Entre chuvas e tempestades



“É um mistério como nos apaixonamos, por quem nos apaixonamos, e o motivo de nos apaixonarmos. Mas a gente se apaixona.”





O céu estava cinza escuro, todo aquele azul brilhante rapidamente se escondera por trás das nuvens que rapidamente deslizavam por sobre o céu apagando de vez o azul lindo que amanhecera naquele dia. Os passarinhos encantadoramente felizes não pareciam temer a chuva que aos poucos começava a respingar sobre o chão, mas os seres humanos abaixo temendo ensopar seus paletós, escondiam-se o mais rapidamente, livrando suas roupas de sofrerem uma lavagem antecipada.

Ela não corria, caminhava ainda lentamente pela calçada quando sentiu as gotículas de água caindo sobre seu rosto, fazendo-a erguer a mão à frente, deixando a palma para cima para constatar que a chuva estava vindo mais rápido do que ela imaginara. As gotas grossas começaram a respingar fortemente sobre a calçada de concreto e a ensopar os cabelos negros, risonha ela percebeu que, se não se acorresse da chuva, ficaria encharcada, o que, àquela altura, já não faltava muito.

Parando a beirada de uma loja, ela se protegeu da chuva debaixo de um pequeno telhado, encostando-se a parede e observando a chuva que agora se tornava um temporal, enquanto as grossas gotas encharcavam o asfalto e no céu as nuvens negras predominavam deixando o som alto dos trovões ecoarem por toda cidade, ou parte dela. Debaixo do telhado, protegida da chuva, ela ergueu o pulso verificando as horas no relógio, já estava quase na hora dele chegar, será que ele também tomara um banho de chuva ao entardecer?



Quando ele saiu do elevador do prédio onde estagiava, percebeu que o céu estava fechado, as nuvens densas encobriam todo o céu, que coisa, ele havia visto o dia todo completamente ensolarado e o céu espetacularmente azul pelas janelas do andar onde trabalhava e agora era como se o céu azul nem tivesse aparecido naquele dia, as nuvens zangadas e escuras pareciam dar um ar mal-humorado ao céu e ele correu até seu carro, estacionado a lateral do prédio, adentrando o mesmo antes que aquele temporal banhasse seu terno novo, o que ele finalmente conseguira comprar depois de um pequeno aumento de salário.

Sirius havia se formado há menos de um ano, e conseguira um estágio excelente ao término da faculdade de engenharia, e era nesta mesma empresa que ele tinha esperanças de crescer cada vez mais, afinal de contas, seu chefe costumava valorizar o trabalho dos que se empenhavam e ele estava tendo bons frutos em pouco tempo. Distraído ele deu partida no carro, era melhor ele ir para casa antes que a chuva parasse o trânsito, o que era bastante comum, além do mais, quem sabe ele não conseguisse dar uma carona para ela?

 



Os carros transitavam com menor velocidade, o que ele já havia previsto, era sempre assim, qualquer chuva naquela cidade parava tudo completamente, e o fato de o transito estar pelo menos fluindo, mesmo que lentamente, já era um ponto positivo, não demoraria horas e horas a fio para chegar em casa.

Há duas quadras da rua onde Sirius morava ele notou algo que lhe chamou a atenção, sorriu largamente, reconheceria aqueles cabelos negros mesmo na noite mais escura, os ponteiros do velocímetro já lentos, diminuíram ainda mais enquanto procurava uma vaga para estacionar.

Estacionando o carro um pouco ao longe, Sirius sorriu, observando-a de dentro do carro sem que ela o notasse, estava com os cabelos molhados e seus olhos estavam perdidos em algum ponto que ele não conseguira distinguir.

Ao abrir a porta do carro para sair, Sirius notou o seu erro, uma enxurrada de água pluvial o banhou em segundos, fazendo-o sair apressado e apertar o botão do alarme logo após bater à porta do carro e correr até onde ela se encontrava, não sem antes se encharcar pela chuva no pequeno percurso; parou ao lado dela risonho e se chacoalhando como um cachorro molhado, enquanto ela o observava por segundos antes de gargalhar entusiasmadamente.

— Você está parecendo um cachorrinho de rua.

— E você está parecendo um poodle que acabou de sair do banho. - Ela revirou os olhos ao comentário dele e riu. - Não pense que você vai entrar desse jeito no meu carro.

Marlene riu e o olhou desafiadoramente.

— Ah é? - E antes que ele pudesse prever, ela segurou firmemente a chave que estava em sua mão e a agarrou, pegando-o de surpresa.

— Hey! - Ele tentou inutilmente pegar a chave da mão dela, mas ela já corria em direção ao carro, risonha, como se fossem duas crianças brincando de pega-pega. Ele a agarrou por trás, pela cintura, tentando impedi-la de chegar ao carro e ela gargalhou, enquanto a chuva os encharcavam de vez. Um BIP se fez mais alto que a chuva que açoitava a calçada e ela tentou se desvencilhar dos braços dele para abrir a porta do passageiro, mas ele mais ágil segurou-lhe as mãos, impedindo-a.

— Nem pense nisso. - Ele disse meio ofegante e meio risonho ao ouvido dela e ela, rindo, deixou o corpo amolecer, vencida.

— Okay, okay, você venceu, vamos a pé então. - Ela virou-se ainda nos braços de Sirius e ele olhou-a por segundos, os cabelos negros estavam ainda mais encharcados, colados ao rosto branco com leves sardas e os olhos esverdeados brilhando intensamente, e riu. Era incrível como ela o fazia esquecer completamente de tudo a sua volta, inclusive que acabara de encharcar seu terno novinho.

— Depois que você me fez encharcar meu terno novo, né. - Ela gargalhou e se desvencilhou dele, apertando o alarme novamente do carro, enquanto as pessoas protegidas da chuva olhavam-nos pensando que eram dois completos malucos, agora de mãos dadas, caminhando debaixo da chuva que caia como se Deus estivesse querendo um novo diluvio.



Fora debaixo de uma chuva como aquela que eles haviam se conhecido, quando Sirius iniciava o último ano de engenharia, era engraçado como em dias como aquele ele sempre se recordava daquele dia.

Era final de tarde, ele acabara de se mudar para o apartamento novo, estava apressado, caderno e livros da faculdade nas mãos, prestes a se atrasar para a aula, quando a chuva pegou a todos desprevenidamente.

As nuvens densas encobriram a cidade, grossas gotas de chuva desceram rapidamente traiçoeiras espatifando-se sobre o chão cimentado e sobre eles, encharcando-os aos poucos, enquanto ela corria por sobre a calçada, tentando inutilmente cobrir os cabelos com as mãos; Apressadamente distraída, ela mal percebeu quando um corpo invadiu seu campo de visão inesperadamente, fazendo-os se colidirem bruscamente um com o outro, desequilibrando-os enquanto o som de pastas, cadernos e livros se espatifando ao chão ecoavam em meio as trovoadas que se tornavam mais intensas.

— Ai meu Deus, me desculpe, me desculpe. – Apressou a garota, equilibrando-se e indo ao auxílio do garoto que tentava o mais rapidamente possível recuperar os livros e cadernos que aos poucos encharcavam-se, como os cabelos negros dela.

— Não, não, tudo bem. – Ele sorriu, ajeitando o último livro aos braços, encarando-a por segundos. As gotas de chuva banhavam seus rostos, encharcando ainda mais os cabelos negros e passando também a encharcar os cabelos bagunçadamente negros do garoto.

As enormes gotas de chuva banhavam seus rostos, mas ele não pareceu se importar com isso, enquanto seus olhos azuis acinzentados continuavam encarando aqueles olhos lindamente esverdeados que brilhavam de uma maneira que ele jamais havia visto na vida, como se pudesse hipnotiza-lo em segundos que pareciam eternamente longos e sublimes.

Um sorriso excepcionalmente lindo se formou nos lábios bem desenhados da garota antes de uma risada divinamente musical ecoar em seus ouvidos, fazendo-o esboçar um sorriso involuntário, contagiado por aquele riso perfeito, vindo daqueles lábios perfeitos, daquele rosto perfeito, daquela garota perfeita.

— É melhor sairmos daqui, vamos nos encharcar. – Risonha, ela segurou no braço dele com delicadeza, o puxando finalmente para a área coberta que ela visara em sua corrida pela chuva.

As gotas grossas e encharcantes pararam de cair sobre eles, espatifando-se agora sobre o chão cimentado a frente, enquanto seus olhos observavam a chuva cair torrencialmente pelo asfalto da larga rua e por sobre as arvores. Desviando os olhos da chuva, ele observou a garota ao seu lado: os cabelos negros, como uma noite sem lua, estavam caindo encharcados por sobre o rosto, colando-se a pele branca com leves sardas que brincavam, de uma maneira sensual, por sobre a pele, os olhos esvereados observavam os passarinhos que felizes se divertiam em uma pequena poça d’água a beira da calçada. O nariz delicado era proporcional ao rosto pequeno e os lábios levemente grossos, mas sem exagero algum, eram perfeitamente desenhados, o que tornavam aquele sorriso que se formava aos poucos nos lábios ainda mais perfeito. A blusa preta onde apenas as palavras “The Beatles” estampava-se, estava encharcada, colada ao corpo, perceptivelmente magro e bem definido e a julgar pela calça jeans e o tênis all star todo rabiscado, ela não devia ter mais do que seus dezessete anos. Apenas uma garota, pensou ele, desviando os olhos sem jeito quando ela finalmente o encarou, esquecendo-se momentaneamente dos passarinhos felizes.

— Marlene McKinnon. – ela sorriu, sem esticar a mão ou fazer menção de lhe dar um beijinho no rosto, mas para ele, aquele sorriso já valia por tudo.

— Sirius. – Ele respondeu simplesmente, sorrindo em seguida, um sorriso que se misturava a um jeito encantado e encantador, observou ela, pensando que aquele sorriso, provavelmente, deveria fazer muitas garotas se derreterem.

A chuva torrencial em segundos foi se abrandando, típicas chuvas de verão, pensou ela, desanimada, vinha apenas para encharca-los e rapidamente ia embora.

Sorrindo, ela se desencostou da parede, sob a pequena área coberta à calçada e o encarou.

— Foi um prazer, Sirius. – Ela permaneceu com aquele sorriso lindo nos lábios e mais uma vez ele sorriu instintivamente. – A gente se vê.

Ela piscou, ainda com aquele sorriso nos lábios, se virou e saiu caminhando animadamente encharcada pela calçada, enquanto as demais pessoas faziam o mesmo, invadindo a calçada e fazendo-o perdê-la de vista.

Foi assim que ele a conheceu.



Sirius riu com tais pensamentos, enquanto observava a garota ao seu lado, ainda parecia a mesma, exceto que aquelas recordações já faziam quase dois anos, e nesse tempo muitas coisas haviam acontecido.

O apartamento em que moravam era situado no terceiro andar de um pequeno prédio residencial, sem elevador, sem porteiro e sem condomínio, Sirius ganhara como herança de seu avô há alguns anos, e era lá que Marlene morava desde que entrara na universidade, há sete meses, de muita zoeira e diversão, segundo ela.

Ensopado, Sirius adentrou o apartamento temendo pisar no tapete recém lavado da sala, enquanto Marlene jogava a bolsa sobre o sofá e ia tirando o casaco encharcado.

— É melhor tirar esse terninho de mil dólares antes que embolore no seu corpo, garanhão. – Disse ela aos risos, enquanto Sirius já ia se livrando do terno pensando com tristeza que não poderia usá-lo no dia seguinte.

— Só faz dois dias que estou usando, e é bom que a senhorita engraçadinha deixe ele impecável até segunda-feira, ou vai ter que me comprar outro.

Ele parecia zangado, mas Marlene sabia que ele só estava tentando parecer um pai chato e ranzinza, bravo porque a menina mimada fizera arte, era tudo fachada, é claro, por isso ela gargalhou carregando o terno ensopado para a lavanderia e dizendo alto o suficiente:

— Você que pensa, papai.

O apartamento era moderadamente bem decorado, claro que esse moderadamente era graças a Marlene e sua mania de ajeitar tudo, “vamos deixar isso mais bonitinho”, dizia ela sempre que comprava algo novo, um vaso de flor, uma planta para a sacada, um quadro que vira em promoção, uma cortina azul Royal que achara a cara de Sirius, “para combinar com seus lindos olhos... Ops, eles não são azuis, esqueci.”, mas mesmo com todo aquele humor engraçadinho, como dizia Sirius, era ela quem dava um toque a mais no apartamento. Os moveis básicos  vieram como parte do apartamento antigo de seu avô, a geladeira, o fogão, o sofá restaurado, os quartos com camas e guarda-roupa embutidos, os demais ele comprara com o dinheiro de herança enquanto a parte da decoração ficara por Marlene quando se mudara para lá, até porque aquele “meu Deus que apartamento mais sem graça” já lhe advertira que teria que aguentar as decorações rosas e coraçõeszinhos por toda parte, mas ao contrário do que Sirius imaginara, Marlene tinha um excelente bom gosto e sabia como manter um apartamento bonito e agradável com pouquíssimo dinheiro, bonito... bom, com exceção da cortina azul Royal, é claro.

Quando Marlene saiu do banho quente e revigorante de trinta minutos, sentiu um cheiro invadir suas entranhas e fazer o monstro da fome que estava dentro dela urrar desesperado. Ela conhecia bem aquele cheiro, o cheiro maravilhoso da especialidade de Sirius: Macarrão ao queijo.

— Meu Deus, você ainda me mata com esse cheiro. – Ele estava colocando os pratos sobre a mesa quando ela adentrou a sala, que era metade sala de estar com o sofá, raque e mesa de centro, e a outra metade sala de jantar com a mesa próxima ao balcão que dividia a sala da cozinha. Sirius usava uma calça de moletom baixa, deixando à mostra as entradas da cintura e uma camisa regata branca, deixando os bíceps bem definidos aparentes.

Se Marlene fosse deixar a amizade de lado e olhar para Sirius como olhava para todos os possíveis candidatos a namorado, ela certamente perderia o ar e se apaixonaria em menos de trinta segundos.

Por que? Você perguntaria. Bom, começaria definindo Sirius fisicamente como algo próximo a um Deus Grego, ou Deus do Trovão, ou qualquer ser lindo e gostoso que você queira intitular, sim, porque ele tinha um corpo de fazer qualquer mulher que se preze ficar com água na boca.

Tinha um peitoral bem definido, malhado, apesar de não ser o tipo de homem que se mata em academias, mas de vez em quando ia ao parque se exercitar, fazer barras, flexões, correr exibindo seu corpo maravilhoso e fazer mulheres morrerem pelo caminho. A barriga era aquele tipo de tanquinho que toda mulher sonha em lavar roupa, bem definida, as coxas eram grossas como de jogadores de futebol, sem contar as pintinhas sexys que ele tinha espalhadas pelo corpo e pelo peitoral, sem pelos.

Tinha os cabelos negros bagunçados de maneira charmosa, um sorriso de derreter qualquer criatura que olhasse para ele, e quando ria então, você simplesmente poderia virar uma manteiga sobre uma frigideira quente e derreter em milésimos. Os olhos castanhos eram profundos, encantadores, e quando te olhavam te davam aquela sensação de verdade e segurança, o tipo de homem que jamais mentiria para você ou te enganaria, e conhecendo Sirius como Marlene conhecia, ela sabia que isso era verdade, ele era um dos poucos homens corretos e direitos no mundo, odiava sair com várias garotas apenas por sair, para ele deveria existir uma conexão entre as duas pessoas para se envolver, era estudioso, gostava de ser o mais honesto possível com qualquer pessoa,  principalmente com as mulheres que se envolvia, e acima de tudo, era fiel.

Era até difícil de acreditar que um cara como ele existia, quer dizer, lindo, sincero, fiel, heterossexual e não era uma lenda ou um sonho. Seria isso mesmo possível?

Marlene sabia que sim, mas o destino traiçoeiro fizera esse homem digno dos sonhos de toda garota, ser apenas seu melhor amigo, talvez mais do que isso, quase como irmãos.

Quase.

— É tão bom ter um homem que cozinha em casa, quer dizer, eu posso chegar cansada...

— Você não faz nada o dia inteiro, vagabunda. – Disse ele risonho, interrompendo-a.

— Tomar um banho maravilhoso e tchanãm o jantar já está pronto, quer coisa melhor do que isso? – Ele riu diante do comentário dela, enquanto se serviam e sentavam-se à mesa, a TV na sala de estar ligada em volume baixo.

— Não vá se acostumando com isso, engraçadinha, não sou seu cozinheiro, não.

— Não? – Marlene fez um biquinho manhoso e Sirius gargalhou jogando em cima da garota um fio de macarrão repleto de molho e queijo, acertando a bochecha dela que o olhou com falsa indignação.

— HEY! – Disse antes de passar o dedo pelo macarrão e o colocar na boca, degustando-o saborosamente. - Humm isso tá gostoso pra caralho.

Sirius riu, negando levemente com a cabeça como quem diz “é cada louco”.

— Eai, como está o estágio? Consegue arrumar um biquinho pra mim lá? – Ela os servira de Coca-cola e agora saboreava o macarrão calmamente enquanto o observava, distraída.

— Excelente. Ontem tivemos uma reunião e parece que o chefe vai me dar outro aumento, na verdade, provavelmente eu passe de estagiário para efetivo.

— Jura Six?! Meu Deus, isso merece... sabe o que?? – Ela ergueu as sobrancelhas abrindo um sorriso enorme, com os lábios vermelhos de molho, o que o fez rir antes de responder.

— Nada de comemoração ainda, é melhor esperar o chefe realmente cumprir com a palavra, certo?— Eu seeeei. Mas ainda assim acho que podíamos fazer uma pré-comemoração amanhã à noite. Que tal?  - Ele a observou por segundos, com aquela cara de desconfiado e Marlene gargalhou, erguendo as mãos como quem se rende. – Eu não fiz nada de errado, eu juro.

— Então pretende fazer. Eu te conheço, Marlene Mckinnon. – A morena gargalhou e ergueu as sobrancelhas em desafio.

— Desde quando? – Sirius gargalhou alto.

— Desde que você me atropelou debaixo de chuva só pra me chamar a atenção.

— É claro, quando eu te vi com aqueles óculos de nerd, cheio de espinhas na cara...

— Hey, eu não tinha espinhas. – Advertiu ele, mas ela o ignorou completamente.

— Não consegui resistir, tudo que eu conseguia pensar era “meu deus, eu preciso esbarrar nele e ficar encharcada debaixo da chuva, quem sabe ele não vira o Peter Parker de cabeça pra baixo e me beija?”

Sirius gargalhou e Marlene o seguiu, jogando vários fios de espaguete na direção do garoto, que ágil conseguiu se desviar da mira nada boa dela.

— Okay, uma pré comemoração só porque estou realmente precisando sair e beber um pouco... – Começou ele, o que a fez emendar empolgada.

— E dançar, e beijar. Você está precisando de uma mulher mesmo Sirius, anda muito mal-humorado ultimamente. Quanto tempo faz que você não dá uns pegas? Um mês?

Ele gargalhou, Deus, como ela era exagerada. Não é da sua conta, srta. Enxerida. Mas estou mesmo precisando me distrair um pouco, e você sabe que eu não gosto de ficar com essas garotas de baladas, meu lance é mais do que casual, sempre tento ser.

— Okay então, se você não casar até os 30, eu caso com você, tá? – Ela piscou e ele riu, negando levemente com a cabeça.

— Eu me caso antes dos trinta, você que provavelmente vai ficar encalhada e morando na mesma casa comigo, me infernizando o resto da minha vida.

Marlene gargalhou.

— Com certeza absoluta, te infernizarei até você morrer.

— O que, com você me infernizando, não vai demorar muito.

— Hahaha. – Ela fez uma careta e ele riu, terminando seu jantar e levando o prato vazio até a pia.

— Eu cozinhei, agora você limpa e lava a louça. –Marlene revirou os olhos fazendo uma careta e Sirius riu, deitando no sofá e aumentando o volume do jornal, ainda sem prestar muita atenção ao noticiário.

Marlene recolheu as louças da mesa e lavou-as rapidamente enquanto Sirius, bem espaçoso no sofá, assistia sua série americana favorita. Marlene já havia visto aquele episódio umas trinta vezes, já que Sirius insistia em assistir caso estivesse passando na TV, mesmo que já o tivesse assistido mil vezes antes, por isso quando ela terminou de ajeitar a cozinha, seguiu direto para seu quarto.

Do quarto ela podia ouvir a risada de Sirius, enquanto ela se encaminhava até a janela onde podia ver, pelo vidro embaçado pelas gotículas da chuva que voltara a cair, que a rua já estava vazia e silenciosa; Os cãezinhos de rua já haviam encontrado um lugar protegido da chuva para dormirem, as pessoas já estavam em suas casas e apartamentos, deitadas em seus sofás, assistindo novelas, jantando, descansando, alguns talvez lendo, ou fazendo trabalhos para a faculdade, como ela mesma deveria estar fazendo, mas aquela noite de quinta-feira chuvosa, preguiçosa, lhe dizia o contrário, lhe dizia para colocar aquele pijaminha de domingo e se esparramar em sua grande, larga e confortável cama, debaixo do seu macio e confortável edredom e ler um bom livro antes de dormir.

Por isso, seguindo seus instintos que provavelmente estavam muitíssimos certos, Marlene colocou sua calça de moletom de dormir, aquela também conhecida por ser usada em domingos preguiçosos, daqueles que não se arruma nem o cabelo e passa-se o dia inteiro com a mesma roupa, colocou sua camisa de dormir, e apressou-se a deitar debaixo de seu maravilhoso edredom, saboreando aquele momento enquanto se espreguiçava na cama.

Fechou os olhos e ficou deitada, pensativa, enquanto a voz e a risada de Sirius continuavam sendo o único som presente misturado ao som da chuva que aumentara drasticamente. As vezes ela pensava nos dois, em como suas vidas se encontraram e como aquela amizade se intensificara de tal modo. Muitas pessoas diziam que não existia amizade entre homem e mulher, e desconfiavam da tal amizade que os dois mencionavam, desconfiavam de tanta intimidade sem que jamais houvesse qualquer tipo de segundas ou terceiras intenções, na verdade nunca houvera nem a primeira intenção, ou talvez, tivesse existido em algum momento onde tanto ela quanto ele sequer perceberam e deixaram passar. O fato era que, o que os dois tinham, ninguém podia acreditar que era possível, mas eles tinham, e aquela conexão, aquela amizade, aquele precisar sem tornar uma prisão, era o que os mantinham juntos, unidos, perto um do outro, ela precisava dele para cuidar dela, e sabia que sem ela por perto, ele ficaria mais perdido do que um cego num tiroteio.

Diante de tal pensamento, Marlene sorriu carinhosamente, e se espreguiçou, esticando a mão para pegar o livro em sua mesa de cabeceira, para em seguida ajeitar o travesseiro em suas costas e se deixar envolver pelo romance maravilhoso que vinha lendo naqueles dias. A chuva continuava a cair do lado de fora, se intensificando cada vez mais, distraída em seu livro, Marlene só percebeu que a chuva se transformara em tempestade quando um clarão invadiu seu quarto, pela janela, e o estrondo pareceu estremecer todo o prédio. A escuridão tomou conta de seu quarto e Marlene sentiu-se prender a respiração, tinha um certo pavor de tempestades, principalmente morando em apartamento, ela tinha a impressão de que o vento ia levar o prédio junto, mesmo que aquilo fosse a coisa mais idiota de se temer.

Colocando o livro de lado, Marlene apalpou a cama a procura de seu celular enquanto a voz de Sirius invadia todo o silencio do apartamento.

— Lene?

— Oi. Tô aqui. – Ela respondeu em voz alta o suficiente para ele ouvir, enquanto via uma luz fraca vinda do lado de fora do quarto. Sua mão se fechou envolta do celular e ela desbloqueou a tela, ligando a lanterna e notando então que Sirius encontrava-se parado a porta, também com o celular nas mãos.

— Acho que a TV queimou. – Ele fez uma careta e Marlene riu, suspirando, derrotada. As tempestades além de darem medo faziam aquilo, levavam com elas todos os eletrônicos e eletrodomésticos da casa.

— Agora acho que você perde a sua “insônia”, e consegue dormir mais cedo. – Disse ela, fazendo aspas com as mãos ao dizer a palavra insônia. Sirius insistia que sofria o mal da insônia e por isso não conseguia dormir, então costumava ficar até tarde acordado, assistindo séries na televisão ou em seu notebook fazendo sabe-se lá Deus o que, vendo filmes pornôs, provavelmente. Marlene sentiu vontade de rir diante de tal pensamento, mas apenas sacudiu de leve a cabeça enquanto via Sirius fazendo uma careta ao seu comentário.

— Acho que vou tentar dormir mesmo, amanhã é sexta-feira, e as sextas sempre são uma loucura no trabalho. – Marlene sorriu fracamente enquanto ele permanecia na porta olhando-a, como se temesse sair dali e deixa-la sozinha enquanto a tempestade caia furiosamente sobre a cidade.

— Tudo bem, acho que também vou dormir, amanhã tenho que acordar cedo pra...

— Arrumar a casa? – Ele a interrompeu e ela fez uma careta, mostrando a língua em seguida, o que arrancou dele uma risada, inesperada.

— Idiota. – Ele gargalhou mais uma vez. – Tenho um trabalho da faculdade pra fazer e um seminário para preparar. E para o seu governo, nas sextas-feiras eu não arrumo casa.

— Então significa que se eu arrumar uma gata pra trazer aqui em casa fim de semana, vou trazer ela nessa sujeira toda?

Sirius gargalhou quando um travesseiro voou em sua direção, mas caindo no meio do caminho antes mesmo de chegar até ele.

— O único lugar sujo e bagunçado desse apartamento é seu quarto, se é que devemos chamar aquilo de quarto né.

Ele riu, enquanto um raio clareava todo o quarto, tornando desnecessário as luzes das lanternas dos celulares por alguns segundos. Ele notou que ela encolheu sobre a cama diante do clarão, mas nada disse, apenas mostrou o dedo do meio para ela, o que a fez esquecer-se do clarão e mais uma vez chama-lo de idiota, enquanto ele ria.

— Boa noite, sua chata. – Ele riu enquanto ouvia a voz meio brava e meio risonha dela.

— Boa noite, seu chato. – Ele iluminou o caminho até seu quarto, que na verdade não era longe do dela, ao lado do quarto dela ficava o banheiro, e do outro lado do banheiro o quarto de Sirius, apesar de cada um ter seu próprio quarto, infelizmente aquele apartamento não os presenteara com uma suíte. Mas até mesmo nisso os dois conseguiam se entender, Sirius sempre se lembrando, ou tentando, de levantar a tampa do vaso e depois abaixá-la, e Marlene sempre se lembrando de não esquecer a calcinha no banheiro.

Pela luz do celular Sirius notou, quando adentrou seu quarto, que realmente estava uma bagunça, não que ele fosse o rei da desorganização, mas nos últimos dias, Sirius realmente ficara com um pouco de preguiça e deixara algumas roupas, livros e CD’s fora do lugar, por isso quando ele olhou para seu quarto, pensou que realmente precisava dar uma ajeitada ali amanhã, antes do trabalho, apenas para se precaver caso rolasse de levar alguma garota para o apartamento/seu quarto no fim de semana.

Retirou as roupas que estavam desde a manhã jogadas sobre sua cama, jogou-as sobre o sofá e então ajeitou o edredom, tirou a camisa e se deitou, deixando o celular sobre o peitoral, iluminando o teto do quarto, e assim permaneceu por longos minutos, pensativo.

Um novo clarão invadiu o quarto enquanto um novo estrondo parecia chacoalhar todo o prédio, fazendo Marlene se encolher na cama, onde agora ela estava deitada encarando as paredes parte escurecidas, parte clareadas pela luz do celular que permanecia acesso enquanto a bateria do aparelho lhe permitisse. Estremeceu e se encolheu um pouco mais, agora em posição fetal, quando uma nova trovoada ribombou do lado de fora.

Droga, pensou ela enquanto um novo clarão enchia o quarto, como ela odiava aquelas tempestades, principalmente quando resolviam mostrar o quão poderosas poderiam ser, deixando todo mundo no breu da noite. Engraçado como a energia só acabava a noite, pensou ela, desanimada. Pelo jeito não conseguiria dormir enquanto aquela tempestade não acabasse.

 



Um novo clarão invadiu o quarto iluminando toda a bagunça que Sirius deixara durante a semana espalhada por todos os cantos, pensando bem, Marlene tinha razão, o quarto estava mais bagunçado do que ele supunha estar, como ele conseguira deixar tudo tão desorganizado assim em uma semana? O estrondo de um trovão ribombou do lado de fora tão fortemente que dava a impressão de chacoalhar o apartamento, Sirius imaginou Marlene encolhida na cama, tremendo de medo debaixo do edredom, e riu fracamente, nunca vira alguém ter tanto medo de uma tempestade como ela, bastava o céu clarear um pouquinho com alguns raios e um trovão cantarolar por um segundo, que ela já corria para a cama e ficava encolhida lá até que acabasse, e aí se ela não estivesse em casa, se estivesse na rua quase entrava em pânico. Sirius se lembrava claramente de uma vez em que estavam no supermercado e uma tempestade começou o seu espetáculo, Marlene sentira tanto medo que sentou encolhida ao fundo do grande mercado, abraçando os joelhos e teimando que só sairia dali quando não ouvisse nem uma trovoada sequer, com isso eles permaneceram no supermercado por quase três horas.

Remexeu-se na cama, vendo a luz do celular tremeluzir no teto, apalpou a cama embaixo de suas costas encontrando uma meia suja e riu, jogando-a longe no quarto, definitivamente, ele precisaria arrumar aquilo tudo antes do fim de semana.

O som da chuva se tornava cada vez mais forte, o vento uivava dando a impressão de que levava tudo do lado de fora do prédio, enquanto a janela tremia fracamente a cada trovoada, fazendo Marlene estremecer junto embaixo de seu edredom, não queria ter que admitir a Sirius que uma chuvinha boba daquela a fazia tremer de medo, mas era certeza que mais cinco minutos naquele ritmo, a tempestade venceria, com certeza, e a levaria correndo para a cama de Sirius, com ou sem bagunça. Deitada de lado na cama, encolhida de tal maneira que quase podia abraçar os próprios joelhos, Marlene fechou os olhos e tentou relaxar, tentou imaginar que era apenas uma noite como qualquer outra, calma, que apenas uma chuvinha gostosa de se ouvir caia do lado de fora e que com aquele som ela dormiria rapidamente, em questão de segundos. Respirou profundamente, se apegando a sua imaginação e por segundos ela quase acreditou que tudo aquilo fosse verdade. Quase.

Abriu os olhos quando um trovão ribombou alto e viu pela luz do celular, que clareava parcialmente o quarto, uma sombra se destacando mais ao longe. Revirou-se na cama de modo que pudesse enxergar a porta e viu-o através da luz de seu celular.

— Com medo da chuva? – A voz dele soou baixa e carinhosa e Marlene sorriu fracamente, mesmo que ele não pudesse ver.

— Quase correndo pra sua cama, mesmo que tenha que dormir no meio da bagunça. – A risada de Sirius ecoou pelo quarto, fazendo Marlene ver aquele sorriso mesmo que mal pudesse vê-lo no escuro.

Sirius caminhou em direção a cama de Marlene e sentou-se na beirada da cama, enquanto via a morena mais pálida que o normal pela luz branca do celular; Deixou os chinelos na lateral da cama e se enroscou junto a ela debaixo do edredom, enquanto sentia o cheiro de baunilha e rosas impregna-lo. O corpo dela estava quente quando ela se enroscou a ele, envolvendo sua cintura e apoiando a cabeça sobre seu peitoral nu, permitindo que ele sentisse o perfume de seus cabelos misturado ao seu doce cheiro de rosas, o que o fez suspirar e fechar os olhos por segundos.

A cama dela era mais macia que a dele, e tinha um cheiro maravilhoso de amaciante como se ela lavasse os lençóis e o edredom todos os dias, sem contar que o quarto dela exalava limpeza e organização, por isso, dormir ali era sempre bem melhor do que em seu quarto. Com os olhos fechados, acariciou os cabelos dela e sorriu.

— Você tem razão, meu quarto está uma bagunça. – Ele sentiu o corpo dela estremecer junto ao seu enquanto ela ria e sorriu mais largamente.

— Desse jeito nenhuma menina vai querer dormir com você, lá. – Ele riu e negou com a cabeça levemente.

— Claro que vai, pelo menos uma eu sei que vai. – Ela ergueu o rosto devagar, de modo que pudesse enxergar o rosto dele e o olhou desconfiada.

— Ah é? E quem é a louca? – Sirius riu diante do olhar desconfiado e respondeu, tranquilamente, mesmo sabendo que sua resposta faria ou ela rir ou fazer uma careta que o faria rir.

— Você! Basta cair uma tempestade e você vai correndo pra lá, mesmo que eu deixe o quarto um mês sem arrumar. – Ele riu e ela fez uma careta, causando mais risos nele.

— Engraçadinho. – Ela voltou a deitar a cabeça sobre o peitoral de Sirius e suspirou, sentindo-se muito mais segura do que estava há alguns segundos. Era incrível como apenas sua presença já lhe fazia se sentir melhor, mais segura, mais calma, como se nada no mundo pudesse atingi-la ou lhe acontecer, ela praticamente se esquecera que do lado de fora de seu apartamento uma tempestade castigava a cidade, com trovoadas ribombando pelo céu, o vento castigando as arvores e estremecendo sua janela.

Abraçou mais o corpo de Sirius, fazendo com o que seu próprio corpo colasse mais ao dele, sentindo todo o calor que emanava da pele dele, sempre tão quente, sempre tão cheiroso, sempre tão macio.

Com o rosto encostado em seu peitoral, ela suspirou e fechou os olhos, sentindo o perfume dele impregnando-a e permitindo que se esquecesse de tudo por apenas alguns segundos, talvez naqueles breves segundos pudesse imaginar que ali, em sua cama, não estava seu melhor amigo, mas sim o amor de sua vida.

Sentiu Sirius afagar seus cabelos e então beijar-lhe carinhosamente a testa, e assim, mesmo com toda aquela tempestade avassaladora lá fora, com os raios iluminando seu quarto de cinco em cinco segundos, a trovoada ecoando tão alto que chegava a chacoalhar o prédio, Marlene suspirou e adormeceu, como se estivesse dormindo na noite mais calma de verão.


Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.