Mundos aparte







- Vamos lá, eu quero um Patrono perfeito, seus inúteis! Expecto patronum! Lembranças felizes!


A senhora Winters andava por entre os alunos em mais uma noite de sexta-feira. De todos os cantos, nuvem prateadas brotavam e algumas até tentavam, timidamente, assumir uma forma. Para alguns era impossível pensar em coisas felizes com aquela mulher ali berrando e xingando. Não seria muito mais fácil com os dementadores se aproximando, mas uns estudantes começavam a preferir os dementadores mesmo assim.


Uma corça emergiu de algum canto e galopou feliz por alguns segundos, antes de se desfazer em fumaça. Winters olhou para quem a havia conjurado.


- Dispensada, Evans.


Uma ruiva de olhos muito verdes sorriu radiante, levou as mãos fechadas na altura no rosto em um movimento inconsciente de satisfação, guardou a varinha para voltar saltitando ao castelo.


- Não acredito que ela já conseguiu – exclamou um Tiago mau-humorado.


- Sua ruivinha está se revelando muito boa – falou Sírius.


Uma coruja cor de prata passou voando por eles.


- Dispensada, Ventura. Cadê os machos da classe? Vão esperar as moças espantarem os dementadores?


Como que para calar a professora, um grifinório chamado Franco Longbottom conseguiu executar o feitiço com alguma perfeição. Depois Sírius. E mais alguns.


Todos conseguiam os escudos de fumaça ao longo da aula, a exceção de uma aluna. Viviane Lloyd não parecia estar em um de seus melhores dias. De certo não estava.


Ela se irritava cada vez mais com o próprio fracasso e isso somente a prejudicava. Quando ficou tarde, a professora dispensou a turma, mas...


- Lloyd, para dentro da casa. - A menina seguiu infeliz a mulher alta e se sentou em frente à sua mesa. Érica sentou também e a avaliou de cima a baixo com olhos impassíveis. - Lloyd, tenho um dever como vossa professora. O que aconteceu hoje?


Viviane olhou para os joelhos, um tanto temerosa. Deveria contar? Talvez obtivesse uma resposta, mas talvez fosse taxada de louca. O risco valia a pena? Devia valer... ela sentia que poucas pessoas compreenderiam, e que Winters era uma delas.


- Bem... é que hoje, quando estava vindo para cá, eu vi... tive a impressão de ver... um outro lugar...


Érica a olhou com um traço de curiosidade em seus olhos frios. Sua voz soou menos autoritária e impassível quando ela tornou a falar:


- E como era esse lugar?


- O céu era vermelho e as plantas eram pretas, verde-escuro... não sei, não deu pra ver direito, foi muito rápido. Não tinha sol.


- E em que lugar exatamente você viu isso?


- Mais ou menos na metade do caminho, quando me virei pra trás. Eu queria saber se ainda dava pra ver o castelo, mas eu vi essa outra coisa. Foi rápido, um flash, então sumiu e eu vi as torres de Hogwarts.


A professora Winters pareceu um tanto espantada, embora deliciada.


- É muito simples, Lloyd: você viu outro mundo, outra dimensão. - Como a garota parecesse confusa, ela continuou, com paciência: - Isso era assunto para a última aula do curso, mas eu lhe explicarei. O universo é como um novelo de lã, é formado por várias linhas enroladas. Cada linha pode ser composta por um ou mais fios. Você entende? Cada fio, cada único fio, é um mundo. Estamos em um deles, um bem grosso e comprido, mas há outros à volta. Eles se enrolam, cruzam-se e até mesmo se sobrepõe. Você deve ter visto um outro mundo muito perto desse em que vivemos, e sabe por que?


- Não – respondeu Viviane, estarrecida. Ela não tinha certeza se entendera direito. Outros mundos, isso existia?


- Porque você é o que chamam de sensitiva. Nunca te disseram isso? Pelos deuses, Dumbledore devia despedir aquela imprestável professora de Adivinhação! Sua mente tem uma conexão muito rala com outros mundos, Lloyd, mas, em especial, com o futuro desse mundo. É como se ela estivesse um passo à frente. Muitas vezes você simplesmente sabe coisas, não é? - A aluna assentiu com a cabeça. - Esse é o maior sinal. Entretanto, você não é uma vidente, jamais será. A janela aberta em sua mente é muito pequena e possui uma vidro bem grosso, se é que me entende. Se tentar fazer qualquer coisa com ela, sua mente sofrerá seqüelas terríveis. Acalme-se – acrescentou rapidamente, vendo o desespero momentâneo que passou pelo rosto da outra –, pode continuar estudando adivinhação e essas porcarias, é magia pequena. Eu falo de feitiços poderosos e antigos que vocês consideram Artes das Trevas. Você pode polir o vidro, pode tentar clarear sua ligação. Mas, repito, ela é muito pequena. O que aconteceu hoje foi uma exceção, um momento de inspiração, digamos assim, como um autor medíocre que subitamente cria uma obra-prima. Pode ser que você torne a ver outros mundos, porém é mais provável que, se isso acontecer, você veja mundos diretamente relacionados com o esse. Aliás, o mais provável mesmo é que nunca mais veja nada disso.


- Mundos relacionados? Como assim?


- É comum uma dimensão se partir em dimensões menores. O mais usual, entretanto, é que esses mundos pequenos sumam com o tempo. Eles desaparecem, morrem. Assim, pode ser que um dia você tenha uma visão de um mundo em que, por exemplo, Lord Voldemort – os olhos de Viviane se arregalaram um pouco à menção daquele nome que provocava tanto terror – tenha sido morto por um hipogrifo desembestado quando tinha seis anos. É sempre alguma decisão importante que divide os mundos.


- Mas como eu vou saber se o mundo que eu vir estiver morrendo?


- Pela intensidade do que você vê, a nitidez. O que viu hoje foi nítido, bem claro, quer dizer que aquele mundo é forte, ele segue adiante. Se as figuras fossem translúcidas, então aquele mundo não teria futuro e estaria em um de seus suspiros finais.


Viviane estava atônita. Era uma das coisas mais excitantes que tinha acontecido desde que entrara em Hogwarts.


- E eu posso tirar alguma vantagem disso?


- Não – a voz da professora veio cheia e incisiva. - Como eu disse, é uma conexão muito pequena. Pode ser que, se você trabalhar em algo no qual a projeção futura é importante, como investimentos, seja razoavelmente vantajoso. Não fique confiante, essa janela não pode se alargar, mas pode se reduzir. Pode te dar uma falsa sensação de segurança, você pode confundir uma simples opinião com uma profecia. Você não pode fazer profecias nem premonições grandiosas, entendeu? Você não tem distingir o que acha do que realmente sabe, até que aconteça.


- Certo... - ela ficou pensativa por alguns segundos. - Sobre esses mundos, há como ir de um para o outro?


Érica Winters estreitos os olhos anormalmente azuis, ponderando o que devia ou não falar. Pegou um livro velho e surrado na gaveta da escrivaninha enquanto continuou a falar.


- Somente um demônio-humano etéreo extremamente poderoso poderia fazer tal coisa, encontrar uma fenda entre dimensões e a abrir. Hoje, tenho certeza que se lembra do que eu falei, eles estão mais velhos e cansados. Somente – ela exitou alguns segundos – Zel e Baat poderiam fazer tal coisa, mas cairiam num sono profundo de esquecimento, do qual talvez nunca acordassem. No passado havia lúminas, que eram passagens espontâneas que se abriam, porém hoje elas são instáveis, não há como saber para onde elas levarão. E são raras, extremamente raras. Deve haver umas 5 no mundo todo, e em locais de difícil acesso. Nem comece a ter idéias estúpidas.


- Entendi. Obrigada – a voz dela morreu, estava um pouco confusa e queria pensar. Levantou-se e estava com a mão na maçaneta da porta do casebre quando sentiu necessidade de perguntar mais uma coisa: - Professora Winters, como a senhora sabe de tudo isso?


A mulher não levantou a cabeça para ela. Começara a escrever algo lentamente no velho livro de capa preta.


- Não é preciso conexão alguma para perceber isso, Lloyd. Você é inteligente e minhas aulas são bastante completas.


 


- Vamos nos ver de novo?


- Você deveria estar no castelo. Lloyd acabou de ir, vão fechar as portas.


- Eu queria saber...


- Você sabe a resposta, Remo.


 


Quem diria, o fim do ano letivo foi muito estranho. Não houve mortes ou desaparecimentos nos meses de março e abril, porém maio veio como uma bomba. Sete desaparecidos e dois mortos nas primeiras duas semanas. Entre os sumidos, uma tia de Viviane, irmã de sua mãe. Aquela mesma que era casada com o músico famoso.


A garota sabia bem o motivo: eram traidores do sangue. A família Gilead, pelo menos em sua minúscula porção vivente na Inglaterra, era conhecida por intensa miscigenação com os trouxas. Agora Miosótia Gilead havia ido, e sua sobrinha se perguntava se teria o mesmo destino algum dia.


Foi quando a coisa aconteceu.


Na véspera das férias, Viviane queria arrumar seus pertences o mais rápido possível. Desceu correndo ao dormitório e se deparou com uma cena inusitada, pois Narcisa Black estava conversando com a mais velha de suas irmãs, Belatriz. A mestiça não precisava se dar ao trabalho de dizer a Bela que ali não era seu dormitório, apenas olhou desconfiada quando Narcisa saiu e deixou as duas sozinhas.


- Bagunça, ein? - Disse Belatriz quando Viviane começou a dobrar as roupas jogadas de qualquer jeito dentro do malão.


- É. - O que quer que fosse aquilo, não era uma coisa boa.


- Você é a Lloyd, né?


- Sou.


- Nome estranho.


- Tem origem galesa – dobrou um par de meias pretas e os arrumou ao lado das meias cinza-escuras, que estavam ao lado das cinza, que estavam ao lado das cinza-claras, que estavam ao lado das brancas.


- Sei – qualquer coisa de desprezo na voz da menina mais velha. - É trouxa?


- Completamente. - Nem um olhar para Belatriz. Isso com certeza a deixaria irritada, pois era uma bela mulher, estava acostumada a ter muitos olhos em si.


- Mas você deve ter parentes bruxos. Quer dizer, a Sonserina dificilmente recebe sangue-ruins.


- Ah, sim. Minha mãe era Gilead.


Uma nota de assombro da outra.


- É uma família importante na França, não é?


- Na França, mas aqui nem tanto. Imagino que os Black possuam muito mais pompas no Reino Unido.


- Sabe – os olhos de Bela brilharam quando ela se inclinou para chegar mais perto –, você deve sentir raiva por esses sangues-ruins terem roubado todo o prestígio que você teria se fosse uma Gilead.


- Eu sou uma Gilead – Viviane falava calmamente, abaixou as mãos que dobravam um suéter preto e fitou a outra -, está no meu sangue. Mas, Black, na verdade eu não me importo com os trouxas. Meu pai é muito bom pra mim, não tenho do que reclamar, nunca tive.


Belatriz percebeu que a conversa havia terminado ali. Levantou-se e somente murmurou, quando fechava a porta:


- O nível da nossa casa realmente decaiu.


Viviane, uma Lloyd orgulhosa, dobrou o resto das coisas ainda sem acreditar. Aonde será que aquela conversa a levaria, se tivesse sido seduzida por aquela palavra que Belatriz Black falara, “prestígio”?


Esforçara-se ao máximo para não xingar Belatriz, não seria prudente. Embora fosse o último ano da puro-sangue, Viviane ainda teria que conviver com o resto da família dela por toda a sua vida. E com uma irmã dela dormindo no mesmo quarto por mais quatro anos.


 


O Beco Diagonal, com suas ruazinhas de pedra faiscando ao sol do verão londrino.


- É por aqui, pai. Pai!


Viviane bufou e foi puxar seu pai, que estava com o nariz colado na loja de vassouras, para a loja de vestes.


- E elas voam mesmo, ein? Incrível.


- É, voam.


- Você devia jogar aquele jogo, tribol.


- Quadribol, pai. E olha, eu só vou subir numa vassoura pra jogar aquilo se não tiver nenhuma opção.


- Mas deve ser interessante.


- Até um balaço atingir sua cabeça.


- Balaço? Eles usam armas no jogo?


- Não, esquece.


Chegaram a loja da Madame Malkim. De dois em dois anos, aproximadamente, era praxe comprar três conjuntos de uniformes novos, mas, ainda sim, Viviane não gostava de comprar roupas. Não parava de pensar na sua tia desaparecida, passara um verão inquieto e mal sentira seu fim se aproximar.


Era o último sábado de férias e o Beco estava cheio. Parecia que todos haviam deixado para fazer suas comprar de última hora, havia gente por todos os lados. Mas que inferno...


Depois das vestes, veio a parte que ela mais gostava: Floreios e Borrões. Além dos livros escolares, ela pegou também um de ficção e “Artes das Trevas: Conhecendo para Entender”. Tinha medo que acontecesse com ela, dentro de algum tempo, o que ocorrera com sua tia. A conversa mole de Belatriz Black a deixara neurótica.


Naquela visita ao Beco Diagonal, achava que todos a encaravam e tomara um susto ao ver uma velha inteira de preto, um capuz sobre a cabeça. Sentia-se tola, de fato, mas um medo começava a pulsar em seu peito, latejar escondidinho, encubado e crescendo.


E se fosse pega um dia? E se sumisse, como Miosótia? E se fosse torturada por dias a fio? E se ninguém se importasse?


Pela primeira vez, sua mente apresentava seus pontos fracos, mostrava o que poderia tirar sua sanidade: o medo da solidão desmedida e do eterno sofrimento.


Encarou seu livro de defesa na fila do caixa e sentiu uma vontade rasgante de fumar um cigarro. O fumo ocasional dos ensaios estava fazendo falta nas férias. “Nem quatorze anos”, ela pensou, “tenho tempo para lidar com isso”.


Mas e com o resto?


Passou a mão na capa do livro, sentindo as letras douradas em alto relevo no couro negro.


- Hey, Lloyd.


- Hey, Potter – ela não se virou, não estava para babaquices naquela hora.


- Oi, Viviane – Remo, sempre o mais educado. Ela o encarou e mal pôde controlar sua expressão: ele estava pálido, magro e com um corte de aspecto nojento no supercílio direito. Olheiras tomavam boa parte de seu rosto. Já o vira mal, mas nunca daquele jeito.


- Ahn... olá. Você tá bem?


Ele resmungou qualquer coisa inaudível.


- Oi, Viviane – Pedro acenou um pouco mais de longe, tentando reunir seus exemplares.


- Que bom, você tá quase no caixa – Sírius surgiu atrás de uma montanha de livros com um sorriso largo e bonito.


- É, tô, mas vocês vão pro fim.


- Por que?


- Porque eu sou chata e tô de mau-humor – ela folheou seu livro e deixou de se concentrar neles.


- Olha, Lloyd, eu te pago um sorvete se nos deixar passar – a voz soou desesperada. Remo Lupin, o cara certinho, tentando fazer chantagem e passar na frente de todos? - Realmente não tô com saco pra ir lá pro fim.


A garota o olhou com uma expressão pensativa. As roupas dele eram sempre rotas e de segunda mão. Seria correto?


- Bola dupla? - Ela o avaliou, vendo se ele iria ceder.


- Não exagera.


- Calda?


- Tá bom, vai.


- Ok, pessoal, temos um acordo – ela sorriu inocentemente para os clientes atrás de si, os quais chiaram bastante.


- Sonserinos – murmurou Sírius, ao se juntar a ela e ao senhor Lloyd na fila.


- Eu vou fingir que não ouvi, Sírius Black - Ele não falara baixo o suficiente, e Viviane o encarou com um desprezo que ele só vira no rosto de sua própria mãe. Fechou a cara para ela. - Não quero briga, só pagar isso aqui, tomar meu sorvete e ir embora, que tenho compromisso.


- Ui, o que é tão importante? - Sírius zombou.


- Vou assistir um ensaio da Exilados da Montanha.


A cara dos grifinórios caiu no chão. Dessa vez ela foi rápida para explicar o parentesco com o vocalista, estava pegando prática. E Sírius, pela segunda vez em seus 15 anos, sentiu raiva de uma garota. Exilados era tudo o que ele ouvia, tudo o que tornava seus dias com a família mais suportáveis. Ele admirava aquele vocalista mais do que ao seu pai. Ok, talvez naquela hora ele tivesse exagerado um pouco sobre a importância da banda para a sua vida, mas ele realmente gostava e era isso o relevante.


Não falou com ela pelo resto do dia, sentia uma minhoquinha malvada se remoendo dentro de si quando olhava para ela. Viviane não era das piores, o que não podia ser verdade. Ela era uma sonserina, e sonserinos eram covardes e mau-caráteres. Essa era a razão para serem mandados para lá.


Apesar disso, ele olhou o senhor Lloyd carregando livros e pacotes de ervas embrulhados cuidadosamente, tentando pegar a carteira para pagar a livraria. Um homem definitivamente trouxa, com seus jeans surrados e sua camiseta preta. Podia isso, uma sonserina sangue-ruim? Devia existir alguma lei não escrita que impedisse tal coisa.


Parou suas reflexões para pensar em algo mais fútil: que sorvete ele queria? Optou por caramelo com pedaços de morango e calda de menta. Era o mais colorido, com certeza.


Depois que Viviane sumiu para as bandas do Caldeirão Furado com seu pai, eles pararam em frente à loja de artigos esportivos.


- Que foi, Remo? - Pedro, o mais observador, parecia incomodado com a atitude do amigo.


- Que foi o quê?


- Você tá inquieto, se remexendo aí.


- Nada, não foi nada.


Encheu sua boca de sorvete, mas algo do outro lado da rua fez seu queixo cair e seus olhos brilharem.


- Eita, tá pingando sorvete! Sai pra lá! - Potter pulou para o lado e os garotos se viraram para descobrir o que fizera Lupin surtar daquele jeito.


Ela poderia passar por muito discreta, se não exalasse algo diferente. Encostada numa parede, as pessoas pareciam desviar-se inconscientemente de sua expressão sombria e fechada, talvez até aborrecida. A jaqueta não fazia jus ao calor do verão, pesada e cinzenta, com os bolsos preenchidos pelas mãos.


Remo foi o único que sorriu ao vê-la. Seus amigos pareciam simplesmente chocados.


- Você a convidou? - Pettigrew estava branco.


- Ah, bem...


- Vocês estão saindo? - A voz de Sírius estava incrédula, as sobrancelhas franzidas.


Mas nesse segundo, os olhos glaciais de Érica Winters se viraram para eles, e ela pareceu saber da pergunta, exigir uma não-resposta. Eles se calaram.


- É uma longa história – Remo balbuciou, enfiando o que restava do sorvete na boca e engolindo com pressa. - Eu explico depois, tudo bem? Amanhã no trem, prometo.


Correu para o outro lado da rua sem se despedir, estava afoito demais. Sorriu radiante para o rosto inexpressivo e frio dela.


- Achei que não vinha mais.


- Eu nunca quebro minhas promessas. - Ela se desencostou da parede em que estava apoiada. - Vamos?


- Aonde?


- Aonde quer ir?


- Não sei... - agora que estava com ela, o garoto não sabia ao certo o que fazer, o que dizer. Depois de dois meses de espera, todo o assunto que discutiam nos sábados de manhã em Hogwarts parecia ter sumido repentinamente como ela por vezes fazia. Apenas a presença já parecia o suficiente, parecia acalmar aquela ânsia que ele sentia quando os olhos glaciais de Zel estavam longe.


- Então apenas andaremos – ela disse, sem o olhar no rosto.


Ele seguiu seus passos rápidos lançando um último olhar aos seus amigos incrédulos do outro lado da rua.


Caminharam por algum tempo, discutindo coisas sem relevância. Foi então que ele resolveu abordar o assunto crucial, o mais importante, o que o deixara mais aflito que o normal para encontrar com a ex-professora.


- Meus amigos parecem ter medo de você.


- Bom para eles – ela continuou olhando para frente, andando, as mãos ainda no bolso.


- Bem, eu não sei se é tão bom. Afinal, eles são meus amigos. Se nós tivéssemos alguma coisa concreta, quem sabe... quem sabe não seria mais fácil... eu digo... mais fácil para nós, entende?... se...


Remo sentiu seu coração dar uma batida em falso com o olhar que Zel lhe lançou. Não era o habitual desprezo que ela jorrava em ondas a todos os humanos, nem a paciência controlada das aulas. Era algo pior, era um olhar duro e gelado, com as pálpebras levemente apertadas, as pupilas muito pequenas. Tudo para ele se tornou um mar de gelo, tudo a sua volta era frígido e daquele azul mortífero.


Ele tropeçou e quase não pôde se manter em pé, mas nem isso a fez parar. Ela não disse nada, e isso o feriu mais ainda.


- Eu gosto de você – o garoto murmurou.


- E eu tenho apreço por você – ela respondeu, fria. - Mas não vou ser sua namorada, moleque.


“Moleque”. Aquela palavra tornou tudo ainda pior, muito pior. Lupin sentiu algo queimando em sua garganta, uma raiva cega. Fechou a cara, queria gritar com a mulher, queria dizer-lhe o quanto doía. Trincou os dentes e fechou os punhos em torno dos braços.


- Se não quer ficar comigo, o que quer?


Ela o olhou e, embora seu rosto fosse quase impassível, pareceu surpresa.


- O que eu quero? Oras, não quero nada!


- Ótimo – ele respondeu entredentes. - Já que é assim, vou embora então.


Virou as costas e foi pisando duro até uma lareira no Caldeirão Furado, onde voltou para casa por pó de flu. O que esperara? Que ela viesse correndo, olhos encharcados, pedindo para ficar? Não, ele não esperara nada. Apenas queria ir embora porque aquilo doía, machucava. Era algo com o que ele não contava. Será que Zel não estava perdidamente apaixonada por ele, do jeito que ele estava por ela? Tão perdidamente apaixonado que vivia e respirava apenas para vê-la outra vez?


Cansado, deitou-se na cama e fechou os olhos. Havia agido como uma criança, sabia, mas já estava feito. Sentiu suas pálpebras úmidas: era a primeira vez que chorava por ela, mas estava muito enganado se achava que seria a última.


***


 


NA's


 


1 - SIM, eu me revoltei com a falta de comentários.


2 - SIM, eu continuo revoltada. Por isso, seria muito bom se você comentasse, nem que fosse para xingar a fic ou a mim.


L.W.

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