O peso de um Malfoy





Sophie Malfoy enxugava seus cabelos consideravelmente loiros quando sua mãe entrou apressada pelo quarto.

“Sophie, por Merlin, quantas vezes eu vou ter que vir até aqui te apressar? Você sabe que seu pai não está nenhum pouco satisfeito em jantar na casa de Andrômeda e, se o fizermos esperar, ele vai ficar mais impaciente do que já está!” – ela andava pelo quarto arrumando roupas e objetos que Sophie deixava espalhados enquanto a menina continuava sentada na cama com a toalha em mãos – “Você quer fazer o favor de levantar da cama? Draco já está quase pronto e eu não tive que apressá-lo nenhuma vez sequer!”

Ainda secando os cabelos, ela levantou, revirando os olhos.

“Então leve ele e me deixe ficar aqui, ué.”

“Você poderia fingir alguma consideração, meu bem? Apesar de todas as diferenças, Andrômeda é minha irmã e não é sempre que temos a oportunidade de vê-la!”

“Ah, mãe, faça-me o favor, que adianta ser sua irmã? Todo mundo sabe muito bem que isso não impede que vocês lutem em diferentes lados! Vocês, Belatriz... O parentesco não vai fazer diferença alguma quando uma tiver que matar a outra!”

“Sophie!” – repreendeu Narcisa.

“Mas é verdade, ué! Não sei pra que esse maldito jantar. Só vai servir de desculpa pra discussões e grosserias!” – ela apoiou a toalha na cadeira e começou a pentear os cabelos lisos e úmidos.

“Esse maldito jantar, Sophie, é o aniversário da sua tia! Que ela fez o favor de nos convidar apesar dos diferentes caminhos que nós tomamos!”

“Eu não tomei caminho nenhum.” – ela disse com desprezo – “e vou acabar no meio da guerra.”

“Pois então é bom assumir seu caminho mesmo antes que comece – ou continue – a fazer escolhas erradas!”

Sophie deixou escapar um suspiro de irritação e torceu a boca, preferindo não falar nada diante do comentário da mãe. Já não era novidade que a família inteira discordava dos posicionamentos dela, condenava suas companhias e a criticava de todas as formas possíveis. Mas, ainda assim, a menina ainda não havia se acostumado com o papel de ovelha negra.

“Você tem 15 minutos pra estar lá embaixo ou eu subo aqui pra lhe puxar pelos cabelos e obrigá-la a ir nem que seja nua, me entendeu?”

Narcisa virou-se, mexendo seus cabelos loiros, e saiu do quarto. A mulher tinha lisas madeixas muito parecidas com as da filha: longas, finas e de um tom de loiro que beirava o branco. Era, realmente, muito bonita. Feições finas, olhos acinzentados e uma pele alva. Só não conseguia ser mais bonita que a própria Sophie. Essa, além dos longos cabelos que lhe escorregavam pelas costas, tinha um corpo esguio e alto, lábios empinados e olhos de um azul claríssimo que havia herdado do pai. À primeira vista, parecia-se com uma boneca de porcelana, frágil e delicada. Mas bastava conhecê-la um pouco para saber que sua personalidade marcante tinha mais força que uma caravana de trasgos e gigantes.

“Então, afinal, que vestido usar?” – perguntou a si mesma diante do espelho. As roupas espalhadas em cima da cama estavam tão bagunçadas que sequer era possível discernir umas das outras. – “Afinal, quem deve ir a esse maldito jantar? Tonks, Belatriz, Lupin talvez...”

Considerando que sua paciência já estava no fim e que não havia ninguém interessante na lista de convidados, ela pegou um vestido preto básico e o vestiu. O modelo era simples mas bonito. O decote frente-única e a cor escura realçavam sua beleza e, com a ajuda de uma maquiagem trouxa, ela ficou mais linda do que já era. Não podia usar magia por ainda ser menor de idade e, devido ao início de discussão, também não quis chamar sua mãe para ajudá-la com feitiços maquiadores como sempre fazia. Fez tudo, então, à mão e saiu do quarto exatos 15 minutos depois.

“Nossa, toda arrumadinha, Sophie, quer chamar a atenção de quem, hein? Depois daquele Grifinório do ano passado qualquer coisa serve, né?” – disse Draco ao passar por ela no corredor e bagunçar seus cabelos.

“Olha aqui, seu fedelho cabeça de ovo, eu não quero chamar a atenção de ninguém e meu namoro com o Alan não é da sua conta!”

“É claro que é, irmãzinha, ou você já esqueceu que é meu dever te controlar em Hogwarts quando nossos pais não estão por perto?”

“Controlar?! Faça-me o favor, Draco, você não controla nem as próprias cuecas!” – ela disse, voltando a andar.

“Pense pelo lado bom, Sophie” – o garoto veio atrás passando o braço pelos ombros dela com um sorriso irritante – “A julgar pelas companhias da nossa tia, o jantar hoje deve estar cheio de tipinhos como o que você gosta: sangues-ruins, amiguinhos do Potter, ex-Grifinórios... Você pode até arranjar um namorado novo!”

“Draco, cala a boca, eu não preciso de um namorado novo e você não tem nada a ver com a minha vida então vai lá brincar com seus amiguinhos e me deixa.” – ela desceu as escadas com ele ainda atrás.

“Talvez se fôssemos a um jantar de gente decente você achasse um sonserino que preste pra esquecer aquele Cooper!”

“Talvez se você arranjasse QUALQUER namorada que fosse, você deixasse de ser tão inútil e irritante, irmãozinho.” – ela sorriu com ironia e se encaminhou até a cozinha onde os pais acabavam de se arrumar e dar ordens ao elfo doméstico.

“Quantas vezes eu vou ter que repetir, seu elfo inútil, nós só voltaremos à noite, não precisamos que faça o jantar!” – gritava Lucio com grosseria.

Ovelub, o elfo, assentia com lágrimas nos grandes olhos acinzentados enquanto repetia vários pedidos de desculpa ao seu senhor. Assim que percebeu que
Sophie adentrava a cozinha, o elfo limpou as lágrimas com seu avental desbotado e abriu um sorriso inocente.

“Oh, menina Sophie, como está bonita! A senhorita não quer tomar nada antes de sair? Ovelub pode fazer pra senhorita, seria um prazer pra Ovelub, menina Sophie!”

Lucio bufou com impaciência e já recomeçava a gritar quando Sophie entrou na frente, impedindo:

“Não, Ovelub, muito obrigada mas não precisa, ok? Tenho certeza que comerei muitas coisas gostosas no jantar, não precisa se preocupar.” – disse, sorrindo.

O elfo sorriu meio inconformado por não poder oferecer nada à menina e voltou a se dedicar ao bolo que preparava. No momento seguinte, Draco entrava pela cozinha, pegando uma maçã na fruteira.

“Então, vamos ou não vamos?” – disse com impaciência.

“Será que você não pára de reclamar nunca?” – questionou Sophie.

“Ué, não fui eu que dei um ataque porque não queria ir.”

“Vocês querem calar a boca, por favor?” – disse Lucio rispidamente antes de virar-se para o elfo – “Afinal, será que é exigir muito que essa porcaria de bolo fique pronto ainda esse mês?”

“M-me perdoe, senhor, Ovelub queria que ficasse bem bonito para a senhora Andy e seus convidados...”

“Não me interessa, termine logo antes que eu desista de ir!” – Assim que acabou a frase, Narcisa lhe lançou um olhar ameaçador.

“Argh...” – começou Draco revirando os olhos – “A julgar pelo nível dos que vão a esse jantar um pé de trasgo assado já seria bom até demais!”

“Um pé de trasgo seria melhor utilizado se fosse enfiado na sua...”

“SOPHIE!” – repreendeu Lucio entre dentes.

“...boca.” – concluiu ela, engolindo as palavras que realmente tinha intenção de dizer.

“Você quer fazer o favor de ficar quieta que a minha paciência está por um fio?!” – Lucio continuou.

“Eu?! Mande seu filho irritante ficar quieto, eu não fiz nada!”

“Claro que fez” – disse Draco começando a aumentar o tom – “Você nasceu! Já não é suficiente, sua nojenta cabelo de miojo?!”

“Cabelo de miojo?! Você nem sabe o que é miojo, seu troglodita!”

“Claro que sei, aprendi com você que entende tudo de coisas trouxas!”

“Pelo menos de alguma coisa eu entendo, seu...”

“QUIETOS!” – Lucio berrou interrompendo a discussão – “Mais uma palavra e os dois vão ter um castigo doloroso, cada um à sua maneira!”

“Ovelub, você pode fazer o favor de apressar esse bolo?” – ordenou Narcisa já tensa.

“Sim, sim, senhora, Ovelub já acabou o bolo, falta apenas...” – o elfo olhou ao redor da cozinha e estalou os pequenos dedinhos, fazendo com que uma enorme caixa chegasse até o bolo e o engolisse – “Isso!”

“Ótimo! Vamos logo antes que eu me arrependa ainda mais!” – disse Lucio se encaminhando para a sala e sendo seguido pela mulher e os dois filhos.

Assim que saíram porta afora, Draco se aproximou de Narcisa, sendo abraçado por ela. O garoto, com apenas 14 anos, não poderia aparatar por conta própria então o fez acompanhado da mãe. Lucio fez o mesmo, porém sozinho, e logo foi seguido por Sophie que deu uma piscadinha para Ovelub e partiu, sendo a última dos três.

Em questão de segundos, eles chegavam à porta da casa de Andrômeda e eram recebidos por um outro elfo tão simpático quando Ovelub – e igualmente maltratado por Lucio. Logo que receberam as boas vindas e tiveram seus sobretudos e pertences guardados, eles ouviram a voz calma da aniversariante se aproximando.

“Narcisa! Que bom que veio! Que bom que vieram...” – Andrômeda se aproximou e deu um abraço na irmã. Fitou Lucio com um meio sorriso educado no rosto e se voltou para Draco que a olhava com arrogância – “Nossa, faz tanto tempo que não lhe vejo, mal deve lembrar de mim.”

“Provavelmente não.” – disse o garoto analisando-a da cabeça aos pés. A mulher sorriu tentando parecer simpática e virou-se para Sophie que tinha no rosto uma expressão mais receptiva que o irmão.

“Oh Merlin, olhe pra você! Está uma mulher linda!” – falou sorrindo enquanto segurava a menina pelos ombros.

“Muito obrigada, tia, é gentileza sua...” – Diante da simpatia da sobrinha, Andrômeda a abraçou saudosamente. Sophie retribuiu e sorriu.

Assim que todos chegaram à sala, Narcisa e Lucio seguiram cumprimentando todos os presentes enquanto Draco e Sophie eram devidamente apresentados a todos que não conheciam ou não se lembravam devido aos anos que passaram sem contato. Sophie, acompanhada da tia, entrou na sala e logo foi cumprimentada por Ted Tonks, marido de Andrômeda e também um homem muito simpático. Em seguida, falou com Ninfadora Tonks, sua prima, e deu uma breve olhada pelo ambiente pra ver se reconhecia mais alguém. Viu Lupin, então, se encaminhando até ela com um sorriso no rosto. Era o único que ela conhecia melhor por ter sido seu professor em Hogwarts e alguém por quem nutria grande simpatia. Assim que se desvencilhou dele, foi puxada novamente pela tia até um homem que se levantava do sofá para cumprimentá-la. Era alto e, apesar de magro, tinha um porte consideravelmente atraente. Seus olhos pareciam duas gotas de água com cor de céu, parte de seu queixo era coberto por uma espécie de cavanhaque e seus cabelos escuros e bagunçados chegavam aos ombros.

“Este aqui é Sirius Black, meu bem, nosso primo e, conseqüentemente, seu primo de segundo grau.”

“Sophie Malfoy, certo?” – ele perguntou acordando-a de seus devaneios e estendendo a mão para cumprimentá-la.

“Ah, desculpe.” – ela disse sorrindo após perceber que havia deixado a mão dele esperando – “Eu estava distraída.”

“Eu compreendo. Não é todo dia que se descobre que um ex-fugitivo de Azkaban é nosso primo, não?”

Sophie arregalou os olhos instantaneamente. Azkaban? Era ele o famoso Sirius Black, protagonista das histórias de fuga e confusão, então? Afinal, ela havia ouvido muito sobre ele. Fosse nos jornais ou em casa, aquele nome era realmente conhecido de seus ouvidos mas nunca havia ligado todos os fatos. Nem imaginado que ele era seu primo de 2° grau. Ou, muito menos, que ele pudesse ser tão irremediavelmente bonito.

“Perdão, Azkaban?” – perguntou ainda confusa.

“Sirius!” – repreendeu Andrômeda – “Falar de sua estadia em Azkaban provavelmente não é a melhor forma de apresentar-se para sua prima de 17 anos!”

“É verdade, Andy. Perdoe-me, senhorita.” – falou, sorrindo e fazendo um gesto cavalheiresco – “É que, se bem me lembro, a última vez que nos vimos foi pouco antes desse desagradável incidente e a senhorita ainda usava fraldas e babava. O que não creio que ainda ocorra.” – falou de forma divertida.

“É, garanto que não.” – ela falou rindo.

“Agora eu sei fechar a boca e disfarçar mas continuo babando ainda que por diferentes motivos como, por exemplo, você e esses olhos azuis.” – pensou –

“Não! Pelas calças de Merlin, não, controle-se! Nada poderia ser mais inapropriado.” – concluiu pra si mesma, repreendendo os próprios pensamentos.

“Então...” – recomeçou ele quando Andrômeda se afastou para falar com Ted e deixou os dois sozinhos – “Último ano em Hogwarts, certo?”

“É, infelizmente.” – ela odiava lembrar de tal fato.

“Pretensões para o futuro? Sua carreira como comensal já está inteiramente encaminhada, eu imagino.”

Sophie o olhou com uma expressão séria. Ele provavelmente achava que ela era exatamente como sua família, então. Aversão a sangues-ruins, seguidora de Voldemort, implicância com Grifinórios. Tudo que ela odiava e com o que era sempre associada quando pronunciava o sobrenome “Malfoy”.

“Não pretendo ser comensal ou seguir nada que não concorde por causa apenas de meu sobrenome.”

Sirius levantou as sobrancelhas e sorriu como se ela tivesse acabado de demonstrar uma enorme prova de coragem e ousadia.

“Engraçado como essa frase me parece familiar.”

“O que quer dizer?”

“Sabe, sobrenomes fortes pesam sobre as nossas costas.”

“Nunca pensei que Black pesasse muito.”

“Mas é claro, sua mãe não foi a ovelha negra da família!”

Sophie calou-se, esperando que ele dissesse algo. Sentia, subitamente, uma enorme admiração por ele, uma afeição misturada à ternura.

“Você foi?”

“Bem... Tirado da árvore genealógica da família, considerado morto pela própria mãe... É, pode-se dizer que sim.”

Sophie sorriu imaginando se um dia seria tirada da árvore dos Malfoy por namorar Grifinórios ou conversar com Sirius Black e voltou a sentir a ternura de antes ao pensar que ele, de certa forma, a compreendia então.

“E quanto a você, não se orgulha de seu pesado sobrenome?”

“É, vamos colocar dessa forma: Eu só não fui pra Grifinória porque implorei ao Chapéu Seletor.”

“Algum preconceito?” – ele falou rindo.

“Todos!” – ela respondeu brincando.

“Bem, mas, afinal, você deve ter alguma característica sonserina pra ter sido escolhida pra lá.”

“E quem não tem?” – ele riu com a resposta e fez uma expressão pensativa. –

“Mas o chapéu estava praticamente entre as duas casas quando me ouviu
murmurar que precisava ir pra sonserina.”

“Não se arrepende?”

“Por não tê-lo deixado decidir sozinho? Sim. Por ter ido para a Sonserina? Não.”

“Pensei ouvir você dizendo que não queria seguir seu sobrenome.”

“E não estou seguindo. Não é a casa que faz o bruxo e sim o bruxo que faz a casa.”

Sirius ficou em silêncio a observando com um meio sorriso no rosto enquanto os dois pares de olhos azuis se encontravam de forma intensa. Foi então interrompido pela chegada do terceiro e indesejado par.

“Vejo que já teve o prazer de conhecer minha filha, Black.” – começou Lucio rispidamente.

“De fato, pra mim, foi um enorme prazer conhecê-la embora eu não saiba se isso funciona como um elogio pra você.”

“Realmente. Sua opinião não vale muita coisa.” – ele respondeu com um sorriso.

“Provavelmente vale, Lucio. Mas creio que funcione como o oposto pra pessoas do seu tipo. Me diga, como é ter uma filha com uma personalidade tão contrária ao seu jeito asqueroso?”

Sophie arregalou os olhos conforme Lucio dava passos a frente e o silêncio ainda se instalava. A tensão entre os dois era nítida e ela já não sabia mais quem queria defender.

“Não creio que você esteja em posição de falar sobre a personalidade da minha filha, Black. Você não a conhece.” – ele pegou Sophie pelo braço ainda encarando Sirius nos olhos – “Nem vai conhecer.” – e virou as costas puxando a menina – “Vamos, Sophie.”

Ela relutou um pouco mais o pai a puxava pelo pulso e ela sabia que não seria uma boa idéia armar um escândalo logo em tais circunstâncias. Olhou pra Sirius então com uma tentativa de sorriso nos lábios e virou-se, caminhando para a outra parte da sala. Ele provavelmente devia estar pensando, a essa altura, que ela era exatamente como os pais. Pior: que era fraca até pra assumir que era como eles.

A menina sentou em uma cadeira qualquer ainda divagando sobre as opiniões que Sirius podia ter sobre ela e deixando-se levar pelo desânimo do assunto quando a campainha tocou e a sobressaltou. Apenas uma opção de nome percorreu sua mente ao imaginar quem havia chegado e era exatamente o nome que lhe dava mais ânsias de vômito.


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