Saudade



Um silvo ocultou o silêncio da noite.As árvores balançavam freneticamente e ainda podia-se ouvir os murmúrios dos moradores das casas bruxas vizinhas.Poucas luzes estavam acesas,já passava da meia-noite.A rua era vazia.Olhei para os lados e parei.Parei quando senti a dor na consciência,a vontade de voltar mais que incontrolável.


Havia deixado Hermione sozinha,me chamando,gritando por mim.Deixado meu melhor amigo por um acesso de raiva ridículo,sem qualquer explicação.Sou um covarde,definitivamente.Eu não posso deixá-los.Mas já os deixei.As copas das árvores se agitavam,e pensei ter ouvido algum barulho fora do comum.Levei as mãos aos cabelos,agarrando-os furiosamente quando me dei conta do que fiz.Senti minha bochecha quente,molhada,mas não pela chuva.Continuei na mesma posição.Seu completo burro,Ronald!Deixou Hermione lá,a última pessoa do mundo na qual gostaria de tê-lo feito.Ela deve estar chorando! Ou não.Eu não mereço que derramem uma lágrima por mim.E Harry,então?Meu melhor amigo.Simplesmente saí e desisti de tudo.Pensava freneticamente até tomar uma decisão.Não vou ficar aqui,esperando o impossível.Vou consertar meu erro.Tentar,antes que seja tarde demais.


Dei alguns passos antes de aparatar,mas uma mão forte apertou meu braço.Ouvi uma voz grave dizer:


-Não vai a lugar algum,garoto.


Em questão de segundos,tirei minha varinha dos bolso,mas antes de poder fazer qualquer coisa,um dos homens arrancou-a da minha mão,enquanto outro me prendia pelo braço.Eram cinco no total.Coloquei minha cabeça para funcionar e entendi,eram os sequestradores que ouvi no rádio certo dia,na barraca.Esse pensamento fez meu estômago revirar.


-Um menininho perdido,vejamos. – disse o mais magro.Ele me analisou dos pés a cabeça antes de perguntar; - Qual é seu nome?


-Lalau Shunpike. – respondi áspero.Foi a primeira coisa que me veio em mente,o homem que me segurava apertou mais meu pescoço.


-Condutor do noitibus andante? – perguntou um homem rechonchudo.


-Não,Gary,não vê?Ele está mentindo. – acusou o que me segurava.


-Não estou n.. – tentei me justificar,mas um dos sequestradores socou minha barriga com força.A dor física nem se comparou ao que eu sentia por dentro.Um completo trasgo.


-Ele tem cara de ser o Lalau..Mas ouvi comentários de que ele havia sido levado para Azka... – disse Gary.


-Está claro que ele está mentindo.Vamos acabar logo com isso.Será um prato cheio para o ministério. – interpôs o magrelo sorrindo sarcasticamente. – O quê acha,William?


-Concordo. – murmurou me fitando.Seu olhos negros transbordavam satisfação.


-JÁ DISSE PARA NÃO ME INTERROMPEREM. – urrou Gary. – EU decido se devemos levá-lo ou não.


-Está sendo bonzinho demais,Gary. – sibilou o outro. – Estudava em Hogwarts?Estuda ainda?


-Estudava – disse com voz cansada,com o corpo inteiro doendo.


-Qual casa você era?


-Sonserina. – respondi sem pensar duas vezes.


William bufou e me olhou visivelmente irritado.Me movi nos braços do grandalhão mas desisti quando um deles apontou a varinha para mim.


-Vamos acabar logo com isso.- repetiu o magrelo - Acabamos mais cedo e levamos esse garotinho para o Ministério.Eles vão adorá-lo.


-Já disse que eu decido as coisas aqui,Ashton. – sussurrou Gary se aproximando de mim. – Não me lembro muito bem da aparência de Lalau,mas vejamos,os cabelos ruivos,olhos azuis..


-Você é cego?Nem de longe ele se pareceria com Lalau.Ele tinha cabelos castanhos...– comentou Ashton.


-Vocês dois são uns tapados.Lalau era loiro.Eu o conheci.– resmungou o que segurava minha varinha.


-Ninguém aqui pediu sua opinião,Collins.- cuspiu Ashton.


-AH CALA ESSA MALDITA BOCA!. – gritou Collins erguendo a varinha para Ashton.


-Não ouse – disse ele,embora não recuasse.


-Parem os dois! – falou Gary. – Parecem crianças.Viemos fazer o trabalho,não?Então fiquem quietos e me ajudem. – suspirou pesaroso. - Ainda acho que o Lalau está em Azkaban.


-Mas como? – disse Ashton.


-Então o garoto está mentindo. – acusou William.


A conversa me pareceu mais e mais distante.Não iria ficar parado esperando me arrastarem para o ministério.Decidi agir,dane-se o resultado,precisava sair dali.Percebi que o grandalhão afrouxara o aperto em mim e lhe acertei um soco na barriga.Agi rápido e arranquei sua varinha.Estuporei o que segurava a minha e consegui pegá-la.Os outros me olharam aparvalhados,mas antes de poderem fazer algo;desaparatei,pensando no único local onde gostaria de estar.


{...}


Quando cheguei,estava perto de um barranco,mas como percebi,ainda longe da barraca onde estava.Então,decidi por correr com todas as forças que tinha.No meio do trajeto,senti uma dor enorme vindo da minha mão.Mal percebi que havia estrunchado,Faltavam-me duas unhas.Droga!Balancei a mão e continuei correndo,ignorando a dor.Ao chegar,o Sol já pulsava no céu e o clima parecia mais frio.Minhas roupas ainda estavam um pouco úmidas.


Me aproximei.Não havia ninguém.


Vazio.Sem cor.


Como meu coração.


Sentei-me no meio do chão de grama rala,coberto por folhas marrons.Apoiei a cabeça nos joelhos e comecei a pensar o quanto eu devo ter feito Hermione sofrer.Havia a deixado.Chamando por mim,desesperada.Mas agora que percebi que maior que a dor na consciência era a dor de não tê-la ali comigo.Segurando minha mão.Cuidando do meu braço,preocupada comigo.Brigando comigo.Me abraçando.Mas eu sou um covarde afinal;deixei-a lá.A garota que bagunçava os meus sentimentos desde que a conheci estava longe de mim agora.Minha garota. E então,descobri,de uma vez por todas,com meu coração partido,cheio de mágoa e lágrimas teimosas no canto dos olhos,que aquela garota do Expresso de Hogwarts,que sempre implicava comigo e com Harry,que sempre esteve comigo quando precisei,que me fez entrar num ninho de acromântulas,por ela.Que me fez descobrir o que era sentir ciúmes,no quarto ano.Me fez aprender com os erros e melhorar minhas atitudes,me fez rir e até chorar.Essa garota.


Eu descobri que estou perdidamente apaixonado por ela.


{...}


POV.Mione


Os primeiros raios de Sol adentravam a cabana.Sequei pela quinquagésima vez nas últimas horas,inutilmente,as lágrimas com o dorso da mão.Havia pensado muito ao decorrer da noite,e decidi que,se ele havia nos abandonado,foi por uma razão.E não choraria novamente.Preciso ser forte agora.Ele não vai mais voltar.Preciso parar de pensar que por algum momento ele realmente tenha tido consideração pelo que estamos fazendo,porque ele não tem.Afinal,a escolha dele foi me deixar,não iria mais derramar uma lágrima por ele.


Me levantei e me espreguicei demoradamente antes de sair da barraca para respirar um ar puro.O dia estava nublado e um pouco frio,o lago se remexia por causa dos peixes agitados que já haviam acordado.Arranquei algumas frutas silvestres dum arbusto e entrei.Segui até a cozinha e amassei-as,sorrindo pela primeira vez em tempos com a lembrança que um dia eu e Gina,nas férias,havíamos assaltado a geladeira da SrªWeasley no meio da noite para pegar um pouco de geleia e conversar descontraídas.Bons tempos aqueles.


Peguei algumas torradas velhas e cobri-as com as frutas amassadas,percebendo que Harry havia acordado.Não tive coragem e nem vontade de lhe pronunciar um Bom-dia,apenas virei a cara com a consciência de que estava com os olhos inchados e com olheira enormes,por não ter dormido.Comemos o café em silêncio total.


O tempo passou e logo já estávamos arrumando as coisas para mudar de estadia.Como se fosse adiantar algo,demorei para organizar meus objetos pessoais no máximo que pude.Saímos e,enquanto desfazia os feitiços de proteção,olhei furtivamente para as árvores,esperando o aparecimento de alguma cabeleira ruiva ou qualquer outro sinal de que Ron pudesse estar ali.Mas nada aconteceu.Hesitante,segurei na mão de Harry.Aparatamos.


Inexplicavelmente,comecei a sentir uma sensação inesperada de perda,de dor.


Uma sensação ruim.Horrível.As lágrimas começaram a formigar no canto do olho e não consegui resistir ao impulso de chorar.Soltei sua mão e andei até uma pedra alta,me apoiei nela e solucei repetidas vezes,pouco me importando com a presença de Harry,pouco me importando com qualquer coisa.A dor da saudade me consumiu de um modo absurdo,como facadas em meu peito,e eu soube,que seria difícil tentar lutar contra as lágrimas durante esse tempo sem ele.Tempo que talvez dure muito,ou até pouco.Esse tempo sem Ronald Weasley.


{...}


POV Ron


Acordei cedo naquele dia.Manhã de Natal.Decidi ir até um bar bruxo próximo ao chalé das conchas,o que fazia costumeiramente para passar o tempo,depois não ter nenhuma chance de procurá-los.Tentava pelo menos ouvi-los pelo rádio.Foi isso que fiz.


-Me vê uma água-de-gilly,por favor. – pedi rouco para o balconista mal-humorado.


O dia estava frio,e cada vez mais eu sentia saudade e falta dos meus dois melhores amigos.Arrependimento mortal por tê-los deixado.Mas eu não podia fazer nada por causa dos sequestradores e tinha que ficar a maior parte do tempo no Chalé-das-conchas.Sentia principalmente saudade da Hermione.Chegava a ser uma dor física.Ela preenchia toda a minha mente o tempo todo,aparecia nos meus sonhos..Ultimamente pesadelos,que envolviam ela e Harry juntos.Ela se machucando.Eu não podendo fazer nada.Mal notei quando um copo foi colocado na minha frente.Concentrei-me em ouvir o rádio.Mais bruxos desaparecidos,notícias de recompensas pela captura de Harry,o Indesejável número Um,como chamavam,e de qualquer outro nascido trouxa.


A imagem de Hermione se formou e minha mente.Sozinha.Chorando.Pedindo por mim.Tentei desfazê-la,sem sucesso.A mesma que perfurava meus devaneios nos últimos meses.E abaixei a cabeça,me sentindo derrotado.Lágrimas queimando nas bochechas involuntariamente.Procurei um pensamento bom sobre ela.Pensei em nossa dança,no casamento.Simplesmente o melhor dia da minha vida.Pensei nas minhas noites em claro no dormitório masculino de Hogwarts.Pensei em tudo o que passamos juntos,todas as brigas,todos os toques,tudo.E em meio as lágrimas silenciosas,surgiu um sorriso.


-Ron.


Uma voz doce sussurrou de algum lugar.Reconheci que só Hermione tinha uma zo assim,angelical.Virei a cabeça mas não vi ninguém a não ser homens emburrados tomando uísque-de-fogo.Poderia até ter perdido as esperanças.Mas não.Jurei ter ouvido a voz dela,da onde quer que fosse.Me levantei e ouvi novamente,o belo sussurro:


-Ron..


Agora me toquei que vinha do meu bolso direito da calça.Apalpei-o e tirei o desiluminador.Não havia nada de diferente nele,mas,jurando ter ouvido a voz de Hermione,resolvi clicá-lo.E,para meu espanto,uma bola luminosa,de uma cor azul vibrante,apareceu na minha frente,e foi em direção à janela,para fora do bar.Peguei a mochila,que sempre levava comigo,e saí em direção ao jardim.


A Bola brilhante me esperava. Agitou-se quando eu me aproximei,e eu a segui um pouco mais.Parei de chofre quando ela flutuou ao meu encontro e foi vindo em direção ao meu peito,direto no meu coração.Senti uma sensação maravilhosa de formigamento e calor,inexplicáveis.E então,soube para onde deveria ir.Simplesmente,guiado por essa bolinha,desaparatei.


{...}


Pela manhã,já estava saindo do local onde desaparatei na noite passada,tentei chamar por Harry e Hermione,tinha a sensação de que eles estavam ali,mas ninguém me respondeu.Arrumei meu saco de dormir na mochila e contemplei o lindo céu azul escuro,cheio de estrelas,apesar dos pinheiros e o chão estarem cobertos de gelo.


Ter ouvido Hermione ontem me encheu de esperanças.Agora eu iria atrás deles.Iria encontrá-los.Com esse pensamento,cliquei no botão do desiluminador e novamente a Bolinha de luz entrou no meu peito e eu desaparatei.


O local estava completamente escuro,só se viam algumas árvores altas cobertas pela neve,a não ser por uma massa prateada vista à vários metros de distância.Andei rápido até ela antes de se desintegrar no ar e eu reconhecer ser um patrono.Ouvi barulho de água e me aproximei,largando a mochila no chão.Vi um lago congelado entre as árvores,uma luz fraca emanando da superfície e um buraco oval próximo.Cheguei mais e mais perto,e ouvi um grito.Dentro da água,submerso e preso,estava Harry Potter.


Não pensei duas vezes antes de salvá-lo.


 

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