FUGA MAL-SUCEDIDA



CAPÍTULO 1 - FUGA MAL-SUCEDIDA


 


Meu nome é Victoire Appoline Weasley, tenho 16 anos, e estou prestes a completar 17. Sou uma estudante colegial normal como qualquer outra, exceto pelo fato de meus pais serem Fleur Weasley e Bill Weasley. Bem, tenho certeza de que você não vai saber quem são, mas não tem problema. Em todo caso, farei uma breve apresentação.


Fleur Isabelle Delacour Weasley, minha mãe, é simplesmente uma das modelos mais famosas da atualidade. Ela começou a carreira na França, seu país de origem, quando tinha apenas 14 anos e com a minha idade já era conhecida em toda a Europa. Pois é, até eu me assusto com isso, mas tenho certeza de que você não iria se assustar se visse ao vivo e a cores a mulher de quem estou falando. Sua agenda está sempre lotada e todas as revistas de moda querem ao menos uma palavra da opinião dela publicada. Acho que dá pra ter uma noção, né?


Bill Weasley, meu pai, é dono de uma das maiores redes bancárias dos EUA. Ele está sempre correndo por todo o país em seu jatinho particular vestindo um terno Armani e carregando uma maleta de couro preta consigo. Ele quase nunca pára em casa, e quando pára, se tranca em seu escritório como um adolescente se tranca em seu quarto, só saindo pra comer, tomar banho, esse tipo de coisa.


Até hoje não sei como os dois se conheceram nem o que levou eles ao matrimônio, mas aqui estou eu e mais meus dois irmãos, como resultado dessa união.


Minha vida não pode ser o que a maioria das pessoas considera como “normal”, mas eu vou vivendo. No começo era excitante ser perseguida por fotógrafos, com flashes nas horas e locais mais inusitados, mas depois foi ficando chato. Como minha mãe teve três filhos, acho que os fotógrafos e jornalistas cansaram de perseguir os três e voltaram a se concentrar apenas nela, devolvendo-nos um pouco de liberdade. Mas ainda nos perseguem e, eu, como a filha adolescente e mais velha, normalmente sou o centro das atenções entre os herdeiros.


Mas aos poucos a gente aprende a fugir desse tipo de coisa e a despistar qualquer lente de câmera que porventura possa nos seguir. Acho que me tornei uma mestra nisso, tanto que comecei a escapulir não só dos fotógrafos, mas de casa, da escola, do motorista e de quem mais aparecesse no meu caminho.


Bom, minha mãe começou a descobrir essas “escapadas” minhas e não ficou muito satisfeita, mas ela já não podia mais nem controlar a própria vida, quanto mais a minha, então são apenas algumas broncas, castigos que nunca são cumpridos e fica por isso mesmo.


Às vezes é divertido e emocionante “fugir”, mas às vezes não. E uma dessas vezes que não são nada legais foi quando eu escapuli de um concerto repugnante que minha mãe me obrigara a assistir com ela de uma cantora de ópera que simplesmente me causa nojo. Pode não parecer, mas eu gosto de música clássica. Acho que as aulas de canto, ballet e piano foram as únicas coisas que realmente tenho a agradecer aos meus pais por terem me proporcionado. Mas, em todo caso, eu consegui fugir do concerto bem debaixo do nariz da minha mãe, mas acabei tendo que sair de lá amassada dentro do porta-malas do Mercedes de Ben Stiller.


- Pára de fazer essa cara de funeral, Vicky. – pediu Lindsay, colocando o copo de whisky na mesa com mais força do que era preciso.


- É, Vicky, pára de fazer essa cara. – Ben a imitou e depois sorriu com a careta que ela fez.


- Gente, me deixa, tá? – rebati, escondendo o rosto nas mãos, com os cotovelos apoiados na mesa.


- Que isso, Vicky! Que mau-humor é esse? Você conseguiu fugir da sua mãe de novo, está num bar, bebendo com a gente... São motivos pra comemorar e não pra fazer essa cara! – disse Lindsay, mas no segundo seguinte eu ergui meu rosto e a fuzilei com o olhar.


- Eu gostaria ver que cara vocês fariam se tivessem que ir do Teatro Municipal até a Lincoln Street no trânsito infernal de Nova York dentro de um porta-malas. – respondi azeda.


- Ei, calma aí com o “vocês”, porque eu não disse nada. – defendeu-se Bem, mas ninguém lhe deu atenção.


– E, Lindsay, pelo amor de Deus, PARA DE ME CHAMAR DE VICKY! – finalizei, agora irritada por ter erguido o tom de voz e pelas risadinhas que Ben dava agora de nossa discussão idiota.


- Ben, quer calar a boca?! – pediu Lindsay, irritada também com ele e depois disse, virando-se pra mim. – Ok, Victoire. Eu paro de te chamar de Vicky, mesmo achando bonitinho... – o rosto dela se contraiu num beicinho, como se pedisse para que eu dissesse que estava brincando. Suspirei de tédio.


- Quem bom, porque senão acho que vou voltar com seu antigo apelido, Lindy, que por sua vez também é muito bonitinho, não é?


- Ai, ok, ok, Victoire, tá bom. Não está mais aqui quem falou, tá? – rebateu ela, dando uma golada em seu whisky. – Só, pelo amor de Deus, melhore esse seu humor, porque você ta um porre hoje!


Apenas lhe lancei um sorriso áspero e revirei os olhos. Aquilo tudo já estava me dando nos nervos. Pra começar eu ainda não havia me recuperado do sufoco de passar quase meia hora apertada no porta-malas escuro e abafado do Ben, quase sufocada e também queria muito ir pra casa, mas não podia ir porque minha mãe na certa estaria louca atrás de mim e os empregados ou até mesmo irmão pestinha me delatariam.


Afundei na cadeira e suspirei.


- Ei, Ben. – chamei e quando ele olhou, fiz uma cara de “cansaço à beira da morte”. – Traz mais uma vodka com tônica pra mim? Por favor... – e fiz um beicinho. Iria tentar ver se a enxaqueca passava com bebida.


- Desculpa, gata, mas não vai dar. Não posso mover uma palha daqui enquanto os caras não chegarem. – respondeu ele, erguendo os ombros e as sobrancelhas como numa expressão de como se ele não tivesse nada a ver com o fato do pessoal ter decidido ir para aquele bar também.


- Aff, Ben, nem pra isso você presta! – respondi, irritada, me levantei bruscamente da cadeira e saí pisando duro em direção ao balcão, porque eles haviam me trazido para um bar tão ruim, quem nem o atendimento dali prestava.


Pois é, nem eu acredito que eles eram meus melhores amigos. Eu os conheci no primeiro ano colegial, quando ingressei no “colégio mais caro do país” (como meus pais sempre me diziam) onde apenas os filhos dos grandes empresários e celebridades estudavam – que por coincidência eu era pertencia às duas categorias citadas.


Ben era filho do dono de uma grande imobiliária, uma das únicas que sobrevivera à crise de 2008. Com isso, os clientes ganharam confiança na empresa, que cresceu absurdamente e a família Stiller se tornou uma grande milionária. Digo de passagem que Ben é daquele tipo de cara que logo à primeira vista qualquer garota se mataria para ter, físico atlético, cabelos loiros e lisos, olhos verdes e daqueles que você pode sentir à quilômetros de distância que pertence à High Society. Mas nunca se deixe enganar por Ben Stiller, porque ele na verdade é um canalha e cafajeste de pinta maior. Eu sei que isso soa como se eu estivesse com dor de cotovelo, mas eu garanto que nunca, nem mesmo quando não conhecia o seu verdadeiro eu, tive interesse a não ser amizade por ele. Se tem uma coisa que eu sou boa além de fugir de lugares e despistar pessoas é saber logo de cara se uma pessoa presta ou não e Ben Stiller definitivamente não prestava.


Lindsay Harris é filha do dono de uma importante mineradora na África do Sul, seu país de origem. Seus pais a mandaram para a América para concluir seus estudos em um dos melhores colégios da atualidade, mas na verdade o que ela faz é matar aula quase todos os dias para ir a bares ou passar a manhã dormindo para curar a ressaca de festas. Ela é do tipo sistemática e qualquer coisa acha que as pessoas estão com preconceito com ela só porque ela é negra, eu mesma já fui vítima várias vezes disso, mas graças à Deus isso melhorou de uns tempos pra cá. Ela mora sozinha em um apartamento enorme em frente ao Central Park e se vira sozinha todos os dias, mas na cabeça dela, o único problema que ela tem em sua vida é domar seus cachos negros e volumosos que vão até a cintura.


Bem, agora você já conhece meus melhores amigos. Eu costumava apostar muito no bom-gosto deles para a escolha dos locais para a gente ir em Nova York, mas depois daquela espelunca à qual eles me levaram, minha opinião acerca deles mudou um pouco.


- O que a senhorita vai querer? – perguntou o barman quando finalmente cheguei ao balcão.


- Mais uma dose de vodka com tônica, por favor. – e logo depois de responder, desviei o rosto. O bar inteiro cheirava à madeira velha molhada, mas ali o cheiro parecia estar muito mais concentrado. Cheiro de madeira molhada me lembrava mofo e eu tinha uma alergia imensa à mofo. Também havia a camada fina de poeira no chão e sobre as mesas e para completar o local era totalmente fechado, ventilado apenas por alguns ares-condicionados velhos. Olhei desconfiada para a cara do barman enquanto ele preparava minha bebida e sem querer fiz uma careta de nojo. Ele limpara um copo que pelo jeito havia sido usado por algum cliente antes apenas com um trapo que estava ao redor do seu pescoço e despejara uma vodka barata e completara o copo com uma fina camada de tônica.


- Eu não vou beber isso! – murmurei baixinho.


- Aqui está, senhorita. – e o homem me entregou o copo, que peguei com a ponta dos dedos como se o simples toque nele pudesse me contaminar, tal o nojo que eu estava. Por quantas bocas aquilo já não devia ter passado sem nem ao menos ser lavado devidamente?


Fui até nossa mesa e encontrei os Ben e Lindsay discutindo. Eu sabia já de longa data que ela era apaixonada pelo Ben e que aquilo não era apenas uma queda, como a maioria das garotas da escola tinham por ele, era algo mais sério. Mas o Ben nunca se tocou e sempre continuou com suas galinhagens na cara dura e ainda fazendo questão de nos contar detalhes que estressavam até a mim ter que ouvi-los, agora imaginem o estado de nervos da pobre Lindsay... E pelo que parecia, era sobre as galinhagens de Ben que os dois estavam discutindo.


- Garoto, você não se cansa disso tudo não, é? – perguntou Lindsay, ainda em seu tom de voz normal, mas seus olhos tinham um brilho profundo de ódio.


- Que foi Lindsay, está com ciúmes? – provocou Ben, sorrindo. – Calma, docinho, tem Ben Stiller suficiente pra você também. – Lindsay corou imediatamente.


- SEU...!


- Opa, pelo amor de Deus, não vão começar uma briga aqui, né? – interrompi, suspirando de tédio.


Se tem uma coisa que aprendi com Ben Stiller, e que por sua vez aprendi muito bem, é que homens cafajestes e metidos à “pegadores” como ele podem seduzir e transar com o colégio inteiro e depois darem uma de “profundos conhecedores da alma feminina”, mas a verdade é que eles são tão idiotas que não conseguem nem distinguir quem realmente só quer sexo e quem realmente gosta deles. No fim, quando os hormônios abaixarem um pouco, tenho certeza de que acabarão na sarjeta.


Dois segundos depois o celular de Ben tocou. Quando ele atendeu, descobrimos que era mais uma de suas “garotas” e o humor de Lindsay despencou novamente. Antes mesmo que ela começasse a ficar histérica, soltei um longo suspiro e disse, levantando da mesa:


- Lindsay, to indo, não agüento mais ficar nem um minuto aqui.


- Ei, Victoire, espera... – chamou ela, com o rosto em choque pela minha atitude repentina.


- Ah, avisa o Ben pra mim que está tudo na conta dele, ok? – e dei um sorrisinho malicioso para ela e depois lancei um olhar para Ben, que conversava animadamente com a garota no celular. Eu tinha certeza de que ele tinha como pagar, mas com certeza seria mais uma bebida em suas contas de bar que seria creditada no cartão dele e ele não ficaria muito satisfeito com isso. – Até mais, Lindsay.


E após dizer isso, quase corri pra porta do bar. Eu não tinha a menor idéia do que iria fazer ou pra onde iria quando deixei minha bebida intocada sobre a mesa e me despedi de qualquer jeito da Lindsay, mas aquele lugar estava até me fazendo arrepiar de tanto nojo e eu tinha certeza plena e absoluta de que não agüentaria ficar mais nem um minuto ali dentro. Pareço uma patricinha excêntrica fazendo isso, mas garanto, você faria o mesmo no meu lugar. Bem, se tivesse o mesmo senso de higiene que eu faria. Sem ofensas.


Quase tive um enfarto quando atravessei a porta do bar gelado pelo ar condicionado e fui para o calor de primavera da Lincoln Street e dei de cara com um BMW preto do outro lado da rua com minha mãe fazendo um aceno de “vem aqui agora!” com as mãos no banco de trás. Igual a uma idiota, olhei para os dois lados, mas não tinha a menor chance de eu fugir dessa. Como minha mãe descobriu onde eu estava? Um mistério. A única coisa que sei é que depois disso entrei no carro e só desci na porta do Teatro Municipal, e assim mesmo ainda tive que ouvir sermões e broncas realmente chatos durante o caminho.


Quando atravessamos a grande porta de vidro do teatro, levei outro choque térmico. Tinha certeza de que isso não iria prestar mais tarde, mas não soltou nem ao menos um muxoxo de impaciência. O saguão de entrada estava lotado e algumas pessoas comentavam sobre o concerto, uma ópera intitulada “A Condesa de Hampshire”. Ao ver uma mulher comentando sobre como a peça havia sido um desastre por causa da cantora, não pude evitar abrir um sorriso de orelha a orelha. Ao que me parecia, o concerto havia terminado enquanto eu estava naquele bar e ninguém havia gostado. Agora eu poderia ir para casa em paz, tomar um banho quentinho e afundar a cabeça em meus travesseiros ao som de minhas bandas favoritas.


Mas estava bom demais, não estava? Para cortar minha alegria quase que pela raiz, minha mãe me conduziu às pressas até dentro do teatro e descobri que o espetáculo não havia acabado, aquilo no saguão era apenas o intervalo para o segundo ato.


Com um beiço de contrariedade que não pude evitar fazer e que para meu alívio minha mãe não viu, porque ela ficaria extremamente irritada se me visse com aquela cara no local, sentei-me em minha poltrona em um dos camarotes das laterais de cima do palco.


As grandes cortinas de veludo vermelho ainda estavam fechadas quando as vi, mas no segundo seguinte elas começaram a se abrir e eu bufei baixinho de impaciência. Sacudi as mãos em vão em meu colo, desejando do fundo da minha alma ter minha bolsa ali com meu Ipod, amaldiçoando-me por tê-la esquecido, assim eu teria alguma distração sem que minha mãe percebesse.


Afundei-me na poltrona e deixei que minha franja caísse em meus olhos. Sabia que não conseguiria dormir quando a cantora começasse a esgoelar notas agudas, mas pelo menos podia me fingir de morta.


Quando as luzes do local se apagaram, fechei meus olhos. Iria apenas fingir que não estava ali e pensar em outras coisas. Planejar o que eu iria fazer o resto do dia seria uma boa para ocupar a cabeça.


Uma melodia lá embaixo começou a tocar. Fiquei esperando pelo primeiro agudo mal-feito de furar os tímpanos de Antoniett Lefroy, a cantora mais repugnante e sem talento da face da terra, mas o som não veio. Abri os olhos meio surpresa e franzi o cenho. Olhei de esguelha para minha mãe, mas ela conversava com uma mulher ao seu lado. Tirei a franja do rosto e me endireitei na cadeira. Olhei ao meu redor, ninguém parecia estar mais prestando atenção e o silêncio que se sucedera quando as cortinas se abriram cessou assim como começara. Então eu resolvi olhar lá embaixo.


O palco estava todo decorado como se fosse o quarto de uma mansão do século IX X e havia no teto um enorme castiçal dourado com milhares de cristais pendurados ao seu redor, que dava um brilho cego ao objeto. Porém, meus olhos se detiveram em um canto bem afastado do palco, onde havia um enorme piano de cauda avermelhado e as mãos de um homem cujo rosto eu não podia ver porque ele estava de costas para mim passeavam delicadas pelas teclas.


Então parei para escutar a melodia. Eu a conhecia, e, ao que parecia, era uma adaptação de uma música de Pachelbel para piano. Cannon, era esse o seu nome.Eu sempre tive uma afeição especial por essa música, que tornou seu compositor mundialmente famoso e que também é muito famosa na atualidade por sua suavidade e doçura e devo dizer que me surpreendi por seu efeito ser ainda maior no piano, mas não tanto quanto me surpreendi pela forma como o pianista a tocava.


Ele tocava as notas mais graves suavemente e então dava uma pequena pausa de uma fração de segundo, como se hesitasse em continuar, como se tivesse medo, mas depois pressionava as teclas que soavam as notinhas agudas, tão tímidas, que davam um ar ainda mais doce à música.


Fechei meus olhos e deixei-me vagar. A melodia no piano parecia querer me contar uma história, tão tocante que parecia um romance de virada do século XX. Eu ia sentindo meu coração bater conforme a cada emoção diferente que o pianista deixava transparecer.


E então, pouco tempo depois a música cessou e um grito agudo e demorado perfurou meus tímpanos e quase me fez cair da poltrona de susto. Ao que me parecia, a baranga havia voltado a cantar.


Soltei um muxoxo de irritação e franzi o cenho, mas continuei observando o pianista, que agora lutava para acompanhar o canto descompassado da cantora, sem mais interpretações, sem mais canções doces, apenas aquele canto irritante e interminável.


Passei a apresentação inteira sem desgrudar os olhos do pianista. Já havia me retorcido de frente, de lado, de costas e quase quebrara a coluna, mas não consegui ver nem um vestígio a mais de seu rosto. Quase cheguei a amaldiçoar minha mãe por não ter escolhido o camarote da outra lateral do teatro, assim eu ficaria de frente para ele, mas depois me lembrei de que ela não tinha culpa nenhuma e que, pra começo de conversa eu não queria de modo algum estar ali. Mas tinha que admitir algo havia me deixado interessada.


Quando aquela coisa ridícula acabou até suspirei de alívio, mas então vislumbrei o pianista se levantando e se dirigindo direto aos camarins, sem ir à frente do palco para agradecer, como a maioria dos personagens e cantores estava fazendo. Soltei um palavrão baixinho de frustração por não ter conseguido ver seu rosto e quando o vi caminhando tive a estranha sensação de que o conhecia de algum lugar, o que me deixou bastante intrigada.


Eu tinha um conhecimento básico sobre piano, apenas o que meus professores contratados por minha mãe conseguiram me ensinar nas aulas que eu era impedida de matar. Eu tinha uma paixão especial por música clássica assim como tinha por rock’n’roll, mas aquelas aulas e apostilas de teoria eram tediantes demais e eu simplesmente não conseguia suportar. E então quando descobri que o que eu gostava mais de canto e dança que das aulas de piano, parei de vez com elas.


Meus professores eram pessoas de renome e acredito que minha mãe tenha lhes pago uma nota para terem que se rebaixar a aturar uma garotinha rebelde como eu, mas mesmo eles sendo renomados, nunca gostei do jeito como tocavam. E agora, nessa ópera ridícula e a qual eu fiz de tudo para não assistir, eu encontrara alguém que parecia realmente saber como compreender as teclas do piano.


Intrigada com meus pensamentos, levantei-me sozinha num gesto automático e fui a primeira a deixar o camarote, saindo quase correndo. Pra onde eu fui? Direto para os camarins, é claro. Não iria sair dali enquanto não descobrisse o rosto ou ao menos o nome do pianista, que pelo que parecia não era famoso, porque seu nome nem ao menos saíra nos cartazes e outdoors de propaganda. Esquivei-me como um gato sorrateiro por entre as pessoas, mas quando cheguei à uns 10 metros dos camarins quase caí de costas no chão.


Havia uma fila enorme saindo lá de dentro e a porta era vigiada por dois homens do tamanho de um guarda-roupas vestidos num terno preto que aparentemente deixavam apenas uma pessoa entrar por vez.


Meu ânimo murchou tanto que quase murchei com ele e caí direto no chão, mas me contive e resolvi esperar. Minha mãe provavelmente estaria me procurando no meio das pessoas, mas não iria fazer um escândalo na frente de tanta gente que ela conhecia. E eu preferiria mil vezes enfrentar uma fila ainda maior que aquela a suportar comentários do tipo: “Ah! Então esta é a pequena Victoire? Nossa, como você está mudada! (Como se ela nunca tivesse visto alguma foto minha ao lado de minha mãe em alguma dessas revistas de fofoca) Me lembro de você quando tinha 6 anos de idade! Ao que me parece você puxou sua mãe, mas é uma pena que me saiu tão baixinha. Se você crescesse mais, daria uma ótima modelo também!” No coments, era aí que eu costumava explodir, ou melhor, implodir de raiva contida e dava apenas um sorrisinho falso na cara-dura e dava as costas, deixando minha mãe louca e sem saber se ia atrás de mim me repreender ou se desculpava-se com suas amigas e ela sempre escolhia a segunda opção. E eu? Nunca me importei com isso, apenas tomava meu caminho ao lado de Lindsay e Ben e ia para algum lugar interessante na capital de NY, mas hoje acho que eu não poderia fazer isso.


Deviam ser cinco e meia da tarde quando me encostei em uma parede a espera da fila diminuir e o sol já estava se pondo quando a última pessoa saiu de pela porta que levava aos camarins. Não havia mais ninguém além dos funcionários e artistas no teatro ali, então deduzi que minha mãe havia me deixado para trás, mas eu não dei a mínima.


Prostrei-me em frente a porta dos camarins e um dos seguranças gigantes a abriu para que eu passasse. Então dei de cara com um corredor imenso, cheio de portas de madeira saindo dele, todas com uma estrela e um número e algumas com uma plaquinha pendurada na maçaneta com o nome dos artistas que estavam ocupando suas salas.


Para minha sorte, lá para o fim do corredor, havia uma plaquinha pequena pendurada em uma maçaneta da porta com o aspecto mais velho, escrita: “pianista”. Tenho certeza de que se estivesse com o nome dele escrito eu não o teria encontrado.


Bom, meu coração disparou e um sorriso abobalhado inundou meu rosto. Dei duas batidas frouxas na porta me sentindo uma idiota, mas meu sorriso só se alargou e se abestalhou ainda mais quando uma voz lá de dentro me convidou para entrar.


Abri a porta devagar, meus dedos tremeram um pouco quando tocaram a maçaneta fria de metal. O local estava escuro, exceto por uma luminária em uma mesa onde havia um homem sentado e outra em uma prateleira ao meu lado.


Fechei a porta cuidadosamente, sentindo meu coração na garganta de ansiedade e euforia. Eu estava com uma vontade imensa de gritar “Eu consegui! Estou no camarim com ele, yeah!” feito uma débil, mas me contive. Porém, quando me virei para ele, ele havia se levantado da mesinha e estava em pé a minha frente, me encarando com seus olhos azuis. Acho que meu queixo chegou a encostar no chão.


- Você? – perguntou ele surpreso, mas aparentemente não tão surpreso quanto eu.


Apenas dei duas piscadelas imbecis, para piorar a situação.O dia parecia ter sido o dia mais louco em toda a minha vida. Eu tive de aturar a aula de manhã sem matá-la e no fim da tarde minha mãe me obrigou a ir ao concerto do qual eu estava fugindo faziam duas semanas desde que havia começado, então eu fugira antes da apresentação começar e acabei indo dentro de um porta-malas para uma espelunca com Ben e Lindsay, onde minha mãe saiu dos infernos e conseguiu me achar, aí eu tive que voltar para o último local ao qual eu gostaria de ir - a apresentação, me apaixonei pela música de um pianista e agora estava num camarim de frente para ele, o encarando igual à uma débil mental. E ele, aparentemente, esperava uma resposta, mas a única coisa que conseguiu sair da minha boca, para piorar minha situação, foram as ridículas palavras que gaguejei quase num berro histérico, como o último desejo da minha alma dependesse dele:

- S-S-SEJA M-M-MEU P-P-PROFESSOR!


- S-S-SEJA M-M-MEU P-P-PROFESSOR!


 


N/A: Gente, ficou bom? x_x já perdi as contas de quantas vezes já reescrevi esse capítulo, mas nunca fico satisfeita! :/ E como eu tava demorando séculos pra postar, postei assim. E desculpem pela demora!

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