Na Caverna



Capitulo três - Na Caverna


   Naquele ano o local escolhido para o passeio foi uma praia distante em Gales. A paisagem um tanto quanto inóspita não refletia o ânimo das crianças, que era dos melhores: algumas sequer tinham visto o mar, que estava ressacado e quebrando as ondas com muita violência e espuma.


   Pouco antes de desembarcarem da van que os levara, a Sra. Cole puxou Tom para um lado. Ultimamente esse garoto estava causando muitos problemas para Cole, pois muitas crianças queixavam-se dele, assim como as funcionárias do orfanato, que o achavam estranho. Até mesmo ela, que tinha grande afeição por ele, começava a considerar que algo estava errado, o tempo que passava perdido em pensamentos ou trancado no quarto, fazendo sabe-se lá o que.


  Cole chamou Tom para conversarem rapidamente antes de saírem. Relutara em deixar que ele fosse ao passeio, mas não querendo ser injusta, trouxe o moleque. Ele aproximou-se desconfiado.


   – Tom, você está bem, querido?


   – Claro Sra. Cole. Muito bem.


   – Tom, querido, eu gostaria que você não se aventurasse por aí sozinho. Sei que não gosta muito da companhia das pessoas, mas aqui é um lugar perigoso. Essas rochas na praia são muito cortantes e existem...


   – Eu sei, Sra. Cole, não precisa se preocupar.


   Ela observou o menino nervosamente. E decidiu abrir o jogo.


   – Tom, todos estão me pressionando muito. O seu comportamento tem sido repreensível e querem que eu tome uma atitude.


   O garoto continuou parado, contemplando o chão.


   – Por isso, Tom, quero que me prometa que vai se comportar hoje. Não quero arrumar desculpas para... os outros... implicarem com você, sim?


   Tom encarou os olhos da mulher com ferocidade. Quer dizer que ela teria que tomar atitudes, era?


   – Claro, prometo.


   No entanto a governanta viu uma sombra passar pelo rosto do garoto, lembrando-se claramente da sensação que tivera no nascimento de Tom.


   Tom saiu caminhando lentamente da van, pensando. Que todos tinham receio dele, não era nenhuma novidade. Ele nem mesmo se importava com isso, mas se estavam vigilantes e ele se enrolasse por causa de... não, não mesmo, ele não desistiria de seus planos. Se realmente houvesse um lugar isolado por ali, ninguém iria saber...


   Restava recrutar os outros personagens do plano. As vítimas.


   Tom olhou ao redor, avaliando bons candidatos a este posto. Tinha muitos desafetos, mas isso não o impedia de raciocinar friamente. Sabia que deveriam ser facilmente manipuláveis, de forma que ele conseguisse arrastar para a caverna. E é claro, não o denunciasse.


   Repentinamente, um som de discussão chegou aos ouvidos de Tom.


   – Não! Não vou deixar você fazer isso Dênis! É perigoso demais!


   – Mas a gente nunca tem uma chance de fazer coisas legais fora do orfanato! É sempre aquela coisa de fazer tudo igual. Eu estou cansado disso. Nunca vi o mar, sabia Amadinha? Quero viver uma aventura, que eu possa contar pra todo mundo! Quando teremos outra chance dessas?


   – Eu não sei se quero viver uma aventura, sabe? A gente nem pensou ainda o que vai fazer! Você tá é querendo encrenca! E não me chama de Amadinha que sou mais velha que você, Dênis Bishop!


   Tom sorriu, era perfeito. Dênis Bishop e Amada Benson tinham cinco e seis anos respectivamente e apesar da briga, eram melhores amigos. Também nasceram no orfanato, como Tom, e por mais que nada tivesse contra os garotos (e a recíproca era verdadeira), se enquadravam no perfil buscado por Tom. Mais fracos, mais novos e acreditavam piamente em qualquer conhecido, mesmo que com o histórico de Riddle. Ainda por cima querendo uma aventura. Perfeito: teriam a aventura de suas vidas.


   Ele foi se aproximando dos amigos, que pararam de brigar para observar.


   – Quer dizer então que vocês querem uma aventura, é?


   Silêncio.


   – A aventura da vida de vocês? Posso ajudar, sabiam?


   Antes que Amada pudesse argumentar, o garoto perguntou a Tom, com a ingenuidade típica das crianças pequenas:


   – Você pode dar uma aventura pra gente?


   – Mas é claro! Quero me aventurar por aí também. Sem ninguém para tomar conta de nós. - Tom disse amigavelmente, com um sorrisinho meio sinistro.


   – Não estou gostando disso, falou Amada, a mais velha. O que você quer da gente?


   – Nada, garota. Vamos nos divertir pela praia... Tom parou. A menina não parecia convencida, isso seria um problema. Procurando por uma saída, ele sentiu aquela energia já conhecida dentro dele. Soube o que devia fazer.


   Colocando uma entonação diferente na voz, ele soltou de dentro de si aquilo que ele aprendera a chamar de magia. Uma sensação intoxicante de poder tomou conta de seu corpo, fluindo do topo de sua cabeça até a boca. Ele adorou a sensação.


   – Ora vamos, Amada. Não custa nada nos acompanhar, não é?


   Nesse momento, Amada ficou muito estranha. Os olhos vidrados, sem reação. Ela concordou mecanicamente.


   – Mãos à obra então.


   Tom procurou pelo lugar ideal. Subitamente, ele ouviu um sussurro baixo, sibilante. Olhando ao redor, notou um animal na grama, enrolado e olhando diretamente para ele. Uma cobra verde, luzidia, venenosa.


   – Tom, Tom, o que ela quer?


   Tom não respondeu, fascinado. O ser de olhos amarelos se ergueu em posição de ataque, observando os três. Repentinamente começou a falar. Provavelmente os outros não acreditariam neste relato, afinal cobras não falam. Porém deveria ser feita uma correção nesse comentário: cobras não falam em nossa língua, mas falam na língua delas. E a cobra falou com Tom que, por mais inacreditável que possa parecer, entendeu.


   “Você tem um dom. Você é diferente, Tom Servolo Riddle. Sei o que procura, Herdeiro do Rei. Sei o que pretende, Senhor das Cobras. Conheço seus temores e seus desejos, e afirmo que tudo é possível para você, Lorde das Trevas. Tu serás grande, o maior de todos. Porém cuidado: esses prazeres são banais perto de sua nobre missão, de purificar o nosso mundo da escória que o infesta. Deve terminar a missão de teu nobre antepassado, expurgar a infestação do sangue mágico. Dou-lhe um conselho e um aviso, assim como a resposta de sua busca. Tenha cuidado em sua trilha, ó descendente do Fundador, pois o perigo aponta no horizonte de sua vida: sua maior fraqueza é o poder de seu inimigo, sua pretensa força também será sua ruína. Sem mudar, a lugar algum chegará: cumpra sua missão, mas não vá além do limite, ou ultrapassará o limiar da humanidade, e seu futuro estará selado. Quanto à resposta, o futuro lar de sua alma repousa abaixo do penhasco, a Fenda Negra. Agora vá, e boa sorte em sua jornada, nobre herdeiro do Grande Salazar Slytherin.”   


   Tom estava paralisado, a boca ligeiramente aberta. Uma cobra acabara de falar com ele. Disse as coisas mais belas, assustadoras e perigosas que jamais escutara em toda a sua vida. Chamou Tom de títulos estranhos, mas imponentes, que o jovem apreciou. E muito. Falou sobre seu futuro como se soubesse dele, e dissera que era aparentado com... tentou se lembrar do nome. Slytherin. Salazar Slytherin. O nome provocou arrepios de excitação em Tom. E, pombas! era uma cobra.


   O animal olhou mais uma vez dentro dos olhos de Tom, olhos negros encararam olhos de fendas, e fez uma reverência. Depois se afastou deslizando.


   As outras duas crianças observaram esse comportamento de olhos arregalados. Depois do que pareceram dois anos, ou dois minutos, as três saíram do transe que se encontravam.


   – Vamos... vamos então. A aventura.


   Com o alerta da cobra ressonando em sua cabeça, Tom seguiu na direção indicada pela cobra. De fato, no lugar descrito havia uma fenda na rocha, que devia conduzir a uma caverna. Era um ponto de difícil acesso, com o mar revolto e as rochas escarpadas.


   – Como vamos chegar lá?


   Tom sorriu.


   – É aqui que a aventura começa.


   Ele agarrou as mãos das crianças e, mais uma vez sentindo a magia correr célere dentro de si, liberou-a para tentar chegar à fenda. Seus pés saíram do chão. Amada começou a gritar de susto, sem entender nada, enquanto Dênis urrava de prazer, adorando a sensação de voar.


   Planaram cerca de cinco minutos, até alcançarem a entrada. Assim que os pés tocaram as rochas, Amada se afastou de Tom apavorada.


   – O que você é, seu demônio? Como fez isso? Quero voltar agora!


   – Agora não tem mais volta.


   – Você vai ver só! Vou...


   – Vai fazer o que, garotinha estúpida e mimada? Vai me denunciar?


   – É, talvez eu vá mesmo!


   – Você não tem coragem! Agora vamos lá, deixa de ser burra e ficar parada sozinha enquanto nós vamos mais pra dentro, explorar – disse Dênis.


   – Vai dar uma de covarde, Amadinha? Perguntou Tom.


   – Está bem, eu vou.


   Embrenharam se na escuridão. Do nada, os dois amigos pararam, dando pela falta de Tom.


   – Será que ele se perdeu?


   – Não sei...


   – ‘Cê tá ouvindo isso? Perguntou Dênis.


   – Isso o q... espera. Estou sim! O que você acha que é?


   Eles pararam, escutando. Sem aviso, uma dor imensa percorreu o corpo de Amada. Sentia sua carne em chamas, seus ossos sendo raspados como se alguém usasse um serrote ou uma lima. Ela berrou de dor, caindo ao chão.


   – Amadinha!!! O que aconteceu com você!!! Tom! TOM!!!


   Tom apareceu com um sorriso maníaco. O som era uma gargalhada inumana que Tom soltava ante a tortura de Amada e o desespero de seu melhor amigo.    


    – Aaaaarrg eu vou matar você seu idiota bobão! - Pode parecer meio ridículo o xingamento, mas na cabeça de uma criança de cinco anos, era fortíssimo.


   – Ai, não, sério mesmo? Não diga! – Tom riu mais ainda com a ameaça, sentindo a magia e o poder serem dirigidos para o garotinho.


   Ele provou da mesma dor que Amada, enquanto Riddle ria histericamente. Passados alguns momentos, ele se escondeu protegido pelas sombras, cessando a magia recorrente. Os dois ficaram caídos no chão, arfando e tremendo. Amadinha choramingava. Então uma onda se elevou de um lago no centro da caverna, atingindo os dois e provocando mais calafrios, temores e imagens estranhas, pois as sombras e a água podem provocar peças aos olhos de alguém apavorado. E o cheiro daquele lugar, meu Deus, o cheiro! Decomposição, mofo, podridão. O cheiro de morte.


   O nível da água foi subindo até submergir os dois, que gritavam em pânico, pedindo por socorro, suplicando a ajuda de alguém, qualquer um, pois não sabiam nadar. Por alguns instantes eles ficaram presos dentro da água, quando o aviso da cobra voltou a sua mente. Pensou que era melhor manter ambos seguros, pois se morressem, a ausência de Tom seria notada. Quem sabe até relacionada com a morte deles. A água baixou.


   Tom ficou observando os dois tentarem se recuperar da dor e do quase afogamento. Havia medo em seus olhos.


   – Por quê? – perguntou debilmente Amada.


   Tom encarou a menina.


   – Para que eu treine. Preciso me tornar mais capaz, mais poderoso. Para isso eu precisava de cobaias, e aqui estão vocês.


   – Mas por que tanta crueldade? Você não tem pena de nós?


   – É! Eu achei que você gostasse da gente! – emendou Dênis.


   – Gostar? Gostar? Por que eu gostaria de vocês? Por que eu teria pena? Eu nunca conheci minha mãe! Ninguém nunca gostou de mim nem se preocupou comigo! Agora é a minha vez!


   Dizendo isso ele forçou, como fizera com um antigo desafeto, ambos a viverem seus piores pesadelos e medos.


   Uma hora depois, Tom achou que bastava. Estava muito cansado, pois o esforço de controlar a magia era gigantesco. Agarrou as mãos das crianças e arrastou ambas para fora da caverna. Flutuou com as duas de volta para a praia. No momento em que eles aterrissaram o orfanato todo pareceu vir ao seu encontro.


   – Céus, Tom! Onde vocês estavam? Ficamos muito preocupados!


   – ...


   – E que caras são essas, Amadinha, Dênis!


   Silêncio dos outros dois também. O que tinham presenciado ainda os calava de medo, fora vivido demais. Somando a isso o medo que agora tinham de Tom, é compreensível que não tivessem coragem de abrir a boca.


   – Que estavam fazendo lá embaixo?


   Tom sussurrou algo.


   – Como? Perguntou a Sra. Cole rispidamente a Tom.


   – Explorando os arredores.


   – Tom! Eu disse claramente que não fizesse isso!


   Tom abaixou os olhos, fingindo vergonha.


   – Foi só curiosidade.


   – Quer saber? Quero a versão desses dois. Amada! Dênis! O que aconteceu?


   O tempo pareceu parar por um instante. Tom encarou ambos, confiando que não diriam nada, mas gostaria de ver o que responderiam.


   Ambos concordaram que não aconteceu nada de mais.

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Bem, o famoso episodio da caverna, uma ano antes de Alvo ir buscar o pequeno Tom. Não sei se viajei um pouco na "profecia" da cobra, mas parecia que estava faltando um algo a mais no capitulo. Ah, e obrigada pelo elogio Neuzimar, veremos se tenho vocação para isso rsrs 

  Bjs, Roxanne Prince 

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Comentários (1)

  • Neuzimar de Faria

    Um excelente capítulo, sem dúvida, num tema bem difícil. Acho que você achou a sua vocação: escritora (além de psicóloga, é claro. rsrs).

    2011-12-31
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