Cinza - Parte I



Cinza – Parte I


Shipper: Lucius/Hermione/Draco


Gênero: Romance/Drama


Resumo: “Eu olho para ti, Lucius, e tudo o que vejo é uma única cor. E eu te odiei. E me rendi”.


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            Você sabe o que significa monocromático, Lucius? Vem do grego chromus, que quer dizer cor; e de mono, que quer dizer um. Uma única cor, uma única variação, uma única matiz. A escolha de usar apenas um, mesmo tendo bilhões a disposição. A decisão de nunca mudar, mesmo tendo oportunidades.


            Monocromático significa você.


            Uma única essência. Uma única decisão. Uma única nuance.


            Nenhuma mudança. Nenhuma crença. Nenhuma explicação.


            Talvez, Lucius, essas sejam as melhores palavras para descrever algo monocromático, para descrever-te. Único e nenhum.


            Porque a cor única que você escolhe te representa, e nenhuma ideologia faz você.


            Não precisa mentir para mim, querido. Eu sei que tu nunca quiseste seguir Voldemort. Você é um Malfoy. E Malfoy nenhum se sujeitaria a algo tão baixo e compartilhado. Tu jamais aceitarias dividir aquilo que deseja acima de todas as coisas. Eu daria tudo para estar sempre presente em seus sonhos e pensamentos, mas o Espelho me diz que não sou eu teu objeto de cobiça. Mas, mesmo assim, eu dei-te tudo que ainda restava em mim. Tua alma é traiçoeira e segue caminhos turvos pelos quais eu não me atreveria a caminhar. E você deixaria para trás tudo que fosse preciso largar, porque você sabia que, ao final do teu caminho, serias capaz de possuir tudo novamente. E eu, meu amado algoz, seria uma das pedras em teu caminho, que tu nunca hesitarias em retirar. E a tua trilha, aberta há tanto tempo, levava ao que você mais desejava – e não era eu. Tu aspiravas ao poder. Contra Voldemort eu poderia lutar, mas não contra aquilo.


            Eu cheguei a pensar que, derrotando Voldemort, tu virias até mim e far-me-ia tua. No auge do desespero que implantaste em mim, eu consegui imaginar que, tirando-o de teu caminho, tu retardarias a jornada. Mas nada te faz parar. Nada consegue retirar de mim essa ingenuidade que mata, que impediu-me de matar-te e matar a ele. Nada consegue arrancar de meu peito sangrento essa culpa que corrói, essas virtudes inúteis que põem no subconsciente das pessoas como se elas fossem máquinas. Nada extirparia a esperança que crescia debilmente em meu coração. E nada nunca extirparia. Nem em mim. Muito menos em ti. Talvez esta seja a resposta que tanto procuro entre essas quatro paredes. Tu nunca aceitarias dividir o que é teu por direito. E eu não era, por isso fui como poeira ao vento aos teus olhos.


            As cores não me ludibriam, Lucius. Elas me entendem mais que já fizeste em algum momento. Elas estão sempre comigo. E a tua cor me persegue em todos os lugares. Eu a vejo sempre que o sol incide em meu lugar solitário. Eu a vejo nas pessoas enlouquecendo ao meu lado todos os dias. Eu a vejo em minha própria loucura, querido. Tudo e nada nesse lugar são o mesmo. E o mesmo leva à solidão. Que me lembra tua cor, e me lembra de ti.


            Eu quero te ver, porque você é a única coisa que me resta. Eu te busco, Lucius, porque tua dor faz sentido. Você deve sentir-se orgulhoso, não é? Teu ego sempre foi muito grande, e eu nunca me importei com ele até agora. Se eu conseguir afetá-lo, você vem me ver? De verdade?


            Ainda agora eu posso te ver. Eu olho para ti e já não consigo enxergar teus cabelos loiros, tuas vestes negras ou o brilho dos teus sapatos italianos. Eu olho para ti, Lucius, e tudo o que vejo é uma única cor. E eu te odiei. E me rendi.


            Tu mentes muito bem, mas tua essência monocromática não me é ameaçadora. Eu tenho mais medo, Lucius, quando outras cores juntam-se àquela que selecionaste tão bem. O vermelho, que também combina tão bem contigo, é o meu carrasco mais ardiloso. Ele me toma, me envolve e eu já não posso pensar. Tudo o que faço é sentir da maneira mais intensa. Ele desperta em mim instintos que desconheço e alguém sob o qual não possuo nenhum controle. E é através do vermelho que me rendo, querido. E é através do vermelho que tu me tens, de todas as maneiras que tua mente imaginar.


            O vermelho me traz lembranças tuas. Essas lembranças ainda me mantêm de pé, fazendo-me existir a cada dia. Tu consegues lembrar, querido, de quando eu vivia em outra cela? Ela era suja, fedida. Aqui é limpo e muito branco – eu não gosto dessa cor, ela tão inversa a ti! Eu sempre regresso àquela cela em que eu te tinha. Na verdade, tu me tinhas. E eu detestava.


            Se minha memória ainda não está insana, eu fui feita prisioneira numa batalha em que lutava contra tua esposa, Narcisa Black Malfoy. Não me arrependo, Lucius. Com ela ainda viva, eu nunca te teria. Ela era ardilosa e esperta, confesso, mas eu a derrotei. Eu vi seu corpo tombar no chão, os olhos azuis – tão diferentes dos teus – vítreos, a mão que segurava a varinha puxando-a para o solo como um ímã. Eu fiz seu corpo morto. E você me odiou. E lutou comigo.


            A tua raiva, no entanto, foi maior que tua dor. E tua vingança seria provocá-la em mim. Tu estavas desesperado, louco, insano. Ignorou as ordens de teu falso mestre e fez-me prisioneira, não me matando naquele momento. Tu te punes por não tê-lo feito, eu sei. Mas responda-me com sinceridade, por favor: não pensas que morri quando me tomaste pela primeira vez naquele chão imundo?


            Tu me puseste num dos calabouços da tua Mansão. Despiu-me com fúria, ferindo-me tanto que, ao final do processo, meu braço estava em carne viva. Tu puseste minhas mãos nas costas e prendeu-as nas algemas acopladas às roldanas. Suspendeu-me usando um instrumento mais antigo que a humanidade.


 



            E doeu. Senti minha mão quebrar e o estalo de meu ombro sendo rompido preencheu o lugar, sendo seguido pelo meu grito agonizante. E você riu, Lucius. De prazer.


            - Far-te-ei sofrer, sangue sujo, até que implores pela morte.


            Tu disseste exatamente isso, cada palavra escorrendo de tua boca como fel. Deixou-me tocar o chão com as pernas que já não sentia apenas para sentir um ínfimo alivio em meu ombro, para lembrar-me do que perderia quando me suspendesse novamente. E você o fez várias e várias vezes. Até que, quando eu já não tinha forças para gritar, tu decidiste que a primeira parte daquela noite estava concluída.


            Lembro-me que me carregaste até uma imensa banheira. Supus estar sendo piedoso, então relaxei em teus braços. Tinha álcool naquela banheira. Fizeste questão de banhar-me com toda a calma do mundo, lavando cada ferida com destreza. Eu tremi, convulsionei. Isso te fez gargalhar.


            - Você sofrerá muitas vezes mais que minha doce esposa, sangue ruim. Passará pelo inferno em minhas mãos.


            Tu falaste enquanto derramava mais álcool numa ferida em minha perna. Eu chorei, tentando convencer-me de que as lágrimas acabariam com a ardência.


            - Pare! Pare! Por favor, pare! Largue-me, deixe-me ir!


            - Só sairás quando disser que anseia pela morte. – seguraste meu rosto com tuas mãos ásperas eu tentei afastar-me. – Vai banhar-se aqui até sinta-se em combustão.


            Dito isso, tu derramaste mais daquele líquido que estava me consumindo. Esfregou com força incomparável as feridas abertas em meus braços e costas. Eu senti minha pele derreter. Queimava mais que qualquer ferimento de Guerra sentido por qualquer soldado. Eu estava em chamas.


            - Dói, sangue sujo? – debochaste – Não sou carinhoso, bondoso ou piedoso. Sou cruel, desumano e insensível. Quero vingança. E você fica aqui até que me sinta vingado.


            Seguraste meu rosto novamente e derramaste álcool em meus olhos. Já não enxergava. Mas tu querias que eu visse o que se passava, para ter certeza de que eu sabia onde doía e, quando implorasse, o fizesse olhando em teus olhos. Por isso, valendo-se de tua posição de algoz, curou minha cegueira com um feitiço por interesse e egoísmo.


            - Não sairá viva daqui. Mas cuidarei para mantenha-se de pé até a hora em que serei misericordioso e dar-te-ei a dádiva da Morte. – teus olhos ficaram negros e eu tremi. – Crucio.


            Eu não sabia por qual parte chorava mais. Senti meu corpo sendo esmagado, corroído e fatiado ao mesmo tempo. Minhas mãos tremiam. As feridas expeliram sangue que eu não sabia possuir. Meus ossos foram triturados, fraturas surgiram em todos os lugares. Minhas pernas convulsionavam em ângulos impossíveis. Eu tremia e me esticava. Gritava na vã esperança de que isso fizesse parar ou diminuir a dor excruciante que me atravessava desde a raiz dos cabelos aos dedos dos pés.


            O feitiço foi lançado direto em meu coração. Eu pude sentir as batidas falhas, até que ele parou de vez. Eu poderia agradecer, mas, mesmo com o coração tecnicamente morto por segundos, a dor não cedeu. Gritei mais, tirando forças de alguma entidade divina que desejei matar por não fazer parar a dor.


            - Isso é apenas o início.


            Tiraste-me da banheira e revestiste-me com sal grosso. Ardeu. Doeu. Sangrou. Você queria que eu sofresse muito, Lucius. E essa certeza me fez resistir. O orgulho foi minha perdição.


            Eu deveria ter pedido pela morte naquele momento, pois o que se seguiu foi pior. Torturaste-me de maneiras que me nego a comentar, mas sempre banhava-me no álcool, divertia-se com a cruciatus e tacava sal em minhas feridas. Sempre aparecia com um objeto novo, mas com o intuito de me causar dor. Chicotes, veneno, eletricidade, feitiços, poções...


            Então acostumei-me a tê-lo sempre em minha cela. De algum modo eu conseguia tirar informações de ti, saber o que se passava lá fora. Logo eu passei a esperar tua chegada. Eu riscava na parede com carvão e contava os segundos, os sonhos perdidos e as ilusões... Imaginava quanto tempo eu conseguiria suportar antes de implorar-te.  E você se tornou tudo.


            Mas eu jamais imaginei o que se sucederia. Tu já tinhas me torturado de maneiras tão variadas que não fui capaz de prever teu próximo passo.  Você fez-me de brinquedo para teus comparsas, oferecendo-me a eles sempre que tinhas uma oportunidade.


            Lembro-me que entraste em minha cela, com aquele sorriso que eu temia. Era sarcástico, duvidoso, perigoso. Trazia consigo um agouro de algo ótimo. Para ti, não para mim.


            - Vestirá algo apresentável esta noite, sangue sujo. E se banhará em água limpa, se perfumará e se penteará. Entendeu?


            - Por quê?


            Não consegui refrear a pergunta.


            PLAC!


            Meu rosto virou para o lado direito e meu pescoço estalou, tamanha a força de teu tapa.


            - Obedeça.


            Puxaste-me pelo braço até um quarto, que supus pertencer ao teu filho. Apontou-me o banheiro e socou um vestido cinza em minhas mãos. Não me deu roupas de baixo. Conjuraste um par de sandálias altas também cinzas e o enfiou sobre o vestido. Chutaste-me até o banheiro e me trancaste lá dentro, dando a ordem para sair de lá apenas quando estivesse pronta.


            Com medo do que poderia me acontecer se desobedecesse, eu fiz o que mandaste. Não sem medo, mas com a certeza de que o pior aconteceria se não o fizesse.


            Aproveitei aquele momento de calmaria por alguns minutos, tu não aparentavas ter pressa. Permiti imaginar o que estaria se passando lá fora, como estavam Harry, Ron, Luna, Gina, Neville... A saudade me assolou e não a reprimi. Chorei silenciosamente na banheira que fora palco de muitos gritos e convulsões. Eu não sabia se estavam vivos, inteiros, bem... Se haviam morrido, se continuavam lutando ou quando viriam me buscar. Ainda lembravam de mim? Sentiam minha falta como eu sentia a deles?


            Passei reto pelo espelho, não sentindo nenhuma vontade de parar e me olhar dentro do vestido cinza.


            Cinza.


            Essa cor me lembrava de ti. Teus olhos, teu espectro. Você era cinza, Lucius. Tua alma vingativa, teus desejos obscuros, tua áurea de mistério e dor. Tudo era cinza em ti aos meus olhos. Através da dor, tu me fizeste uma pessoa cinzenta também. Que não nutria alegria ou fé. E eu não senti a metamorfose.


            Desci ao teu lado as escadas que davam no salão principal. O sorriso em teu rosto me assustava. Assustei-me mais ao captar a áurea de obscura alegria daqueles homens perversos.


            - Olha só quem chegou! Esse é o nosso novo brinquedinho, Malfoy?


            Você apenas sorriu em resposta. Jogou-me nos braços daquele homem ardiloso como uma boneca de trapos.


            Eu era apenas um corpo que despertava sensações perigosas naqueles homens. Quantos foram naquela noite? Vinte, trinta? Eu não consigo lembrar com exatidão. Mas todos eles me encheram de tapas e chupões, eu ficava passando de mão em mão, apenas esperando pelo próximo.


            Eles me forçaram a lhes dar prazer. Parecia nunca acabar a humilhação. E tu sempre rias quando me via com a boca sob algum deles, enquanto era tomada por outro alguém. Após a quinta rodada, penso eu, tu disseste alguma coisa para “me salvar”.


            - Já chega, rapazes. – seu tom era definitivo. – Agora é a minha vez.


            Pegou-me em teus braços, tirando-me debaixo de um homem muito alto e muito grande. Eles urraram e eu não podia me mexer.  Chorei em teu ombro, com o rosto escondido sob teus cabelos.


            - Qual é, Malfoy. Ela aguenta mais uma rodada! – disse uma voz grave ao fundo e eu tive medo. Abri meus olhos inchados e percebi que ele balançava o membro já ereto no ar, mostrando virilidade que eu queria manter longe de mim.


            - Sim, mas será na minha cama. – tu disseste e eu tive ainda mais medo. Quis soltar-me, pois bem sabia que era capaz de coisas piores.


            - Que tal beber um pouco? Estás sóbrio, ainda. Ela suporta um pouco de álcool na veia. – disse uma voz calma. Tranquila. Procurei-a e encontrei os olhos do teu filho a encarar-me. Eu implorei para que ele me tirasse dali.


            - Tem uísque de fogo por aí? – perguntaste por que sabia que detestava uísque de fogo. Draco logo conjurou uma garrafa ao teu alcance.


            Largaste-me para segura-la e eu caí no chão como uma boneca de trapos. Sentia todos os meus músculos doídos, não era capaz de raciocinar. Mas alguém o fez por mim.


            Quando a balbúrdia havia se restaurado, eu senti um perfume diferente. Não havia passado pelas mãos daquele rapaz, que me pegara no colo tão gentilmente. Ele levou-me para o mesmo quarto que me levaste mais cedo, cobriu-me com uma grossa capa e sentou-me na cama.


            - Consegue andar sozinha, Hermione? – a voz dele era tão calma, tranquila e controlada que eu me permiti chorar toda a dor daquela noite.


            - Não consigo fazer nada sozinha. Falar é um martírio. Tudo dói.


            Eu não mentia. Meus braços estavam dormentes, meus seios, mordidos. Minha cintura, roxa. Nas minhas pernas e sexo, chupões. Minha boca estava ferida, assim como o restante de minha face. Mas eu tinha mais medo do que já não conseguia sentir.


            - Certo. Fique aqui, por favor. – ele pediu, mas eu não tinha aonde ir.


            Não me senti bem quando ele se foi. Sozinha eu estava mais volúvel ao monstro do desespero. Ele parecia sussurrar em meus ouvidos, incitando-me, convidando-me... Era agonizante. Levei as mãos à minha cabeça, no intento de fazê-lo parar, mas não consegui! Sem ninguém para me amparar, era mais fácil ser engolfada pela tenebrosa escuridão que se formava sob mim.


            Draco voltou e eu pude respirar. Ouvi o som de água correndo por perto. Era tranquilizante. O som era suave, um divino remédio para meus ouvidos cansados de altos decibéis. Olhei-o e agradeci. Tenho esperanças de que ele tenha entendido meu apreço silencioso, pois não era capaz de falar nada.


            - Vamos, Hermione. Eu te darei um banho, tudo bem? – olhei-o intensamente pela segunda vez naquela noite, havia medo em meus olhos. – Eu não farei com você o que eles fizeram. Não precisas ter medo de mim.


            - Não deixe... – eu forcei minha boca a pronunciar, cada palavra saindo com uma punhalada em mim. – Que eles... Que Lucius... – eu tentei pronunciar, mas minha garganta doía.


            Havia algo engasgado em minha garganta, eu sentia. Eu tinha de colocar aquilo para fora antes que me sufocasse. Forcei uma tosse, sentindo-me queimar por dentro na tentativa.


            - Vamos lá, Hermione, antes que eu tenha outra surpresa desse tipo. – meu sangue respingou em toda a veste negra do sonserino. Eu tossia sangue. Passei a mão pelo nariz e ela voltou completamente manchada de vermelho.


            Desejei desmaiar para não sentir mais nada.


            - NÃO DESMAIE, HERMIONE! MANTENHA-SE ACORDADA! – Draco gritou bem próximo, tentando manter-me lúcida por mais algum tempo.


            Se eu desmaiasse, talvez nunca mais voltasse a acordar. A ideia me incentivou.


            - Vamos, Hermione, mantenha-se acordada, por favor! Não durma, não durma. – ele parecia desesperado.


            Importava-se comigo a ponto de não me deixar morrer?


            - Deixe-me... Draco. Não... Quero... Sentir... Dor. – eu me forcei a falar novamente. Doía como o inferno.


            - Eu não vou te deixar morrer, Hermione. Enquanto depender de mim, você fica aqui, comigo!


            Ele se importava. Não desejava que eu não morresse, simplesmente. Ele me desejava ao lado dele.


            Para quê?


            Draco Malfoy conseguiu manter-me viva e lúcida por mais tempo, embora eu não soubesse o motivo.


            - Muito bem, Hermione. – ele quase chorava de alívio.


            Minha cabeça doía, meus olhos ameaçavam fechar-se para nunca mais abrirem. Minha mente estava nublada. Algo me puxava para baixo, para um abismo sem fim. Eu não tinha forças para lutar. Não mais.


            - Resista! – ele me sacudiu, mas eu já estava me rendendo. Era confortável, não havia dor. – Cante para mim, Hermione. Vamos, cante!


            Ele queria manter-me lúcida por tanto tempo quanto fosse necessário. Eu não sabia porque, e isso me corroia! Ele queria que seu pai fizesse-me sofrer mais? Queria me matar aos poucos? Queria ele mesmo me torturar?


            Minha mente fértil e carente imaginou a menor das possibilidades. E se ele me queria viva por que me amava? Era quase impossível, eu matara a mãe dele. Não havia lógica em amar a assassina de sua mãe, havia?







- I wanted you to know that I love the way you laugh


 (Eu queria que você soubesse que eu adoro o jeito que você sorri)


 I wanna hold you high and steal your pain away


 (Eu quero te abraçar bem forte e levar sua dor pra bem longe)


 I keep your photograph and I know it serves me well


 (Eu guardo sua foto, e eu sei que ela me ajuda bastante)


 I wanna hold you high and steal your pain


 (Quero te abraçar bem forte e roubar sua dor)


            A voz rouca de Draco encheu meus ouvidos, numa melodia pouco doce, mas que me acalmava. O soar de sua voz trouxe paz aos meus ouvidos exaustos. Ele cantava para mim. Incentivava-me a cantar também. A ficar viva. Ao sentir tamanho sentimento dirigido a mim, eu exultei.


            - 'Cause I'm broken when I'm lonesome


              (Porque eu fico em pedaços quando estou solitário)


              And I don't feel right when you're gone away


              (E eu não me sinto bem quando você vai embora)


            Minha voz ainda era fraca, mas distinguível em meio a voz dele. Lutava para manter-me lúcida, mas sentia as teias do desespero agarrarem-se a mim, implorando para que me rendesse a escuridão. Estava quase o fazendo, mas o som da voz de Draco se fez presente, impedindo-me.


            - You've gone away... You don't feel me here


              (Você se foi pra longe, e não me sente mais aqui)


              Anymore


              (Não mais)


            Sentia-me exposta. Meus sentimentos desbravados em tão intensas palavras. Não queria compartilhar a minha dor, apenas que alguém a arrancasse de mim. Já era um fardo demasiado grande para carregar, mas era meu. Ninguém mais precisava suportá-lo além de mim. Mesmo assim, aquele rapaz cuidava de mim. Com dedicação e sinceridade. Se ele queria que eu continuasse lúcida, era o mínimo que poderia fazer.


            Com gestos e palavras, Draco Malfoy abria sua trilha em meu coração. Fazia-me crer que havia algo melhor para mim, que minha vida ali não haveria de ser sempre daninha. Mesmo que, para isso, ele sofresse.


            - The worst is over now and we can breathe again


              (O pior já passou e nós podemos respirar de novo)


              I wanna hold you high, you steal my pain away


              (Eu quero te abraçar bem forte, e mandar minha dor pra longe)


              There's so much left to learn, and no one left to fight


              (Há muita coisa deixada de aprender, e ninguém contra quem lutar)


              I wanna hold you high and steal your pain


              (Eu quero te abraçar bem forte e roubar sua dor)


            Eu pude ver sua surpresa ao sentir minha voz mais firme.  Ele olhou-me como se não pudesse acreditar. Totalmente sincero. Completamente protetor. Senti os braços ao meu redor trazendo-me mais para perto do corpo masculino. Naquele instante, soube que ele não desistiria. E que, felizmente (ou não), não me deixaria fazê-lo, também.


            - 'Cause I'm broken when I'm open


              (Porque eu fico em pedaços quando fico exposto)


              And I don't feel like I am strong enough


              (E eu não me sinto como se eu fosse forte o bastante)


              'Cause I'm broken when I'm lonesome      


              (Porque eu fico em pedaços quando estou solitário)


              And I don't feel right when you're gone away


              (E eu não me sinto bem quando você vai embora)


            Minha voz juntou-se a dele e cantamos em uníssono. Pura sintonia. Senti-lo tão próximo era reconfortante, trazia-me um pouco de sossego. Contraposto a isso, havia o desconforto de sentir-me exposta. Era como se ele pudesse ouvir o motivo de cada batida falha do meu coração ou soubesse a razão para eu parar de respirar. Ele parecia estar presente em minha mente, ouvindo e sentido tudo o que eu não era capaz de dizer.


            - 'Cause I'm broken when I'm open


              (Porque eu fico em pedaços quando fico exposto)


              And I don't feel like I am strong enough


              (E eu não me sinto como se eu fosse forte o bastante)


              'Cause I'm broken when I'm lonesome      


              (Porque eu fico em pedaços quando estou solitário)


              And I don't feel right when you're gone away


              (E eu não me sinto bem quando você vai embora)


            Ele levava-me ao banheiro enquanto cantávamos. Sempre que minha voz se perdia, ele intensificava a dele, lembrando-me do porquê de eu estar lutando. Pela minha vida. E, em partes, por causa dele. Porque eu não me sentia forte o bastante para lutar sozinha.


            - 'Cause I'm broken when I'm lonesome       


              (Porque eu fico em pedaços quando estou solitário)


              And I don't feel right when you're gone away


              (E eu não me sinto bem quando você vai embora)


            Eu me sentia melhor com ele por perto. A sua figura aristocrática e sua preocupação traziam lembranças a minha mente. Elas passavam por meus olhos como flashs... Lembranças felizes, de quando eu era apenas uma garota nos gramados da escola; e não uma escrava de um ser perverso como Lucius Malfoy.


            A pálida lembrança daquele ser me fez pior. Olhei nos olhos cinzas e não enxerguei o rapaz que cuidava de mim. Eu vi apenas o cinza. E o cinza era Lucius. Não fui forte o bastante.


            - You've gone away... You don't feel me here


              (Você se foi pra longe, e não me sente mais aqui)


              Anymore


              (Não mais)


            A voz de Draco cantando essas palavras foi a última coisa que ouvi antes de não sentir mais nada. Não caí no breu quando desmaiei.


            O que me levou de mim foi o cinza – tão Lucius.


            Essa cor amaldiçoada me perseguia onde quer que fosse. Mesmo se morresse, seria uma morte cinzenta. Tinha ânsia de subir no arco-íris e tirar qualquer traço daquela nuance da aquarela. Quem sabe assim ela não deixaria de me perseguir?


            Mesmo inconsciente, eu podia me dar conta da cor dele me sondando. Como se ele estivesse sempre por perto. Imaginei a possibilidade de me tacharem de louca: com tantas pessoas boas tendo cinza como cor, porque eu já a associava a Lucius?


            Porque era a ele que eu estava presa. E ele estava sempre presente. Maltratando-me até quando insana.


            Ao acordar, pude perceber que fora novamente jogada na minha cela. Ela era afastada de todos os outros lugares, parecia escondida.


            - Assustadora, não? – ouvi a voz de alguém ao longe. Não pareia hostil.


            - Quem é? – o instinto de proteção era maior que tudo.


            - Ora, ora... A água suja levou o resto de sua inteligência, Srta. Granger?


            - Professor Snape???? – o que Snape fazia ali? Não deveria arriscar sua posição como espião.


            - Não, é o avô de Merlin. – ele responde ironicamente.


            Mas o que ele fazia ali, alguém pode me responder?


            - Pensou que fosse o Lucius? Ouvi dizer que ele transa direto com você, Srta. Granger. Esperava mais de você... – diz com asco. Eu já estava me irritando. Muito, mas muito mesmo. O pior que poderia acontecer, já havia acontecido. Eu fui brinquedo para aqueles... Aqueles... Filhos da puta!


            - Se veio me xingar, pode dar meia volta, já me sinto mal o suficiente sem você. – disse com a raiva no limite.


            - Nossa, quanta educação. Então quer dizer que gostas, não é?


            - Ele nunca fez isso comigo, se é o que desejas saber! – exclamei, querendo que fosse logo embora. Não me sentia bem. E se havia trazido Lucius?


            - Ah. Ele se diverte de outra maneira, é? – ele havia se aproximado das algemas e da roldana.


            - Sim.


            - Se é de teu interesse, Granger, essa cela já foi palco da Santa Inquisição. Do mesmo modo que foi torturada, milhares de cristãos já foram. Mas, ao invés de vingança, a Igreja queria confissões de heresia. Geralmente, por um crime não cometido. E eles assinavam. – ele voltou-se para mim. Nunca vira olhos tão negros. – Sabe por que, Srta. Granger?


            - Por causa da dor. Ela turva nosso julgamento e não conseguimos discernir o certo do errado. Queremos apenas fazer parar de doer. E a dor é tão intensa que o faz gritar e implorar... Ou assinar confissões de heresia.


            - Correto. E o que a Igreja fazia após, Srta? – perguntou soltando a roldana e caminhando até mim, fitando-me nos olhos.


            - Matava-os.


            - Correto. – tive a impressão de que não mais falávamos da Igreja.


            Saber o que me aguardava era desesperador. Ao observar novamente o instrumento de minhas torturas diárias, eu podia imaginar quantas outras pessoas passaram pelas mesmas dores. Jovens judias, pais de família, mulheres, meninos... Nenhum deles havia conseguido escapar das algemas da dor. Ou do posterior fogo que os consumiria, pouco a pouco, como a quem saboreia uma deliciosa ceia.


            - Não nutra esperanças vãs, srta. Granger. Não sairá viva daqui. – disse ele de costas, sem coragem para me encarar nos olhos.


            - Mas Lucius não me matou até agora, disse que vingaria a esposa morta. Não deu tempo de ele se sentir vingado!!! – entrei em choque. Não podia morrer. Não queria morrer.


            - Ele disse que não sairia viva, Srta. Você sabia disso! Por que suportar tanto ao invés de se matar de vez?! Poderia evitar sofrimentos desnecessários. – eu sabia do que ele falava. A maldita noite em que perdi a consciência.


            - Mas Draco, ele... – eu sentia o quão enganada fora.


            - Draco é um jovem tolo e egoísta. O que disse a ti, Srta? Que ficaria com ele? Ele, por acaso, disse o motivo para querer que continuasse respirando? Perguntou, alguma vez, da tua vontade? – perguntou a esmo, mesmo já sabendo as respostas. Choque. A realidade caíra sobre mim pesando como o mundo. O meu mundo.


            - Ele me disse que... Levaria minha dor embora... E...


            - Percebes o quão tola estás sendo? Consegues ver isto? – segurou-me pelos ombros e sacudiu-me, tentando me fazer acordar. – Ninguém se importa com o quanto sofres. Lucius só quer te ver implorar, para aumentar ainda mais aquele ego inflado pela ignorância.


            - E Draco? – alguém tinha de gostar de mim. Eu não estava sozinha. Mas senti-me como tal.


            - Não te iludas. Draco tem um enorme complexo de Deus. Quando saíres daqui e não precisares mais de ajuda, ele vai te largar. Ele tem uma ânsia de se provar e pensa que, salvando a vida de alguém como você, será anistiado por ter matado tantos. Mas a anistia não existe.


            - Então por que ele não me mata de uma vez? Não há mais graça em me torturar, eu já nem sinto. Eu conto os segundos para ele chegar e senti que viria algo horrível quando ele passou uma semana fora! Então, me responde o senhor, professor: depois de tantas semanas, por que ainda estou viva?


            - Porque ainda tem esperanças. Você ainda acredita que sairá daqui sem sequelas. Lucius não se dá ao trabalho de te dizer a verdade. Novamente. Por que ele já o fez.


            - Já o fez?


            - Claro. No momento em que a trouxe para cá! – responde irritado. – Além de lenta também te tornaste burra?


            - Então porque ele não me desiludiu ainda?


            - E por qual motivo o faria? – pergunta com um sorriso irônico no canto da boca. – Se ainda tem esperanças de que alguém venha buscá-la, passará mais tempo aqui. A esperança de ser salvo nos deixa volúveis e não somos capazes de ver oportunidades de fuga. Ter esperanças nos mantém presos.


            - E o que eu faço? Simplesmente desisto, entrego minha vida a ele? Se não tenho esperanças, o que me resta mais? – estava exasperada.


            - Destrua essa esperança. Ela não serve para nada além de deixar-te cativa. Acabe de uma vez com esse negócio de “bem” e “mal”, é pura lorota. O que existe é o que vives aqui todos os dias. Apenas isso. E a vingança.           


            As palavras entraram em mim como adagas banhadas em veneno. Eu sentia que ainda estava agarrada à minha esperança, aquele monstrinho verde que me ajuda a permanecer mais tempo presa.  A verdade crua que o velho colega de Ordem jogou sobre mim explodiu como uma bomba em meu colo. Eu não podia ter mais esperanças. Como poderia me livrar da única coisa que ainda me mantinha sã?


            Eu não podia me vingar. Não me sentia capaz de tal ato naquelas circunstâncias. Não naquele lugar, não naquele momento. Então, eu consegui enxergar um terceiro caminho pelo qual poderia trilhar. Um caminho duvidoso, cheio de curvas sinuosas e águas turvas. Um caminho que poderia levar-me à liberdade, que poderia levar-me de Lucius e jogar-me direto no abismo do desconhecido. Um caminho que nem Severus Snape se atrevera a conhecer.


            O caminho da loucura.


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N/A.: Bom, capítulo postado! Foi muito bom escrever isso, apesar do - acredito eu - tema inusitado. Me envolvi com cores de um jeito surpreendente. Assim sendo, eu espero que compartilhem uma ínfima parte dessa sensação comigo. Próximo capítulo: Cinza - Parte II.


N.B.: Pers do céu!!! Que foi isso??? Adorei cada linha, sangrei com cada palavra e sofri com cada tortura. Mas, também tive esperança quando Draco apareceu. A história está espetacular! Ansiosa pela segunda parte e parabéns por uma escrita tão... primorosa. Beijos!!! Ártemis!


PS: FELIZ ANO NOVO PARA TODOS VOCÊS! Meus sinceros votos de paz e felicidades a todos. Beijo grande!


(00:00hrs, aproximadamente. 01/01/2010)


Beijos,


Perséfone Black.

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