Prólogo

As grossas gotas de chuva escorriam pelas paredes negras da casa. A noite, extremamente escura, parecia engoli-la no vácuo tornando-a quase invisível aos que passassem distraídos. Dentro dela, tanto o homem quanto a mulher encontravam-se igualmente encharcados. Desde que entrara pela porta, Narcisa ainda não havia parado de chorar, embora tentasse não demonstrar por medo da irritação do marido.
“Lucio...” – ela sussurrou com a voz tremida – “Você... você realmente acha que fizemos bem?”
“Se eu não o achasse não o teria feito.” – ele fitava o chão, não parecia seguro de suas palavras – “Eu quero o bem dela.”
“Mas entregá-la assim... Eu...” – Narcisa media as palavras cuidadosamente – “Eu também quero o bem dela mas ela é uma criança e não tem escolha, é um bebê! Talvez não devêssemos ter lhe dado esse fardo para...”
“Isso não é um fardo!” – Lucio alterou o tom – “Se fosse, eu não teria concordado.”
A mulher calou-se e ele levantou da cadeira, andando pela sala espaçosa. O temporal batia na janela de forma agressiva enquanto Narcisa perdia o controle do choro.
“Ela tem sorte! Muitos matariam e morreriam pela oportunidade de ter suas vidas designadas a algo tão forte! Forte e nobre, isso é uma honra, Narcisa!”
O homem agora falava com mais avidez, parecia querer convencer não só a mulher mas a ele próprio. Falava e falava, andando pelo ambiente, enquanto Narcisa secava as lágrimas quentes que lhe escorregavam pelo rosto.
“Eu tenho medo, Lucio!”
“De que?! Não há o que temer!”
“Nós não lhe demos escolha!”
“Não há tempo para escolhas, Narcisa. NÓS temos que tomar as decisões!” – ele falava impaciente – “Ela nos agradecerá um dia, eu tenho certeza!”
A mulher pareceu se acalmar um pouco.
“Quem ficará como...?”
“Eu.” – ele interrompeu bruscamente.
“E se algo acontecer?!”
“Não vai acontecer nada!”
“MAS E SE ACONTECER?” – havia um ar de desespero na voz doce dela.
“Você conhece as regras.”
Narcisa começou a chorar compulsivamente e se jogou para os braços do marido. Ele a abraçou ternamente, tentando inutilmente consolá-la. Não havia o que dizer, nada que tivesse o poder de acalmá-la. Palavras eram desesperadoramente inúteis. Então Lucio suspirou, passando a mão por seus cabelos loiros e deixou o som do temporal tomar o ambiente com a esperança que ele levasse embora as lágrimas daquela noite.

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