Capítulo 5



Capítulo 5


 


Harry fez um esforço enorme para evitar todos os tipos de tentações, inclusive de beijar Hermione e encarar as conseqüências. Ele aprendeu muito por todos esses anos, especialmente a ter muita pa­ciência, esperar por aquilo que queria, e ele a dese­java desde o momento em que pegara o telefone e aquela voz calma tocara em algo primitivo nele.


Foi esse mesmo impulso de alcançar coisas além de sua compreensão que lhe trouxera tantos pro­blemas quando jovem. O mesmo impulso que o fi­zera tomar tantas decisões de risco e, finalmente, o fizera voltar para casa pronto para deixar sua mar­ca numa cidade que uma vez lhe desprezara.


Mas o tempo e a experiência temperaram sua impetuosidade. Ensinaram que se jogar diante de um muro não trazia nada além de dor. Que com uma dose suficiente de paciência — e dinheiro suficiente para lubrificar as fechaduras —, praticamente, qual­quer porta se abriria para ele.


Praticamente.


Todos os seus instintos lhe avisavam que, com Hermione Granger, ele precisaria de uma estratégia de aproximação mais sutil. Na verdade, esses instin­tos sugeriam, com muita veemência, que ele enca­rasse aqueles avisos de mantenha distância que ela lhe dera o dia inteiro com muita seriedade. Era tal­vez muito bom que ele estivesse do outro lado do país por alguns dias, onde as tentações não seriam capazes de bagunçar com a melhor de suas inten­ções, porque, pela primeira vez em muito tempo, ele sentia vontade de largar todas as amarras e en­carar as conseqüências de uma paixão.


Ele desceu do carro antes de esquecer quem era ele teria descido e aberto a porta para ela, mas ela não esperou — e deixou a mala dela dentro da loja logo que ela abriu a porta de trás. Ela permaneceu dentro da loja, fora do alcance do perigo.


— Você vai ficar bem aqui sozinha? — ele per­guntou.


— É meio tarde demais para ter remorso sobre me enfiar nessa situação, não acha? Ou isso foi uma desculpa para você querer entrar e olhar debaixo da cama para ver se não tem nenhum bandido me esperando?


— Não, você está segura — ele disse, sorrindo. Não foi fácil sorrir, mas ele achou que era o que ela esperava. — Já chequei da outra vez que viemos. Não se esqueça de ligar o alarme antes de subir.


— Não esquecerei. Boa noite, Potter. Quando ela se moveu para fechar a porta, ele a bloqueou com o ombro. Houve um momento de resistência, os olhos dela se arregalaram quando ele pegou em seu braço, arregaçou a manga dela e, olhando-a nos olhos, tirou uma caneta do bolso.


— Ligue para mim e me diga onde quer que eu a pegue no sábado — ele disse.


A pele suave do braço dela era quente e possuía um leve aroma de baunilha, uma verdadeira tenta­ção para os sentidos. Ele teve que se segurar com todas as forças para manter o plano original, de usar o braço dela como uma folha de papel no qual es­creveria o número do seu telefone.


— Já tenho o seu número.


— Você tem? Claro que sim.


Ele dera um cartão, mas isso era bem diferente de dar um número de telefone. Era muito mais primitivo. Tinha a ver com a chance de tocá-la, deixar uma marca em seu corpo, e a pausa momentânea que Hermione fez antes de puxar o braço sugeria que ela também sabia disso.


— E eu estava tão certo de que você o jogaria n lixo no minuto em que eu virasse as costas.


— Por que eu faria isso? — ela perguntou, com os olhos brilhando com as luzes de segurança da farmácia ao lado. — Bons biscateiros são... uns tesouros.


— Obrigado pelo bom — ele disse.


— Crédito para quem merece. — E em seguida: — Além disso, achei que você estivesse confiante de que eu ficaria aqui... — E o não dito esperando por você ficou flutuando entre eles por um momento antes dela continuar — ... seduzida pelo apartamen­to lá de cima para tomar conta de Archie e da loja.


Ele balançou a cabeça.


— Suspeito que qualquer resposta minha em re­lação a isso só vai me causar arrependimento. Di­gamos que eu não espero nada além de boa comi­da, um bom vinho e uma companhia excelente.


A recompensa dele foi um sorriso espontâneo.


— Que bom, Potter. Você é mesmo muito bom.


Por um instante, ele ficou sem palavras ao perce­ber rapidamente uma pinta no canto da boca de Hermione, que mexeu em algo muito profundo na sua memória.


Por que ele não se lembrava?


— Potter?


— Perdão, perdi a fala por um momento — ele dis­se. — Fico muito feliz por você perceber como es­tou me esforçando.


— Esforço — ela respondeu — é uma palavra mui­to boa, mas fique sabendo que não vai conseguir muita coisa comigo com isso. E como isso é apenas um jantar e não um encontro, encontro você no restaurante. — E então: — Se você não aparecer, vou deduzir que você se distraiu com alguma mulher que precisava dos seus serviços.


— Droga... — Mas antes que ele pudesse dizer que se ele a deixasse esperando era porque ela merecia, ele se viu diante de uma porta fechada. — Problema — ele balbuciou, ao lembrar-se do conselho de Neil. — Sem a menor sombra de dúvidas, problema.


Mas enquanto ele se afastava, de olho no pri­meiro andar, para ver se alguma luz era acesa, assegurando-lhe que ela chegara lá em cima sem pro­vocar nenhum desastre, descobriu que não podia fazer nada para impedir o sorriso largo que lhe in­vadia o rosto.


E, é claro, ele não podia deixar que ela tivesse a última palavra...


Hermione preparou o jantar, e então, com Archie deitado aos seus pés rosnando feito louco, ela passou uma hora surfando pela Internet, vasculhando pá­ginas de recrutamento, cada uma tentando com mais veemência fazê-la se inscrever e deixar que eles lhe encontrassem o emprego dos sonhos. Sim, bem, ela já se inscrevera com as agências mais importantes, e não adiantara nada.


Era dolorido para ela, mas o fato era que o emprego que ela sempre quis, aquele para o qual ela se esforçara tanto, não estava mais ao alcance dela.


A verdade era que emprego nenhum a satisfaria além daquele que conseguira com trabalho duro, longas horas e muito esforço enquanto os meninos se divertiam fazendo seja lá o que for que meninos fazem depois do trabalho. Ela foi força­da a admitir que nada a deixaria mais satisfeita do que o lorde Markham em sua porta admitindo que cometera um erro. Dizendo que a empresa preci­sava dela para implementar o plano — o ápice de todas as idéias dela, toda a sua experiência, agru­padas ao longo dos anos em que ela subia degrau por degrau até o topo — e implorando que ela vol­tasse.


Olha, isso sim era estúpido.


A primeira regra de gerenciamento era que nin­guém era indispensável, mas ela puxou o arquivo assim mesmo. Aquele que ela mantivera tão segu­ro, determinada que ninguém deveria vê-lo até que fosse finalizado. Exceto Draco. Ela foi vaidosa o suficiente para querer a opinião dele. A admiração dele. Queria impressioná-lo com sua inteligência...


Archie se esfregou no tornozelo dela. Enquanto ela se dobrava para esfregar a orelha dele, ela viu o número que Harry escrevera em seu braço.


Segura? Ah, certo. Convidar Harry Potter para um jantar não foi nada que uma mulher vidrada em se­gurança teria feito.


Mas, por outro lado, com todo o cuidado de manter sua mente enfocada nos negócios, onde foi que ela chegou?


Ela caiu na conversa de Draco só porque ele apa­rentou ser o oposto do tipo predador de homens que qualquer mulher sensata evitava. Apesar de sua boa aparência, ele parecia tão... ela tentou encon­trar uma palavra para descrevê-lo, mas tudo o que conseguiu foi inofensivo. Nada brilhante como re­ferência para um namorado. Mas ela se sentia no controle com ele. Ele nunca a provocava e deixava que ela escolhesse o ritmo das coisas. Ela pensou que era apenas porque ele era sua sombra temporária no trabalho. Ele tomava todo o cuidado para não ultrapassar a linha invisível que os separava no tra­balho. Ela gostava dele por isso. Ela se sentia segu­ra com ele.


Tão segura que conversava sobre todas as suas idéias com ele, além de ficar feliz com o seu inte­resse; chegou ao ponto de ligar para ele no meio da noite para lhe dizer que sua obra estava terminada. Ele chegou 20 minutos depois trazendo champa­nhe, insistindo que deviam comemorar.


Foi então que ele copiou o arquivo, baixando-o em segundos no cartão de memória que carregava no chaveiro, enquanto ela pegava as taças? Ela es­perou que ele insistisse em passar a noite com ela... e sabia que não teria resistido. Em vez disso, ele usou de alguma desculpa sobre uma reunião de fa­mília naquele fim de semana.


Ele nem ao menos tocara nela até aquele beijo de Judas que borrou seu batom e a atrasou o sufi­ciente para criar certa distância entre eles.


O que será que ele havia feito? Fechou os olhos e pensou no cargo na diretoria?


— Sou ou não sou estúpida, Archie?


Archie rosnou suavemente, numa atitude felina bastante confortante. Talvez, quando encontrasse uma casa para si Hermione visitaria o centro de resgate ani­mal e ofereceria um lar a mais alguma alma perdida.


— Oh, pelo amor de Deus, Hermione Granger — ela exclamou. — Pare de ficar sentindo pena de si mes­ma. Você não é a primeira pessoa que passou por isso, e não será a última. Bola para a frente. Siga com a vida...


Ou, pelo menos, mova-se.


Viver em casa, com sua mãe tomando conta, não era a maneira de um adulto se portar. Ela já estava cheia de sentir pena de si mesma. E, trazendo Archie consigo para companhia, ela subiu as escadas até o andar de cima para dar uma olhada no apartamento.


O apartamento tinha a mesma área de piso que o apartamento de Maggie, mas a área total era me­nor por causa da inclinação do telhado. E as pare­des escuras também não ajudavam muito. Harry não estava brincando quando falou sobre os ver­melhos e pretos. Muito gótico. Mas não era nada que não pudesse ser consertado com algumas latas de tinta.


Talvez, Hermione pensou, ele consertasse isso para ela. Isso custaria muito mais do que um jantar, ela linha certeza, até mais do um que jantar no Ferryside. Ela sorriu ante a possibilidade de negociar um preço.


Ele podia até ser bem irritante, mas pelo menos lembrara a ela como sorrir...


E, então, levemente em choque pela espera pra­zerosa instigada por aquele pensamento, ela des­ceu e sentou-se no sofá onde dormiria. E com Archie aos seus pés permaneceu acordada pensando em como seria fácil transformar aquele apartamen­to numa área de trabalho. Paredes claras fariam do ambiente algo muito mais leve, e certamente havia um ótimo assoalho por baixo daquele carpete no­jento...


Pura fantasia, é claro. Ela não precisava de uma área de trabalho.


Mas isso era melhor do que contar carneirinhos.


E muito mais eficiente em distraí-la do prazer de se aproximar tanto de Harry. Isso era algo que, apesar de toda a tentação, ela não tinha a menor intenção de fazer...


 


O carteiro a acordou, tocando a campainha com um embrulho procedente da América que precisa­va de assinatura.


— Como está Maggie? Soube que ela caiu. Nada sério, espero. — Ele entregou-lhe uma caneta e se­gurou a prancheta para ela assinar. — Você está cui­dando das coisas enquanto ela está no hospital?


— Parece que sim — ela disse ao devolver-lhe a caneta antes de pegar o embrulho, uma pilha de cartas e fechar a porta.


Ela mexeu na correspondência enquanto volta­va para a loja, deixando o embrulho — o qual, de acordo com o selo de envio, continha livros — na mesa. Havia algumas contas, mas o restante da cor­respondência parecia pessoal, então ela deixou-as de lado para mais tarde levá-las ao hospital antes de subir para tomar banho.


Ela estava no meio da escada quando ouviu al­guém bater na porta, dessa vez na porta de trás. Uma rápida olhada confirmou que era a van da Duke's Yard na parte de trás da loja.


O salto dado pelo seu coração entregou-a: tal­vez ela soubesse, em tese, que Harry Potter não era o tipo de homem com quem uma mulher sensí­vel se envolveria, mas a realidade sempre a pegava de surpresa. "Rapazes maus" não ganhavam essa reputação à toa. Era preciso mais do que um par de olhos verdes e um sorriso charmoso para conquistá-la. Homens como Potter quase emana­vam um ar de perigo. Um magnetismo intenso.


Talvez tenha sido sua boa sorte o fato de nenhum deles ter se interessado por ela.


Ou talvez não.


"Segurança" poderia virar um vício. Não conseguiu ficar longe? — ela perguntou ao destrancar a porta, em seguida sentindo-se como uma idiota ao abri-la e descobrir que não era Harry do lado de fora, mas um homem de meia-idade que nunca vira antes. Ele vestia um macacão de pintor e carregava uma caixa de ferramentas, sorrindo, confiante como alguém que tinha certeza que sua chegada era esperada.


— Srta. Granger?


Ela balançou a cabeça.


— Dave Simons. Harry me mandou aqui.


Desapontada, ela disse:


— Ele esqueceu alguma coisa aqui?


— Perdão?


— Quando consertou a janela?


Sem o sorriso de antes, Dave  olhou para cima e disse:


— Harry consertou sua janela? Preocupada pelo fato da boa vontade de Maggie poder deixá-lo em maus lençóis, ela disse:


— No seu horário de almoço. Maggie Crawford é uma velha amiga.


— Oh, certo. Não estou sabendo de nada, ele ape­nas me pediu para redecorar o andar de cima. Disse que era urgente. Tenho um cartão de cores para você escolher a tinta — ele disse, entregando a ela um envelope grande. — Ou, se você preferir, papel de parede, Harry disse para escolher o que quiser e dei­xar o resto comigo.


Tinta? Papel de parede...


— Sem pressa — ele continuou quando percebeu que ela não respondeu. — Tenho muito a fazer antes de chegar nisso. Gostaria de me dar a chave da entrada externa? — ele pediu, achando que ela ficaria grata, embora não tivesse dito nada. — Desse jeito não perturbarei você entrando e saindo.


Várias respostas a essa pergunta lhe vieram à mente, uma mais severa do que a outra, mas esse pobre homem era inocente e não merecia nenhuma delas.


Só havia uma pessoa com quem ela gostaria de falar e por sorte seu número estava impresso no braço dela, apesar de seus esforços para removê-lo na noite passada, pois só havia água fria.


— Você pode me dar um minuto, sr. Simons? — ela perguntou ao pegar o telefone.


Ela não lhe deu a chance de falar.


— Potter — ela começou, furiosa —, tenho de lhe dizer que sem sombra de dúvida você é o maior...


A secretária eletrônica a cortou e ela olhou para o telefone furiosa, como se o aparelho a convidasse para deixar uma mensagem, incerta se o atiraria nobre sua própria cabeça ou contra a parede.


— Harry está a caminho da Escócia — David disse. E seu telefone deve estar desligado, mas ele pe­diu que eu lhe dissesse para não se preocupar em me pagar. Ele colocará na conta.


— Ele disse o quê!


— Talvez eu tenha entendido mal — ele disse, afas­tando-se enquanto ela se virava para olhar para ele.


— Não. Não, sinto muito. Não é culpa sua. — Ela levantou a mão para afastar o cabelo, e ao dar-se conta de que estava tremendo, tentou esconder. — Escócia? — ela repetiu.


— Um encontro de família, eu acho. Gaitas de foles e saias escocesas. — E acrescentou: — Eu, hã, vou começar, tudo bem?


Gaitas de foles e saias escocesas?


Por que ela ficou surpresa? Talvez ele não tenha sotaque escocês, certamente cresceu em Melchester, mas com um nome como Harry Potter com certeza tinha raízes escocesas...


Colocando o telefone no lugar com um cuidado enorme, ela respirou fundo e disse:


— Espere aí. Pegarei a chave. Se ele queria esbanjar dinheiro na decoração do apartamento para Maggie alugar, isso era problema dele, quaisquer que fossem as esperanças que ti­vesse. Mas como ela passara a metade da noite pensando sobre esquemas de cor, não havia porque ela não receber o benefício de seu conselho.


Ela apanhou a chave e marcou os quartos com as cores no cartão enviado com muito apreço.


— Talvez seja melhor tirar o carpete do corredor também. Um tapete ficará bem melhor quando o chão tiver sido lixado e polido — ela disse, entregando-lhe o cartão de volta.


Bem, isso era mesmo verdade.


— Isso foi bem rápido — disse David, visivelmente impressionado pela habilidade dela de tomar uma decisão sem hesitar. — Essa parte normalmente leva mais tempo do que o trabalho em si. — E comentou: E o resto do apartamento? Quer que trabalhe nos assoalhos nos outros cômodos?


— Não quero nada, sr. Simons. Isso não tem nada a ver comigo — ela informou, ignorando todo o pla­nejamento da noite. Decidindo que móveis jogaria fora. O que manteria ali e onde os colocaria.


Aquilo era confusão demais.


O apartamento veio com muitas coisas juntas e ela se recusava a ser manipulada por Harry Potter. Ela podia estar desempregada, mas isso era um pe­queno detalhe no plano mestre. Ela não tomaria conta de uma livraria. No minuto em que ela encontrasse alguém para assumir o lugar, estaria fora.


Ela certamente não levaria Maggie a sério em sua oferta do apartamento em troca de um simples turno.


Então disse:


— Na verdade, madeira seria um tanto quanto barulhento para quem estiver embaixo, não acha? Cada vez que algo cair no chão será como se o teto estivesse desmoronando. — Ela já havia tido uma vizinha no andar de cima com assoalho de madeira e sabia muito bem do que estava falando. — O resto do carpete não está tão ruim. Apenas precisa de uma limpeza. — Ela deu de ombros, tentando se distan­ciar de qualquer decisão. — Provavelmente.


Dave apenas disse:


— Sim, srta. Granger.


Ela teve a sensação desconfortável de que ele encarava tudo o que ela dizia como uma ordem e, com um ataque de culpa, disse:


— É melhor você falar com o sr. Potter primei­ro. Isso pode ficar caro.


Por um instante, ele pareceu estar prestes a dizer algo, mas no final disse apenas:


— Sim, srta. Granger.


— Levarei uma xícara de chá assim que resolver umas coisas. — E então ela desceu e colocou a água para ferver.


Sua mãe foi a seguinte, visita tocando a campai­nha e batendo na porta até ela descer para abrir.


— Olá, mamãe — ela disse, nem tão surpresa ao vê-la, embora achasse que sua mãe fosse embora até a hora do almoço. — Você não se atrasará para o trabalho? Pela segunda vez nessa semana.


— Pela segunda vez em 20 anos — ela corrigiu —, mas telefonei avisando que não chegaria antes das dez. Apenas queria ter certeza de que você estava bem. Você vai cuidar da loja enquanto Maggie esti­ver no hospital?


— E só temporário, e ela já está ansiosa com isso. E com o gato. Como se eu soubesse como cuidar de uma livraria.


Sua mãe deu de ombros.


— Não é nada complicado — ela disse. — Como está Maggie?


— Um infarto leve, eles acham. Estão fazendo testes. Acho que daqui a pouco ela terá que repen­sar a decisão de viver aqui sozinha. E, talvez, até sobre deixar de lado a loja.


— Talvez, mas ela ficará melhor se pensar que tem algo para que retornar. Vou vê-la essa noite. Ganha­mos um pequeno prêmio no bingo na noite passada, isso a deixará animada. Você já tomou café?


— Não. Pensei em ir até a padaria logo que tiver um minuto.


— Ponha a água para ferver que vou buscar umas guloseimas. — Ela pegou um livro da prateleira de títulos novos e virou-o para checar a quarta capa antes de olhar à sua volta. — Você nunca diria, a julgar pelo lado de fora, mas esta é uma ótima li­vraria. Maggie tem sempre bons romances polici­ais impossíveis de se encontrar em outro lugar, mas uma atualizada cairia bem. A maioria das livrarias serve café hoje em dia, não é mesmo? E gulosei­mas. Mas não há sentido em melhorar nada aqui, eu suponho. Agora que tudo virá abaixo.


— Virá abaixo? O que você está falando?


— Essa parte da cidade. Está muito decadente.


— Mas é o centro histórico de Melchester. Certa­mente está cadastrada. Protegido, talvez? Onde você ouviu isso?


Sua mãe deu de ombros. Alguém mencionou algo no bingo na noite plissada. Ela ouviu de alguém que conhece uma menina que trabalhou por um tempo no departa­mento de planejamento que será incluído no novo plano de desenvolvimento.


— Oh, sim, apenas rumores. Você me deixou preo­cupada por um segundo. Pode trazer um bolinho extra? Tem um decorador trabalhando no aparta­mento lá em cima e tenho certeza de que ele vai gostar de uma xícara de chá.


— Apartamento?


— Maggie me ofereceu o apartamento no andar de cima. É bem legal, pelo menos será quando esti­ver decorado. Se eu fosse ficar em Melchester. Eu levaria você para olhar, mas Archie vai fazer você espirrar a manhã inteira.


— Archie?


— Grande, rajado e castrado.


— Que pena. Homens são como bicicletas. Você leva um tombo, e logo se levanta, antes de perder a confiança.


Levemente chocada, Hermione disse:


— Achei que isso fosse com cavalos.


— Cavalos, bicicletas... qual a diferença? É tudo transporte.


— Não notei nenhuma vontade de sua parte em fazer a viagem. Meu pai a desanimou tanto assim?


— Seu pai... — ela parou. — Vou lá na padaria.


Hermione deixou passar.


— Pode me trazer uma bisnaga? E pode trazer também um bom pó de café e leite? Espere, vou pegar dinheiro.


— Não se preocupe com isso. Você me paga de­pois. Diga-me, esse apartamento, ele está ligado ao trabalho?


— Não existe trabalho. Estou apenas ajudando numa emergência, mas se eu estiver ultrapassando os limites da minha estada é só dizer.


A porta da loja se abriu.


— Está aberto? Ouvi dizer que Maggie está no hospital, mas esperava poder pegar um livro.


— Entre — disse Hermione, ignorando o sorriso de sua mãe enquanto saía para a padaria. — Vamos ver se podemos encontrá-lo para você.


Ela recebeu alguns clientes que ouviram sobre o acidente e estavam ansiosos para receber seus li­vros. Levava tempo para convencê-los de que a livraria não iria fechar as portas — pelo menos não num futuro próximo — e ela ainda não tinha conse­guido chegar na cozinha para ferver a água quando sua mãe voltou.


— Não se preocupe, tomo o chá no trabalho — ela disse, ao deixar a bolsa sobre a mesa. — Você preci­sa de algo de casa?


— Você não precisa ficar correndo atrás de mim, mamãe.


— Você vai ficar muito apertada aqui sozinha.


— Isso é verdade. Eu estava querendo ir ver Maggie essa tarde, acertar umas coisas. Ficaria muito mais feliz se ela me deixasse entrar em contato com o filho para que ele possa tomar conta do negócio. Mas acho que isso vai ter que esperar até a noite.


— O que você precisa é de uma garota capaz de lhe ajudar. As escolas estão sem aulas para a Páscoa no fim de semana e uma das mulheres no trabalho tem uma menina que talvez esteja interessada em ganhar um dinheirinho extra. É uma menina boa. Confiável. Posso pedir que ela venha conhecer você?


Ela quase não hesitou. Maggie a tinha trabalhan­do ali de graça.


— Por favor. O quanto antes.


— Ótimo. E venho cobrir você durante o almoço, se quiser. Pode pegar o meu carro para ir ao hospi­tal.


— Você sabe que é uma mãe e tanto. Não digo isso vezes suficientes.


— Sim, bem, seja agradável com a pobre senho­ra. Ela começou logo cedo para mim hoje.


— É mesmo?


Sua memória a supriu com uma lembrança ins­tantânea de Harry demonstrando esse truque. O sorriso de satisfação e prazer consigo mesmo em que os homens são tão bons. Aquele que dizia: Você não acha que eu mereço um grande...


-Bem, excelente! — ela declarou. — Vamos tor­cer para que ela ainda esteja de bom humor na hora do almoço.


O olhar de sua mãe sugeria que ela havia ultrapas­sado um pouco o limite, num esforço para calá-lo.


— Você está bem, Hermione? Está com o rosto vermelho.


— Estou bem — ela disse, grata pelo seu celular ter tocado, dando-lhe a oportunidade de encerrar a con­versa. — Absolutamente bem. Vou lá e volto dentro de uma hora, se o tráfego permitir — ela disse, espe­rando que sua mãe saísse antes de abrir o telefone.


— Hermione Granger.


— Olá, princesa.


Harry! Por que diabos ela não checou no vi­sor para ver quem ligava antes de atender? Isso te­ria dado tempo para ela recuperar o fôlego...


— Perdi uma ligação e pensei que pudesse ter sido você.


— Pense de novo.


Ele fez um som de lamento. Que irritante. A ar­rogância do homem, achando que fosse ela. Pres­supondo que ela estava mentindo.


Por que ela mentiria?


Por que ela mentiu?


— Então, como está? — ele perguntou. — Conse­guiu dormir na noite passada?


Dormir?


Respire, respire, ela disse a si mesma enquanto seu cérebro tentava formular uma resposta. Algo distante o suficiente, frio o suficiente para indicar que ela não passou um só segundo pensando nele.


— Dormir? — ela repetiu tentando ganhar tempo. Você sabe, deita, fecha os olhos, e se tiver sorte. quando se der conta já está de manhã. Era para você estar fazendo isso no sofá de Maggie. Então, como foi? Estava quente o suficiente?


— Oh, dormir. Sim, foi tudo bem, obrigada. Archie foi uma ótima bolsa de água quente.


— Eu teria sido melhor.


Não havia resposta para isso — ou pelo menos nenhuma que ela estivesse preparada para contem­plar — então disse:


— Só espero que não esteja usando o telefone enquanto dirige, Potter. Mesmo sem segurá-lo é muito perigoso.

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