Capítulo Dois



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Capítulo Dois


Estranho me acompanhou até em casa, no carro de minha mãe. Fiquei incerta, no começo, de que isso seria certo. Afinal, eu estava levando um rapaz para casa. Um rapaz bêbado ou talvez que tenha usado drogas, ou talvez até em depressão, mas ainda assim era um rapaz. Me perguntei o que minha mãe iria dizer quando o visse – porque eu não tinha acreditado de forma alguma nessa de “Ninguém pode me ver porque eu estou morto”.


Mas, quando entrei no carro e ele no banco de trás, varias coisas estranhas aconteceram ao mesmo tempo. Primeiro porque em um minuto ele estava do lado de fora e no minuto seguinte estava no banco de trás, olhando com curiosidade para minha mãe. Eu não estava olhando, mas teria tido pelo menos algum barulho quando ele abriu e fechou a porta, não? Mas não teve.


Depois porque minha mãe começou a tagarelar alegremente pra mim, como se fosse absolutamente normal que morenos de um metro e oitenta entrassem no banco de trás do seu carro. E minha mãe o ignorou completamente. Ela nunca fazia isso. A idéia de um garoto ao meu lado a fazia ter gatinhos de alegria.


Talvez ele estivesse mesmo morto. O que significava que eu podia ver e falar com os mortos. Ou então tinha ficado completamente louca.


Estremeci.


- Está tudo bem, querida? – minha mãe falou. Ela realmente não podia ver Estranho.


- Hm, está – eu não sabia se estava bem ou não, mas mesmo assim lhe respondi. Ele estava no banco de trás, olhando o carro com uma expressão estranha, como se nunca tivesse visto algo assim na vida – O que foi, algum problema?


- Não, tudo bem. Apesar de que o menino ainda não melhorou e... – minha mãe voltou a tagarelar, mas eu não estava falando com ela.


A pessoa certa me respondeu:


- Esse lugar… esse carro. Está me deixando apreensivo.


- Porque? – (minha mãe entendera que eu tinha perguntado por que outro paciente dela teve hemorragia interna).


Eu o observei mais atentamente agora. Não sei o que esperava ver: um corte no pescoço como se ele tivesse sido decapitado ou um pouco mais de palidez, lembrando a transparência dos fantasmas?


- Não sei, não me lembro – ele me olhou – Esse lugar me dói a cabeça.


Talvez ele tivesse morrido em um acidente de carro. A perspectiva disso me doeu o peito. Eu não o conhecia, mas estava estranhamente ligada a ele, de alguma maneira. Era definitivamente estranho.


- Sua mãe é muito parecida com você – ele sorriu e eu devolvi o sorriso, corando – Ela está lhe perguntando sobre o seu dia.


Eu não tinha ouvido nem uma palavra do que minha mãe falara desde que entrara no carro. Respondi rapidamente que fora ótimo e fiquei o resto do caminho até em casa acenando com a cabeça nas horas certas, o pensamento muito distante dali. Ou talvez somente no banco de trás.


Me parecia muito injusto que um garoto como ele estivesse morto (eu ainda lutava horrivelmente frente a essa ideia). E não somente porque ele era muito bonito. Mas porque ele era muito jovem. Ninguém deveria morrer tão novo assim, era injusto.


- Aonde você vai, querida? – perguntou minha mãe assim que chegamos em casa. Eu tinha disparado pelas escadas, feliz em saber que Estranho ainda estava ao meu lado. Tive medo que ele desaparecesse novamente. Será que me encontraria de novo? Nós estávamos longe da escola.


- Tenho que fazer um dever de casa.


Ela resmungou que eu já tinha ficado o dia inteiro na escola, mas não me virei para dar alguma desculpa.


Era completamente ridículo o fato de eu estar nervosa ante a perspectiva de ter um garoto no meu quarto pela primeira vez. Ainda mais se considerarmos o fato de que o garoto em questão está supostamente morto (ou eu estou supostamente louca, o que acho bem mais provável). Mas o fato é que eu estava em pânico. E se tivesse deixado alguma calcinha em cima da cama? Não me parecia delicado dizer a um defunto “Olhe, fique aqui fora cinco minutinhos enquanto eu tiro a roupa suja do chão e faço a cama, pode ser?”.


- Esse é o meu quarto – falei pateticamente quando abri a porta. Por um minuto pensei se ele podia atravessar paredes.


Foi um imenso alivio ver que não tinha nada que não deveria estar ali. Talvez minha mãe tivesse dado uma passada no meu quarto e arrumado as coisas, hoje mais cedo. Fiz uma nota mental de agradecer a ela quando não estivesse com um fantasma no meu quarto.


- É lindo – ele disse e se sentou na cama – É como você, Lily Evans.


Corei. Ele estava me elogiando? Eu não sabia ao certo.


- Obrigada – respondi assim mesmo. Então me lembrei que tínhamos assuntos mais urgentes para resolver ali. Por exemplo, como ele se chamava. – Você estava esquisito no carro – comentei.


- Acho que não gosto muito de carros – comentou. Ele tinha se levantado novamente. Agora circulava pelo meu quarto e mexia em tudo. Nos meus enfeites, nos meus livros, nos meus retratos... Ele era absurdamente curioso para um fantasma.


- Você… você não se lembra de nada?


Achei que estava sendo chata e insistente. Ele agora me olhava com curiosidade. Era tão, tão, tão bonito que eu não conseguia pensar direito enquanto ele me olhava assim. Por um minuto tive a ilusão de que ele me agarraria e me levaria para a cama, onde arrancaria minhas roupas com os dentes. Aí eu me lembrei que ele estava morto. Droga.


- Uma luz – ele franziu a testa – Gritos… dor… muita dor… - o olhar dele se tornou vago. Eu não tinha visto que tinha chegado mais perto – Uma mulher chorando...


- Você podia tentar se lembrar como se chama…


Dava para ouvir minha mãe cantando lá de baixo. Por um minuto, um minutinho só, eu considerei a hipótese de fazê-la parar. Minha mãe como cantora era uma ótima médica. E, embora ela não soubesse disso, eu estava com visita no meu quarto. Visita supostamente morta e que não sabia o nome, mas ainda assim era visita.


- Eu gosto da sua mãe, sabia? – ele comentou, ignorando novamente a questão do nome. – Ela é uma boa mulher.


- Ela ignorou você – me sentei na cama. Ele se sentou na minha frente e meu coração saltou – Geralmente ela é mais bem educada, posso lhe garantir. Sinto muito por isso.


- Eu estou morto, Lily Evans – ele sorriu. Assim, de pertinho, o sorriso dele era ainda mais bonito – Só você pode me ver.


Agradeci aos céus por isso.


- Gostaria que parasse de me chamar de Lily Evans – pedi – Só Lily está bom. E queria também que parasse de dizer que está morto. Eu não falo com os mortos, Estranho. Se eu falasse, poderia falar com o meu pai, não é mesmo?


Ignorei uma fisgada de dor em algum lugar próximo ao coração. Isso sempre acontecia quando eu falava em meu pai. Se eu realmente pudesse falar com os mortos, meu pai teria vindo me ver nos momentos em que eu mais precisara. Mas ele não veio, e eu não falo com os mortos.


- Não me chame de Estranho! – foi a vez dele pedir – Não gosto.


- Você não me diz seu nome – amarrei a cara.


- Porque eu não sei! – ele me acompanhou.


- E não quer fazer força nenhuma para lembrar!


Ele me ignorou totalmente, mais uma vez. Para um fantasma, ela era absurdamente irritante! Talvez estivesse achando graça em me ver aborrecida, porque ele levou uma das mãos dele às minhas. Mas não a tocou infelizmente. Ficou à dois centímetros da minha pele, como se quisesse sentir seu toque.


- Eu posso sentir sua pele – sussurrou – Ela é quente.


- Você pode me tocar?


Não sei o que deu em mim parar perguntar isso. Talvez tenha sido o fato de que ele era um fantasma, e nenhum fantasma tinha me tocado antes. Talvez tenha sido porque eu imaginava a sua pele fria, e queria sentir isso na minha. Talvez eu quisesse somente que ele tocasse em mim.


- Você é uma garota, Lily – meu coração vibrou quando ele me chamou de Lily.


- Até onde sei, eu sou – respondi tolamente.


- É muito parecida com sua mãe – ele sorriu de lado – É boa, é bonita…


Se eu quisesse me afastar, eu não teria conseguido. Porque cada mínima partícula do meu corpo parecia ter sido preenchida por bolhas de sabão, e as minhas entranhas remexiam como se fossem cobras vivas. Ninguém nunca me elogiara antes. A Marlene, sim. Mas a mim? Nunca. Fui tomada por um ímpeto de chorar. Porque o único garoto que me elogiou tinha que estar morto?


- Seus olhos… - ele falou sem jeito. Comecei a desejar que ele se afastasse, que fosse embora novamente – Você está chorando?


Não sei o que me dominava, nem o que fazia com que eu tivesse a impressão de que conhecia aquele fantasma a minha vida toda. Mas uma parte de mim queria saber onde ele estava enterrado e me desmanchar em lagrimas sobre o seu caixão. Era um pensamento meio sombrio, e eu o afastei com um aceno de cabeça. Bem como as lágrimas.


- Não – respondi – Eu queria mesmo saber o seu nome. E porque você ainda está aqui...


- E o porque de ter encontrado justamente você – ele completou meu pensamento.


Nunca soube de ninguém que tinha convivido com um fantasma para que pudesse me dar uma luz sobre o que estava acontecendo agora. Por um instante fugaz e idiota, eu me perguntei se estava sonhando. Mas nem em meus melhores sonhos seria capaz de imaginar alguém como ele. E, se eu estivesse sonhando, acho que ele estaria vivo ainda. Mesmo que muitos filmes, livros e revistas falassem sobre gente que fala com mortos, eu nunca tinha acreditado em nada disso.


O que eu faria quando ele fosse embora? Sim, porque ele iria algum dia, eu não podia esperar que ele ficasse ali para sempre, não é mesmo? Ele simplesmente seguiria o seu caminho, e não passaria de uma lembrança que o tempo daria conta de empalidecer.


- Meu nome é James – ele disse, como se eu tivesse feito essa pergunta pela primeira vez – James.


Sorri, o encorajando. Será que só o que o prendia na Terra era o fato de desconhecer sua identidade? Intimamente, eu quis que ele não lembrasse mais de nada.


- E o sobrenome?


Era incrível, mas eu deveria ter adivinhado que era esse o nome dele. Porque não podia ser outro, entende? Ele tinha cara de James, voz de James, tudo de James… Ele era o meu James.


Ignorei o pensamento.


- Demorei um dia para descobrir meu nome, vou dormir no seu quarto, e você ainda quer meu sobrenome? – ele sorriu e piscou.


Fiquei vermelha, mas ele parecia estar se divertindo completamente com isso. Senti meu coração ir parar em algum ponto perto do baixo ventre. Nem reparei, de primeira, que ele tinha encostado a mão na minha e a afagava levemente.


Sua mão era um pouco mais gelada e dura do que eram as mãos normais, mas não chegava a ser exatamente como a mão de um cadáver. Eu me lembrava perfeitamente da textura e temperatura que tinha a mão do meu pai, quando eu a apertei no velório. A mão de James parecia a de alguém que tinha acabado de tirá-la de um recipiente de gelo.


- Então, seu nome é James – repeti tolamente, mais para quebrar o silêncio do que parar qualquer outra coisa – E você morreu em um acidente de carro. Certo.


- Como sabe que morri assim?


Tive vontade de socar a cara dele. Porque ele ficava repetindo que morreu? Eu dizer era uma coisa. Mas quando ele dizia, tudo se tornava horrivelmente real.


- É bem óbvio, não é? – sorri – O jeito que você ficou no carro, as coisas que você disse que lembra…


James sorriu para mim e eu senti meu coração amolecer novamente. Eu podia ficar ali para o resto da vida, encarando aquele fantasma, que não iria reclamar.


- Lily! Vem jantar! – minha mãe gritou de lá de baixo.


Pulei de susto.


- Estou indo! – berrei de volta.


- Posso ficar aqui? – James pediu – Gosto de ver você nas fotos.


Ele apontou para uma foto potencialmente vergonhosa, onde eu, com dez anos, sorria com o dente sujo de feijão. Estremeci e passei a língua pelos dentes só por segurança.


- Pode – respondi, mas não pude deixar de completar: - Você ainda vai estar aqui quando eu voltar?


Porque eu acho que não conseguiria dormir se ele fosse embora novamente; a dúvida de ele ter partido ficaria me atormentando a noite toda.


- Vou – ele respondeu e eu pude respirar em paz novamente – Vou ficar ao seu lado para o resto da vida, se você me quiser.


E, um pouco mais aliviada, eu desci para jantar. Quando eu voltei, ele ainda estava lá, absolutamente perfeito.


 


- Lily! – Marlene gritou assim que me viu por os pés no pátio da escola. – O que deu em você? Liguei para a sua casa ontem, não eram nem oito horas, e sua mãe disse que você estava dormindo! Tínhamos marcado há dias de sair ontem, como pode esquecer?


Eu tinha engolido o meu jantar muito rapidamente ontem, e murmurei para minha mãe que estava exausta e queria dormir. Fiquei até quase quatro horas da manhã conversando com James. Ele era muito engraçado, estava me contando suas tentativas para ser notado por alguém, antes de me conhecer. Eu só tinha conseguido dormir quando ele pegou minha mão e ficou fazendo carinho. Talvez esse fosse um hábito que tínhamos pegado, porque ele fez isso varias vezes naquela noite. Quando eu acordei, ele não estava mais lá. Fiquei o caminho todo imaginando onde poderia ter ido, nem se quer ouvi o que minha mãe dizia sobre a piora no estado do garoto do acidente. Depois eu poderia me sentir culpada por isso.


Agora eu devia me sentir culpada por ter furado o compromisso com Lene.


- Ah, Lene! – bati na testa para enfatizar meu arrependimento – Me esqueci completamente, me desculpe!


- Como você pode se esquecer? – perguntou, magoada.


Tínhamos passado séculos planejando uma ida ao cinema, ver a estréia de um filme que ambas adorávamos. A chegada de James em minha vida aparentemente tinha apagado todos esses detalhes mundanos da minha mente.


- Desculpe, desculpe mesmo! – implorei – Eu tinha… outras coisas na cabeça.


Por um instante pensei em contar tudo a ela. Mas desisti no momento seguinte, pelo mesmo motivo que não contei nada a minha mãe: eu queria que esse fosse um segredo só meu. Eu sabia que as duas iriam acreditar inteiramente em mim, mas eu não queria dividir James com ninguém.


O que era absolutamente ridículo, uma vez que ele estava morto.


E nem me deixou um bilhete no dia seguinte.


Sacudi a cabeça.


- Alguma pista do homem invisível? – Lene perguntou, perspicaz.


Droga.


- Acho que, no final, eu estava imaginando coisa – ri deliberadamente.


Eu era completamente patética no quesito esconder algo de alguém. No carro, fiquei o tempo todo encarando meus joelhos enquanto minha mãe falava do seu paciente. Na escola, ficava encarando meus livros no armário, como se os tivesse escolhendo, para evitar encarar Marlene. Eu era patética.


- Não acho que seja esse o caso – senti seu olhar desconfiado.


Dei graças a Deus pelo sinal ter tocado naquele momento, nunca viera tanto a calhar. Murmurei qualquer coisa sobre ela estar imaginando coisas também, e segui apressada para a aula de química, grata por Marlene não estar nessa comigo.


Não consegui prestar atenção em um “a” que o professor dissera. Parecia que me cérebro tinha se ausentado, e eu ficava lembrando da voz do James, da sua risada, da maneira que ele bagunçava os cabelos e como sorria abertamente, mostrando todos os dentes brancos e perfeitos que tinha na boca.


Meu dia foi um verdadeiro desperdício de tempo, totalmente horrível sem James ali. Sem aquela presença contínua e completamente minha. Fui mais vezes do que era realmente necessário à biblioteca, esperando encontrá-lo lá, mas ele simplesmente não estava em lugar algum. Quando meu relógio marcou onze horas, eu já estava decididamente em pânico.


E se ele tivesse me deixado? E se, seja qual fosse a sua missão na Terra, ele a tivesse cumprido e ido embora? E se tudo não tivesse passado de um sonho? Um sonho incrível, sim, mas um sonho? Eu não podia lidar com essas possibilidades, eu simplesmente não podia acreditar que ele fora embora. Eu me sentia vazia e incompleta, como se metade de mim (uma metade próxima ao coração) tivesse ido embora com aqueles olhos castanho-esverdeados. Tinha ido embora para sempre…


- Oi, Lily Evans! – disse alguém atrás de mim na cantina.


Tomei um susto tão grande que pulei quase trinta centímetros e derrubei o almoço de Marlene (“Desculpe, desculpe, desculpe, Lene!”) no chão.


- Você sumiu o dia todo – falei um pouco magoada.


Tinha pagado o meu almoço e o novo almoço de Marlene (“Não seja retardada, você não precisa fazer isso!”), e fui me sentar em uma mesa afastada com James. Marlene se chocou, porque aparentemente eu tinha ido me sentar em uma mesa para almoçar sozinha. Mas não liguei exatamente para isso. Abri um livro e fingi que estava almoçando enquanto estudava. Pude vê-la revirar os olhos enquanto olhava para mim.


- Desculpe – pediu.


A sua voz culpada fez meu coração derreter, onde quer que ele estivesse no momento. Era muito injusto que ele fizesse essa cara de cachorro abandonado para cima de mim! Perguntei-me, vagamente, o que eu tinha feito para merecer aquele fantasma absolutamente pidão.


Revirei os olhos. Ele deve ter tomado aquilo como um “está perdoado”, porque abriu o maior sorriso do mundo (localizei meu coração; ele estava parado, derretido, em algum lugar próximo aos meus pés).


- Não sei por que saí do seu quarto ontem, me desculpe – por um momento de pânico, eu ia gritar para ele falar baixo. Imagine o que iam pensar de, se alguém ouvisse uma coisa dessas? Aí eu me lembrei que era a única pessoa que o ouvia e pude respirar novamente. – Meio que senti uma pontada na cabeça, e tudo ficou escuro, escuro de verdade. Então, uma luz muito forte me cegou. Pode parecer piegas, mas eu ia seguir a luz…


Eu estava completamente aterrorizada. Tanto que parei o garfo a meio caminho da boca, e nem reparei que meu purê caiu de volta no prato. Num espaço não muito bem localizado da minha mente, eu imaginei o que as pessoas estariam pensando ao ver essa cena: Lily Evans sentada sozinha, com um garfo parado e vazio em direção a boca e os olhos arregalados. Mas eu tinha coisas mais importantes a tratar no momento. Como o fato de que o meu fantasma quase tinha ido para a luz.


- E porque não foi? – não pude deixar de ficar um pouco chateada. Ele iria e não me falaria nada?


Aí eu me lembro que ele é o fantasma que assombra a minha vida, e não meu namorado. Droga.


Não que eu quisesse que ele fosse isso, nada a ver.


- Ouvi sua voz – ele deu de ombros – Então, voltei.


- Voltou? – sussurrei – Assim, como se fosse fácil?


Ele revirou os olhos. Talvez tivesse convivendo muito tempo comigo.


- Desde quando fantasmas sentem dores de cabeça?


Mas ele não me respondeu essa pergunta, porque meu celular tocou exatamente nesse instante. Era minha mãe.


- Oi, mãe – falei.


- Lily, querida, tudo bem? – ela não esperou por resposta – Olhe, vou ficar presa aqui no hospital noite a dentro, ok? Não pegue carona com estranhos, prepare seu jantar e não saia de casa, ok? Estou tendo um dia péssimo…


- O paciente do acidente? – perguntei interessada. Tinha sido muito grosseira com ela ontem a noite e hoje de manhã. O máximo que poderia fazer para compensar era me interessar pelos problemas dela. Era parte do meu papel como filha – O que está em coma?


- Foi uma noite horrível! E ninguém me telefonou, o que me deixa ainda mais alucinada! Já gritei com pelo menos vinte – ela começou a tagarelar. Fiquei observando James brincar com as páginas do meu livro e prestei somente metade da atenção ao que ela dizia – Deviam ter me ligado ontem a noite, francamente, eu sou a diretora desse hospital! O caso é que o menino teve uma piora ontem, entende, seus batimentos diminuíram. E hoje, quando eu cheguei, bom, por pouco não o perdemos… Seus batimentos pararam por um minuto completo, tivemos que reanimá-lo. Ele não está nada bem. A mãe do garoto chora horrores, o pai ultrapassou o consolo das lágrimas, estou revivendo os dias da doença de seu pai! Só um milagre salva a vida desse menino, eu não sei mais o que fazer.


­- Vai dar tudo certo, mamãe – murmurei. Eu tinha prestado novamente atenção. Minha mãe parecia à beira das lagrimas – Você é uma excelente médica.


- Obrigada, querida. – senti seu sorriso – Preciso desligar agora, vamos fazer uma nova bateria de exames. Por favor, se cuide? Eu amo você.


Ela desligou o telefone. Coitado desse menino, pensei. Imaginei o que tinha sido para a família de James quando ele morreu. A agonia de ver um menino tão encantador quanto ele morto. Me arrepiei.


- Problemas com sua mãe? – ele perguntou.


- Com um dos pacientes dela – sorri – Nada que você precise se preocupar.


 


Conforme minha mãe pedira, eu tinha ido direto para casa depois da escola. Para a irritação de Marlene, que queria minha companhia para ir comprar um novo par de sapatos. Ela reclamou muito comigo durante a aula de literatura, dizendo que eu não lhe dava mais atenção e que estava muito estranha, falando com as paredes.


Ela só não sabia que as paredes atendiam pelo nome de James.


- Você pode comer? – fiquei meio incerta, segurando uma frigideira na mão e o olhando.


Era incrivelmente fácil para mim conversar com James agora. Era natural. Ele passou o tempo todo na escola ao meu lado, segurando a minha mão e rindo quando eu perdia o foco, coisa que aconteceu um número vergonhoso de vezes. Eu queria ir para algum lugar mais calmo, talvez lhe mostrar um dos meus parques favoritos na cidade. Mas ele se recusou categoricamente e disse que minha mãe queria que eu fosse para casa.


- Não, Lily – ele deu o seu sorriso miseravelmente encantador – Não como.


E ergueu as sobrancelhas, malicioso. Mas não lhe dei o prazer de me ver corar; virei de costas e escolhi ingredientes para qualquer coisa que eu estivesse preparando. James ainda ria, estirado no sofá e lendo um dos meus livros de romance. Ele ficava absurdamente bonito assim.


Fantasma abusado!


- O que está fazendo com esse livro? – perguntei mais para não ficarmos em silêncio.


- Peguei no seu quarto ontem à noite – deu de ombros – Eu pretendia levar ele pra escola e ficar lendo enquanto você assiste as aulas, mas fui inventar de seguir a luz, então… - ele deu de ombros e riu da própria piada.


Por um segundinho só eu fiquei fantasiando… Ele tinha feito planos para ficar ao meu lado o dia todo…


- Aham, como se ninguém fosse notar um livro flutuando no meio da classe de física – falei com sarcasmo, ignorando meus pensamentos.


James não me respondeu, só ficou me olhando cozinhar. Eu ia deixar um prato pra minha mãe no microondas, ela chegaria morrendo de fome e talvez eu estivesse dormindo. Era o melhor que eu podia fazer para compensar meus dias de Jamesite aguda (?).


Me ignorei.


- Vamos comer no jardim dos fundos? – perguntei – Aqui dentro fica meio deprimente sem minha mãe.


- Você vai comer, eu vou observar – ele corrigiu. Era impressão minha ou seu olhar tinha recaído sobre o meu short curto e a minha camiseta folgada?


Impressão, claro.


- O que aconteceu com seu pai? – ele perguntou.


O jardim dos fundos da minha casa fora construído pelo meu pai. Era absolutamente lindo, com um gramado e muitas flores de vários tipos. Tinha dois banquinhos e umas árvores nanicas. Mamãe jogou as cinzas dele aqui. Era o lugar onde eu mais o sentia presente.


- Meu pai morreu – disse com simplicidade – Eu tinha 12 anos. Morreu de câncer nos ossos, entende?


Ele assentiu.


- Minha mãe nunca teve ninguém, ela ainda o ama muito – sorri – Eu a ouço chorar quando ela acha que eu fui dormir…


Assim como eu chorava quando ela estava dormindo. Era a pior coisa do mundo acordar e não vê-lo tomando café com o jornal aberto, reclamando que seu time perdera e que o preço das coisas estava pela hora da morte.


- Não chore – pediu James – Por favor.


Ele passou os dedos pelas minhas bochechas, afastando uma lágrima teimosa. Uma corrente de eletricidade passou pelo meu corpo. Ele era sólido demais para o meu gosto.


- Você tem olhos muito bonitos – ele disse – São os olhos mais lindos que já vi na vida.


- O que não é muita coisa, vindo de um fantasma que não lembra o sobrenome – murmurei.


Eu não estava acostumada a receber elogios, então a culpa não era totalmente minha por estar agindo assim. Então, para fazer alguma coisa que não fosse ficar olhando nos olhos do James e tendo idéias erradas sobre o que ele estava prestes a fazer, eu me deitei de costas no chão e fiquei olhando o céu. Ele se deitou na mesma posição, mas no sentido oposto, encaixando a cabeça no meu ombro e enviando correntes elétricas até os dedinhos dos meus pés.


- Aquela nuvem tem o formato da sua cabeça – ele riu e apontou.


- Não tem nada! – baixei a mão dele – E não aponte para as nuvens: você vai ficar com verrugas nos dedos.


James gargalhou alucinadamente.


- Lily, sua louca! O mito é com estrelas, não com nuvens.


- Tanto faz – dei de ombros.


James começou a acariciar minha mão novamente. Sua pele ainda estava gelada e dura. Parecia mais gelada agora. Eu o observei discretamente: era impressão ou ele estava mais pálido do que de costume?


- Jay – chamei. Ele riu baixinho por causa do apelido. Senti minhas pálpebras pesarem um pouco – Porque você me escolheu?


Ele entendeu. Porque essa era uma dúvida que eu tinha desde que James apareceu na minha vida e se revelou ser um fantasma. Porque justo eu? Não que eu estivesse reclamando, porque James era a melhor coisa que tinha me acontecido em anos. Mas porque eu? Eu não tinha nada de especial. Não era popular nem rica. Não era viajada nem tinha tipo de modelo. Então porque, dentre todas as pessoas do mundo, ele me escolheu?


- Não fui eu quem te escolhi, Lily – ele se apoiou nos cotovelos e olhou fixamente para mim – Você me escolheu, quando foi a única que me ouviu. Você é parte de mim agora.


Ele sorriu e dessa vez não foi somente o meu coração que amoleceu. Meu corpo todo parecia ter entrado em combustão espontânea. Porque eu estava completamente apaixonada pelo fantasma que agora assombrava a minha vida. E eu não queria que ele jamais saísse dela.


 - Lily, cheguei! – berrou minha mãe e eu pulei da cama.


Estava fazendo meu dever de casa enquanto James lia o meu livro. Tínhamos passado a tarde toda no jardim, tentando descobrir qualquer coisa sobre o acidente dele. Procurei na internet algum caso de “James morto em acidente de carro”, mas não havia nada promissor.


Metade de mim tinha um certo pavor de encontrar alguma coisa. Uma foto de James vivo, ou relatos do seu acidente. Uma parte de mim tinha medo de que ele fosse embora se eu soubesse o que tinha acontecido com ele. Era quase uma certeza, e eu não sabia como a tinha.


- Eu acho que, quando descobrir o que aconteceu com você, você vai desaparecer da minha vida – falei mais cedo naquele dia, quando tinha fechado o notebook depois de horas de procura e nenhum resultado.


- Tenho essa impressão também – ele colocou uma mexa dos meus cabelos atrás da orelha – Eu não quero isso.


- Nem eu – murmurei baixinho.


- Nunca conheci alguém como você, Lily – ele sussurrou em resposta – É uma pena que eu esteja morto.


Ele olhava fixamente para os meus olhos, e mesmo que eu quisesse não teria podido desviar o olhar. Eu podia contar cada pelo ralo que ele tinha no rosto perfeito antes que ele realmente me beijasse.


Eu nunca tinha ouvido falar de fantasmas que beijavam meninas de 17 anos, mas, pensando bem, nunca tinha ouvido falar de meninas de 17 anos que se apaixonavam perdidamente por fantasmas. Mas ele estava ali, e por um instante eu esqueci que estava morto. Porque as mãos que me puxaram pela cintura para mais perto dele não pareciam nem um pouco as mãos de alguém que tinha vindo do além. Não que eu soubesse como fosse, mas enfim.E os lábios que pressionavam os meus, pedindo passagem, não eram nem um pouco mortos.


- Isso não é certo – murmurei por entre os lábios dele, e era a melhor sensação que já tinha tido na vida.


- Não estou ligando muito para isso no momento. – ele sorriu e mordeu o meu lábio inferior.


Então eu mandei tudo às favas e o segurei firmemente pelo pescoço, enquanto ele me agarrava pelas costas com uma força muito maior que a de um lutador de luta livre. Ele era o meu fantasma, e mesmo que estivesse morto, era o amor da minha vida. Porque ele tinha o dom de me fazer esquecer tudo que estava ao meu redor quando entrelaçava sua língua na minha e passava a mão grande e gelada (que deixava rastros mais quentes que o fogo) por dentro da minha camiseta. Ele tinha até mesmo o dom de me fazer esquecer que eu estava beijando com volúpia uma pessoa morta.


- Oi, mãe – sorri para ela.


O mundo parecia mais bonito desde a última vez que eu o tinha visto.


- Oi, querida – minha mãe sorriu, tirando o prato que eu tinha feito para ela do microondas – Está animada… aconteceu alguma coisa?


Eu queria mais do que podia, terminar logo essa conversa e voltar para o meu quarto, para o meu fantasma e para a parte mais importante da minha vida agora.


Uma parte de mim pensava, tensa, na loucura que eu estava me metendo. Eu queria poder saber onde James estava enterrado, eu queria poder levar flores para ele enquanto ficava horas conversando. Eu queria sentir a minha dor, porque parte de mim estava morta. Mas isso era impossível. A idéia de James desaparecer da minha vida era impossível e inimaginável.


- Não – sorri – Só tive um dia bom.


Em parte, era muito bem verdade.


- Que bom que pelo menos uma de nós teve um dia bom. – ela suspirou, se sentando. Peguei uma colher e um pote de nutella da geladeira enquanto conversava com ela.


- Que aconteceu, mamãe? – perguntei com curiosidade.


- O menino que se acidentou de carro, James Potter… estou começando a achar que vou perder meu paciente. Hoje foi um dia horrível, os batimentos dele caíram consideravelmente. Estou enfrentando dias difíceis, dei prioridade total para o caso. O menino era jovem, muito bonito. Tinha olhos castanhos esverdeados, a mãe me mostrou uma foto. Tinha um sorriso muito bonito, Lily, você se apaixonaria se o conhecesse. Eu não sei mais o que fazer… Lily, você está bem?


Minha colher caiu com estrépito no chão e o barulho ecoou fantasmagoricamente nos meus ouvidos enquanto meu coração parecia ser retirado do meu peito ou preenchido com milhares de agulhas. Porque nesse momento eu soube que meu fantasma já não estava mais me esperando no andar de cima. Nesse momento eu soube que a sua risada rouca, os seus olhos iluminados e seu sorriso perfeito estavam numa cama de hospital e talvez nunca mais viessem iluminar o meu dia.


__________________________________


N/B: Jaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaay, não mooooooooorre D:


Deeeeb, faz isso comigo não :~ (?) HAHAHAH Ok, brimks.


Eu falei que eu tava ansiosa com essa fic e não era por menos hein?


Que fic maravilhoooosa *-*


Tô querendo um fantasma pra mim também, comofas?


 Beijos beijos :*


Comentem!


Não peguem carona com estranhos! <3


 


N/A: Enfim, eu demorei pra postar por dois motivos:


1)      Falta de comentários. Isso me entristece!


2)      Eu ainda não sabia o destino do Jay, então dei uma seguradinha no 2º capítulo.


Maaaaaaaas, agora já sei. E quero agradecer a Munique Beta Linda Negrão e ao Artielicioso por isso, ok? Valeu amores (;


Amo vocês <33

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