A traição



2 - A traição



Na manhã seguinte Lily estava extremamente cansada. Dormira mal e tivera diversos pesadelos terríveis. Lembrava-se claramente do pior deles, em que flagrava Kyle beijando Amanda. Parecera tão real que ainda perturbava Lily. Ela esfregou os olhos para tentar afugentar os demônios que a haviam atormentado durante o sono, se levantou e foi se olhar no espelho para avaliar os possíveis danos que a noite mal dormida pudera lhe causar.


– Que ótimo – disse ela com amargura. – Pareço um panda.


Lily desceu as escadas do dormitório e encontrou Kwon terminando a redação de Poções para o dia seguinte. Seus longos cabelos castanho-escuros estavam soltos, ela usava um suéter de cashmere rosa-chiclete e um gorro branco. Ela parecia bastante concentrada enquanto analisava algo de um livro e logo depois voltava a escrever.


– Bom dia, K – disse Lily ao sentar-se ao lado de Kwon no sofá em frente à lareira. – Dormiu bem? Eu não.


– Por quê? – perguntou Kwon. – Deve ter sido aquele pudim de chocolate. Eu te avisei para não comer aquela terceira tigela!


– Kwon, olhe só pra mim. – disse Lily.


Kwon olhou para Lily com seus olhos escuros e franziu as sobrancelhas.


– Credo. – disse ela. – Dois quilos de maquiagem. No mínimo.


– Valeu, K. – disse Lily sarcasticamente.


– Não foi uma indigestão por causa do pudim? – perguntou Kwon voltando a olhar o livro.


– Acho que não. – disse Lily. – Sabe aquela tal de Becky Dietrich?


Kwon piscou algumas vezes tentando se lembrar.


– Não.


– Bom, eu também não a conhecia até ontem. – contou Lily. – Mas ela veio falar comigo e me disse para tomar cuidado com Kyle.


– Como assim? – perguntou Kwon com os olhos apertados.


– Ela disse que ele a traiu com a Amanda Davidson. – explicou Lily.


– A vagabunda da Corvinal? – indagou Kwon, ao que Lily assentiu. – Puxa vida. Quer dizer, eu nem sei como aquela coisa foi selecionada para a Corvinal! Eu achava que é necessária muita inteligência e determinação para...


– O que eu faço, K? – interrompeu Lily, correndo os dedos nervosamente pelos cabelos ruivos.


Kwon suspirou.


– Acho que devia ouvir o conselho dela. – disse Kwon. – Ex-namoradas geralmente são muito sábias.


Durante o almoço Lily decidiu que seria mais cautelosa em relação à Kyle. Se ele hipoteticamente havia traído duas namoradas com a mesma garota, quais eram as chances que repetisse o ato? Lily não queria pensar que ele era um provável cafajeste.


Naquela tarde Lily observou Kyle de longe enquanto conversava com Kwon, Amelia e Alice. Ele conversava com uma garota muito bonita de cabelos muito louros, quase platinados. De repente os dois se levantaram e saíram dali juntos.


– Eu já volto. – disse Lily ao se levantar para segui-lo.


Kyle e a garota loura foram até o corredor das masmorras e Lily tomou todo o cuidado para não ser vista. Quando eles finalmente pararam de andar, Lily se escondeu atrás de uma estátua e ficou espiando os dois. Seu coração pareceu ter levado uma marretada quando Kyle segurou o rosto da garota entre as mãos e a beijou. A garota retribuiu àquele beijou e até mesmo deixou que ele avançasse mais, deixando que ele corresse as mãos pelo seu corpo.


– E a sua namorada? – perguntou a garota.


– Eu não tenho namorada. – respondeu Kyle antes de beijá-la novamente.


O coração de Lily ficou ainda mais apertado.


– Mas eu o vi com uma ruiva. – disse a loura.


– Não ligue para ela, Amanda. – disse Kyle. – Ela é só um estepe quando você não está disponível.


Lily sentiu um bolo se formar em sua garganta enquanto tentava segurar as lágrimas. Kyle havia traído Wendy. Ele havia traído Becky. Agora era Lily quem o estava observando nos braços de outra. Nos braços de Amanda Davidson. Lily fechou as mãos em punhos, sentindo-se tremendamente idiota.


Sem nem cogitar a possibilidade de ser vista, Lily saiu correndo dali, subindo as escadas de dois em dois degraus e empurrando algumas pessoas enquanto corria para o seu dormitório. Ela se jogou na cama e enterrou o rosto no travesseiro, chorando inconsolável.


– Como eu sou idiota! – gritou ela para o travesseiro.


Quando Kwon retornou ao dormitório encontrou Lily encolhida sob as cobertas, chorando baixinho. Aproximou-se timidamente dela e se sentou ao lado dela na cama. Delicadamente removeu uma mecha de cabelos que caía no rosto dela.


– Aconteceu, K – fungou Lily ao virar-se para encarar os olhos meigos da amiga. – Ele me traiu com a Amanda.


– Sinto muito, Lily. – disse Kwon com suavidade.


– Dói tanto. – choramingou Lily antes de abraçar Kwon e chorar ainda mais.


– Eu sei. – suspirou Kwon.


Kwon deitou ao lado de Lily, uma virada para a outra. Kwon jamais tinha sentido a dor da traição, mas podia imaginar o sofrimento pelo qual a melhor amiga estava passando. Lily era sua melhor amiga desde o dia em que chegaram a Hogwarts, sete anos antes. A felicidade de Lily era a sua felicidade, assim como a dor dela era a sua própria dor.


*


No dia seguinte Lily estava um pouco melhor. A dor parecia mais amena e o mundo parecia muito mais claro. Ela decidiu que procuraria Becky e lhe contaria tudo, pois se não fosse por ela, Lily jamais teria ficado alerta e descoberto a traição. O que mais doía dentro de Lily era que ela não sabia que isso vinha acontecendo há tempos ou se fora apenas no dia anterior.


Durante o almoço Lily procurou Becky na mesa da Lufa-Lufa. Os olhares das duas se encontraram e Becky assentiu, compreendendo tudo ao ver a tristeza estampada nos olhos de Lily. Becky fez um sinal para que elas se encontrassem nos jardins depois do almoço.


– Aconteceu? – perguntou Becky quando Lily a encontrou perto da escada de entrada.


Lily permaneceu de cabeça baixa.


– Eu sei que ele parecia perfeito, mas ele foi capaz de trair três namoradas. Na minha concepção isso não é sinônimo de perfeição. – disse Becky suavemente.


– Eu sei. – murmurou Lily. – Só não queria ter que passar por isso.


– Ele a traiu com a Amanda? – perguntou Becky e Lily assentiu.


– Ele disse que eu sou só um estepe. – suspirou Lily sentindo o bolo se formar novamente em sua garganta.


– Não fique triste, Lily. – disse Becky com um sorrisinho transtornado. – Você não precisa dele.


Depois da aula de Feitiços, enquanto Lily conversava com Kwon no corredor apinhado, Kyle aproximou-se dela com um sorriso.


– Com dia, Lily. – disse ele.


O coração de Lily deu um salto e então pareceu congelar. Todas as lembranças pareceram explodir como um banho gelado. Kyle havia traído ela e mais duas garotas com uma vagabunda qualquer. Lily não queria que ele lhe dirigisse a palavra.


– Evans, pra você. – sibilou Lily, tentando manter-se indiferente.


– Como assim? – perguntou ele, aparentemente confuso.


– Vamos pôr dessa forma. – disse Lily. – Você me traiu, então tecnicamente não tem o menor direito de me chamar pelo meu primeiro nome.


– Eu não faço idéia do que você está falando. – disse Kyle erguendo as sobrancelhas.


– Você disse que me amava! – berrou Lily. – E depois me traiu!


Várias cabeças se voltaram na direção deles, mas Lily não se importou. Ela queria que o mundo soubesse o idiota que Kyle realmente era.


– Eu te amo mesmo. – afirmou ele.


– Mas o verdadeiro amor não cede a tentações. – citou Lily, ficando ainda mais furiosa.


– Eu nunca disse que o meu amor era verdadeiro. – disse ele salientando as palavras.


Sentindo o sangue ferver, Lily ergueu a mão e bateu com toda a força que tinha no rosto macio de Kyle. Ele arregalou os olhos, surpreso, e massageou o local em que ela batera. Quando ele ergueu a mão para revidar o tapa, ele foi lançado longe.


– Nem pense nisso! – exclamou uma voz vinda de alguns metros atrás de Lily.


Lily virou-se para olhar e se deparou com James com a varinha em punho apontada para Kyle, que se levantava.


James e Kyle encararam um ao outro com olhares fulminantes. Lily jamais tinha visto James com tamanha fúria no olhar. Kyle se levantou e, depois de lançar um último olhar furioso para Lily e James, saiu correndo.


James riu sarcasticamente. Kyle Blake era mesmo um idiota.


James, então, se aproximou de Lily e colocou as mãos nos ombros dela.


– Você está bem, minha ruivinha? – perguntou ele parecendo preocupado.


– Não sou sua ruivinha, Potter. – resmungou Lily removendo as mãos dele.


Com um dar de ombros James se afastou e começou a caminhar para longe.


– Obrigada. – disse Lily para ele.


James se virou para olhar para ela e sorriu marotamente, desaparecendo na multidão.

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