Capítulo Único



A Lenda de Acace D'gris


 


 


 


 


Você sente frio e perdido em desespero


Você constrói a esperança, mas o fracasso é tudo que você conheceu


(Iridescent – Linkin Park)


 


 


 


 


Aquele quadro! Como aquele quadro tinha a capacidade de envolver qualquer um que o olhasse? Cercando-o de uma atmosfera nebulosa, sombria e fria. Quem quer que o tenha pintado deveria ser solitário e infeliz, pensou Harry. Só assim se explicaria a ausência de fauna, e uma flora totalmente sem vida, gélida e cinza.

     - Cinzento demais, não acha? - perguntou Dumbledore percebendo o interesse de Harry.

     - É como se... – hesitou por alguns segundos – dementadores estivessem lá.

     - Acace D'gris!

     - Como, senhor?

     - "O Bosque Cinzento"... – apontou para o quadro atrás de si enquanto mexia em alguns papeis, evitando o contato visual com o garoto à sua frente. – recebeu esse nome devido à lenda de Acace D’gris.

     - Lenda?

     - Interessado em ouvi-la, Harry? – O garoto afirmou com a cabeça. – Sendo assim...

      Dumbledore levantou-se, fixou os olhos em um pequeno objeto de prata que estava à sua mesa e narrou:

 “Não se sabe o tempo, tampouco o espaço, se Acace D’gris era gaulês ou francês. Só o que se conhecia era seu talento como pintor e o seu extremo interesse em misturar cores para que novas surgissem. Ele era esforçado e ousado, independente e original. Tinha preferência em usar cores vivas que revelassem sentimentos felizes. E ganhou fama por isso; contudo, seu prestígio foi caindo com o tempo, e dívidas foram se acumulando.”

     “Ele já tinha retratado tudo e já havia criado e usado todas as cores. Decidido a se renovar, partiu deixando esposa e filho para trás. Levou somente sua esperança e ousadia além de seu material de pintura. Foi em busca da paisagem perfeita e a encontrou. Por lá, ficou anos a fio. Não se sabe precisar quanto tempo se passara até ele conseguir um quadro original, mas conseguiu.”

     “Voltou para sua casa, mas era tarde. Só havia cinzas. Sua casa fora queimada com a esposa e o filho dentro. Enlouquecido e perdido em desespero, Acace caçou todos a quem devia dinheiro e levou-os ao bosque onde ele havia pintado seu último quadro. Aquele bosque que o tinha inspirado tornou-se palco de uma grande tragédia. D’gris, enfurecido, ateou fogo naqueles homens. Matou-os , mas o fogo também condenou aquele bosque. Todas as criaturas que não conseguiram fugir, foram mortas e, seus corpos reduzidos a cinzas pintaram aquele bosque. Tingindo-o de todos os tons de cinza”
 

 Harry estava paralisado. Sentia-se nauseado e completamente infeliz.

     - Muito triste mesmo. – disse o diretor, por fim.

     - Como ele pôde? Ele matou aqueles homens e... e animais.

     - Somente os inocentes – antes que Harry lhe fizesse perguntas, Dumbledore se antecipou – podem ter suas almas libertadas. – O garoto inclinou-se para frente, queria ouvir cada palavra, cada uma delas. – D’gris não pretendia condenar o bosque, tampouco as criaturas, então lançou um feitiço, um encantamento: o primeiro aventureiro que conseguisse sair daquele bosque a salvo libertaria as almas inocentes ali condenadas.

     - Então, ele era...

     - Sim, ele era bruxo. O primeiro bruxo nascido trouxa, Harry.

     - O encantamento... É muito fácil.

     O homem riu e meneou a cabeça.

     -Não é tão simples... Antes é preciso encontrá-lo. – o velho tornou a sorrir misteriosamente. – Dizem que um grupo de bruxos receosos com a maldição lançou feitiços grandiosos para que ele nunca fosse encontrado. Deixaram uma única pista de como encontrar o bosque.

     Harry pensou por um momento e depois perguntou: 

 - Eu não entendo... Que mal há em libertar o bosque e as almas?

     - Nada. Quanto a isso nada, Harry; mas essa parte, como acreditam muitos, seria apenas um atrativo, uma armadilha. D'gris se perdeu naquele bosque, por que não punir aqueles que fizeram o mesmo que ele? Por que não amaldiçoá-los? E, além disso, meu caro, "corta-se o mal pela raiz".

     - Senhor...?

     - Vou lhe explicar, D'gris foi o primeiro trouxa a tornar-se bruxo, não se sabe como esse fenômeno ocorreu, porém, é quase certo que ao exterminá-lo todos aqueles cuja descendência é considerada impura também o serão. Entende o que isto significa, Harry?

     A cabeça do garoto fervia, novas dúvidas surgiam-lhe em mente: o que aconteceria caso Acace fosse derrotado? O que aconteceria? Um arrepio correu dos fios despenteados de seu cabelo até seus pés. Aflito pensou no que poderia acontecer à Hermione. Não, isso não poderia acontecer! Simplesmente não poderia, não deixaria nada de mal acontecer a ela. Balançou a cabeça para espantar os pensamentos ruins, olhou novamente para o quadro e após alguns segundos, perguntou:

     - Posse lhe fazer uma pergunta, professor?

 - Se eu conseguir respondê-lo. – disse cordialmente.

     - O quadro, quem o pintou, professor?

     - Ah! Talvez estejamos diante da obra-prima de D'gris. Acredita-se que este aqui seja o quadro. - Dumbledore observava o quadro de perto. – Se for... Ele mudou totalmente de estratégia. Olhe para as cores!

     - “Tinha preferência em usar cores fortes que revelassem sentimentos tempestuosos...” – repetiu o trecho da lenda contada pelo professor. – Mas ele manteve as misturas, professor, o preto com branco...

     - Exatamente! Muito complexo. Essa é a única definição que cabe a Acace: ambiguidade, assim como, sua arte e natureza extremamente cinzentas.

     - Professor não há como saber se realmente ele o pintou?

     - Nem sabemos se Acace, de fato, existiu.

     - Então...? Eu não entendo. – disse perplexo.

     - As pessoas gostam de inventar histórias, principalmente quando anseiam por explicações para perguntas cujas respostas não existam, Harry. Como surgiram os bruxos nascidos trouxas? – gesticulou com as mãos. – Essa lenda acabou se espalhando por esta questão, e nos dias atuais, ela é usada pelos pais quando seus filhos querem sair de casa em busca de láureas e glória. Minha mãe costumava contá-la para nós. – Respirou fundo e continuou – É um jeito de manter os filhos em casa, em segurança e longe da fama e da ganância.

 Harry buscou os olhos do velho, mas o outro ainda evitava os seus. Vendo um Harry quieto, Dumbledore continuou: 

     - Mas, receio que aconteça justamente o oposto. Sim, Harry! Na tentativa de descobrir a real existência ou não D’gris as pessoas acabam por aventurar-se. E todas que já o fizeram – disse Dumbledore com pesar. – se arrependeram amargamente. Existindo ou não, a lenda causa danos irreparáveis.

     - O senhor acredita nela? Acredita que Acace existiu? Que tudo é verdade?

     - Acredito que é chegada a hora de nos despedirmos, Harry. – disse o homem pondo um ponto final àquele encontro.

     Harry parecia ignorar a última fala do diretor. Olhou novamente para o quadro, arrepiou-se e não conseguia deixar de se sentir triste e intrigado ao vê-lo. Levantou-se da poltrona e, levado por uma espécie de magnetismo, se aproximou do “Bosque Cinzento”. A cada passo dado o garoto se sentia ainda mais infeliz e angustiado. Seu sangue pulsava acelerado. Sentiu medo, mas sua convicção era mais forte. De alguma maneira, algo lhe dizia, ele sentia que tinha que tocar. Esticou o braço direito em direção ao quadro, queria tocá-lo. Teria que tocá-lo. Estava a um dedo de conseguir.

   Dumbledore o deteve, e este o olhou intensamente. Os olhos do velho eram o oposto do quadro. Sentiu a raiva daqueles olhos azuis a lhe queimar a pele, eles emanavam raiva. Era a primeira vez naquele ano em que o homem olhava seu pupilo. Por alguma estranha razão Dumbledore evitava olhar o garoto. Mas por que o fizera, agora? Por quê? Só algo muito sério o faria olhá-lo, Harry pensou.

     - Professor – protestou o garoto – eu... sei. OUCH! - Dumbledore segurou Harry com força, ele tentou protestar, continuava a dizer frases descompassadas e sem sentido, mas o diretor estava irredutível. - A pista... O bosque... O cinzento. “O Bosque Cinzento”, professor!

     A porta se fechou com Harry para fora. Ele ainda sentia o pulsar de seu coração. Ofegava de raiva e ódio de Dumbledore. Por que não quis escutá-lo? Era importante. Ele estava certo. Tinha quase certeza que a "O Bosque Cinzento" não era um simples quadro. Mas se Dumbledore não queria ouvi-lo resolveria sozinho, tudo por Hermione! Não poderia deixar nada de ruim acontecer a ela. “O Bosque Cinzento” em mão erradas acabaria com todos os... Não, isso não! Controlou-se, porque tudo ficaria bem, Hermione ficaria bem. Ele voltaria, estava decidido, voltaria, pegaria o quadro e o manteria a salvo.

Harry retornou, caminhou sorrateiramente. Proferiu a senha, estava dentro. Feliz consigo mesmo, mas por pouco tempo. Logo constatou boquiaberto, que "O Bosque Cinzento" não estava mais lá.

     Caiu de joelhos no piso e lamentou. Esteve perto de provar a existência de Acace... Oh, Hermione! Queria muito estar errado, queria estar errado por ela! Queria que a lenda não existisse, que Acace não existisse, que tudo fosse mentira. Mas só conseguia enganar a si mesmo. Se perdeu antes mesmo de encontrar o bosque, se perdeu na esperança de fazer o bem, de proteger ao próximo, de ser diferente de Acace, como muitos outros tentaram ser, mas fracassaram pelo caminho.




Fim 

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