CAPÍTULO X



CAPÍTULO X

Hermione olhou séria para a concunhada, perguntando-se se aquele sorriso perpétuo não escondia uma mente vazia. Não raro uma pessoa idiota tinha a sorte de ter um físico bonito e com isso iludia os outros. Hermione sorriu maldosamente. Sim, Gina podia muito bem ser uma idiota e, como tal, seria a esposa perfeita para o Lobo. Muito divertida com a idéia ela soltou um riso rápido. Gina, ocupada em tirar medidas com uma fita graduada, olhou para ela com ar de surpresa.
- Desculpe-me. Por acaso eu a espetei com a agulha? - perguntou, com os olhos bem abertos, demonstrando preocupação.
Hermione sacudiu a cabeça, mas mesmo assim não quis deixar passar a oportunidade para se queixar do que estava sendo feito com ela. Contra tudo o que seria de bom senso, estava de pé enquanto Gina tirava as medidas para fazer a túnica que ela já havia se recusado a aceitar.
- Não sei por que estou me submetendo a isso. Como já disse, não quero nenhum presente seu.
Enquanto falava ela agitou os braços, mas Gina os puxou para baixo. Para uma mulher de baixa estatura, a esposa do Lobo era surpreendentemente forte. E teimosa.
Mesmo assim Hermione sabia que à suplantaria facilmente numa luta. Devia simplesmente jogar no chão aquela criatura de covinhas no rosto e encostar a ponta do punhal na garganta dela. Pelo menos isso faria desaparecer aquele eterno sorriso! Hermione soltou outro riso rápido, mas desta vez Gina nem olhou para ela. Obviamente, a mulherzinha não fazia idéia do perigo que estava correndo. Talvez tenha sido isso o que fez Hermione desistir de entrar em ação. Isso e… Rony.
Hermione enrubesceu quando se lembrou do marido e de quando havia acordado ao lado dele. Na noite anterior, cansada e aborrecida demais para dormir no baú, havia resolvido ocupar o lugar que era dela na cama. Encheu-se de coragem e deitou-se, mas permaneceu acordada até que Rony se recolheu. Fingindo-se adormecida, ouviu os barulhos que ele fazia enquanto se despia, até finalmente se acomodar ao lado dela. Hermione achou que devia mandar que ele se vestisse novamente, sob pena de ter que enfrentar o punhal dela, mas inexplicavelmente acabou adormecendo antes de fazer a ameaça. Não se lembrava de mais nada até aquela manhã, quando despertou pouco antes da alvorada para se ver perto demais do corpo nu do marido. Por Deus, ela estava com o joelho quase tocando no sexo dele e a palma da mão esquerda de fato parada sobre o peito peludo do homem! Não era de admirar a lembrança deixá-la com as faces quentes.
Escapando da cama e do quarto ela havia corrido para o terraço, onde o embaraço pouco a pouco foi desaparecendo, deixando apenas um estranho calor no íntimo. Outro espetacular nascer do sol a deixou tocada, sem que ela sentisse aquela amarga ansiedade para ir logo embora de Wessex. Mas no futuro ela tomaria mais cuidado. Pelo bem de Rony.
Mais tarde, quando Gina a encontrou e sugeriu que tomasse um banho, ela acabou concordando. Para falar a verdade, bem que vinha sonhando com isso. Foi muito bom lavar-se na banheira cheia de água quente, mas agora, vestindo apenas a camisa de baixo, já estava cansada de ficar à mercê de Gina, que manejava a fita métrica e. agulhas, às vezes a espetando. Hermione abriu a boca para mandar a outra parar com aquilo quando elas ouviram batidas na porta.
- Entre. - disse Gina alegremente.
Hermione achou que agora já era demais. Não tinha o hábito de se deixar ver vestindo apenas roupas íntimas, nem mesmo pelas servas. Ia começar a dizer isso em altos brados à esposa do Lobo quando a porta se abriu.
Para dar entrada a Rony.
Hermione teve a impressão de que o marido dela estava ficando mais bonito a cada dia. Depois da tensão inicial, havia passado a se movimentar em Wessex com naturalidade e segurança. Parecia mais jovem e mais despreocupado e vinha se tornando freqüente ela ouvir no salão o sonoro riso dele. A propósito, foi sorrindo que ele entrou no quarto, segurando um rolo de pergaminho e movimentando-se naquele seu caminhar tão másculo quanto gracioso.
- Chegou uma carta de Campion, Gina. Harry achou que você…
Quando viu a esposa ele parou, com os olhos muito abertos. Por alguns instantes Hermione também ficou apenas olhando para ele, sentindo as faces muito quentes por causa do estado de seminudez em que se encontrava. Desde o casamento, sempre tinha ficado inteiramente vestida, mesmo para dormir. Nunca havia trocado de roupa na presença dele, não chegando nem mesmo a tirar os chinelos. Mas agora vestia apenas a camisa de baixo, quase transparente e que, por estar um pouco molhada, colava-se ao corpo em algumas partes. Para complicar ela estava com os cabelos úmidos inteiramente jogados para trás, expondo o rosto lavado.
Nunca havia se sentido tão nua em toda a vida.
O silêncio no quarto era tão palpável que Hermione quase podia tocá-lo. Estranhamente, porém, não se sentia capaz de emitir nenhum som para quebrá-lo. Sentia os seios subindo e descendo, forçados pela respiração acelerada, enquanto mantinha os olhos fixos nos do marido… naqueles olhos castanhos que pareciam fascinados. Todo o corpo dela estava estranhamente quente… e era um calor que parecia vir dele. Com as pernas fracas, sentia os mamilos endurecidos, parecendo querer furar o úmido e fino tecido. E, quando percebeu que os olhos dele desciam para aquela região, alguma coisa estranha aconteceu nas entranhas dela.
Rony pigarreou, um som rouco que serviu para tirá-la do entontecimento. Rapidamente Hermione ergueu as mãos e puxou os cabelos para a frente do corpo, cobrindo parte do rosto e os seios. Abriu a boca, mas só conseguiu emitir uma espécie de gemido no lugar das imprecações que pretendia pronunciar.
- Bem, eu… vou deixar isto aqui para você. - disse Rony, numa voz estranha, pondo o pergaminho sobre a cama e rapidamente caminhando para a porta.
- Obrigada, Rony. - disse Gina, quando ele já ia saindo.
Gina! Hermione havia se esquecido por completo da presença da outra mulher. Então voltou-se para ela, disposta a repreendê-la severamente pelo vergonhoso episódio, mas foi retida pelo riso da esposa do Lobo.
- Você viu a mesma coisa que eu vi? - perguntou Gina, rindo com vontade. - Rony estava com um ar de culpa… como um menino apanhado cometendo alguma traquinagem! Juro que nunca o vi assim. - Por alguns instantes ela ficou apenas rindo. - E é bom vê-lo tão encantado pelos seus charmes.
Hermione ficou olhando, agora certa de que aquela mulher era maluca, mas Gina apenas se levantou e abriu o bonito tecido que havia escolhido.
- Posso começar a costura eu mesma. Por que não vai para o seu quarto? Mandarei que lhe levem a túnica. - Gina sorriu, mostrando as covinhas, mas deve ter reparado no horror que apareceu no rosto de Hermione, porque logo o sorriso desapareceu. - O que foi? É claro que Rony nunca machucou você, não é?
- Não seja boba! Ele não sente nada por mim, e eu não sinto nada por ele! - declarou Hermione, quase gritando, querendo se convencer daquilo.
Jamais havia se sentido atraída por ninguém, menos ainda por um daqueles Potter. Também não sentia nada pelo marido, o homem que havia pegado na mão dela, incentivando-a a acariciá-lo nas partes mais íntimas. Meio trêmula, pegou a túnica limpa que havia levado, velha e desbotada, mas ainda em condições de uso, e rapidamente se vestiu.
- Mas eu já vi Rony diante de outras mulheres, algumas muito atraentes, e ele nunca se mostrou tão agitado. - protestou Gina, mostrando-se confusa. - É evidente que ele sente atração por você. Não estou entendendo. O casamento de vocês…
- Você é uma criatura mimada e não sabe nada sobre o meu casamento ou sobre a minha vida. - esbravejou Hermione, nervosamente enfiando os braços na mangas da túnica, subitamente desesperada para se afastar daquele mulher e das perguntas que ela fazia com fingido interesse. - É uma herdeira que leva uma vida de luxo. O que pode saber sobre mim?
- De fato, não sei quase nada sobre você. - reconheceu Gina. - Não quer me contar alguma coisa para que eu fique sabendo um pouco mais?
- Não! - gritou Hermione, atrapalhando-se com o cadarço da túnica na ânsia de sair dali.
Sempre havia demonstrado segurança diante do pai e dos homens dele, mas aquela mulherzinha parecia muito capaz de ameaçar as defesas dela. Gina podia ser maluca, mas via a coisas com mais clareza do que os ignorantes com quem ela sempre havia lidado.
- Bem, nesse caso talvez você queira ouvir um pouco sobre mim. - sugeriu Gina. - Embora possa ficar desapontada quando souber que não foi única a levar uma vida difícil.
Ainda atrapalhada com o cadarço da túnica, Hermione dirigiu um olhar duro à pequena mulher que ousava falar com ela daquele jeito. Ignorando aquilo, Gina sentou-se e respirou fundo.
- Sim, eu era uma rica herdeira. Meu pai foi o lorde de Baddersly, um próspero feudo no sul da Inglaterra, mas tanto ele quanto minha mãe morreram quando era ainda muito nova.
A naturalidade com que aquela revelação foi feita chamou a atenção de Hermione, que passou a escutar com mais interesse.
- A partir de então, minha vida foi dominada por um tio cruel que ambicionava minhas terras. Talvez ele fosse como o seu pai, talvez não… Eu não era tão forte quanto você e acabei me tornando uma sombra de mim mesma. Vivia isolada das pessoas que gostavam de mim, com medo de provocar a ira do meu tio. Acostumei-me a não falar e não reagir, com medo de ser espancada por ele… o que acontecia com certa freqüência.
Hermione encolheu-se. Pelo menos o pai dela nunca havia erguido a mão para agredi-la. Quando era pequena, achava que não atraía o interesse dele. Depois que cresceu e aprendeu a se defender, reparou que o pai parecia se divertir com a rebeldia dela.
- Finalmente, aproveitei-me de uma ocasião em que ele havia viajado para fugir. Meu tio deve ter ficado sabendo, porque mandou seus soldados, disfarçados de assaltantes de estrada, para me matar e eliminar os servos que haviam me acompanhado. Só estou viva por causa do providencial aparecimento de Rony e Dino, que por acaso passavam no cumprimento de uma tarefa determinada pelo pai. Ao ser derrubada do cavalo, eu bati com a cabeça no chão e perdi a memória. Como já lhe contei, eles me levaram para Campion. No entanto, logo o meu tio exigiu o meu retorno e Harry foi escolhido para me escoltar. Eu seria tirada do seio da única família que conheci para voltar a um lugar do qual não me lembrava… tinha pavor de me lembrar.
Gina fez uma pausa, parecendo precisar reunir determinação para prosseguir.
- Nosso comboio foi atacado e a escolta foi dizimada. Eu fiquei olhando para aquela carnificina, os homens de Harry, o jovem escudeiro, todos mortos… - A lady respirou fundo antes de continuar, agora mais animada. - Quando vi todos aqueles corpos, minha memória retornou. Foi uma desgraça que resultou numa coisa boa, porque eu sabia o que estaria nos esperando, embora não conseguisse convencer Harry disso até quando já era quase tarde demais. Só ele e eu havíamos escapado do ataque.
Nesse ponto Gina sorriu, como se a recusa do Lobo em acreditar nela fosse apenas um aborrecimento sem importância.
- Continuamos a viagem enfrentando muitos perigos e, quando chegamos a Wessex, o castelo estava dominado por seu pai. Eu vi Harry ser capturado por Smith, mas consegui me esconder e fugi. Então voltei sozinha para Campion, guiando-me pelo sol e pelas estrelas, com medo de encontrar algum inimigo… meu ou de Harry. Não foi uma jornada fácil.
Gina suspirou e ergueu o rosto para Hermione com os olhos iluminados.
- Mas consegui. Os Potter correram em nossa ajuda e retomaram Wessex. Depois expulsaram das minhas terras o homem que queria matar a própria sobrinha. Assim sendo, finalmente posso viver em paz. E dou valor a tudo o que temos hoje porque foi conseguido com muita dificuldade.
Hermione ficou boquiaberta, espantada com a história que acabava de ouvir. O breve relato continha muitas tragédias, mas Gina não demonstrava sentir amargura por tudo o que havia sofrido. Aquela mulher aparentemente franzina havia viajado sozinha, atravessando campos e florestas, enquanto ela, Hermione, tinha medo de ir além dos portões do próprio castelo. A idéia a deixava chocada.
- Agora você pode entender por que eu procuro viver com alegria, estou sempre comemorando a nossa felicidade. - disse Gina, fazendo um gesto para indicar o luxuoso ambiente que as cercava. - Não vamos nunca esquecer o passado, mas podemos deixá-lo para trás. Talvez você também devesse fazer isso.
Hermione ficou olhando, impressionada demais com a simplicidade com que Gina falava de coisas tão sérias para ao menos levar em conta o conselho. Então fez uma descoberta que lhe permitiu ver a própria idiotice. Considerando-se valente e imbatível, desde o primeiro dia havia pensado em Gina como uma mulher maluca e mimada.
Mas na verdade a esposa do Lobo era mais forte do que ela jamais seria.
De alguma forma Hermione conseguiu escapar. Havia querido falar, fazer pouco da história de Gina. Sem conseguir pensar em nada para dizer, porém, saiu do quarto da lady e do próprio castelo. Por Deus, bem que gostaria de sair de dentro da própria pele, mas isso seria impossível.
Preferiu não ir para a estrebaria, um tipo de lugar onde em geral encontrava conforto quando era mais jovem. Agora, como Rony já havia lembrado, não era mais uma criança. Então dirigiu-se ao jardim murado, onde os primeiros botões desabrochavam nos bem cuidados canteiros de Gina. Ninguém pensaria em procurá-la ali. Como todos sabiam, a Granger detestava tudo que fosse delicado e bonito.
Seria verdade?
Hermione já não tinha mais certeza. E agora estava trêmula. Por dentro e por fora. Tinha ouvido falar em tremores de terra e castigos bíblicos, já que Edred nunca se cansava de ameaçá-la com as punições guardadas para os pecadores, especialmente as mulheres que não soubessem respeitar seus senhores. Ela sempre havia rido dessas ameaças, mas agora se sentia como se estivesse no meio de um terrível cataclismo. Todo o mundo dela, as crenças, os valores, a forma que havia escolhido para viver a vida, tudo aquilo era subitamente posto em questão. E ela não encontrava respostas para as dúvidas que surgiam.
Sempre tinha tido a certeza de ter encontrado a única forma certa de sobreviver, mas Gina havia suportado tudo, chegando mesmo a triunfar, mantendo-se fiel a si mesma. Considerando isso, Hermione sentia-se na obrigação de reavaliar tudo o que já tinha feito. As mais básicas crenças dela pareciam ameaçadas, bem como outras mais recentes. Seriam os Potter assassinos sanguinários ou honrados cavaleiros? Seria Rony um ambicioso conquistador de terras ou um calmo erudito, um homem bondoso que a vinha tratando melhor do que qualquer outra pessoa? Estaria ele pondo em prática um plano feito com antecedência ou agia assim apenas por ser uma pessoa boa por natureza? Hermione sentia-se como um peixe fora da água, sem saber em que devia acreditar.
Quem era realmente a criança mimada? Gina, com sua riqueza e sua felicidade, ou Hermione, com seus gritos e suas ameaças? Teria ela lutado durante tanto tempo que agora golpeava o ar, automaticamente afastando tudo e todos, quando não havia a menor necessidade disso? Hermione respirou fundo quando percebeu que só podia ter certeza de uma coisa.
Não sabia mais quem era.
Embora tendo ficado sentada num banco do jardim pelo resto da tarde, Hermione não encontrou nenhuma resposta, não teve nenhuma grande revelação que explicasse tudo. Simplesmente reconhecia que havia outras formas de vida além da dela, outras opiniões, outras verdades, e que não podia mais ignorá-las. Ainda estava sentada no frio banco quando Rony a encontrou.
- Hermione! - ele disse, com evidente preocupação na voz. - Um dos servos me disse que você está aqui há horas sem se cobrir com um manto.
Só então ela se deu conta de que a temperatura havia caído, a leve brisa tendo se transformado num vento frio.
- Você está bem? - perguntou Rony.
Hermione não respondeu e ele se ajoelhou diante dela. Ajoelhou-se, sem nenhuma hesitação, como ninguém nunca tinha feito na frente dela. Teria aquele homem consciência da própria beleza? Limpos, os abundantes cabelos ruivos refletiam o sol do fim de tarde e os olhos brilhavam de ansiedade. Seria aquilo verdadeiro ou fingido? Hermione já não sabia.
- Está se sentindo mal? - ele insistiu. Hermione apenas balançou a cabeça.
- Por Deus, eu preferia que estivesse gritando comigo. - disse Rony, com um sorriso que a deixou com vontade de chorar. - Assim saberia que é mesmo você.
Mas eu não sou eu mesma, pensou em dizer Hermione. Será que você pode me dizer quem sou? Mas continuou calada e ele se levantou. Pegou na mão dela, que acariciou com os dedos calejados, fazendo-a sentir uma onda de calor tão apavorante quanto confortadora.
Os instintos mandavam puxar o braço, mas Hermione estava cansada demais para protestar. Deixou que Rony pusesse um manto por cima dos ombros dela e não se encolheu quando sentiu o toque das mãos dele. Rony falava com calma, como era o jeito dele, e ela o fitou, espantada, como se o visse pela primeira vez. Aquele rosto era bonito, o olhar tinha doçura e sabedoria. Hermione ficou maravilhada ao se ver diante de um homem tão sábio, que havia aprendido tantas coisas, enquanto ela…
Subitamente o olhar dele desceu para os lábios dela e Hermione sentiu uma onda de calor que parecia capaz de expulsar não só o frio, mas também as lembranças ruins e qualquer coisa que a ameaçasse. Logo depois, como se quisesse caçoar daquele pensamento, o vento pôs entre eles uma longa mecha dos cabelos dela.
- Venha. - chamou Rony. - Vamos entrar antes que você pegue um resfriado.
Hermione se deixou levar. Sentia no íntimo um calor que não tinha nada a ver com o pesado manto que agora usava, uma pungente percepção de que o mundo poderia ser diferente de tudo o que ela havia imaginado.
Quando eles entraram no castelo ela já havia decidido experimentar uma mudança de atitude. Pela primeira vez na vida, tentou se ver como uma pessoa igual às outras. Estar atenta a tudo sempre tinha sido uma forma de identificar os inimigos, mas agora ela praticava isso com outros propósitos, como se fosse uma visitante numa terra estranha, estudando os desconhecidos com curiosidade. Ainda desconfiada, resolveu manter-se na periferia da família Potter, sem se integrar, mas observando e procurando obter informações.
Continuou especialmente interessada em entender o relacionamento do Lobo com a esposa, já que conhecia muito pouco sobre pessoas casadas além da crueldade com que o pai dela tratava a mulher com quem havia se casado por interesse. Conhecia alguns casais da aldeia, claro, em geral pessoas livres, mas a vida daquela gente era muito peculiar, a primeira fase do casamento se caracterizando por gritos e um humor grosseiro… até que chegavam os filhos.
Harry e Gina eram tão diferentes daqueles casais quanto a noite e o dia. Chegavam a discutir em voz alta, mas Harry jamais erguia a mão contra a esposa. E Gina não se retraía nem se escondia dele, respondendo ao marido com palavras igualmente duras. E essas brigas sempre eram seguidas por uma apaixonada reconciliação, incluindo demonstrações públicas que deixavam Hermione enrubescida.
Na verdade, quando aqueles dois estavam juntos, tocavam-se o tempo todo, quando não ficavam apenas se olhando. E Gina não ria como se estivesse sentindo cócegas. Em vez disso, parecia se derreter quando era acariciada pelo Lobo. Em certas ocasiões o grandalhão a lembrava Rony, o que fazia Hermione pensar, a contragosto, que talvez o Lobo não fosse inteiramente mau.
Ele não só era terno, como também procurava agradar à esposa, conquistando-a com facilidade, da mesma forma como Gina fazia com ele. Era essa reciprocidade que espantava Hermione. E o mais fantástico era a forma como Gina provocava o Lobo, sempre conseguindo que ele sorrisse ou soltasse um riso rouco. Hermione engoliu em seco quando se lembrou de que às vezes Rony tentava a mesma coisa com ela. Não era raro Gina ralhar com o marido, às vezes até socando o peito dele, mas sem querer machucá-lo, claro. Nessas ocasiões o Lobo apenas resmungava, enquanto o irmão mais novo ria.
Que mágica aquela mulherzinha morena dominava para ter tal poder sobre o marido? Certamente aquela liberalidade não vinha apenas da satisfação que o Lobo devia ter na cama. Na opinião de Hermione, a influência de Gina era impressionante e ela estava determinada a descobrir como uma mulher conseguia aquilo. Assim sendo, deixou que a esposa do Lobo a presenteasse com uma túnica como ela jamais havia vestido. Procurando não se impressionar com a maciez do tecido nem com a riqueza da cor, Hermione observou a outra mulher com os olhos apertados e até se arriscou a fazer uma pergunta direta.
- Qual é o seu poder sobre o Lobo? - disse, de chofre.
Sem se abalar com a pergunta, Gina desdobrou vagarosamente a manga da túnica que havia vestido em Hermione e sorriu.
- O único poder que tenho sobre ele é o que vem do amor… do amor dele por mim e do meu por ele.
Hermione não acreditou e não fez segredo disso. Por acaso aquela mulher pensava que ela era estúpida? O poder era o que fascinava as pessoas… e vinha da força, da riqueza, dos segredos… não de emoções abstratas.
- Só pode ser o seu dinheiro.
- Não, porque Harry podia ter se casado comigo logo que soube que eu era uma rica herdeira. Mas não quis. Só se casou comigo depois que eu enfrentei muitos perigos ao lado dele, depois que passou a gostar de mim. Depois que passou a me amar. - Nesse ponto ela dirigiu a Hermione o seu sorriso de covinhas. - Bem, talvez gostasse de mim desde antes. Às vezes as pessoas, principalmente as mais teimosas, se recusam a admitir a afeição que sentem.
Hermione torceu a boca. Talvez Gina fosse mesmo maluca.
- Então por que é? Será que é porque você deixa que ele a use quando bem quer?
Gina riu com vontade e recuou para fitá-la, mas Hermione não conseguiu sustentar o olhar da mulher. Sentindo um traiçoeiro calor nas faces, abaixou a cabeça para esconder o rosto com os cabelos.
- Deixar que ele me use? - perguntou Gina. - É assim que você se refere às delícias que podem ser partilhadas na cama matrimonial?
Hermione não quis acreditar. Delícias? A mulher estava louca.
Como ela não respondesse, os olhos grandes de Gina se encheram de preocupação.
- Por acaso Rony machucou você?
Hermione riu com desdém.
- Como se ele pudesse! Seria um homem morto se tentasse me tocar!
Um ar de surpresa passou rapidamente pelo semblante de Gina antes que ela se abaixasse para ajeitar a barra da túnica. Durante algum tempo ficou em silêncio, enquanto Hermione a observava. Depois voltou a falar, com brandura.
- Acho que tive sorte por não precisar ter esse medo na minha noite de núpcias. Talvez você pense mal de mim, mas quando nos casamos eu já havia me deitado com Harry. Amava o homem, sabe?
Hermione arregalou os olhos, perplexa. Era espantoso uma mulher entregar a virgindade sem ser forçada a isso, e antes do casamento. Mas Gina tinha feito exatamente isso.
- E reconheço que não fiquei envergonhada. - prosseguiu a lady. - Bem, a princípio sentia raiva de Harry. Afinal de contas, ele estava me levando de volta para uma situação ruim e não queria ouvir meus argumentos. - Gina fez uma pausa e suspirou, sonhadora. - Mas fui aos poucos me afeiçoando a ele… acabei percebendo que, por trás de toda aquela arrogância, estava uma pessoa adorável, um homem que precisava de mim tanto quanto eu precisava dele.
Hermione emitiu um som para expressar seu desacordo, mas Gina ignorou aquilo, continuando a ajeitar a barra da túnica.
- Eu ansiava pelos beijos dele, pelo toque, pela forma como a paixão dele quase me consumia. Harry é um homem grande, muito forte, mas, quando eu quero, deita-se de costas e me deixa ficar por cima, ou que eu o tome na boca até que ele chegue ao clímax.
Cada vez mais espantada, Hermione ficou apenas olhando. Gina levantou a cabeça e soltou um riso rápido.
- Você não se importa por eu falar com naturalidade disso, não é?
Tão alarmada quanto agradavelmente excitada, Hermione não encontrou a voz para responder e Gina pôs-se a falar sobre o que mais gostava que o Lobo fizesse com ela na cama, referindo-se às partes do corpo mais sensíveis, tanto dela quanto do marido, e revelando sem constrangimento as várias posições em que eles costumavam fazer amor.
Quanto mais explícita se tornava a fala dela, mais Hermione achava que devia tapar os ouvidos. Imagens dançavam na frente dela, imagens de Rony fazendo aquelas coisas misturadas com as lembranças do dia em que ele havia posto na mão dela o sexo endurecido e murmurado ao ouvido dela, logo ele, o grande cavaleiro, o brilhante sábio, pedindo que ela o tocasse… Mas naquelas imagens as mulheres eram outras, mais atraentes que ela, mulheres que ficavam externando pensamentos sobre Rony até que Hermione viu tudo vermelho, a cor da raiva, do medo e do sangue.
- Não!
A própria Hermione se espantou com o grito, que saiu juntamente com um demorado lamento que em nada se parecia com os sons enraivecidos que ela costumava emitir. Com a visão meio turva, viu Gina olhando para cima com ar de preocupação e ouviu o choro do bebê, protestando pelo som alto.
- O que foi, Hermione? - perguntou Gina. - Por acaso eu a ofendi? Pensei que, já que somos mulheres casadas…
- Seu bebê está berrando. - esbravejou Hermione, grata pela interrupção e querendo aproveitar a chance para escapar. - Vá cuidar dele e deixe-me em paz!
Ela não queria pensar nas coisas sobre as quais Gina havia falado, não queria ser assaltada por estranhos e assustadores desejos, não queria passar por nenhuma situação que pudesse torná-la vulnerável.
Afinal de contas, era uma Granger.
Despindo-se da túnica quase pronta, Hermione rapidamente vestiu a velha e saiu do quarto, deixando Gina sozinha com o filho.
- Calma, filhinho. - murmurou Gina, pegando o menino no colo e soltando um demorado suspiro. - Mas o que foi que eu fiz? - perguntou, como se o filho pudesse responder. - Pensei em ajudá-la, mas talvez só tenha piorado as coisas.


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