mais do que isso… eles só fortificaram as defesas da escola, que estão lá há séculos. E eu as quebrei em horas. — o comentário dele fora quase convencido demais. — Mas eu sou um bruxo, e tinha um exército de bruxos comigo. Armas não quebram escudos tão rápido quanto magia. 



— Mas demandam um escudo quase literal. — ela corrigiu. — Espesso o suficiente para parar o metal e as explosões. 



— Qual o seu plano? 



— Selar as crianças com tudo o que tivermos, e partir pra cima deles. Não podemos deixar muitos aurores aqui com elas, ou Comensais. - assentindo, Voldemort passou por trás dela e parou por um momento, analisando a sala ao redor. 



— Não é um espaço tão grande, devemos levar alguns minutos... 



— Gostaria de ter sua auto estima. 



— São fatos, minha cara. — ele levantou a varinha e estendeu a mão a ela. — E você tem a maior auto estima que já foi documentada, Bellatrix, me poupe de sua falsa modéstia. 



Com um sorriso, Bellatrix enlaçou os dedos nos dele e posicionou-se de costas para Voldemort, sua cabeça recostada no espaço entre os ombros dele, quase confortável demais. Respirando e fechando os olhos, Bellatrix levantou a varinha. Foi pela contagem na mente dela que eles iniciaram o encantamento. Um feixe de luz âmbar deixou as varinhas de ambos, subindo até encostar no teto. Algumas crianças observaram atentas o pequeno espetáculo de luzes, quando os dois feitiços se moveram pelo teto até se encontrarem e entrelaçaram no ar, começando a tecer um círculo. A magia parecia espessa por um momento, antes de desaparecer completamente, à medida em que o círculo ia lentamente se formando. 



O feitiço jamais deixava os lábios dos dois bruxos, tão hábeis e acostumados a situações como aquela. O tempo estava contra eles, o inimigo próximo, e eles não podiam estar mais confortáveis. Bellatrix lutava para manter as memórias de uma noite quando o homem atrás de si, que inconscientemente lhe dava o suporte para se manter de pé enquanto o pesado feitiço a drenava, era o tal inimigo a se aproximar. Apertando a mão dela, num silencioso sinal para que ela continuasse, ele a distraiu de seus pensamentos.



Ao redor da sala, usando-os como ponto central, a enorme parede descia lentamente, chamando a atenção dos bruxos responsáveis por selar as portas. Rabastan parou por um momento para observá-los, concentrados, fazendo sozinhos algo que não devia ser possível. Não naquela velocidade, pelo menos. Mesmo de longe, ele conseguia ver como o feitiço drenava Bellatrix mais do que ela conseguia admitir, mas a maldita teimosa se mantinha firme. 



Vindos da direção do elevador, Aaron, a professora Levereaux e a primeira leva dos antigos Comensais da Morte chegaram, anunciando que mais estavam a caminho. Os cinco bruxos pararam em súbito, observando a cena à sua frente. 



— O que eles estão fazendo? — Aaron perguntou. 



— Deixando essa sala a prova de balas. — Rabastan deu de ombros, soando orgulhoso demais de algo que não tinha feito. 



— Sozinhos? — o cavaleiro questionou, em completo horror. — Essa barreira jamais ficará pronta a tempo, ou eles vão se matar tentando. 



— Oh, tolos de pouca fé. — Rabastan deu um tapa amigável no ombro do mais jovem. — Bem vindo, Guillot, à liga sênior. Prepare-se para presenciar a verdade por trás das lendas e, meu caro, você ainda não viu nada. 



Percebendo a falta de preocupação tanto de Rabastan quanto dos demais, Aaron deixou-se observar por mais alguns instantes. Ainda que Bellatrix parecesse um pouco mais pálida do que o normal, e claramente estivesse se apoiando em Voldemort, ela não parecia nem perto de desistir. A parede continuava a descer, no mesmo ritmo constante. Ele tentou se aproximar, mas foi impedido pelos outros. “Ela está segura”, Rabastan assegurou, alegando que ele estaria protegendo mais a todos ajudando a fortificar as portas, incluindo a própria Bellatrix. 



Dias depois, se alguém perguntasse a Bellatrix qual fora a sensação daquele momento, ela usaria a palavra “exaustão”. Em poucas outras oportunidades ela sentira literalmente sua magia ser sugada para fora de seu corpo com tamanha rapidez. Bellatrix sabia, também, que eles eram os culpados, por pronunciarem o encantamento tão rápido. Eles eram capazes, sem dúvida, mas ninguém nunca disse que seria fácil. Estranhamente, a sensação a lembrava dos dementadores. Ela poderia jurar que sentia parte da magia de Voldemort misturando-se à dela, mas talvez estivesse delirando, ou somente um resultado das varinhas deles estarem ligadas… ou porque… ela estava usando a Horcrux. Preso em um cordão, o anel pendia escondido pela roupa, como antes estivera debaixo de sua camisola. Ela tinha uma regra expressa de não responder a perguntas de ninguém sobre o anel que há muito tirara do dedo, mas que nunca deixava seu lado. 



O som das explosões ao longe, dos sabe-se lá quantos trouxas que tentavam abrir caminho através das diversas barreiras, causaria em qualquer pessoa minimamente normal temor em contraste à velocidade com que aquela parede era formada; para os dois, no entanto, a única coisa que a chegada iminente de seus inimigos fazia era acender uma chama há anos apagada, o combustível que por anos os fez queimar. Alguns diriam que a guerra era uma forma macabra de arte e, ouvindo sua alma ser preenchida por uma música quase esquecida, Bellatrix jamais se atreveria a discutir.



Atrás dela, Voldemort era a única coisa que ainda a mantinha de pé, e uma parte da bruxa se perguntava como ele conseguia sustentar os dois; a resposta era um tanto óbvia, claramente: ele era imortal. Provavelmente mais forte do que todos ali combinados, ainda que ela em algumas ocasiões tivesse se atrevido a tentar encará-lo, no longo prazo, ele teria uma resistência mágica que ela ainda não podia chamar de sua. Ainda. A palavra soava estranha em sua mente, quase como se tivesse sido colocada lá. 



Subitamente, os dedos de Voldemort se desvencilharam dos dela. A bruxa não entenderia o porquê até segundos depois, quando sentiu o braço dele fechar-se ao redor de sua cintura. Ele havia soltado sua mão, virando-se na direção dela e a abraçado por trás, com a intenção de mantê-la de pé. Bellatrix recebeu o novo apoio com maior boa vontade do que se pensava capaz, em meio a seu orgulho e mágoa. O corpo dele se moldava ao dela com a mesma perfeição de sempre, o queixo do bruxo descansando confortavelmente na curva do pescoço dela, quando os primeiros sinais de seu próprio cansaço começaram a aparecer. 



Usando a mão livre para agarrar o braço que a segurava pela cintura, Bellatrix fechou os olhos e deixou a cabeça pender para trás, aceitando todo o suporte que ele lhe oferecia, sem medo do toque. Aquilo fora especialmente fácil, natural depois de tantos anos, tantas batalhas. Em meio a algo tão importante, tão pivotal nas vidas e no domínio deles, as recentes desavenças e contradições tornavam-se nubladas e distantes - eles tinham um trabalho a fazer que garantiria a sobrevivência da Coroa e de todos eles, e Bellatrix sabia que jamais seria capaz de o finalizar sozinha. 



A luz ambiente mudou, quando a parede tornou-se grande o suficiente para passar pelo nível dos olhos deles, a barreira semi transparente de um brilho acobreado intensificando a luz amarela das velas que clareavam o ambiente; dentro do campo de força, quase separadas do mundo e permitindo-se imaginar noutra realidade mais saturada e obscura, as crianças ao redor começavam a se abrir, o mínimo de segurança lhes dando o conforto que por horas ninguém lhes dera. 



— Concentre-se… — o som da voz de Voldemort veio de longe, ou pelo menos fora a peça que a mente cansada de Bellatrix pregara. Na vida real, ele estava ali, pressionado contra ela, mantendo-a de pé, sua respiração forte e, se ela se atrevesse a prestar atenção, beirando o ofegante contra a curva do pescoço da bruxa.  



Voldemort pretendera, em sua fala, clamar o tom de professor e mestre que utilizava com ela durante as longas e antecipadas sessões de tutoria, num outro tempo, noutra vida; aqueles dias pareceram ainda mais distantes quando sua voz recusou-se a obedecer seu comando, saindo muito mais suave do que ele havia pretendido. Caso não fosse tão orgulhoso, admitiria que era o impacto de um feitiço daquela magnitude sendo performado tão rapidamente que estava começando a deteriorar suas forças, como já fizera à bela mulher que precisava se sustentar em seus braços. Ele era poderoso, imortal, mas mesmo assim tinha suas limitações - o que, evidentemente, o enlouquecia. 



Era muito mais confortável culpar a falta de foco na distração causada pelo corpo quente encaixado contra o seu, é claro; ou talvez, a fragrância tão característica dela e familiar que perfumara sua casa por anos. Bellatrix estava dormindo quando a acordaram, e quem diabos usa perfume para dormir? Com uma risada engolida para não deixar de murmurar o feitiço, ele se lembrou: ela usava. Às vezes, ele não sabia se imaginava ou se os lençóis ainda tinham aquele cheiro impregnado neles. 



Bellatrix sentiu as pernas falharem, seu corpo irritantemente fraco negando-se a se igualar a sua magia, ou a sua vontade de acompanhar os esforços de Voldemort. O gosto amargo de não estar completamente à altura dele trazia uma sensação quase de heresia a ela; numa outra vida, ela teria acreditado que merecia ser castigada pelo mero pensamento. Como alguém pode querer alcançar uma divindade?, seu eu adolescente teria dito, e seu eu atual quase queria rir da ingenuidade. Não havia nada de divino nele, mas de genial. E era essa genialidade que ela se atrevia cobiçar.



Nessa vida, era quase um desejo secreto, um que ele havia alimentado, mesmo que acidentalmente. E o equilíbrio de suas duas vidas estava na certeza interna de que ela possivelmente jamais o alcançaria, mas que isso não a faria deixar de tentar. A falta de repreensão lhe deixava ousar acreditar que a ideia não era completamente rejeitada por Voldemort, mas aquele delírio não passou por sua cabeça por mais de dois segundos. Ele podia ser muitas coisas, e dividir muito, mas seu poder não era algo que ele facilmente aceitaria ter desafiado. 



A estranha sensação de que esse mesmo poder percorria seu corpo, como se fragmentos da magia dele estivessem se entrelaçando com a dela, novamente invadiu uma Bellatrix que lutava, forçando as palavras para fora dos lábios. Sentindo um líquido quente tocar seus lábios ao mesmo tempo que um cheiro metálico enchia suas narinas, a bruxa negou com a cabeça, entendendo que seu corpo mundano e mortal estava desistindo da inútil tarefa de se deixar brincar no mundo dos imortais. A mão dele forçou-se contra a cintura da morena, que franziu o cenho em confusão.  Pouco, era a palavra que enchia sua mente, e vinha obviamente dele. A horcrux contra seu peito estava estranhamente gelada, quando ela teria imaginado quente em sua luta para proteger sua guardiã, e Bellatrix então entendeu: há muito a horcrux havia parado de tentar influenciar o que estava acontecendo, porque algo mais poderoso entrara em ação. 



Em algum momento, o próprio Voldemort passara a ser não somente quem a segurava fisicamente, mas magicamente. Ela sentia que a magia deles estava se misturando, pois estava. O poder dele corria por dentro dela, restaurando rupturas que o esforço além do normal estava causando, mantendo a magia dela intacta, garantindo que ela dançasse aquela maluquice com ele, impedindo-a de se limitar às suas barreiras mortais. A mão dele não simplesmente parecia tremer, ela tremia. Usar a quantidade de magia necessária para fazer a sua parte e compensar parte da dela, começava a se provar muito, mesmo para o Lorde das Trevas. Eles eram loucos, e não mudariam uma vírgula. 



Seis minutos, quarenta e sete segundos, e duzentos e setenta e três metros quadrados depois, a borda da espessa parede invisível tocou o chão com um baque metálico que não passou despercebido por ninguém. O som de trancas mágicas reforçando todas as portas também aliviou as quase seiscentas crianças e adolescentes. 



Bellatrix mal havia notado que os demais haviam retornado, e que dezenas de ex-Comensais haviam chegado, assim como a primeira leva de aurores. Rabastan, os professores, e os outros que tinham como função reforçar as portas, já estavam de volta e somente observavam, calados. O próprio corpo dela levou alguns segundos para processar que estava terminado, e ela desmoronou. 



Muito contra as crenças dela, Voldemort não ofereceu resistência e deixou-se ser puxado para baixo. Medindo pela fraca intensidade com que atingiram o chão, Bellatrix diria que ele tomou algumas precauções durante a queda, mesmo que não a impedisse. De joelhos, e ainda a segurando contra o corpo, ele deixou o rosto descansar na curva do ombro dela por um momento, antes de virá-la em sua direção. 



— Bem vinda… — foi a primeira coisa que ele disse, parecendo mais magro do que o normal, olheiras fundas e não comuns abaixo de seus olhos. Mais mortal? Ela se questionou, aceitando sentido na teoria de que a exaustão o fazia mais humano. 



Piscando pesadamente, e sem entender o porquê das boas vindas, Bellatrix tentou se levantar, sentindo seus músculos e cabeça reclamarem em resposta. Guardando em algum canto obscuro de sua mente o pensamento de que submeter um rei e uma general a algo como aquilo poucas horas antes de uma batalha era uma burrice inimaginavel, ela se contentou em ficar no chão por mais alguns momentos. Aceitou então o lenço que ele lhe ofereceu, limpando o sangue que escorria de sua narina esquerda para parecer ter mais dignidade. 



— Ao território das lendas, minha cara. — ele explicou, ajeitando o paletó perfeitamente alinhado, formado por um tecido feito de vários fios de texturas diferentes entrelaçados. 



— Pensei que já havíamos feito esse tipo de história. Muitas, aliás. — ela provocou. 



— Numa história escrita por outros, essa é escrita por nós. Nosso mundo, nossa história e, minha cara, você acabou de fazer algo humanamente impossível na frente de centenas de pessoas. — ele sussurrou, e deu de ombros. —  E é assim que mitos nascem, como sua imortalidade começa, antes mesmo de ser real. 



Cansada e involuntariamente preocupada com o que estava por vir, Bellatrix deixou-se distrair com o encantamento causado pela ideia. Assentindo suavemente, ela observou como ele buscou se levantar, mascarando quaisquer sinais óbvios de fraqueza. Mesmo assim, ela sabia que ele sentia o impacto, ainda que num nível menor. 



Uma vez de pé, Voldemort estendeu-lhe a mão, num convite silencioso. As bombas do outro lado das portas seladas eram um barulhento lembrete de que ela não teria muito tempo para se recuperar, e seus olhos buscaram rapidamente as enfermeiras no fundo da sala. Com elas, ou nas provisões dos aurores, devia ter algo que lhe ajudasse a reverter o estrago mais rapidamente. Com um involuntário gosto amargo na boca, causado por um traiçoeiro pensamento de que em outros tempos ele a teria pegado nos braços para colocá-la de pé, Bellatrix agarrou a mão dele e aceitou a ajuda para se levantar. 



— Consegue ficar de pé sozinha? — Voldemort questionou, segurando-a ainda com firmeza pelas mãos. Deixando gradativamente de usar o apoio dele, a bruxa assentiu. — Ótimo, porque você sabe que ainda não terminamos. 



Estamos presos aqui dentro, ela se lembrou com pesar. A barreira era pesada demais para deixar as balas entrarem, mas também para deixá-los sair. E eles, bem, tinham terroristas para expulsar. 



— Precisamos liberar a barreira para bruxos… — Bellatrix concordou, ajeitando os cabelos e lambendo os lábios. 



— Eu ouvi isso certo? — eles foram interrompidos por uma voz extremamente irritada, que ela reconheceu sendo de Aaron, muito antes de olhar. O cavaleiro vinha na direção deles, e era seguido de perto por Rabastan, que o encarava com uma expressão exasperada. — Se você acha que eu vou permitir que você lance sequer um feitiço, antes de ser examinada por uma enfermeira, ou de pelo menos descansar...



  A Bellatrix que o encarou de volta não era, nem de longe, aquela com quem convivia, que não era uma pessoa fácil mas que em alguns momentos podia ser considerada maleável, ou menos ainda a Duquesa de Bordeaux, sempre tão polida mesmo em sua famosa rigidez; a mulher que o encarou era uma pedra de gelo, muito mais fria do que jamais havia presenciado, os olhos verdes cintilando em uma gélida raiva, enquanto o mediam de cima a baixo quase como se não o conhecesse. Aquela era, ele pensou com uma pontada de arrependimento, a general, que nunca fora necessária desde que assumira o posto, a Bellatrix mais parecida com sua versão Comensal da Morte. 



A verdadeira Bellatrix, ele quase podia ouvir Rabastan comentar, que não precisa fingir diplomacia. Lambendo os lábios, a estranha que o encarava deu alguns passos em sua direção, com tal altivez que parecia ter dois metros de altura. Lendas vivas, o visconde gostava de dizer. Movendo-se com uma calma calculada para tirá-lo de sua segurança, com um princípio de sorriso de desdém nos lábios, ela negou lentamente com a cabeça, uma sobrancelha levantada transfigurando seu belo rosto para uma máscara que beirava perigosamente o desprezo.    



— E quem você pensa que é para permitir algo em relação a mim, Guillot? — a voz dela jamais se alterou, e seu tom era somente o suficiente para que o som chegasse a ele. Ela não gastaria sua preciosa energia com ele. Cerrando os olhos, ela se permitiu continuar. — Homens mais poderosos tentaram e falharam, o que te faz pensar que seu destino será diferente? Volte a seu posto, nenhum de nós tem tempo para seus chiliques. 



— Minha função é te proteger, eu literalmente apostei minha vida em te manter viva. — ele retrucou, e Bellatrix deu de ombros.



— Nos meus termos, no máximo nos dele. — Bellatrix olhou na direção de Voldemort por cima do ombro, e Aaron percebeu como o rei o encarava num misto de diversão e piedade. Para Bellatrix, os olhos dele apenas cintilavam com fascínio. — Nunca nos seus, Guillot. Quanto mais cedo aprender, menos sofrerá e mais tempo terá para conceber maneiras de não perder para seu Voto Perpétuo. Agora, Sir Guillot, volte a seu posto. É uma ordem. 



— Sou um cavaleiro da guarda real e não um auror ou membro do exército, Vossa Graça. Não recebo ordens suas. — a tentativa de defesa apenas ativou algo nela, algo primal e perigoso, que fez o ar ao redor deles mudar e quase causou um desmaio em Rabastan, parado logo atrás, com as mãos no quadril. Lambendo os lábios para criar coragem, Aaron continuou. — Você não é parte da família real, por mais que continue a se esquecer disso. 



Voldemort havia se aproximado deles sem que ninguém percebesse, e parecia muito menos amigável e divertido do que segundos antes, embora Aaron tivesse a impressão de que ele talvez estivesse ali para segurar a mão de uma Bellatrix explosiva que não era famosa por aceitar ser contrariada. 



— E é aí que se engana, Guillot. — Bellatrix respondeu com um sorriso, tão evidentemente falso que causara um arrepio involuntário até mesmo em Rabastan. — Eu sou e sempre serei parte da família real, eu ainda sou mãe da herdeira, ou se esqueceu? Mas não é daí que vem meu poder sobre você, Guillot, não… cavaleiro real ou não, você ainda é um cidadão da França e eu sou a governante desse país. — ela deu um passo para trás. — Você não dá ordens, você as obedece quando e como eu quiser. Desde, é claro, que Vossa Majestade não discorde. — olhando por cima do ombro em busca de Voldemort, Bellatrix o encontrou mais próximo do que esperava. 



— De forma alguma, Bella. Você ouviu as ordens de sua suserana, Guillot. — ele tinha muito mais prazer na voz do que devia demonstrar, mas em meio às longínquas explosões e à tensão do que ainda estava por vir, Voldemort não estava mais preocupado com a diplomacia do que a duquesa. — Volte a seu posto. 



— Agora. — Bellatrix completou, seca. Girando nos calcanhares, Bellatrix apoiou uma das mãos no peito de Voldemort, de forma quase carinhosa. — Quando estiver pronto, Majestade, podemos continuar. — e se dirigiu até o ponto no meio da sala onde estivera minutos antes, sem ficar para ver sua ordem ser obedecida.



Voldemort apenas encarou o chão por alguns segundos, negando com a cabeça. Ele fez menção de ir na direção de Bellatrix, mas parou e se dirigiu a Aaron. — Eu diria que você está fazendo minha vitória ser fácil demais, Guillot, — ele lambeu os lábios. — caso não tivesse a plena consciência de que nem mesmo existe uma competição.



Sem se prolongar, o bruxo andou na direção da duquesa, que girava a varinha entre os dedos de forma brincalhona. Ao longe, nem Aaron nem Rabastan poderiam entender porque ela ficara séria tão rapidamente, pois não tinham legilimência para saber o que Voldemort colocara na mente dela: Nunca mais me use de peão seus joguinhos com o seu gigolô, Bellatrix. 



Engolindo seco e assentindo, Bellatrix não precisaria de explicação. O toque não fora acidental, nem as palavras próximas ao rosto dele, nem sua fala sobre ser parte da familia real. Bellatrix tinha a intenção de humilhar Guillot, mesmo porque, se ele sentia ciúme dela ou não era irrelevante, mas a insolência não poderia passar em branco. Perdão, milorde. Não acontecerá. 



— Não, não vai. — o bruxo respondeu, pegando a varinha. — E Bella, você até pode ser parte da família, mas se ficar por aí fingindo me seduzir, ninguém vai levar a sério todos os seus discursos sobre como você abdicou de tudo. — a voz séria quase não combinava com as palavras. — Até porque a fase em que eu tinha paciência para sua indecisão, e esperava ansioso pelo menor sinal de um “sim”, acabou faz muito tempo, ma chèrie. 



— Eu sei… 



— Então se lembre disso e respeite a mim e a si mesma. 



Bellatrix assentiu, sendo corroída pela vergonha do que fizera. Como se tudo o que havia acontecido até então naquela noite não tivesse lhe ensinado lições. Os comentários de Voldemort eram, em sua raiz, mais uma dessas lições e parte dos jogos do próprio Lorde, cujos planos eram de longo prazo. Não que a expressão de horror dela e a forma como a mente dela se agitara não fossem divertidos, obviamente. Dando dois passos na direção dela, e aproximando-se como ela fizera fatidicamente momentos antes, ele lembrou-a de que tinham trabalho a fazer e um tempo cada vez mais curto. A ideia de usar mais magia com um corpo ainda debilitado nunca parecera tão atraente à bruxa, que queria mais do que tudo encerrar o assunto.



O trabalho em questão era mais simples e demandava menos, no entanto os sinais da fraqueza que ainda agarrava partes deles continuavam evidentes. O feitiço era uma modificação do usado na barreira que segurava somente Comensais da Morte, uma noite que ainda trazia más memórias a todos os envolvidos. Modificado, pois ele só permitiria que passassem aqueles que tinham traços de magia, basicamente bruxos e criaturas mágicas. 



Em algum momento, Bellatrix fora questionada sobre a natureza do feitiço que começavam a aplicar por cima da barreira, mas nenhum professor teve a coragem de perguntar diretamente como eles sabiam com tamanha prontidão algo tão específico. Ou porque haviam criado algo assim. “Por que dois genocidas anti-trouxas criariam e decorariam um feitiço que reconhece magia?”, um deles se atreveu a sussurrar a resposta à pergunta silenciosa. Voldemort escolheu ignorar tal pensamento, mas trocando olhares com Bellatrix, percebera que ela ouvira e também escolhera fingir surdez. Não era o local nem o momento e, ainda que insolente, o professor não estava errado.  



As serpentes cor de lavanda que deixavam suas varinhas, assim como às dos ex-Comensais presentes que conheciam o feitiço, Rabastan incluído, se misturavam ao tom acobreado da parede quase transparente, fazendo-a cintilar como mármore por vários segundos, antes de quase desaparecer. Todos ali eram mágicos, para eles ela em algum momento se tornaria invisível. 



Com tantas pessoas envolvidas, o trabalho seria mais rápido e os desgastaria menos, mas Bellatrix sentia falta do protagonismo de estar no centro, sendo seguida por olhos atentos e curiosos, encantados com a maestria que tinham a oportunidade de presenciar. Tirando esse tipo de pensamento da mente, Bellatrix se lembrou de que ainda teria muito tempo para fazer história. Aquela noite estava somente começando, e o inimigo estava do outro lado das enormes portas que separavam as alas do castelo e, posteriormente, das que separavam aquela enorme sala do restante.



Pela quantidade de aurores que já haviam chegado, era possível que já estivessem quase todos ali. Logo. O momento estava chegando, mas ela não iria até eles. Não. Calma era fundamental para sua estratégia funcionar. Ela havia esperado três anos para saborear uma batalha novamente, e ela aproveitaria cada nuance. A espera à espreita era uma delas, e uma que lhe dava tempo para se recuperar de sua provação auto infligida. Não que ela se arrependesse, afinal a grandeza jamais pode ser alcançada sem alguns ferimentos. 



— Per aspera ad astra, um dos ditados mais antigos do mundo. — Voldemort comentou, parando ao lado dela, quando quase toda a barreira já estava coberta pelo feitiço. Forçando a mão dela para baixo, ele indicou para que ela parasse. — Já é o suficiente. Os comensais conseguem finalizar e precisamos nos recuperar. 



A bruxa somente assentiu e o acompanhou até o canto oposto, encontrando os suprimentos que os aurores haviam trazido, e suas mãos buscaram o mais não ortodoxo possível: uma das pequenas garrafas de metal que ela sabia que só podiam conter uísque de fogo. Comensais e Aurores não eram assim tão diferentes. A bebida queimando garganta abaixo era quase calmante. 



— Eles não sabem que estamos aqui, — ela começou, enquanto Voldemort procurava algo útil no meio das poções. — temos o elemento de surpresa. 



— E a força bruta, mas não faz sentido atacarmos. 



— Não, precisamos deixar eles quebrarem as portas. Ganhar tempo, deixá-los cansados, deixar gastarem munição, enquanto ficamos aqui. Que acreditem que estamos cercados. Ou no caso, que um bando de crianças e professores estão. — Voldemort assentiu e bebeu parte de uma das poções em cima da mesa, estendendo o restante a ela, que bebeu sem pestanejar. 



— Assim, sem nenhum comentário ou pergunta?



— Agora estou errada em confiar? — foi a vez dela estender a garrafa em sua mão. — É uísque de fogo, aliás. — como se ele não soubesse. 



Virando a bebida com a mesma facilidade com que bebera a poção segundos antes, Voldemort observou enquanto os efeitos do remédio apareciam rapidamente nela, que parecia levemente menos pálida e apática a cada segundo. Ela não ficaria totalmente bem, ele sabia, mas precisavam somente ficar em condições de lutar. 



— Agora fazemos a pior parte, esperar. Aquelas crianças… — ele sinalizou na direção dos menores. — Vão precisar de mais um dos seus discursos. — ele arqueou uma sobrancelha e Bellatrix quase corou. — Jamais te tomaria por uma pessoa que ainda tem jeito com crianças. 



— Eu tive duas filhas, não tive? — ela cruzou os braços. 



— Teve, no passado. E Narcissa criou uma delas; a Sra. Zabin, a outra. — Voldemort relembrou e Bellatrix balançou a cabeça. 



— Errado, majestade. Aqui estamos falando de pré-adolescentes e adolescentes… Hillary era pré-adolescente quando saí da cadeia, sem contar Draco que era mais jovem ainda, e Melinda está comigo desde os quinze anos. Tenho alguma experiência com essa faixa etária… além do que, — ela fitou os pés. — Narcissa e eu tivemos a mesma criação. Eu não… agir assim não significa que não fui ensinada a ser uma fantástica mãe e tia. 



— E foi. — Voldemort devolveu a poção e Bellatrix franziu o cenho. — Uma fantástica mãe e tia, assim como é uma avó espetacular. Eu só estava te provocando, Bella. 



A mulher o encarou desconfortável e desviou o olhar para o outro lado da sala. — Obrigada, majestade. Eu apenas cumpri minha missão. 



— Nem você acredita nisso. — ele quase riu. — Você amou essas meninas quase tanto quanto me amou… Ainda ama. — Bellatrix engoliu seco. — E eu vejo como transfere seu amor não vivido pela Hillary para a Pandora. 



— Pandora não tem culpa… 



— Não tem. — ele concordou. — A mãe dela fez suas escolhas e você foi quem pagou o preço mais cruel naquela história toda. — Bellatrix assentiu. 



— Melinda também não achou uma festa…



— Ninguém achou, nem mesmo eu. — Bellatrix pareceu confusa. 



— Bella, até quando você vai acreditar nessa história que você inventou de que eu gosto de te fazer sofrer? Eu nunca gostei. Menos ainda de machucar a Melinda. — ele abaixou a voz. — Eu tomei uma decisão difícil, a decisão esperada de mim, não significa que eu gostei ou que foi fácil. Eu sou como eu sou, e se não tivesse feito aquilo nunca teria tido paz, mas… 



— Eu entendo. — ela sorriu. — Rodolphus talvez tivesse gostado de ouvir esse discurso… 



— Ela foi filha dele por cinco minutos, Bella. — ele deu risada e Bellatrix rolou os olhos, lembrando-se de toda a bagunça. — E agora…? O que fazemos enquanto esperamos?



— Não tem bebida o suficiente, não tem música… — ela fez uma careta e viu Rabastan e alguns outros ex-Comensais se aproximando. 



— Majestade… — Rabastan fez um aceno de cabeça. — Vossa Graça… terminamos os feitiços, quais as ordens? — Voldemort desviou o olhar para Bellatrix, que não hesitou. 



— Reúnam as crianças mais uma vez, preciso falar com elas. E descansem, será uma longa noite, façam turnos na cobertura das portas e… comportem-se com os aurores. — alguns deles deram risada enquanto se curvaram ao som de “Sim, madame.” ou “Sim, vossa graça”, despediram-se de Voldemort e ocuparam-se de seus trabalhos.



— Acha que silenciamos a sala novamente? Sei que os professores já fizeram mas… não sei se confio. — Bellatrix sorriu com aquilo. 



— Está buscando ordens, majestade? — ela mordeu o lábio e ele a olhou de cima a baixo. 



— Nos seus sonhos, minha querida. — ele segurou o queixo dela. — Estou trocando ideias contigo, apenas isso. — Bellatrix deu risada e assentiu. 



— Concordo, mas vamos arrumar alguém pra fazer… nós dois precisamos descansar. — ela estendeu a mão a ele, que pegou sem pensar muito, e o puxou para o meio da sala. — Hora de encantarmos crianças novamente.  



— Você, eu sou péssimo com elas. 



— Diz isso pra Pandora, a garota nem seu sangue tem e é viciada em você. 



— Isso é diferente, ela é minha neta, e a Pandora mal se qualifica como uma criança. 



— A menina tem cinco anos. 



— Dentro dela tem uns cinquenta. — Bellatrix riu com aquilo e o encarou séria. 



— Você não conhece nenhuma pessoa que não encantou quando quis… agora vem e me ajuda, por favor. 



Os dois discutiram mais um pouco até chegarem ao meio da sala, quase esquecendo os problemas que os preocupavam e tensionavam, mas aquela noite ainda era um teste e - às vezes - o peso daquilo os pegava desprevenidos. Quando notaram que as crianças os observavam, Bellatrix limpou a garganta e respirou fundo. 



— Bom, como vocês todos viram, os reforços chegaram e conseguimos proteger a sala por enquanto. Precisamos que todos vocês se mantenham calmos e seguros. Em algumas horas essa calmaria vai passar e muitas explosões começarão. — algumas crianças menores se encolheram. — Aí, vamos precisar ainda mais de vocês. Ninguém sai dessa sala sem antes ouvir a liberação de nossa parte. Acreditem, é pela segurança de vocês. Eles estão com armas de fogo lá fora. — algumas crianças soltaram palavrões, outras pareciam confusas com o conceito. — E vocês não sabem se defender contra isso, nós é que sabemos. Mais velhos, por favor, cuidem dos menores. Eu não quero ter que petrificar nenhum engraçadinho, mas eu vou. — algumas risadas e outros sons incrédulos.



— Eu acreditaria em Sua Graça se fosse vocês. — Voldemort tomou a atenção para si. — Ela não costuma blefar e hoje tenho problemas maiores do que segurar os ímpetos dela, até porque ela está certa e eu sem a mínima vontade. Então… comportem-se. A autoridade dela é a minha, não se esqueçam. Muito ajuda quem não atrapalha. 



Não era novidade para ninguém, em lugar nenhum do reino, que apenas ele era capaz de controlar Bellatrix, nem mesmo para crianças. As lendas corriam, é claro, muitas vezes exageradas e - ainda que todo um processo tivesse sido realizado para cunhar uma nova imagem para a família real - algumas verdades por trás das lendas não são possiveis de abafar. Assim, ouvi-lo dizer que não a pararia era preocupante para alguns que sabiam o quão impetuosa e perigosa ela podia ser, e divertido aos inocentes.



— Por enquanto… descansem. Os aurores tem alguns suprimentos e podem ajudar melhor. — ela finalizou, e virou-se para Voldemort, vendo que ele lhe estendia uma mão. 



Sem pestanejar, ela pegou a mão do homem, que a guiou para onde o Ministro da Magia e os professores se encontravam. Com uma expressão calma, ela aproximou o rosto do dele enquanto andavam. 



— Precisamos mesmo passar nossas últimas horas com eles? 



— Últimas? — Voldemort riu e balançou a cabeça. — Você já foi mais positiva, Bella. Não se atreva a morrer hoje, e… política ultimamente é sempre necessário. 



Ao ver Bellatrix se aproximar no braço de Voldemort, Aaron Guillot - que acabara de se aproximar ao ministro junto a alguns aurores - fechou a cara, muito para diversão dos ex-Comensais franceses que ali estavam e começavam a se aproximar. 



— A espera é torturante. — O ministro vociferou, e Bellatrix deu de ombros. 



— Essa é a diferença entre nossos lados… o nosso sabia se divertir, ministro. — ela reminesceu, e Voldemort a observou curioso enquanto ela se afastava um pouco dele e alguns ex-Comensais assentiam. — A essa hora, haveria bebida, comida… música. — ela olhou para Voldemort, que deu um passo na direção dela e sorriu ao perceber que ela não se afastou. 



A mão dele passou ao redor da cintura dela, enquanto a outra pegou sua mão esquerda, e o Ministro os olhou quase horrorizado, enquanto Bellatrix gargalhava em meio a um giro, movendo-se com uma música que não existia. 



— Você estaria usando roupas muito mais reveladoras, Bella! — Rabastan comentou, se aproximando do grupo. — Podia corrigir isso, não é? — Voldemort a jogou num cambrê na direção do ex-Comensal, e Bellatrix aproveitou para fazer um sinal obsceno na direção de Rabastan. — Eu só falei a verdade. — ele levantou ambas as mãos em derrota enquanto os outro dois voltavam a dançar sem música. — Aliás, vocês dois estariam bem mais obscenos, sem ofensa, era uma agarração… um fogo, vocês não tem ideia. 



— Cala a boca, Rabastan. — os dois dispararam juntos e Bellatrix quase corou. 



— E para de reclamar de algo que você adorava… mais voyeur que você não existe, Lestrange. — Voldemort comentou, e puxou a pequena garrafa de uísque que havia colocado no bolso e bebeu. 



— Nunca disse que era ruim? Eu lá to reclamando? Aliás, se quiserem começar eu apreciaria o espetáculo. — Rabastan respondeu em desafio, vendo os queixos da maioria dos presentes cairem, enquanto Voldemort escondia um riso de canto de lábio, e Bellatrix o olhava furiosa. — O que foi, Bella? Já pensou que podemos morrer? 



Bellatrix, então, engoliu seco. Ela sabia muito bem, e era por isso mesmo que estava nos braços dele, dançando como uma idiota sem música e sem a mínima vontade de sair dali. Alguém, mais tarde, lhe perguntaria se ela não se importava de Aaron estar assistindo ao showzinho deles, mas… se ela fosse honesta, ela mal se recordava da existência de Aaron Guillot naquele momento. Além do que, ela sempre fora honesta com o cavaleiro.



— Não é porque podemos morrer que vou me submeter às suas fantasias, Rab. — Bellatrix respondeu, seus olhos caindo momentaneamente para os lábios de Voldemort, e voltou para os olhos dele, que a olhava curioso. 



— Minhas, né? Eram vocês que usavam perigo como desculpa para— 



— Chega, Lestrange. — Voldemort disse, num tom perigoso, avisando a Rabastan que estava passando de todos os limites, a dança parando quase de maneira brusca. — Respeite Sua Graça e a mim também, além dos demais que não precisam ouvir isso.  — Rabastan engoliu seco, e assentiu. 



— Desculpe, majestade, deixei-me levar.



— Sei disso, sua empolgação sempre foi seu ponto forte e fraqueza. — já completamente parado, Voldemort ainda não havia soltado Bellatrix. 



A morena olhou para cima, os olhos encontrando os do bruxo por alguns segundos enquanto eles permaneciam ali parados, as respirações compassadas ao passo que os outros sumiam em suas visões periféricas. Bellatrix mordeu o lábio inferior, procurando palavras que jamais viriam a seus lábios; Voldemort tinha uma dezena de coisas que queria dizer, mas também recolheu-se ao sábio silêncio. 



Demorou alguns segundos para que Aaron Guillot se aproximasse e os interrompesse pigarreando atrás de Bellatrix, que apenas virou o rosto ao passo em que Voldemort rolava os olhos e se afastava dela lentamente. 



— Majestade, Vossa Graça… perdoem-me o atrevimento, mas… não deveriam descansar também? Podemos manter a guarda e, no final das contas, são nossos líderes e provavelmente grande parte de nossa força mágica está concentrada nos dois e eu, bem… 



— Guillot tem um ponto, Bella… Você devia descansar. — Voldemort finalmente a soltara, e Bellatrix o olhou quase teimosa. 



— Ele disse nós. 



— Eu não tenho necessidade disso e você sabe. Você, no entanto… — Bellatrix bufou, mas assentiu. — Talvez o fundo da sala seja o local mais recluso. 



— E seu descanso vai incentivar os outros a fazerem o mesmo, madame. — Aaron completou e direcionou seu olhar a Voldemort. — Majestade, se me permite, se o Sr. revezar com a madame Lestrange talvez seja bom, para quem os segue, o exemplo. 



— No caso dele vai ser um tiro no pé, Aaron. — Bellatrix balançou a cabeça. — O mito e a força dele estão na sobrenaturalidade. Se o virem tão humanizado de maneira tão vulnerável… 



— Terá o efeito contrário. — Voldemort concordou. — Uma coisa tão simples como dormir seria um desastre. Você, no entanto, Bella…



— Eu já entendi. — ela levantou as mãos e se dirigiu para o fundo da sala. 



Aaron fez menção de segui-la, mas Voldemort levantou uma mão e balançou a cabeça. Naquele momento, o homem mordeu o interior das bochechas e segurou-se para não fazer ou dizer algo que se arrependeria profundamente.



— Você é mais útil na guarda, Guillot. — Voldemort sussurrou, e Bellatrix parou de costas para os dois, mas sem se virar. — Pode deixar, do descanso da Bella… — Voldemort ajustou as vestes do outro e deu-lhe dois tapinhas no ombro. — cuido eu. Além do que… você precisa revezar com Rabastan e os outros. Como eu te disse quando te contratei, você é meus olhos e minha proteção… quando eu não estou. — ele piscou e seguiu Bellatrix, que tentava esconder um sorriso de canto, e deixando para trás um Aaron que balançava a cabeça em negação. 



— Se você espera que ela rebata… — ele ouviu a voz de Rabastan atrás de si, que o olhava quase com pena. — Ela não vai. E nem te prometeu isso. Enfie-se em competições que pode ganhar, Guillot. 



— Não há competição. Se ela quisesse estar com ele, estaria, o Reino inteiro sabe disso. — ele deu de ombros e seguiu Rabastan, que quase sentiu pena ao ver que ele se enganava tanto quanto Bellatrix. — E eu não sou idiota o suficiente para achar que a protegeria melhor que o Lorde das Trevas. 



— Bom garoto. — Rabastan o abraçou pelos ombros. — Agora, vamos, temos rondas para fazer. 



 



Bellatrix não saberia dizer exatamente quando pegara no sono, ou quanto tempo dormira, mas se alguém lhe perguntasse mais tarde ela diria que dormira o sono dos justos, o ambiente tenso à sua volta se esvaziando enquanto ela recostava-se em uma das paredes. 



Ela também não saberia dizer quando Voldemort sentou-se ao lado dela e - menos ainda - quando sua cabeça caiu sobre os ombros dele. O homem, no entanto, manteve-se impassível por todo o período, como se nada o incomodasse e, estranhamente, como se aquela cena fosse natural. Alguns dos presentes esperariam que ele se transtornasse com a proximidade dela, mas a verdade era que Voldemort tinha problemas maiores. 



A presença dela, o perfume dela, tudo o inebriava tanto quanto o fizera no passado, mas algo havia mudado naquela noite. Voldemort nunca duvidara que Bellatrix era capaz de tudo que ele tinha planejado para ela, mas a inconstância e teimosia dela estavam começando a interferir no julgamento dela de forma perigosa. 



Pior ainda: a confiança que ele colocava nela estava interferindo no seu próprio julgamento. A verdade era que ele era tão culpado quanto ela do fiasco atual. Devia ter pressionado mais, perguntado mais, e isso o assombraria por longos e longos tempos, ele apostava. Ele odiava perceber que estava certo em suas paranóias, mas, por mais que tentasse negar, era tão culpado quanto ela. Ele respirou fundo ao notar que os Ceresier se aproximavam, deixando uma última nota mental de que precisava resolver esse problema com Bellatrix, eles precisavam se resolver ou a única solução seria se afastarem de vez.



— Majestade, — Claire Ceresier se aproximou, abaixando-se para ficar na altura de Voldemort. — conseguimos contatar Gabrielle através do fogo. A mensagem que o Sr. e a duquesa enviaram mais cedo chegou neles, mas… não sabemos quanto tempo eles levarão até aqui. 



— Além do que… — Jean-Pierre imitou o gesto da esposa. — Nossos olheiros nos informaram que mais e mais portas estão sendo explodidas. Tememos que seremos nós contra eles. 



— Sempre achei que seríamos, JP. — Voldemort sussurrou, quase inconscientemente, como se não quisesse acordar Bellatrix. — Será uma longa noite, mas… temos o necessário. A barreira deve aguentar, então precisamos focar em trazer os feridos para dentro, quando eles surgirem. E eles vão. 



Os dois outros assentiram, tinham tido poucos encontros com armas de fogo no passado e esse era exatamente o problema. Se Voldemort não estava subestimando, eles também não seriam tolos de subestimar. E foi então que uma altíssima explosão ecoou pela sala, causando gritos nas crianças que se abraçavam. 



Bellatrix abriu os olhos rapidamente e olhou para cima, vendo que estava deitada no ombro de Voldemort. Ela teve apenas um segundo para pensar e deixar-se perceber o conforto, antes que outra explosão ainda mais próxima, seguisse. Voldemort se levantou e estendeu-lhe a mão. — Hora do show.  



Jean-Pierre abraçou a esposa, que virou-se para Bellatrix quase em desespero. — Se algo acontecer conosco… Gabrielle, ela te vê quase como figura materna. — Claire disse, dirigindo-se a Bellatrix. 



— Pois então não podemos deixar nada acontecer, Claire, porque você sabe que eu sou um péssimo exemplo. — os outros dois riram, e Voldemort esboçou um quase sorriso. — No pior dos casos, corram pra dentro da barreira de volta, é uma ordem. — Bellatrix abaixou a voz, segurando os ombros de Claire Ceresier. — Deixem os aurores irem no lugar de vocês, a não ser que não tenham nenhuma opção. 



— Você também fará isso? Vocês farão? — Jean-Pierre olhou entre os dois superiores e Voldemort riu-se. 



— Anos e anos, JP, e você ainda não nos conhece? — foi Bellatrix quem respondeu, já andando na direção do meio da sala. — Eu queria ter o juízo que peço dos outros, mas meu lugar é na linha de frente. Se algo acontecer, Claire… Melinda vê Gabrielle como uma irmã. — a francesa sorriu de canto. — E Narcissa precisará de ajuda. 



— Felizmente para a Melinda, Vossa Graça, vocês dois não precisam de juízo. — Claire respondeu, enquanto Voldemort e Bellatrix se afastavam para o meio da sala. — Boa sorte para todos nós.



 



Bellatrix cruzou a sala a passos largos, com Voldemort a seu lado, enquanto as crianças menores já instintivamente se amontoavam longe das portas, aterrorizadas. Os mais velhos pareciam seguir exatamente as instruções dadas mais cedo, e os aurores já estavam em formação. 



— Bom, — ela começou, tomando a atenção por uma última vez naquela noite. — eu não preciso dizer o que está vindo. Todos que ficarem dentro da barreira estarão à salvo, então sugiro que se mantenham assim. Quanto àqueles que vão lutar, sejam espertos e fiquem fora do caminho das balas e… — outra explosão. — explosivos. Pedaços de parede e outras coisas podem voar também, então fiquem atentos, essa luta vai ser muito diferente do que estamos acostumados. Boa sorte. 



Bellatrix virou-se então para Voldemort, que a observou curioso. — Agora é minha função como sua general pedir para que fique dentro da barreira, Vossa Majestade. — Voldemort apenas riu. — Para sua própria segurança, como—



— Para a segurança de todos eu preciso estar lá. Eu sou mais útil lá, Bellatrix. — o tom dele não admitia discussão. — E é lá que eu vou estar, você goste ou não. — Bellatrix assentiu, sabendo desde o início que aquele discurso ainda que necessário era inútil. Voldemort jamais ficaria para trás, não nas circunstâncias atuais. 



— Como desejar, Majestade, estou apenas fazendo meu trabalho. — Bellatrix pegou a própria varinha e respirou fundo, se posicionando à frente dos Aurores e ex-Comensais.



Com um floreio da varinha, a roupa dela começou a se modificar a partir da barra do vestido, que parecia pegar fogo à medida em que era substituído pelo que parecia um tipo de armadura, escamas negras de metal que cobriam seu corpo na mesma velocidade em que o vestido desaparecia, cobrindo de suas botas até seu pescoço, deixando apenas seu rosto à mostra. Algumas crianças se divertiram com o pequeno show, e Rabastan olhou para ela metade horrorizado e metade impressionado. 



— Metal não vai parar completamente as balas, mas vai freá-las. — ela explicou, em voz alta. — Recomendo que façam o mesmo, caso achem que não vão gastar a magia de vocês além do necessário. 



Imediatamente, o barulho de metal encheu a sala, conforme os ex-Comensais repetiram o gesto dela. Alguns Aurores se arriscaram também, mas Voldemort nem se moveu. — As balas não vão chegar perto o suficiente de mim. — Ele explicou, quando Bellatrix o encarou incrédula. 



— Vossa Majestade não facilita mesmo meu trabalho. 



— Seu trabalho é nos tirar daqui. Manter-me vivo é meu trabalho. 



— Meu trabalho é proteger a Coroa, derrotar os inimigos da Coroa. — Bellatrix deu um passo e se colocou entre ele e a porta, ouvindo-o rir incrédulo. — E a Coroa e você, milorde, são a mesma coisa.



Voldemort deu um passo para a frente, ficando a milímetros das costas dela, e moveu o cabelo de Bellatrix para que pudesse sussurrar no ouvido dela. — Parece que eu sabia… — ela fechou os olhos. — O quanto eu ia gostar de te ver nessa posição. — Bellatrix engoliu seco. — Me leva de volta aos velhos tempos… a eletricidade, a antecipação, como toda essa tensão parecia nos excitar mais do que as preliminares. 



— É porque isso tudo era… — ela olhou por cima do ombro. — Uma preliminar. 



Quando os olhos deles se encontraram, dezenas de coisas passaram pela mente de ambos, de tal maneira que nem mesmo Voldemort sabia se estava lendo os pensamentos dela ou pensando os seus próprios. As explosões aumentaram de tal maneira que era evidente que aquela porta cairia a qualquer momento, e Voldemort fez a única coisa que fazia sentido em sua mente. Com a mão que ainda repousava no cabelo dela, ele agarrou Bellatrix pela nuca e grudou seus lábios aos dela.



Havia uma certa expectativa que Bellatrix congelaria, ou tentaria se afastar, mas muito pelo contrário: ela girou para estar completamente de frente para ele e agarrou seu pescoço, quase como se aquele mesmo pensamento, a mesma vontade, a estivesse atormentando desde que a noite começara. 



Aaron apenas olhou na direção de Rabastan, que deu de ombros como quem tinha avisado, e respirou fundo. Aquela briga não era dele, aquela noite era sobre algo muito maior, e ele precisaria se controlar. As ordens de Bellatrix para que não se apaixonasse o atormentavam, afinal em uma coisa Rabastan tinha razão: ela sempre fora honesta, e brutalmente clara. Ele era muito pouco além de um amigo com benefícios, se é que eram amigos além de amantes. Ali… aquele era o homem que ela amava e, ainda que sete países soubessem disso, ele ainda escolhia desviar o olhar.



Com o consentimento claro ainda que silencioso, Voldemort puxou-a pela cintura com sua mão livre, colocando seus corpos enquanto ela abria os lábios para que ele aprofundasse o beijo de maneira urgente, sentindo-a responder com a mesma intensidade, como se aquele beijo pudesse dizer tudo o que não cabia dizer agora, ou que não se conseguia dizer. Eu te amo, as três palavras que os assombram perdiam-se entre o gosto dos lábios deles. Eu também, era um suspiro que respondia. Vamos resolver isso, era a mensagem final que ficava, enquanto eles se separaram ofegantes. 



— Para boa sorte. — ele comentou, recompondo-se, e ela assentiu. 



— Como nos velhos tempos… nos trazia sorte… na época. — ela entrou no jogo, e ele a beijou por mais um único momento. — Não significa nada… 



— Nada… é só um ritual. — ele concordou, e Bellatrix agarrou-se nas vestes dele por um momento. — E agora sim veremos se eu te distraio… — mais um beijo. — Ou não. — Bellatrix engoliu seco e sorriu. 



— Mais um teste, milorde? — ela finalmente conseguiu se afastar um pouco e respirou fundo. — Espero passar.



— Todos esperamos. — ele se afastou completamente e puxou a própria varinha, enquanto ela mais uma vez se colocava à frente de todos. — E… Bella? — ela olhou mais uma vez na direção dele. — Não se atreva a morrer. — o olhar dele completava ‘não na mão de um bando de trouxas’. — É uma ordem. 



Bellatrix sorriu com a familiaridade do gesto e fez uma reverência. — Farei o possível, majestade. 



— E o impossível. — ela ouviu, enquanto se voltava mais uma vez para a porta e a última explosão os atingia, fazendo os escombros voarem por toda a parte. 



Em meio à poeira e aos pedaços de pedra e madeira que voavam pela sala, os presentes assistiram quase em choque quando Bellatrix levantou a mão e a varinha e grande parte dos pedaços que voavam parou no meio do ar, congelados enquanto a mulher torcia o pulso como se os estivesse segurando com a própria mão. Tudo durou menos de um segundo, mas o tempo pareceu parar até que ela moveu o braço para trás e os escombros arderam em chamas antes que ela lançasse o braço para a frente e os pedaços ardentes avançassem violentamente contra os invasores, atingindo vários na cabeça e os desacordando, enquanto os pedaços mais pontiagudos imediatamente mataram outros.



— É disso que eu to falando! — Rabastan comemorou enquanto começou a também lançar feitiço atrás de feitiço na direção dos invasores, a tempo de ver Voldemort conjurar um escudo bem na frente de Bellatrix enquanto a primeira chuva de balas os atingia.  



Bellatrix, em vez de reclamar, uniu seu feitiço ao dele, aumentando o escudo para proteger toda a vanguarda por um momento, enquanto o que sobrava das balas ricocheteiava na barreira que protegia as crianças e funcionários de Beauxbatons. O escudo não durou muito tempo e foi substituído por uma série de raios verdes vindos das varinhas deles, enquanto eles tentavam dizimar seus oponentes o mais rápido possível.



O barulho era surreal, e o cheiro de metal, pólvora e sangue enchia o lugar. Os aurores se moviam com destreza e tentavam se expor o mínimo possível, ao passo em que os ex-Comensais já eram menos centrados e divertiam-se com o perigo. Voldemort e Bellatrix dançavam na frente de todos, lançando feitiços com uma mão enquanto defendiam-se com a outra. 



— Assim não tem graça, maninha! — Rabastan gritou, enquanto se movia rapidamente para desviar de mais um tiro. — Puxando a atenção toda para você! — ele moveu a varinha e um pedaço de porta arrancou a cabeça de um dos trouxas, e Bellatrix apenas riu da piscadela que o ex-cunhado lhe deu. 



Voldemort puxou-a para si com magia, impedindo que um outro pedaço de escombro a atingisse, mas soltou-a rapidamente para continuar lutando, causando sons de assombro quando segurou uma saraivada de balas no ar como ela tinha feito com os escombros e as direcionou para a parede oposta, atingindo alguns dos trouxas no caminho. 



Bellatrix aproveitou-se do acontecimento e da distração causada para lançar mais uma dúzia de maldições da morte, vendo diversos trouxas caírem, enquanto mais se aproximavam pela porta. Olhando ao redor, Bellatrix assistiu enquanto vários aurores caíam com tiros na cabeça. 



— Precisamos achar a munição deles. — ela gritou. — É mais fácil se destruirmos a munição! 



Apenas Rabastan e Voldemort ouviram o que ela gritou, enquanto mais aurores e alguns ex-Comensais caíam mortos ao redor deles. Ela tinha razão, e eles sabiam disso. O plano tinha apenas um problema: no momento cada exército estava de um lado da sala, as balas e feitiços evitando qualquer tipo de avanço. Eles teriam que se aproximar para localizar. 



— Consegue ler a mente deles? Descobrir onde está? 



— Longe demais… pessoas demais. — Voldemort confessou. — Preciso me aproximar. — Bellatrix assentiu e voltou a lutar, ignorando o cheiro metálico e a sensação gelada em seus lábios. Ao olhar para ela, Voldemort percebeu como o nariz dela sangrava mais uma vez e balançou a cabeça ao vê-la derreter as partes metálicas das armas de alguns trouxas.



— Bella… volta pra redoma. Agora. — Voldemort praticamente rosnou. 



— Só arrastada! — ela vociferou de volta, usando pedaços de móveis da sala para se defender das balas e conseguir atacar e avançar mais. — Precisamos… avançar. — um dos tiros pegou no ombro dela, sendo parado pela armadura enquanto ela xingava numa mistura de inglês e francês.



Voldemort trocou olhares com Rabastan enquanto mais pessoas eram abatidas e Bellatrix escondia-se na lateral de um armário tentando aproximar-se da vanguarda inimiga. Por Merlin, aquela mulher era maluca. Ela fez um sinal para que ele e Rabastan a cobrissem. 



— Bella, para de ser louca! — Voldemort sussurrou e se juntou a ela, usando a lateral do armário para acertar o outro lado, enquanto Bellatrix se agachava e conseguia observar. 



— Sempre fui… preciso de uma distração. — ela se apoiou na perna dele, que negou com a cabeça enquanto Rabastan cobria a retaguarda deles a alguns metros de distância. 



— Você está com essa vontade toda de tomar um tiro? — Voldemort indagou, em meio a maldições e feitiços.



— Eu não vou levar um tiro… — ela olhou para cima e sorriu quase divertida. — Não se você der seu showzinho… eles vão estar ocupados demais te assistindo. — ela sorriu mais e Voldemort suspirou, assentindo a contragosto. 



— Eu devia te forçar a esperar os aurores. Eles são as buchas de canhão, Bella, não você. Não nós.



— Eles mal conseguem dar cinco passos sem tomarem uma bala na testa. — ela argumentou. — Só o nosso lado tem experiência contra as armas deles, e os aurores pensam demais antes de matar. Os outros ex-Comensais precisam segurar o avanço, sobramos…



— Nós. — ele concordou e subitamente usou sua mão livre para puxá-la pelos cabelos até que ela estivesse de pé, o rosto próximo ao dele. 



Bellatrix mordeu o lábio para conter um gemido que queria sair, enquanto sua mente dizia em várias línguas diferentes para seu corpo se conter. — Ouch… provocação desnecessária. 



— Você gosta. — ele rolou os olhos. — Até demais pro seu próprio bem. 



— Mmmm… esqueci que está se empenhando em me distrair… — então uma granada caiu bem ao lado deles, e Voldemort rapidamente a puxou para si, subindo um paredão entre eles e a granada.



Mesmo assim, a explosão os jogou longe através do armário atrás do qual eles se escondiam, fazendo com que ambos caíssem num baque surdo no chão quase no meio do caminho entre a linha adversária e a vanguarda deles, agora formada pelos ex-Comensais da Morte, que ajudavam os aurores a se protegerem das balas o melhor que podiam. Quem diria que trabalhariam tão bem juntos, depois de tudo?



O ar ficou pesado por um momento, e um som agudo encheu os ouvidos de Bellatrix, que sentia a dor no rosto vinda de um rasgo causado por um dos pedaços do armário. Em desespero, ela procurou por Voldemort, e o viu arrancar mais uma enorme estaca de madeira do próprio braço, os olhos mais vermelhos do que ela jamais os havia visto, quando ele borbulhava de ódio. Ela viu como alguns ex-Comensais e aurores se desesperaram ao verem os dois líderes de governo mais importantes ali presentes praticamente entregues de bandeja, um burburinho insuportável tomando conta da sala. Piscando os olhos e tossindo, ela se levantou, percebendo então que uma chuva de feitiços os cobriam e protegiam das investidas inimigas, pois o avanço acidental deles fez com que os demais começassem também. 



— Se eles tinham alguma dúvida de quem somos… — Voldemort olhou dela pros feitiços concentrados ao redor deles e de volta aos olhos dela.



— Agora eles tem certeza. — ela sorriu e aproveitou-se da pequena folga para olhar para ele, buscando sinais de que ele estava bem, notando então que ele fazia o mesmo.



— Tudo bem? — eles perguntaram em uníssono. 



— Um arranhão… — Voldemort comentou, sobre o pedaço de madeira que tinha deixado um buraco em seu braço, de onde ela via escorrer sangue e ela o encarou incrédula. — Já estive pior, sem corpo e tudo o mais. — ele a puxou para perto e os cobriu com um feitiço também. — Quem diria que sua ideia de armadura era boa, huh? 



— Se bem me lembro… você me ensinou isso! — ela rebateu, negando com a cabeça, também puxando a própria varinha do chão com um feitiço. — Quando era menos teimoso. 



— Eu nunca usei… só mandava vocês usarem. — ele relembrou, e ela precisou admitir que ele sempre fora teimoso.   



— Precisamos sair daqui. — ela disse, em algum momento. — Exposição demais, precisamos criar a distração… Sem poder aparatar…. — ela buscou a pilastra mais próxima.



Voldemort assentiu, buscando nos pensamentos dela a ideia que ela não admitiria em voz alta, mas ele não precisava de muito. Ele olhou ao redor, e viu Rabastan, Jean-Pierre Ceresier e Aaron Guillot se aproximando rapidamente deles. Ele fez um sinal para os três, que ouviram em alto e bom som em suas mentes: façam nossa cobertura.



Subitamente, Voldemort guardou a varinha e Bellatrix quase parou para perguntar se ele tinha perdido o juízo de vez, mas calou-se ao sentir os braços dele passarem por trás de sua cintura e joelhos, levantando-a em seus braços. Bellatrix começou a formular alguma reclamação, mas foi então que ela se lembrou dos pensamentos que havia enterrado e agarrou-se ao pescoço dele.  



Alguns gritos de pânico encheram a sala quando Voldemort saiu do chão com ela, planando por cima das duas linhas de batalha e movendo-se na direção da pilastra, buscando abrigar-se com ela atrás da pedra. Os trouxas ali presentes claramente não esperavam que isso fosse possível, porque nem os bruxos em sua maioria eram capazes de fazer aquilo. As crianças dentro da redoma, no entanto, observaram num misto de choque e divertimento.



Quando os pés dele bateram contra o chão, Bellatrix olhou para ele quase ruborizada e começou a se mover para delicadamente ser colocada no chão. 



— Um dia precisa me ensinar a fazer isso. — ele balançou a cabeça negativamente. — Snape sabe! — ela tentou argumentar e ele colocou um dedo sobre os lábios dela. 



— Mas isso é porque eu não preciso de desculpas pra carregar Severus por aí… Já você. — ele piscou, e olhou por trás da pilastra bem a tempo de perder a expressão horrorizada de Bellatrix. 



— Cadê seu profissionalismo? — a pergunta dela causou apenas riso nele. 



— Quando eu não precisar de desculpas pra encostar em você, Bella, eu te ensino. — ele respondeu, sem olhar pra ela, observando a movimentação das forças deles, procurando abrigo para evitar tantas perdas. Finalmente estavam aprendendo que não precisavam estar expostos para usar magia. 



Ele observou como Rabastan copiou a tática de Bellatrix e agora vários bruxos derretiam as munições dentro das armas, estragando-as.  



— Nós não temos muito tempo. — ele comentou, calmamente, enquanto observava os trouxas se desesperando com as armas funcionando erroneamente. — Se vamos fazer algo… precisa ser agora. 



Bellatrix assentiu e não precisou de mais incentivo antes de suspirar e falar, já passando por ele, “Vai ter que me perdoar por isso”, e correr novamente para fora da segurança da pilastra, mandando um sinal rápido na direção de Rabastan, para que ele fizesse a maior bagunça que pudesse. 



Com um movimento de varinha, Bellatrix simplesmente desapareceu, e Voldemort suspirou, fazendo um rápido feitiço em si mesmo para que pudesse ver através da magia de invisibilidade. Ele observou, vendo-a apenas como uma forma translúcida, que ela tentava com o melhor de suas capacidades esgueirar-se pelos cantos e se proteger como podia, para que pudesse ter espaço para passar pela vanguarda deles e localizar as munições. 



Voldemort a observou incrédulo por um momento, antes de começar a segui-la, visível para atrair a atenção, xingando aquela mulher maluca de todos os xingamentos que conhecia, enquanto os Comensais e Aurores faziam o que podiam para distrair seus inimigos.



Rabastan escolheria em algum momento posterior os xingamentos com toda a finesse que Bellatrix mereceria, mas ele naquele momento tinha problemas maiores: tentar mantê-la viva sem conseguir vê-la. Ele observou como Voldemort adentrava as linhas inimigas, desviando balas com feitiços e trazendo o foco para si, e resignou-se a cobrir a retaguarda do rei, enquanto Bellatrix provavelmente se infiltrava por trás das tropas inimigas. 



Tudo parecia que ia dar certo, quando Bellatrix se esgueirou por trás de um móvel e viu as munições em frente de si, suspirando fundo ao levantar a mão e a varinha e sussurrar algo quase inaudível, enquanto as balas derretiam silenciosamente. Lançar  o feitiço, quebrava sua invisibilidade, mas a atenção inimiga parecia toda focada em Voldemort e Rabastan, que temtavam sutilmente se aproximar de onde ela estava para lhe dar cobertura na volta. Os dez segundos pareceram durar dez anos, enquanto a mulher trabalhava em derreter a munição. Voldemort e Rabastan conseguiram se aproximar, buscando uma melhor distração, e assistiram de camarote - e tentando não chamar atenção para ela - enquanto ela destruía a munição inimiga. E então, o tempo parou.



Foi Voldemort quem viu primeiro o que ninguém mais viu: o cano de uma arma virando na direção da até então escondida Bellatrix, um sentinela que a percebeu ali, escondida trabalhando em sua obra de arte, distraída enquanto pedaços de metal e plástico se derretiam pelo chão, sem saber do perigo que a cercava. Voldemort mal respirou e mais uma vez saiu do chão, lançando-se na direção dela. Não havia tempo de avisá-la, não sem atrair mais sentinelas na direção do esconderijo de Bellatrix. 



Voldemort ouviu um tiro, um grito feminino e uma agitação generalizada. Tudo isso antes de sentir: fogo, pólvora, metal e o mármore do chão. Bellatrix se aninhava com ele atrás do móvel, enquanto os Aurores e os Comensais invadiam para protegê-los, cercando-os enquanto a mente outrora brilhante de Voldemort demorava-se a entender o que tinha acontecido. 



— Você é louco! — ela berrava, enquanto estancava o sangue que brotava das costas dele sem parar. — Perdeu o juízo? — a armadura dela se manchava de carmesim enquanto ela puxava a varinha e suspirava. — Isso vai doer. — ele mal ouviu as palavras antes de sentir o ferimento pegar fogo. Ele gritou, ou achava que tinha gritado, enquanto ela parecia chorar, pelo movimento do corpo. — Rabastan! Eu preciso levar ele pra barreira… 



— Eu… consigo andar. — ele limpou a garganta e tentou se levantar. Os olhos dele caíram para a corrente dela, que entrava por dentro da armadura. — Eu não vou morrer, Bellatrix… — ele quase quis dizer ‘ou eu não teria me jogado’, mas sabia que era possivelmente mentira. 



— Não significa que seja uma boa ideia… — Voldemort se levantou apesar dos gritos dela. 



— A melhor opção que temos é voando. E só eu sei voar. — ela se levantou em súbito, enquanto o mundo queimava ao redor deles, e ele viu os olhos lavados de lágrimas enquanto ela negava. Quanto ela podia ter chorado em dois minutos? Ele bem sabia… teria chorado um rio inteiro, se estivesse no lugar dela. 



— Não…



— Bella… — ele lhe estendeu a mão e não deu opção. Bellatrix segurou na mão dele, tremendo, e sentiu-se ser puxada para o corpo dele e, posteriormente, na direção contrária da luta, agarrando-se a ele enquanto as forças dele pareciam falhar. 



Eles atravessaram a barreira âmbar quase de maneira desgovernada à medida em que as forças dele falhavam e eles caíram no chão num baque surdo, os gritos e tiros à distância desaparecendo como barulho de fundo, enquanto uma cacofonia enchia os ouvidos de Bellatrix, um corre corre de pessoas e gritaria de crianças, enquanto eles eram cercados por aliados e ex-inimigos, buscando ver o que acontecia. 



— Você só pode ter perdido a porra da cabeça! — Bellatrix ralhou, estapeando o ombro bom dele, que colocava-se sentado e a encarava incrédulo. 



— De nada, Bellatrix! — ele mexeu o lado ferido em desconforto, um buraco que ia de um lado ao outro do corpo dele fazendo crianças esconderem os rostos. Ele não sangrava, devido à cauterização, mas doía que nem uma desgraça. — Foi você quem se meteu que nem uma doida na porra da linha inimiga! 



— Você é a porra do REI! — ela socou o chão com as duas mãos e ficou de pé. — Eu sou descartável!



— Não, você não é! — ele se ajoelhou, os olhos queimando de ódio. — E quanto mais cedo aprender isso, menos problemas todos nós teremos! — ele se levantou rapidamente, perdendo o equilíbrio por um instante, sendo rapidamente amparado por ela. 



— Você precisa… ir… precisam checar como… tudo está. 



— Eu vou ficar bem, Bellatrix. Não é meu primeiro tiro. — ele não se moveu, as mãos dela em sua cintura eram confortáveis demais. — Duas poções e posso voltar para aquele campo de batalha. 



— De jeito nenhum! — ela negou com a cabeça. — Você vai tomar as poções e descansar. — a voz dela era firme, tirando um sorriso sarcástico de lado dele. — Nós precisamos de você, eu preciso de você. — ela o forçou a olhar pra ela. — E essa luta vai longe… Por favor. 



— De jeito nenhum. Eu não vou deixar você voltar pra lá sozinha. — ele respondeu, tão firme quanto ela. 



— Você disse… — ela respirou fundo. — Que o comando era meu. — ele franziu o cenho.



— E é, mas… o que tem uma coisa a ver com a outra? 



— Tome as poções e descanse. — ela disse novamente.– Se não vai fazer isso por mim, então… É uma ordem. De sua comandante. 



Bellatrix sabia que ele poderia remover o comando dela a qualquer momento, mas contava com a ideia de que ele não o faria. Aquela coisa toda era um teste, e ele costumava jogar sob as próprias regras. Voldemort levantou as duas mãos em derrota e andou de costas, se afastando dela, que sentiu falta do contato. A tensão entre os dois era palpável, quase visível, enquanto eles mantinham contato visual, mesmo que ao longe. 



— Sim, general. — Voldemort bateu continência, o fio de sarcasmo em sua voz não passando despercebido por Bellatrix, enquanto ele se dirigia à enfermaria improvisada.



Bellatrix ignorou os cochichos a seu redor e empunhou a varinha, olhando ao redor e através da barreira, onde os tiros e feitiços ainda se misturavam. Aquela seria, de fato, uma longa noite. Ela amarrou o cabelo displicente, tirando-o da frente do rosto e usou magia para remover as manchas de sangue da armadura, ignorando e escondendo a maneira como suas mãos tremiam, mentalmente agarrando-se à horcrux pendurada em seu pescoço, esperando que conseguisse apoiar sua magia na do artefato como havia feito mais cedo naquele dia. Ela olhou na direção da enfermaria e viu como fechavam o ferimento de Voldemort, que estava como sempre mal humorado, mas visivelmente abatido. Sangue era poder, sangue era magia e ela sabia que ele havia perdido mais do que o ideal, tamanho o rombo que iniciava-se nas costas dele e terminava por baixo do ombro. Ela se perguntava onde o tiro teria pegado nela, se ele não tivesse… 



Os gritos e tiros lhe lembraram que ela não podia se dar ao luxo de pensar naquelas coisas: ela tinha uma batalha para vencer, ou pelo menos para controlar. E foi com essa força que ela se arrastou de volta ao campo de batalha, vendo como Rabastan e Aaron recuavam para encontrá-la. 



— Bella… — Rabastan começou… — como?



— Ele está bem… só perdeu muito sangue… parece que a bala não pegou nada irreparável. — ela lambeu os lábios e subiu um escudo na frente deles com a mão esquerda, como se fosse nada, enquanto conversava com eles, desviando uma rajada de balas. — Eu fiz com que ele ficasse descansando. 



— Sensato. — Aaron comentou e os outros dois bruxos assentiram. — O rei não devia ter saído daquela redoma para começar.



— O rei faz o que o rei quer, Guillot. — Rabastan o repreendeu. — e se não tivesse feito isso, a França estaria sem protetora e nós sem nossa querida Bellatrix. Você é doida, maninha. 



— Sempre fui, e agora eu estou irritada. — ela desviou mais balas e andou ainda mais para perto das forças inimigas. — Eu só preciso de um para chegar à liderança e ao que eles sabem! — ela gritou, aumentando a voz com magia. — Matem o resto, eu quero cada um deles morto!



Nem mesmo os aurores questionaram a ordem, considerada a gravidade da situação ela tinha alçada para ordenar o que fosse e… se levassem em conta como haviam lidado com a última vez em que Beauxbatons fora encontrada, ela estava certa.  



Voldemort assistiu à distância como o inferno pareceu queimar mais forte com a volta dela, a clara e direta ordem para que massacrassem as forças trouxas causando um sorriso nele, que secretamente se deixaria admirar a mulher que amava, em sua forma mais primal e perigosa. Ela estava com ódio e nada a pararia. Ele só esperava que ela não fizesse mais maluquices. Àquele ponto, ela havia destruído munição o suficiente para que ela pudesse fazer um estrago e avançar com mais facilidade. 



Duas horas mais se estenderam naquele caos, até que as forças trouxas tivessem sido encurraladas em uma sala adjacente, sem munição, sem suprimentos, trancados com magia, enquanto os Comensais e Aurores contavam suas baixas. Muitos trouxas ainda estavam vivos, ao contrário das ordens de Bellatrix, mas as forças bruxas precisavam descansar, então… ela se contentou com a prisão, por enquanto. 



Bellatrix entrou na redoma com pressa, dois cortes profundos no rosto sangrando enquanto os olhos verdes procuravam ao redor, desesperadamente buscando Voldemort e torcendo para que ele tivesse de fato descansado. Quando a viu, ferida e cansada, ele andou rapidamente na direção da mulher, que ainda não o havia visto, e a puxou para si, pela lateral, assustando-a. 



Quando ela percebeu quem era, virou-se em seus braços para puxá-lo para um abraço firme e necessário, afundando as mãos nos cabelos dele enquanto seu corpo e mente desmoronavam. As mãos dela tateavam por onde antes estivera o tiro, e ela beijava o pescoço dele, que a puxava para perto de si, inalando o cheiro de sangue, pólvora e rosas que ela exalava. 



— Acabou? — ele sussurrou, e ela ignorou. 



— Eles conseguiram fechar tudo? — ela tateou de novo o ferimento e saiu do abraço para olhar para ele. — Você está bem…? Foi tanto sangue, eu… 



— Bella, eu vou sobreviver. — ele a tranquilizou. — Nenhum dano permanente, talvez uma cicatriz. 



— Talvez? — ela riu. — Faltava um pedaço seu! — ele rolou os olhos. 



— Reação um pouco tardia, não? — ele questionou e ela desferiu vários tapas contra o peito dele. 



— Eu tinha uma merda de uma batalha pra vencer! — a voz dela embargou, e ela piscou para afastar as lágrimas. — Eu não podia… pensar… querer… me preocupar. — ela engoliu seco. — Se isso me faz perder meu teste… que seja.



Voldemort então tocou o queixo dela, puxando-a para olhá-lo diretamente, e viu como eles encheram-se de lágrimas e temor novamente. Ele odiava vê-la com medo, medo dele, mas em alguns momentos seria necessário, infelizmente. 



— Eu nunca esperei que não se preocupasse, Bella… — ele balançou a cabeça. — Eu temi que não conseguisse se distanciar. Quando ordenou que eu ficasse pra trás, pensei que talvez fosse uma demonstração de fraqueza, mas a forma como você conseguiu se desprender e… eu era uma distração para todos nesse estado, não só você. Você tomou a decisão mais sensata, e não a mais confortável, vossa graça, então… vou deixar passar. — ele piscou e ela o olhou com cuidado, quase como se procurasse algum indício de que ele estava pior do que aparentava, e ele a olhou emburrado. — Bella, eu sou um bruxo imortal, mesmo que um tiro me matasse… seria temporário. — ele falou de maneira leve, e ela o encarou no mais completo horror. 



— Mas não fale isso nem de brincadeira! — ela levantou um dedo na direção dele e passou a mão pelo próprio rosto, limpando uma lágrima que insistia em cair. — Você é imortal, não indestrutível. As balas não vão chegar perto o suficiente de mim é o caralho! 



— Eu escolhi deixar elas chegarem. — ele apontou, e ela ficou ainda mais furiosa. — Por você. — e então ela quebrou, respirando de maneira entrecortada e sem saber o que dizer. 



— Eu… eu vou fazer alguma coisa com esse rosto e… — ela apontou para a lateral de seu corpo, onde um rasgo apontava, claramente uma bala que pegara de raspão e rasgara a armadura. 



Voldemort a guiou até onde ele estivera antes, a enfermaria improvisada onde vários feridos eram tratados e alguns crianças dormiam, provavelmente estavam ansiosas demais e receberam alguma poção para dormir. 



Uma jovem veio falando em Francês muito rapidamente com Bellatrix, que apenas assentia e lhe dava autorização para fazer o que precisasse, acalmando as preocupações da moça de que o cuidado com o ferimento poderia doer – ela não se importava, estava acostumada.



— Madame, eu vou precisar… — ela gesticulou para a armadura, e Bellatrix piscou algumas vezes. — Para acessar o ferimento. 



— Oh, claro. — Bellatrix abriu a lateral da armadura naturalmente, arrancando a placa torácica e jogando-a para o lado displicentemente, ficando apenas com a lingerie que usava por baixo, por sorte era algo… prático e recatado para os padrões dela. Isso não impediu Voldemort de engolir seco e colocar-se entre ela e o resto das pessoas. — O que foi? 



— Você está… — ele gesticulou. — Descomposta, para as crianças. — foi o que ele escolheu dizer. 



— E você está… protegendo minha decência? — Bellatrix riu e grunhiu de dor nas costelas. 



— Como se houvesse alguma. — ele rolou os olhos, e ela o fitou mal criada. — As crianças, no entanto… eu preferia não ter que lidar com pais horrorizados.



— Eles quase morreram. Pais horrorizados serão inevitáveis. — ela rebateu. 



A enfermeira terminou de lidar com o ferimento de Bellatrix, e foi buscar uma poção para a bruxa, que soltou os cabelos para arrumá-los em um coque mais bem feito, para que a mulher pudesse limpar os ferimentos do rosto quando voltasse, e se aproximou de Voldemort. 



— Mas tem razão, milorde… — os dedos dela tocaram os botões da camisa dele, que arqueou a sobrancelha. — Acho que… — ela continuou a desfazer os botões, revelando a malha que ele usava por baixo, enquanto ele a encarava incrédulo. — nesse caso é melhor prevenir… — ela tirou a camisa dele, deixando-o só com a malha, e colocou no próprio corpo. — Um furo de bala é melhor do que nada. 



— Você podia ter colocado a armadura de volta, ou conjurado algo. — ele apontou, cruzando os braços. 



— Que tédio. — ela respondeu, fechando os botões e voltando sua atenção para a enfermeira que voltara para atende-la. 



Enquanto a mulher lidava com os ferimentos no rosto de Bellatrix, a bruxa bebia a poção, encarando a forma como a malha se agarrava ao corpo dele, e como deixava boa parte dos braços descobertos. 



— Vossa Graça já foi mais discreta. — ele provocou e ela não se deu ao trabalho de negar, só sorriu e deu de ombros. 



— Olhar nunca tirou pedaço… e tem alguma coisa sobre os hematomas, cicatrizes… sabe muito bem que eu nunca resisti. — ela agradeceu a enfermeira e andou na direção dele, que a olhava espantado. — A culpa não é minha… é sua. 



— Minha? Jura?



— Andando por ai… assim. — ela o olhou de cima a baixo e mordeu o labio, fazendo a boca dele secar tão rápido como sentia a sua secar. 



— Bellatrix… — ele começou em tom de aviso. 



— Ah, ta bom. Eu já sei. — ela bufou e ele quase deu risada. — Você não vai satisfazer as minhas vontades a não ser que eu me case com você. — ela soou extremamente dramática. 



— Eu nunca disse isso. — ele cruzou os braços. — Eu disse que não ia satisfazer as suas vontades para provar pontos imbecis para o seu orgulho, pra depois você se arrepender e se trancar na Franca por três anos. Eu cansei do joguinho, Bella. 



— Eu sei, mas… Ugh. — ela passou a mão no cabelo. — Eu preciso de um uísque… duvido que Maxime nao tenha em algum lugar. — ela passou por ele, que a agarrou pelo braço, pressionando seus lábios contra a orelha dela. 



— Tá vendo? Não aguentou nem uma troca boba de provocação dessas sem beber… eu sei, Bella, sei que tudo isso é extremamente afrodisíaco… e que se eu achasse que você aguenta e não vai simplesmente surtar amanhã e parar de aparecer nas reuniões eu já teria te arrastado pra algum canto escuro. — ele podia jurar que ela tinha engolido um gemido. — Mas eu não vou arriscar. Nós não podemos ser casuais, não arriscando voltar à estaca zero. — ele a soltou e ela arfou por um momento, assentindo. 



— Devo parar de te provocar, então. Eu entendo… perdoe-me por sucumbir à atmosfera. — ela fez que ia tirar a camisa e ele segurou seu pulso.



— Eu também não disse isso. Além do mais, fica melhor em você. — ele piscou e se afastou. — Me avisa se achar o tal uísque.





 



Três horas e quarenta e sete minutos mais tarde, a escola estava cheia de pais preocupados enchendo os corredores com seus gritos e lágrimas, devidamente avisados pelo ministério na primeira hora do dia via corujas de que um problema sério havia ocorrido, e eles precisavam correr para a escola. Ao chegarem, o estado de destruição da escola os encheu de horror, até que seus filhos foram trazidos para eles. Eles não podiam dizer que não havia baixas, porque três dos alunos maiores de idade que haviam se juntado à luta haviam sucumbido, e porque várias crianças foram atingidas antes da chegada das forças de defesa da escola, mas poderia ter sido pior. Aurores e ex-comensais, no entanto, cerca de vinte por cento haviam sido perdidos.



Bellatrix subiu ao púlpito do grande salão comunal, ao lado de Maxime. Voldemort, que naquele ponto já havia arrumado uma capa, do outro lado dela, causando agitação. Ambos ainda ostentavam os ferimentos e marcas da batalha e Bellatrix havia colocado a armadura de volta, os riscos e marcas de sangue atraindo os olhos dos curiosos. 



— Vinte e sete bruxos. — foi a primeira coisa que ela disse, ao iniciar o discurso. — Três deles alunos dessa escola. Foram as perdas que tivemos essa noite. — ela lambeu os lábios e, ao longe, os Ceresier trocaram um olhar de alívio entre si e com Bellatrix: pelo menos por enquanto, nenhum deles teriam que olhar pelo filho do outro. 



Aaron se aproximou de Rabastan, num misto de curiosidade e preocupação. — Eu pensei… que ela ia… — ele fez um gesto para o estado de Bellatrix. — e o rei também… que eles iam… se arrumar um pouco? 



— Bellatrix não nasceu ontem, Aaron. A pior coisa que poderia acontecer agora era a Duquesa de Bordeaux subir nesse púlpito, em suas sedas, jóias e beleza estonteante. Não é ela que eles precisam ver. É a Bellatrix, a general talentosa e implacável que lutou a noite toda para proteger seus filhos. 



— Eu… eu não acho que ela esteja se importando com isso agora. — Aaron retrucou, a voz de Bellatrix soando ao fundo enquanto ela narrava aos pais exatamente o que tinha acontecido. — Com o que vão pensar, ou… 



— É evidente que ela está, Aaron. Ela é mais do que uma figura pública, ela é uma governante. — Rabastan explicou. — Parte do trabalho dela é prever o que vão pensar. E a Bella? — ele sorriu orgulhoso. — É melhor nisso do que ela acredita. Só perde para a Família Real. 



— Família Real ou o rei? 



— Família. A Melinda é assustadoramente boa nisso, e pra ajudar ainda tem cara de anjo e não tem… o histórico da mãe. — ele explicou, e Aaron assentiu. — Mas… Bellinha, Bellinha… sempre foi boa em encantar mesmo sem querer. — Rabastan sorriu orgulhoso. — Uma rainha mesmo. — ele sussurrou mais para si do que para Aaron. 



— É muito importante, — a voz de Bellatrix soou um pouco menos firme. — ressaltar o trabalho dos professores e alunos maiores de idade, e reforçar que sempre precisamos seguir as regras e protocolos. O que aconteceu aqui noite passada não pode ser descrito como uma tragédia, pois poderia ter sido evitado. — ela agarrou o púlpito e parou por um momento. — Nós estamos tentando abrir-nos, fazer concessões. E entendo que não são todos os pais de nascidos trouxas e mestiços nessa escola que lidam de maneira leviana com o segredo de sua localização. — Bellatrix engoliu seco. — Mas precisaremos rever os protocolos de segurança dessa informação, pois vazamentos como esse significam vidas bruxas que serão perdidas. Infelizmente, trouxas não lidam bem com diferenças nem mesmo entre seus iguais, menos ainda com aberrações. — ela olhou ao redor, e não precisou ver o aceno de Voldemort para continuar. — Nós somos e sempre seremos isso para eles, por isso há milênios nos escondemos, fugimos. E hoje? Eles invadem uma escola cheia de crianças com armas de destruição em massa, por simplesmente saberem que elas existem, por inveja de sua magia. Me solidarizo com os pais trouxas que não pensam assim, mas os relembro que seus filhos são bruxos, e pergunto… seus amigos sabem? Seus colegas de trabalho? Sentem-se seguros em revelar a verdade sobre seus filhos, ou temem o que seus iguais podem fazer? — o salão permaneceu em silêncio, e alguns pais abaixaram a cabeça. — Eu imaginei. Os bons sempre pagam por aqueles com intenções vis. Não pretendo impedi-los mais uma vez de ver seus filhos durante o ano escolar, mas… precisarei ponderar. Por isso, Ministro, Madame Maxime… as visitas a Beauxbatons estão canceladas a todos até o final do ano letivo. — um burburinho começou. — A escola terá um novo Fiel do segredo, e… usaremos o tempo para entender a profundidade do que ocorreu e soluções viáveis e seguras. Aos pais que perderam seus filhos, minhas sinceras condolências. Como mãe… — a voz dela falhou e Rabastan quis beijá-la. — não consigo imaginar sua dor, mas os conforto na certeza de que seus filhos foram bravíssimos em sua escolha de defender os mais jovens e serão vingados. Tomei uma decisão controversa, que foi apoiada por Sua Majestade o Rei e pelo Ministro da Magia. — ela parou e respirou fundo. — Nenhum dos responsáveis deixará Beauxbatons. — o burburinho aumentou e ela fez um sinal para que parasse. — No momento, por volta de trinta pessoas ainda estão presas, em custódia, e serão interrogadas até que cheguemos a todos os detalhes da operação e entendamos se houve ligação entre esse ataque e o inocente incidente meses atrás. 



— Se houve, madame? — alguém se levantou. — Existe sequer a possibilidade de que sejam fatos isolados? 



— Sim. Quando uma informação vaza, é praticamente impossível conter possíveis recipientes da informação que não se conhecessem entre si. Então é possível que provenham do mesmo vazamento, mas que não sejam diretamente dois incidentes ligados. — ela esclareceu, e a pessoa pareceu satisfeita, sentando-se. — É isso que entenderemos e, junto com o governo trouxa da França, buscaremos destrinchar. O que ocorreu nessa escola foi um ato de terrorismo. — vários assentiram. — E o governo trouxa responderá por isso. — vários sorrisos surgiram. 



— Vossa Graça… — uma aluna do sétimo ano se levantou. — Obrigada. — ela fez uma pequena reverência — Por tudo o que fez esta noite. Nunca pensei que veria… que seria necessário… — ela limpou uma lágrima e Bellatrix respirou fundo. — mas… O que… O que quer dizer com “não deixarão Beauxbatons”? Ficarão presos aqui depois de interrogados? Não seria mais perigoso? 



Bellatrix pressionou os lábios por um segundo antes de dar alguns passos para fora do púlpito e cruzar as mãos atrás do corpo. — Você está correta, Srta…?



— Delyon, madame. 



— Bem, Srta. Delyon. — Bellatrix continuou. — Você está correta, mas não foi o que eu quis dizer. — a menina pareceu confusa. — E eu vou falar em Francês claro para que todos entendam: todos serão executados por terrorismo e traição. — ela falou e o silêncio pairou. — A França não permitirá que absurdos como hoje se perpetuem. — ela voltou para o púlpito. — E que as pessoas que aqui estiveram voltem e planejem vinganças ou voltem obliviadas e gerem ódio e revanchismo. Elas vieram, não voltaram, ficará o sinal de que atacar o mundo bruxo é uma sentença de morte. Às vezes, o medo é a melhor proteção.



O silêncio mais uma vez reinou e Bellatrix deu a todos um momento para que digerissem tudo o que ela havia dito, olhando rapidamente na direção de Voldemort, que se aproximou dela e sussurrou em seu ouvido. 



— Eles parecem calmos… dentro do possível. — ele claramente se referia às mentes de todos. — Quer que eu assuma? Não é necessário… 



— Não… eu tinha que resolver, não tinha? — ela sussurrou de volta e ofereceu-lhe um sorriso em agradecimento, enquanto pigarreava para trazer a atenção de volta para si. — Bom, devido aos acontecimentos, e em respeito às vidas bruxas perdidas… Ministro, por gentileza, declare luto oficial pela próxima semana. — o ministro olhou para Voldemort, que assentiu quase irritado. — Imagino que o restante do ministério não irá se opor. 



— De forma alguma, Madame. — o ministro se curvou. 



— Maxime… por favor, imagino que as crianças precisem de tempo para se recuperar e para que a escola possa ser reformada. Imagino que podemos atrasar o semestre três ou quatro semanas. Deixá-las ir para casa e descansar. 



— Ideia esplêndida, Madame. Voltaremos próximos à Páscoa, e podemos ajustar o semestre… Alunos com exames de níveis de magia, vocês não serão prejudicados. — ela esclareceu, parecendo cansada. 



— Obrigada a todos, por tudo o que fizeram. O país e a escola está em dívida com todos. Agora, vão para casa, cuidem dos seus. E… aos em luto, nossas condolências. — ela concluiu, e Voldemort aproximou-se dela, uma mão descansando em seu ombro. 



— Faço minhas as palavras acertadas da duquesa. Noites como as de hoje são manchas em nossa história, mas gostaria de reforçar que todas as medidas serão tomadas para blindar as crianças da França e vingar as que falhamos em proteger. Nossas condolências. — ele estendeu o braço a Bellatrix, que o aceitou sem pestanejar.



Enquanto todos se dispersavam, Bellatrix deixou-se apoiar no braço dele, o cansaço atingindo-a e uma gota de sangue novamente escorrendo por uma de suas narinas. Ela limpou, rapidamente, e balançou a cabeça. 



— Você não vai poder aparatar. — ele comentou, e ela franziu o cenho. — De volta pra sua casa, eu digo. Mal para de pé, vai acabar largando pedaços pelo meio do caminho. 



— Imagino que esteja me oferecendo uma carona?



— Estou mais recuperado do que você. — ele deu de ombros. — Alguém ordenou que eu descansasse. 



Bellatrix fechou os olhos e sorriu de lado, sabendo que aquela alfinetada viria em algum momento. — Alguém precisou ordenar, já que é tão teimoso quanto poderoso. 



— Diz a mulher respirando sangue. — ele a encarou — Caso não queira aceitar a carona, tudo bem, mas não aparatar é uma ordem.



— Será que um dia saberemos pedir algo um ao outro? 



— O tempo dirá. 



— Você também não está em condições de aparatar, muito menos levando alguém junto. — ela parou, e o encarou séria. — Eu não posso mais ordenar nada, a batalha acabou. Então… estou pedindo. — ela mordeu o lábio. — Não se arrisca assim. — ela tocou a parte do ombro dele que tinha sido ferida. — Perdeu sangue demais, milorde, também usou sua magia à exaustão. 



— Bellatrix, eu sou – ele abaixou a voz — imortal. A minha magia não vai se esgotar, e eu estou bem o suficiente para– 



— Não. Você acha que está. — ela sussurrou de volta — Por favor, cuide-se. Se não por mim, pela Melinda, que ainda não está pronta pra assumir se qualquer coisa acontecer com você! 



— A nossa filha é tão louca quanto eu, provavelmente não pediria isso. 



— Aí que se engana. Ela ainda é uma menina, que conhece os pais só há seis anos, e não quer perder nenhum de nós. Ainda mais por besteira. — ela se aproximou dele. 



— Está pedindo por ela, então? — ele não segurou o sorriso de lado. 



— Por nós duas. — ela lambeu os lábios nervosa. — Eu já sofri o suficiente hoje, não acha? 



Voldemort não teve tempo de responder, pois uma agitação começou a alguns metros deles, diversas pessoas convergindo em um canto enquanto vozes se alteravam. Bellatrix olhou por cima do ombro e viu Maxime no meio da confusão. Girou nos calcanhares com um suspiro, e se aproximou a passos largos para ver o que estava acontecendo, Voldemort em seu encalço e Aaron e Rabastan vindo pelo outro lado. 



— Eu confiei em você! — uma mulher loira gritava em Francês, sendo segurada pelo marido, que colocava-se entre ela e Maxime. — Olympe… eu deixei minha única filha aqui porque confiava em você, e você… fugiu? Saiu correndo com a professora de Defesa Contra as Artes das Trevas e deixou as crianças desamparadas por sabe-se lá… E como esses monstros entraram aqui pra começar? Essa escola não tem malditas defesas? Alguém sabe a droga do segredo e simplesmente entra? 



— Me perdoe, Noémie, mas fiz o que pude! 



— Nós estudamos juntas, éramos amigas, como… como? Minha pobre Alienòr… meu bebê. Sua maldita! — ela tentou mais uma vez voar para cima da mulher, que tinha mais que o dobro de sua altura. — Você podia ter protegido eles! 



— O que está acontecendo aqui? — Bellatrix se enfiou no meio da confusão, e a mulher loira apenas chorou mais, sendo segurada pelo marido enquanto negava com a cabeça. — Olympe? — ela perguntou à outra. 



— A Sra. Fontaine está um pouco… desolada. 



— Um pouco desolada? — o marido teve que segurá-la mais uma vez. — Eu vou acabar com você! 



— Fontaine? — Bellatrix virou-se para o casal, e colocou-se entre eles e Madame Maxime. — Como… Alienòr Fontaine? — a mulher apenas chorou mais e o homem assentiu. — Ela era filha de vocês, imagino? Meus pêsames. — O homem agradeceu, lágrimas lavando seu rosto enquanto abraçava a esposa que voltara a soluçar. 



— Ela… ela morreu sozinha. — a mulher negou com a cabeça. — Ela era uma criança. E quem jurou protegê-la… — os olhos dela queimaram em Maxime. — fugiu. 



Bellatrix lambeu os lábios, as mãos suando enquanto ela pensava em formas de lidar. Ela mal sabia lidar com as próprias emoções, quiçá as dos outros. Era parte do trabalho dela, no entanto. Ela deu um passo na direção da senhora Fontaine, e ofereceu-lhe um olhar de pesar. 



— Madame Fontaine, eu… Eu não posso lhe dizer que sei o que está passando, mas posso lhe garantir que sua filha não morreu sozinha. — ela mordeu os lábios, ao ver a mulher chorar mais. — Ela escolheu lutar, escolheu defender os mais jovens, defender o lugar que amava. Morreu, por uma injustiça do destino, mas cercada por tantos outros que desejavam o mesmo que ela. E nós fizemos o nosso melhor para confortá-los, para que eles não sofressem. A guerra é uma senhora cruel e fria, e enfrentá-la por escolha é para aqueles de coragem. Eu sei que isso não a consola, e que daria tudo para que sua filha tivesse se acovardado, mas ela era maior do que os próprios medos. — ela engoliu seco. — Sei que a minha filha teria feito o mesmo e me enlouquecido de preocupação, como já o fez tantas vezes. Quanto à madame Maxime… ela não fugiu. Ela fez o que pôde junto aos professores para proteger as crianças, já que tirar todas da escola era impossível, e então deixou a escola, sim, para buscar reforços, para me buscar. E os reforços, as pessoas que tinham experiência com aquele tipo de arma… Eram a única chance que eles tinham. — ela observou como a mulher conseguiu ficar de pé novamente. — Não deixe que sua dor lhe custe mais uma pessoa querida. 



— Foi a madame, não foi? Que deu autorização para que os maiores de idade lutassem? 



— Sim, pois teriam feito mesmo sem minha autorização. — ela respondeu, sincera. — Pelo menos assim, pude de alguma forma dar suporte a eles. 



— Eu soube… — ela soluçou. — Que Sua Majestade foi ferido, e a madame também. — Bellatrix assentiu. — Pois estavam na vanguarda. É traição pensar que preferia que um de vocês tivesse ido no lugar dela? 



— Noémie! — o Sr. Fontaine olhou horrorizado para a esposa, mas Bellatrix levantou a mão. 



— Talvez para alguns, mas não para mim. O que mais podia-se pedir de uma mãe? Dois estranhos por uma filha? Eu faria a mesma troca, mil vezes. — algo na expressão da Sra. Fontaine mudou, quando ela disse isso. — Se houvesse uma forma de trazer sua criança de volta, nós o faríamos. 



O olhar da loira voltou-se novamente para Maxime. — Ela… lutou?



— Ela ficou consolando as crianças. Elas a conheciam, confiavam nela. Era importante, tão importante quanto. — Bellatrix tentou amenizar, já esperando outro surto de choro. — Principalmente para as menores. 



— Então, Olympe, você não fez tudo o que podia. — ela cuspiu as palavras e negou com a cabeça. — Não para proteger a minha filha. Espero que os pais das crianças pequenas estejam mais felizes. — O Sr. Fontaine mais uma vez pareceu horrorizado e Maxime pareceu chorar. — Madame Lestrange, você… a conheceu? Claro que não… 



— De passagem… — ela respondeu, sincera. — Durante a batalha. Ela era boa, e seguia ordens com afinco. — era como se as palavras surgissem em sua mente, mas ela simplesmente as falou. — Correu algumas vezes para levar feridos para a redoma. — algo nela fazia ela simplesmente falar, mesmo que não reconhecesse as palavras como suas. — Ela não teve medo, pelo menos não demonstrou. E… ela não sofreu. Foi… rápido. — aquilo a pegou, pois Bellatrix sabia que não tinha visto a morte da garota, mas era mais forte do que ela. E então… ela olhou para a esquerda e seus olhos encontraram-se com os de Voldemort, explicando tudo. Ela não tinha visto, ele tinha. — Foi uma perda enorme, sentimos muito. 



E então, a loira jogou-se em cima de Bellatrix, que demorou alguns segundos para entender que ela não a estava atacando e sim abraçando-a. A morena congelou no lugar, sem saber o que fazer, enquanto a outra mulher chorava e só fechou os braços para dar pequenos tapas nas costas dela, para não ficar muito estranha a situação toda. O marido dela, em meio às lágrimas, veio e tentou puxar a esposa daquela demonstração de falta de decoro tão absurda. 



— Noe… vamos, por Merlin. — ele tentou puxá-la. — Perdoe-a, vossa graça, ela… todos nós estamos... 



— Em luto. — Bellatrix respondeu, tentando conter o desconforto. — Eu… eu sei. Se tiver algo que precisem… entrem em contato com minha equipe, será providenciado. 



— Obrigado, madame. — ele puxou a esposa, que ainda chorava no ombro da Duquesa de Bordeaux, para choque e horror de muitos. Uma outra parte, no entanto, parecia movida com a cena. — Meu amor, vamos… vamos pra casa. — ele finalmente conseguiu puxar a esposa, deixando Bellatrix para trás. 



Quando eles estavam longe o suficiente, Olympe se aproximou dela, balbuciando algo em agradecimento, e Bellatrix só levantou a mão. — Aquela garota de dezessete anos teve mais coragem do que você e metade de seus professores juntos, Olympe. — ela cuspiu. — Que vergonha. 



— Mas nós não fugimos, a Madame mesmo disse! 



— Não fugiram, mas muitos não fizeram questão de lutar. — ela negou com a cabeça. — Nem sei o que pensar, talvez eu também esteja fora de mim. — ela balançou a cabeça e se moveu na direção oposta, onde Voldemort a esperava. — Conheceu a menina, então?



— Conhecer é uma palavra forte, mas eu pude observar muito, do meu descanso. — ele deu de ombros. — Enquanto vocês lutavam na segunda parte da batalha. Ela teria potencial de se tornar uma bruxa formidável. Boa família, os Fontaine, uma enorme perda para o futuro. 



— Eles jamais se juntarão a nós agora… 



— Não diria jamais, mas… ela sempre vai desejar que tivéssemos morrido no lugar da filha. 



— Ou… que Olympe Maxime tivesse morrido. 



— Essa com certeza. E os prisioneiros? 



— Vamos esperar que as crianças deixem o castelo antes de começar os interrogatórios. — ela disse com o mínimo de voz possível. — Não queremos arriscar. 



— Você vai liderar? 



— Eu devia, mas… estou exausta. — ela admitiu, dando de ombros. — Não quero cometer o mesmo erro da outra vez. 



— Ninguém tira informações das pessoas como você. E a escola vai ficar fechada por semanas. Eles estão bem presos, ainda estarão exatamente onde estão em alguns dias. 



— E alguns dias de fome os farão mais… maleáveis. — ela concordou, sem nem perceber que tinha agarrado o braço dele mais uma vez. — Vou informar o ministério e… 



— E nos encontramos nas carruagens. — isso arrancou um sorriso dela. 





 



Após quase mais uma hora de discussão, o Ministro da Magia acatou a solicitação de Bellatrix, mas sugeriu que todos fossem para uma das sedes mais próximas do ministério em vez de retornarem à Bordeaux ou a Paris, pela distância. Todos estavam cansados, com fome, precisavam se recuperar e logo teriam que voltar para lidar com os prisioneiros. Ainda seria uma viagem razoável devido à escola ficar fora de qualquer civilização, mas… menos cansativo. 



— Será que farão vocês dividirem um quarto de novo? — Rabastan perguntou, puxando Aaron para sentar a seu lado na carruagem, enquanto Voldemort dava a mão para que Bellatrix subisse, entrando após ela e sentando-se a seu lado. 



— Nada é impossível. — Bellatrix fechou os olhos e suspirou. — Não faço ideia como são as instalações do ministério em Toulouse, mas… se em Paris precisamos, capaz de terminarmos os quatro num quarto só. 



— Posso torcer por isso? — Rabastan mordeu o lábio e cruzou as pernas, arrancando um olhar horrorizado de Aaron e um cansado de Voldemort. Bellatrix nem se deu ao trabalho de reagir.



— Sério mesmo, Lestrange? — foi Guillot quem o repreendeu. — Como se alguém fosse… 



— Fosse o que? 



— Pensar… nisso. Depois de tudo o que… — Rabastan virou-se de lado para encará-lo, e apontou um braço na direção de Bellatrix e Voldemort. 



— Te apresento “alguém” 1 e 2. — ele respondeu, quase ofendido. — Esses dois se não estivessem brigados já estariam sem roupa. — Bellatrix segurou o riso. 



— Não acha que suas fantasias estão indo longe demais não, Rabastan? — Voldemort perguntou, cruzando os braços. — Isso jamais aconteceu. 



— É traição falar que isso é mentira? Porque eu não sonhei com tudo o que eu lembro. Uma parte, sim, mas outras eu vi, eu tava lá! 



— Viu o que? — Bellatrix perguntou, indignada. — Uns amassos, talvez, mas… nada demais. 



— Até porque eu jamais deixaria que ninguém visse nada, Rabastan. — Voldemort comentou. — Já viam mais do que o suficiente e certas coisas eu gostava de guardar só pra mim. — isso rendeu um olhar indignado de Bellatrix. 



— Isso era verdade… — Rabastan parou pra pensar. — E o pessoal não colaborava também. Nunca vou esquecer as vezes que essa doida apareceu de calça colada, tudo marcando, e os Comensais babando. — agora parecia que Rabastan estava contando a história para Aaron. — Aquele dia eu achei que cabeças iam rolar. — Voldemort olhou para a janela, tentando ignorar o assunto. — Ou na vez em que ela teve que rasgar a saia pra lutar. Ah, bons tempos.



— Bons tempos? — Bellatrix negou com a cabeça. — Estava lutando ou olhando pras minhas pernas, Rabastan? 



— Eu estava fazendo os dois, mas mais lutando porque eu tinha medo de perder a cabeça. O resto daqueles babões, não garanto. — ela rolou os olhos. — E não era pra suas pernas que a gente tava olhando na calça. 



— Juro… sem condições. — ela bateu a cabeça no encosto.



— Bella, você precisa entender que é gostosa e as pessoas se distraem. 



— Eu sei disso, mas elas que cresçam. Até parece, agora preciso pensar que não posso usar coisa x porque um bando de macho de cinquenta anos…



— Eu nunca disse que foi só macho, pra começar. — ela escondeu o rosto nas mãos. 



— Você não tá com sono não, querido?



— É por isso que vocês começaram a se chamar de ‘maninho’ e ‘maninha’? — Voldemort interrompeu os dois, que o olharam em choque. — Igualzinho, um tão insuportável quanto o outro. Se não fosse o desejo de incesto desse daí, eu ficaria desconfiado que sua mãe teve mais filho, Bellatrix. 



— Merlin me proteja de ser irmão dessa doida. — Rabastan olhou para o outro lado. 



— Doida, mas é louco pra cair na minha cama, né Rabastan? — ela o chutou na perna, e Bellatrix notou Voldemort tentando neutralizar a expressão. — Ah não… mas agora eu imploro, majestade, fale.



— Prefiro me abster. — ele olhou de novo pra janela. 



— Agora fala, por favor, eu insisto. — ela se virou na direção dele, que suspirou. 



— Eu odeio defender o Rabastan, mas… uma coisa não tem nada a ver com a outra. Digo, ele pode te achar desequilibrada e mesmo assim querer… 



— Ah, era só o que faltava. — ela rolou os olhos. — Agora até você, milorde? Me taxando de desequilibrada? 



— Ele não disse que você era! — Rabastan interveio. — Só que eu podia te achar. 



— Obrigado, Rabastan. 



— Inacreditável. — ela bufou. — Homem sempre se defende mesmo. Alguém me tira dessa carruagem? 



— Não… alguém me tira. — Aaron disse para si mesmo, mas foi ignorado, aquela seria uma longa viagem. 



 



Demorou vinte minutos para o silêncio reinar, quando o cansaço bateu em quase todos. Aaron e Rabastan pegaram no sono contra suas respectivas paredes, dormindo profundamente, enquanto Bellatrix tentava dormir, mas a adrenalina não permitia. 



— Você não é… completamente desequilibrada. — Voldemort sussurrou, ainda completamente acordado, e ela olhou na direção dele. — Só um pouco. 



— Todos nós somos. — ela deu de ombros, ajustando-se na carruagem. — E Rabastan não está errado. Sobre nós. Nós éramos terríveis. 



— Éramos. E aparentemente, eu não estava errado sobre a calça. — ele não resistiu e ela rolou os olhos. — O que foi? Só estou dizendo que estava realmente sendo o foco do dia. 



— Só vou andar de calça de couro daqui pra frente, assim todo mundo se acostuma. — ela brincou e ele deu risada. — A minha eu de anos atrás diria… — ela pigarreou e desceu o tom de voz. — Mas, milorde… O que tem? Eles podem olhar o quanto quiserem… — ela se moveu um pouco na direção dele, tentando ser o mais sensual que conseguia em seu estado atual. — Mas… só você pode tocar. É na sua cama que eu termino a noite. — os olhos dela encontraram os dele, que estendeu a mão para colocar uma mecha do cabelo dela atrás da orelha da mulher. 



— Isso já foi verdade, um dia. — ele disse, sem expressão, e ela franziu o cenho. 



— Custava brincar? — ela suspirou. 



— Você quer mesmo que eu brinque? Bella, Bella… 



— Podemos sempre culpar a adrenalina… — ela colocou as pernas por cima das dele, que fechou os olhos. — Horas e horas de algo que sempre foi como uma preliminar pra nós… — ela se aproximou. 



— Nós tivemos essa conversa mais cedo. — Bellatrix se aproximou mais e ele respirou fundo. 



— Eu sei… eu entendi. — Ela tirou as pernas de cima das dele e se ajoelhou no assento. — Tudo aquilo sobre não conseguirmos ser casuais porque aí eu sumo por meses. — ela mordeu o lábio. — E se… eu não me arrepender? — ele deu risada. 



— Você fala e fala e fala… mas nós dois sabemos que vai acordar na minha cama aterrorizada e eu vou ser forçado a te convocar de novo. — ele negou com a cabeça. 



— E quem falou algo sobre acordar e camas? — ela deu de ombros e beijou o ombro dele por cima da capa. — E não tem do que se arrepender se nós dois estivermos só… sucumbindo ao pós batalha. — ele quase riu. — Nós não damos certo como um casal, mas em todo o resto... 



— Você me confunde. — ele olhou nos olhos dela, que se fez de inocente e passou uma das pernas para se apoiar o joelho entre as pernas dele, sentando-se sobre a perna esquerda dele, que tensionou o corpo. 



— Então vou ser clara. É falta de educação fazer toda a preliminar e ir embora pro Reino Unido sem terminar o que começou. — ela apoiou as mãos nos ombros dele. 



— Você sempre pode terminar o que eu comecei com seu cavaleiro, minha cara. — ele devolveu, mas sem movê-la. 



— Ah… tem certeza que quer que eu faça isso? — ela mordeu os lábios. — Em vez de aproveitar o passe livre para fazer… o que quiser? 



— O que eu quiser? — ela assentiu. — Até te colocar de volta no seu lado do banco? — ele provocou e ela se agarrou mais a ele, enlaçando os braços ao redor do pescoço dele. — Bella, se eu um dia entender o que se passa na sua cabeça… 



— Nesse momento? Bom, você sabe ler minha mente, mas nem precisa… tá tudo nublado, porque eu só consigo pensar em como eu quero— ela foi interrompida por uma forte sacudida na carruagem, que encontrou algum bloqueio e freou bruscamente, fazendo-a quase cair, se ele não tivesse a segurado fortemente contra si. 



Ambos olharam imediatamente para Aaron e Rabastan, que não pareciam ter acordado, e voltaram a se encarar, agora muito próximos. Bellatrix colou o corpo mais ao dele, que respirou com dificuldade, sabendo que não teria muito pra onde resistir. Quando eles se voltaram um ao outro, no entanto, Rabastan abriu os olhos por um segundo, fechando-os novamente quando viu a cena a sua frente, um sorriso cúmplice se formando em seus lábios. 



Bellatrix engoliu seco e roçou os lábios nos dele, sentindo como uma das mãos do homem subiu para seu cabelo e fechou-se em volta dos cachos negros, puxando da raiz e arrancando um gemido seco dela. — O que eu faço com você, Bellatrix? — ele sussurrou.



— Eu já disse… — ela se aproximou e mordiscou o lábio dele, que puxou mais o cabelo da morena. — Hoje? Faz o que bem entender… mas se quer alguma ideia, podia começar me beijando? 



Voldemort ponderou por um único segundo, se deveria escolher ignorar tudo nele que apontava que aquilo era uma péssima ideia, que provavelmente iria ferir seus planos de convencê-la a voltar, que uma única vez não poderia valer o resto da vida, mas ela estava próxima demais, sedenta demais e… não estava errada sobre o efeito afrodisíaco da batalha. E, então, quase como se soubesse dos pensamentos que o assombram, Bellatrix mexeu o joelho só o suficiente para roçar contra a virilha dele, arrancando um grunhido que ela mal teve tempo de ouvir, antes de sentir os lábios dele capturando os seus com força. 



Bellatrix fincou as unhas nos ombros dele, causando um lampejo de dor no ombro por onde o tiro recente tinha passado, mas ele não teve tempo de se importar, tão envolto estava no cheiro e no toque dela. Era tudo inebriante, o gosto dela misturado ao uísque que ela tinha encontrado e nunca dividido, a forma como ela se esfregava contra sua coxa, sedenta por mais fricção. A língua dela enroscou-se à dele com violência, invadindo, explorando, buscando por mais, enquanto as mãos dela afastavam a capa dele e arranharam por cima da malha, um sorriso chegando aos lábios dela ao lembrar que tinha se livrado da camisa dele.



— Nunca mais devolvo aquela camisa… — ela meio falou meio gemeu baixinho, ganhando mais um puxão de cabelo enquanto ele a puxava mais pra perto e mordia com certa força a pele sensível atrás da orelha dela. Sua boca desceu a linha externa do pescoço dela com os dentes e língua, arranhando e arrepiando até o último fio de cabelo dela, que mordeu o lábio com força para não gemer alto e se esfregou mais contra a coxa dele, ondulando os quadris e fazendo seu joelho roçar contra a já evidente ereção dele. 



— Se eu gozar assim vou parecer desesperada demais? — ela perguntou, rolando os olhos quando ele respondeu com um chupão em um ponto sensível que conhecia muito bem, e ele teria disfarçado bem o efeito que a pergunta dela tivera nele, caso não tivesse cravado os dedos e unhas com ainda mais força na cintura da mulher e ela não tivesse sentido como a nuca dele se arrepiou sob seus dedos. Naquele momento, Bellatrix se arrependeu de ter colocado a armadura de volta. 



A mão que antes estava em sua cintura, então, desceu para a bunda, apertando por cima da calça e a puxando para aumentar a fricção com sua coxa, enquanto a outra puxava o cabelo dela, que gemeu alto, não conseguindo se conter, e sentiu ele rir contra seu pescoço. Uma voz no fundo da mente de Bellatrix disse algo sobre Aaron e Rabastan, mas ela escolheu ignorar. Voldemort pressionou os lábios contra a orelha dela e mordeu o lóbulo lentamente, torturando-a, antes de falar. 



— Eu vou ter que ocupar sua boca com alguma coisa, ou vai aprender a gemer baixo, Bellatrix? — ele sugou o lóbulo dela, que derreteu nos braços dele e pensou algumas vezes antes de decidir se ia gemer ou não. 



— Isso foi… ameaça ou promessa? — ela devolveu, quase soando sofrida, e ele apertou mais a bunda dela, forçando o joelho dela contra a ereção dele novamente, e ela salivou. Se ele queria convencê-la a ficar quieta, não estava ajudando. 



Aaron Guillot ainda estava completamente adormecido, tamanha a exaustão, e Rabastan fingia muito bem, agradecendo a qualquer divindade por tudo que estava ouvindo e conseguindo espiar de vez em quando. Era ridículo que eles tinham permissão de ser gostosos daquele jeito, mas ele evitava ficar olhando demais ou não conseguiria mais fingir que estava dormindo. 



— Os dois. — Voldemort respondeu e ela torceu o tecido da malha que ele usava, negando com a cabeça e roçando quase frustrada contra a calça dele, o contato não sendo o suficiente.



— Quem promete cumpre… — ela se afastou para beijar a boca dele novamente, aumentando a intensidade com que se esfregava nele, perdendo-se nos beijos dele e deixando de se importar se ia acordar os outros dois. A mão dela desceu para se perder entre eles e ela gemeu consideravelmente alto mais uma vez, em provocação, quando ela o tocou por cima da calça, arrancando um som sufocado dele. Ela aprofundou o beijo, de forma que eles podiam gemer mais livremente na boca um do outro, e trabalhou rapidamente para deslizar a mão para dentro da calça dele, agradecendo mentalmente quando ele não resistiu. 



Muito pelo contrário, ele abriu mais as pernas e escorregou um pouco no assento para dar mais acesso a ela, que mordeu o lábio inferior dele em silencioso agradecimento. Ela engoliu um gemido ao senti-lo em sua mão, tão duro que ela quase gozou ali mesmo, e pressionou o corpo contra o dele, arfando enquanto o olhava nos olhos e movia sua mão só um pouco, para sentir, matar a saudade um pouco, sentindo a própria calça encharcar com o desejo e a boca salivar. 



— Aprendeu a ficar quieta? — ele a puxou pelo cabelo para roçar os lábios nos dela, também já completamente entregue e pouco se importando se os outros dois acordariam — Ou ainda preciso te ajudar? — ele sorriu sacana e ela balançou a cabeça. 



— Não se atreva. — ela beijou o pescoço dele e moveu sua mão pela extensão dele algumas vezes, tentativamente, gemendo enquanto enlouquecia de antecipação. — Tô sonhando com isso desde Paris. — ela confessou. 



— Você é impossível… — ele agarrou a bunda dela com as duas mãos e ela gemeu de propósito.



— Não posso arriscar. — ela o beijou rapidamente e fez menção de descer para se ajoelhar, quando a carruagem simplesmente parou. 



Foi quase cômica a forma como eles se olharam num misto de irritação e mais profundo horror. Bellatrix xingou em pelo menos duas línguas, descendo do colo dele à contragosto e batendo a cabeça no assento, observando Voldemort se recompor rapidamente ao som de alguém do lado de fora batendo na porta. 



— Majestade? Vossa Graça? Chegamos! — com o som de mais uma batida, Bellatrix chutou a perna de Rabastan, que pulou acordado. 



— Misericórdia, Bellatrix! Precisava disso… que mal humor! Parece até que deu e não gozou! — Rabastan brincou, por dentro rindo da coitada que fora interrompida. Ele também estava triste, pois perdera uma oportunidade única. Virando para o lado, ele sacudiu Aaron, que acordou em súbito e saiu da carruagem quase arrastado pelo amigo, que decidiu deixar Bellatrix e Voldemort sozinhos de propósito. 



— Eu já odeio Toulouse. — ela rosnou, percebendo que ele tinha fechado a capa para esconder qualquer indício. — Perto demais, custava ser mais longe? 



Voldemort a olhou curioso, apoiando-se no assento para se aproximar da mulher, que estava visivelmente alterada. — Se acalma, Bellatrix, ou todo mundo lá fora vai entender. 



— Que se foda! — ela respondeu, e então percebeu o que dissera. 



— Quem gosta de fingir que não quer mais nada comigo é você, então… — ele deu de ombros e ganhou um tapa de resposta. 



— Eu não finjo nada! Todo mundo sabe… tudo. Meu ponto é só que… — ela parou de falar e levantou para sair da carruagem, sentindo a mão dele se fechar em seu pulso. 



— Às vezes, a vida interfere antes que as pessoas tomem decisões precipitadas, Bella. Vai ver, você já estava pronta pra se arrepender. — ela olhou por cima do ombro e negou com a cabeça. 



— Eu estou muito consciente de tudo o que eu fiz, ou quase fiz. E, inclusive… — ela segurou o queixo dele. — Promessa é dívida, e eu preciso gostar mais de Toulouse, então… 



— Cala a boca e desce dessa carruagem, Bellatrix. — ele falou sério, e ela lambeu os lábios. 



— Vem calar. — ela desceu da carruagem, largando-o sozinho lá dentro com seus pensamentos por alguns instantes. Ele bufou algumas vezes e tentou organizar seus pensamentos, assim como afastar todos os que consistiam em maneiras criativas de calar a boca dela, antes de decidir que aqueles poucos dias seriam uma longa estadia em Toulouse. Por um lado, ele temia por sua sanidade, por outro… mal podia esperar. 





 


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Comentários (2)

  • Julia

    2023-12-16
  • Julia

    Já fazem anos que acompanho essa fiz. Sempre abro ela com a esperança de um novo capítulo. Espero q você volte e continue por um longo tempo, quero muito ver a Bella como rainha!!

    2023-12-16
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