O Desmaio





Sexto  - O Desmaio – Por Hermione



                Chovia, ventava e estava frio. Eu estava congelando debaixo dos finos tecidos do meu figurino. Meu cabelo estava dançando ao redor de minha face, devido ao vento, e eu estava tão cansada que começava a ver meio desfocado o ator à minha frente. Finalmente alguém gritou ‘CORTA!’ e eu pude me retirar para a cabana montada no meio do campo.


                Alguém me trouxe uma toalha e um copo d’água, mas o que eu queria mesmo era sentar.  Estava com uma dor de cabeça terrível, e me sentia meio tonta.


                Estávamos no final das filmagens. Com um pouco de sorte, terminaríamos nas próximas semanas. Porém o diretor, Draco Malfoy, não queria contar com sorte. Nós tínhamos que acabar nas próximas semanas. O ritmo no set estava louco. Qualquer errinho era reprimido com gritos e estresse.


                - Eu só trabalho com os melhores. – dissera Malfoy mais de uma vez – E os melhores têm que dar o sangue por este trabalho. – Eu já trabalhara com diretores rigorosos e prazos apertados, mas isto já começava a se tornar meio idiota. Todos nós precisávamos de um pouco de descanso, e eu já falara isto para o Malfoy.


                Não que eu conversasse muito com ele. Era ainda esquisito, mesmo após tanto tempo, falar com ele, depois de todas aquelas lágrimas derramadas da última vez que nos encontramos. Mas havíamos crescido, mudado e amadurecido, certo?


                Era o que eu esperava.


                Cedo demais, antes que minha cabeça parasse completamente de rodar, me chamaram para fazer a próxima cena. Eu não queria me levantar, mas levantei de qualquer jeito. Pontinhos pretos apareceram diante de mim. Iríamos gravar uma das cenas mais importantes do filme, em que Dorcas (eu) brigava com o irmão.


Um último retoque de maquiagem e eu estava pronta. Quase tombei na lama ao descer da cabana. Por sorte o braço do diretor estava ao meu lado e eu me segurei nele. Pedi desculpas por pegá-lo emprestado, mas Draco somente me olhou de modo penetrante e foi dar ordens para os câmeras.


O mal-estar somou-se a minha dor de cabeça e tontura, porém eu fingi que ignorei e continuei meu caminho pela chuva.


 


- Não vou deixá-la! – Me ouvi gritar pela trecentésima vez, enquanto rezava mentalmente para que o meu “irmão” lembrasse sua fala e a iluminação estivesse posicionada do modo certo, natural.


O ator com quem eu contracenava lembrou-se do que tinha que falar, e eu gritei mais um pouco para que me ouvissem através da chuva. Então virei de costas e tentei ir embora, ensaiando alguns passos na lama, esperando alguém gritar “Corta!”.


Mas desmaiei antes de ouvir qualquer coisa.


 


**


 


                Enquanto estava desmaiada, não sonhei nem viajei a lugar nenhum. Revivi o final do ensino médio e a decisão, conjunta, de acabar um namoro de anos.


                Lembrei de quebrar o silêncio amargo que se instalara após a frase/grito/acusação – dele: “Você não me apóia”.


                Lembrei de sussurrar – chorar – “Você não se permite qualquer apoio”. Minhas pernas pesavam que nem chumbo, mas eu ainda guardava a lembrança delas se mexendo para me levar embora, sob o olhar penetrante do agora ex-namorado. Mas dessa vez não cheguei a lugar nenhum: tropecei e acordei na luz branca de um hospital.


                E vi os mesmos olhos cinza me analisando. Ou talvez eu estivesse começando a delirar. Fechei os olhos, e, desta vez, sonhei.


                Quando acordei novamente, não havia ninguém no quarto. Mas chegaram em poucos minutos.


- Você está bem? Perguntaram Ginny e Harry, metade do set de filmagem e todos os atores, coadjuvantes ou não.


                Sim, eu estava bem. Anemia, estresse e trabalho demais, diagnosticaram os médicos. Nada fatal.


                Anorexia, acrescentavam as revistas de fofocas. Cheguei a ler ‘coração partido’ em uma. Ainda nada fatal. Fiquei curiosa, mas não comprei para descobrir quem havia partido meu coração.


                Só passei uma noite no hospital, mas não fui trabalhar no dia seguinte: me deram folga. Aproveitei para visitar Mascherina. Lily ficou surpresa com a minha chegada, tão tarde. Mas ficou deliciada: ela tinha alguém para me apresentar.


                - Alguéns. – Corrigiu Sirius Black, e, de fato, descobri era mais de uma pessoa.


                - Olá! – Sorri para uma garotinha, que se escondia timidamente atrás do irmão mais velho. Ela deveria ter uns cinco anos. – Como você se chama?


                - Anna.  – Ela falava tão baixinho que eu mal podia ouvir a resposta.


                Anna era linda. Tinha um sorriso desdentado, assim como seu irmão. Mas diziam que ele perdera um dente levando um soco. De quem, ninguém sabia. Ou ninguém ousava saber.


                Os dois faziam parte do grupo de sete crianças que moravam no teatro Cítara. Assim como o Camera delle Notti Bianche fora abandonado e os Potters, Sirius e Remus invadiram o locam, as crianças tomaram conta daquele teatro.


                Cítara fora abandonado e as crianças tomaram conta do lugar. Pelo visto, invadir prédios antigos era algo bem popular em Mascherina. O lugar caíra em desuso após a Primeira Rainha o considerar inútil, subversivo – e perigoso para ela.


                Bem, considerando o quanto todo mundo ali atuava na vida real, o teatro realmente me parecia meio sem propósito. Representamos diariamente uma comédia.


                Atriz falando.


                Brincamos com as crianças naquela noite. Após os primeiros momentos de desconfiança para comigo, elas foram muito receptivas. Todas elas, sem exceção, sorriam, apesar das roupas amassadas e da pouca comida. E o sorriso delas era como o da garotinha Anna: meio ingênuo, meio triste. Lindo.


                E eu sabia que seria ainda mais bonito se a sombra de tristeza saísse de cima do rosto delas. Eu queria que elas tivessem mais motivos para sorrir. E, pela primeira vez em muito tempo, pensei que eu poderia, efetivamente, fazer algo que eu quisesse muito acontecer. E eu iria fazer.


 


**


               


                Claro que ainda faltava muito para que o tempo em Mascherina se tornasse compreensível, mas uma coisa era certa: quando em Londres era de dia, na cidade das máscaras era de noite.


                Eu já desconfiava que era assim que funcionava, mas só naquele dia, quando tive a oportunidade de ir no final da manhã para Mascherina, e chegar quando no meu destino a noite ainda começava, é que confirmei a hipótese.


                Quando acordei em casa novamente, já era noite e haviam sete chamadas não atendidas no meu celular. Duas de Harry, uma de Ginny e quatro de um número desconhecido.


                “Jornalistas” – Pensei, e fui tomar um banho relaxante para me livrar da poeira existente no teatro.


                Deitei-me na banheira, e fechei os olhos. Pela primeira vez me imaginei realmente saindo de Londres e morando em outro lugar. Indo para Mascherina e ficando por lá. Será que eu conseguiria voltar um dia? E será que se eu voltasse, eu ainda encontraria as pessoas que eu conheço? Ou todas já teriam morrido, vítimas do tempo? Ou talvez houvesse tempos diferentes, que corriam de modo independente e aleatório.


                E é claro que eu podia passar a eternidade pensando no tempo sem ir para lugar nenhum. Pensei em Lily. Deve ter sido horrível para ela se descobrir em Mascherina sem o filho. Eu não tinha filhos. Meus amigos verdadeiros eram poucos.  Alguém sentiria minha falta se eu partisse?


                “As bilheterias dos cinemas” – pensei, espirituosa, e saí do banho, deixando as perguntas dramáticas para outro momento.


                Bem no momento, pois meu telefone começou a tocar no instante seguinte. Molhei tudo no caminho até conseguir calar o estridente aparelho.


                - Alô?


                Era Ginny. Sábado seria aniversário de Harry, eles dariam um jantar em casa. Eu disse a ela que iria. Na verdade, eles dava este jantar todo ano, mas era a primeira vez que eu me esquecia de comprar um presente.


                Será que a chuvosa Londres já não me interessava?


                O telefone tocou novamente logo que eu o coloquei no gancho. Ginny deve ter se esquecido de dizer algo. Atendi.


                - Alô?


                - Hermione?


 


**


 


                Não era Ginny no telefone naquela hora. Sabe a reviravolta do fimes? O turning point?  É aquele ponto em que, se o filme for bom, todos os expectadores exclamam de surpresa, pegos totalmente desprevenidos pelo roteiro.


                Uma característica de um bom filme é ser imprevisível. Não digo que, se minha vida fosse um filme, ele seria dos melhores. Mas definitivamente o roteirista teria surpreendido até a mim com aquele telefonema.


                E supostamente eu sou a protagonista da minha vida.


                De qualquer forma, era Draco Malfoy do outro lado da linha.


                E era Draco Malfoy quem vinha me buscar, de manhã, para me levar ao trabalho. Dar uma carona.


                Foi sincronizado, como nos velhos tempos. Eu acabei de me aprontar no instante em que ele entrava na rua. Tranquei a porta no segundo em que ele estacionou. Sorri para ele. Um sol tímido saía atrás das nuvens.


                Ele dirigia um carro enorme, preto. Eu, mesmo sem conhecer nada de carros, entendia que aquele modelo era caríssimo. Os bancos eram revestidos de couro, os vidros eram escuros. Era bem a cara do motorista.


                - Bom dia! – Cantarolei ao entrar no quarto, tentando disfarçar o desconforto. Ele respondeu-me com um sorriso meio cínico, de quem me conhecia e sabia que eu estava fingindo algo – no caso, estar à vontade. Mas afinal disse:


                - Bom dia.


                O silêncio logo nos cobriu. Disfarçadamente, passei a observá-lo. Notei que as mãos seguravam o guidão com certa força, o que poderia significar nervosismo, tensão. Mas com ele, nunca é possível ter certeza.


                Ele continuou dirigindo sem dizer nada. Sem explicar porque subitamente resolvera me dar carona. Logo saímos da cidade, e na estrada a quantidade de trânsito foi logo diminuindo. Em pouco tempo, havia poucos carros além do que estávamos. O aperto no guidão não havia diminuído de intensidade.


                - Tudo bem? – Tentei perguntar, sem saber se eu tinha intimidade suficiente para fazer tal pergunta. Admito que eu só queria quebrar o silêncio, considerando que o castelo da próxima locação ficava levemente afastado de Londres.


                Ele não me respondeu. Acelerou, mas não por muito tempo, só para alcançar um recuo da estrada. Lá parou o carro. Eu o olhei confusa. Outros automóveis passavam pela gente, mas eu mal podia ouvir o barulho deles. Draco virou para mim e me encarou nos olhos. Vi mais que ouvi, sua boca pronunciar:


                - Desculpe.


                Não entendi. Desculpe o que?


 


 


N/A: Olá :D .. ! É, eu sei, faz um tempão. Mas o próximo capítulo vem mais rápido! (espero...). Obrigada a Betina Black, Dany Khon (sim, estar na beta costuma significar que o capítulo já está vindo... a não ser que a beta esteja ocupada, como agora o.o), Kitten, Juh Felton (beta querida! :D) e Kika.Ceridween (bem vinda de volta!) e a todos que vão ler (e, com um pouco de sorte, comentar!) .


Até mais!


Luce Black ^^


 

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