Segundo:



E assim, Helena partiu na companhia dos cavaleiros do rei, e do próprio Arthur, em ritmo de cavalgada.

Levaram alguns dias para chegar à Camelot, de modo que eles pareciam se estender muito mais longos do que realmente eram, pois os homens não gostavam da proximidade de Helena. Assim, cavalgava sempre ao lado de Arthur, e muito conversaram sobre assuntos que agradavam a ambos. Arthur admirava a inteligência de Helena, e a boa conversa que ela poderia lhe proporcionar. E assim, em uma tarde em que o sol se punha alaranjado, e já iam altas as horas em que eles cavalgavam, voltaram-se novamente aos motivos de Helena sair de sua casa. E então, a garota segredou-lhe, agora mais confiante:

- Não omitirei outra vez para ti, que venho em fuga desde o Castelo de Hogwarts. – disse ela, os olhos esquadrinhando o horizonte. – Não poderei segredar-lhe mais que isso, embora meu coração esteja pesado de carregar esse fardo sozinho.

Arthur olhou dentro dos olhos de Helena e mais uma vez sentiu pena. Depois lhe sorriu gentilmente. E lhe garantiu que, se a garota havia escolhido aquilo de livre vontade, não iria interferir. E assim, não tocaram mais nesse assunto.

Nos dias que decorreram na viagem, muito falaram sobre as coisas que cercavam aquele mundo, das quais os dois conheciam tão bem.
Bem, Camelot possui mais brumas do que os outros lugares costumam ter. E foi em uma manhã extremamente enevoada que a Companhia do Rei retornou ao lar, com mais uma dama para fiar ociosamente em sua corte.

E à visão do castelo, que parecia afundado para sempre nas brumas, Helena sorriu. E uma emoção intensa demais para ser descrita em palavras lhe chegou ao coração, e ela derramou uma lágrima. Não era ali seu lar, mas passaria a ser. Era como se toda a Bretanha estivesse ao final daquela neblina toda.


Arthur também sorriu à visão de seu lar, e comentou para Helena:
- Camelot nem sempre teve assim tantas brumas. Mas agora, não sei o que acontece. Talvez alguém tenha nos jogado um feitiço e chegará o dia que ninguém mais encontrará a bela Camelot.

E deu uma risada descontraída, enquanto Helena franzia a testa. Alguma coisa ali parecia errada demais.

Ao lado do rei, que se tornara agora um amigo, Helena perfurou a névoa e atravessou os portões da casa que seria parte do seu destino dali em diante.

Helena ficou bastante tempo na corte da Rainha Guinevere. As mulheres que lhe acompanhavam eram tolas e supersticiosas, o que fez a bruxa tomar o cuidado de guardar sua varinha em lugar bem seguro. O diadema continuava a jazer em seu travesseiro de penas, embaixo do colchão de palha que lhe fora concedido por Arthur.

Guinevere não gostava de Helena, talvez por ser esta parecida demais com Morgana das fadas, com seus cabelos negros e humor afiado.

E foi que Arthur havia assinado um tratado de paz com alguns saxões naquele ano, o que o dava bastante tempo em casa. E assim, todas as manhãs ele e Helena costumavam dar pequenos passeios pelo jardim de macieiras. E havia as vezes que pegavam seus cavalos e cavalgavam para além das portas de Camelot, conversando e rindo.

Ora, e acometeu que, em um desses passeios para além do castelo, se depararam com uma comitiva, que levava um estandarte adornado com um corvo negro. E a frase que indicava sabedoria: “O espírito sem limites é o maior tesouro do homem”.

Helena franziu a testa e mordeu o lábio, pesarosa. Arthur, percebendo a mudança da amiga, perguntou-lhe:

- Conhece-os?

Ela assentiu com a cabeça e sussurrou:


- É gente da minha mãe. Vieram procurar aquela maldita coisa. – e à menção do diadema, do qual Arthur nada sabia, este franziu a testa, mas puxou Helena para trás de si, e assim, se aproximaram da comitiva.

- O que querem nas terras do rei? – perguntou Arthur, a mão sob a bainha púrpura que escondia Excalibur, sua famosa e tão temida espada, e uma das relíquias sagradas da antiga religião.

O líder da comitiva falou orgulhoso, e em falso tom de respeito:

- Somos cavaleiros de Hogwarts e vamos atrás de Helena Ravenclaw, filha de Rowena Ravenclaw, nossa senhora. - E poucos sabem que nesse momento, Helena contemplou o rosto de seu algoz e o que foi responsável por seu destino (e aquele que também se penitenciaria por muitos anos depois do acontecido).

Nesse momento, um homenzinho atarracado com uma barba negra falou:

- E o que ela roubou. – disse ele, sorrindo e mostrando uma fileira de dentes apodrecidos.

Arthur manteve a expressão intacta, e respondeu-lhes com impetuosidade:

- Eu nada sei de Helena Ravenclaw. Trago comigo Morgana das Fadas, minha irmã. – Helena era mais alta que Morgana, que tinha a fama de ser miudinha, e por isso se encolheu, e deixou a mostra seus longos cabelos negros. – Partam agora, pois nada sei de alguém da casa de Ravenclaw.

Deixando os cavaleiros atordoados, Arthur virou seu cavalo e saiu à cavalgada, de modo que os que ficaram para trás, puderam ver os cabelos negros de Helena Ravenclaw, que se passava por Morgana das Fadas. Porém, o líder sabia quem era realmente. Nunca se esquecera dos olhos cor de avelã que Helena possuía, e muito menos dos seus cabelos a esvoaçar.


Assim, o destino foi atrás de Helena. Arthur não fez nenhuma pergunta quanto ao objeto que ela aparentemente havia roubado, e assim ficaram.

E eis que chegou o dia em que Arthur teve que sair em combate. E é de conhecimento de muitas pessoas que ele possuía um tratado com o povo da ilha sagrada de Avalon (e assim sendo, com todos aqueles que se consideravam bruxos)
Porém, a rainha Guinevere era veemente em sua fé pelo Cristo, e não gostava do estandarte do quinto dragão que era imposto à Arthur. E bordou então um estandarte que exibia a cruz. Assim Arthur traiu Avalon, e junto com a ilha sagrada, toda a comunidade bruxa.

Helena sentiu-se tonta, como se a traição fosse uma ofensa pessoal. E ela virou-se para Arthur, odiando-o:

- Como pôde trair metade de seu povo, Arthur Pendragon? – gritava Helena pelos corredores de Camelot, o gênio da mãe operando na menina.

- É só um estandarte, pequena. – retrucou Arthur, seus olhos azuis arregalados de espanto.

Os olhos de Helena se estreitaram. É claro que não tinha direito algum de mudar as coisas ali, mas sentia que precisava intervir. Ela sentia o ódio dos padres da corte sobre ela, pois eles percebiam algo precioso e diferente na bela Helena. De fato, creio que, se esse conto se passasse alguns anos mais tarde (com o Pendragon morto, é claro), Helena Ravenclaw – bem como Morgana das Fadas – estaria em uma fogueira mais rápido que papel queimando.

- Só um estandarte, diz você! – continuou ela com sua gritaria. – Então está bem. Traia-nos a todos!

E assim saiu enraivecida e foi ter com os bosques.

Arthur amava Guinevere, como também amava muitas outras pessoas. E amava Helena. Odiou trair a confiança da bruxa, mas já havia sido feito.


E assim as coisas ficaram por algum tempo.

Nas duas noites de São Pentecostes em que Helena passou em Camelot (e isso contabiliza dois anos, a não ser que as brumas tenham afetado também a passagem do tempo), a bruxa cantou em sua harpa, o que raramente era permitido a uma mulher. E todos naqueles salões a admiravam, ainda que temerosamente.

E então, na véspera de São Pentecostes do segundo ano de Helena nas terras do rei, ela recebeu uma visita inesperada, qual não fora anunciada pelos arautos de Arthur.

Estava Helena pelos estábulos de Arthur, dando de comer aos cavalos pensativamente, e então, o líder da comitiva de sua mãe surgiu diante de seus olhos: Sir Cuttler Hareton, que mais tarde seria conhecido por toda a eternidade como Barão Sangrento, por fatos que logo serão descritos aqui.

- Que surpresa encontrar-te aqui, Helena. – disse ele, sorrindo de uma forma vil. Em seus olhos havia um brilho psicótico que sinalizava amor desesperado.

- Srta. Ravenclaw. – corrigiu a bruxa entre os dentes. – O que faz nas terras do rei?

Cuttler deu risada abertamente.

- Ora, o que eu faço nas terras do rei? Estás começando a falar que nem ele! – respondeu debochadamente – Venho buscar o que é meu.
E puxou Helena pelo braço, dolorosamente.

- Nada lhe pertence aqui, Cuttler. Vá embora.

- A sua mãe me mandou. Ela está preocupada, sabia? – disse ele venenosamente.

- Preocupada – riu-se Helena. – Só se for com aquele maldito diadema!
Porém, o barão continuou como se não tivesse escutado:


- E ela deu-me sua mão para o sagrado matrimônio, caso eu pudesse encontrá-la. E ora, aqui está você.

- Que sorte a sua. – ironizou Helena, libertando seu braço do opressor.

- Se queres continuar a ver esse lugar inteiro, é melhor partir. Não digo que matarei teu rei, pois eu não teria a audácia. Mas farei bela destruição.

Helena olhou para Cuttler Hareton como se estivesse olhando para o próprio demônio, e as chamas do inferno o acompanhassem.


Em seguida, saiu correndo dali, indo se deparar com Arthur. As lágrimas agora haviam chegado ao seu rosto e o rei pediu-lhe que se acalmasse.

- Preciso partir Arthur. Preciso. Só trago a desgraça para esse lugar.

Arthur a fitou, a comiseração mais uma vez em seus olhos azuis. E abraçou a amiga:

- Do que falas, Helena? Só trazes alegria, para todos nós. Ora, vamos, não chores. Tudo irá ficar bem.

Naquele instante, as pazes entre Arthur Pendragon e Helena Ravenclaw foram feitas. Não havia nenhum resquício de mágoa nos dois corações. O estandarte agora parecia uma coisa tola e mesquinha para ambos os lados. Sem palavras e sem pedidos de desculpas, os dois reataram os laços que tinham.

E Helena sorriu entre as lágrimas. Entre todas as pessoas do mundo, encontrara alguém que a protegeria e que a amava. Não o amor intenso, desesperado e sufocante de Cuttler. Amor calmo, paciente e fraterno que só podia ser resumido a uma palavra: amizade. Nem que Helena tivesse cometido todas as besteiras do mundo, Arthur ainda assim tomaria seu partido.

Na noite de São Pentecostes, qual Guinevere se orgulhava de dar sua festa exuberante, Helena fora para floresta e apanhara algumas ervas que cresciam por ali. E preparara uma poção do sono tão forte quanto pôde.

E quando todos os cavaleiros da Távola Redonda estavam reunidos em volta da mesa, Helena pediu para Arthur para que pudesse tocar sua harpa. E este concordou, sorrindo. A bruxa puxou sua varinha por entre as pregas do seu vestido e tocou com o objeto mágico disfarçadamente sua harpa, murmurando uma única palavra simples. A poção que havia preparado mais cedo, ela derramou sobre as cordas, como se tivesse sido um acidente.


Helena passou os dedos suavemente por entre as cordas de sua harpa dourada, e à medida que cantava as damas e os cavalheiros, os reis e rainhas de terras distantes e menores que a Bretanha, as bruxas e também as fadas adormeceram. Helena se levantou de sua cadeira ao lado do Pendragon e passou os dedos por seus olhos que haviam se fechado.

- Me desculpe. – sussurrou ela pesadamente, as lágrimas fluindo por seus olhos. – Muito obrigada, meu rei, meu amigo e meu protetor. Devo partir agora.

Arthur, em sua inconsciência, escutou essas palavras como se tivessem sido sopradas por alguém.

A bruxa saía em fuga pela segunda vez.

Helena subiu as escadas apressadamente e abraçou com força a trouxa em que estava o diadema. Selando Ônix, partiu na noite enluarada e salpicada de estrelas. O inverno agora era apenas uma sombra, e fazia uma noite agradável.

Enquanto a noite perdurou, e a lua continuou no céu, Helena cavalgou. Até que, o destino veio chamá-la mais uma vez, e ela se deparou com Sir Cuttler Hareton. Ao longe, o sol nascia e tingia o céu de laranja.

Ora, e é preciso que aqui se relate que, tendo Arthur escutado as palavras de Helena, quando o feitiço de Helena se rompeu com o amanhecer, e todos acordaram atordoados e com uma felicidade inexplicável, Arthur partiu em cavalgada imediatamente, à procura de Helena. E ele realmente a encontrou. Porém, Cuttler a havia encontrado primeiro.

Mas a bruxa não estava mais com o diadema. Usara a arte da magia que lhe fora tão útil e aparatara para um bosque distante e lá escondera o maldito objeto, na esperança falha de que nunca mais o achassem. Mas o destino quis que ela voltasse à Bretanha, e assim ela o fez, para encontrá-lo em sua pátria.

Assim foi que Helena encontrou seu amargo fim pelas mãos do homem que a amava, em um momento de desespero e loucura.


Arthur chegara tarde demais e sempre se penalizaria por isso. Encontrou aquele que seria chamado Barão Sangrento debruçado ao corpo de Helena, as lágrimas manchando seu rosto em sua eterna loucura.

O rosto de Arthur assumiu intenso desgosto e ele puxou a impetuosa Excalibur, convidando Cuttler para um duelo. Mas esse não se encontrava em condições de um combate, e pegando no cabo da Excalibur, ele enfiou a lâmina em seu próprio peito, seu rosto em tom de desafio, e assim jazeu ao lado de Helena.

Muitas histórias existem acerca dos fatos. Talvez essas histórias sejam como as brumas em volta de Camelot. Não se pode ver sua verdadeira forma, apenas resquícios da verdade. Essa foi a versão que é do meu conhecimento. Quem quiser, que adorne a história com mais algumas brumas. A amizade de Helena e aquele que algum dia foi Rei, ficará para sempre lembrada nos dois corações.

E há ainda aqueles que dizem que Helena Ravenclaw e Sir Cuttler Hareton (seu nome verdadeiro agora esquecido), voltaram à Hogwarts na forma de espectros, e ali ficarão até que o mundo decida deixar de ser mundo. Não sei se é verdade, pois não conheço ninguém que foi à Hogwarts confirmar a versão.

É fato que não fazia parte do destino de Arthur intervir no de Helena, e assim são as coisas do mundo. Para sempre serão lembrados os sentimentos.

Arthur espera por Helena, até que ela esteja pronta para deixar esse mundo, é o que dizem por aí.

A amizade nunca tem fim, apenas descansa por algum tempo. A estória de Arthur Pendragon continuou por mais alguns anos, mas a de Helena Ravenclaw terminou ali.

F i m.








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