Faltam dentes, falta pedaço

Faltam dentes, falta pedaço



Cap. I - Faltam dentes, falta pedaço


Dentro do salão comunal, os nomes caprichosamente desenhados continuavam a se mover pela parede afora. Um feitiço muito bem executado fazia com que as letras dançantes e ululantes fizessem seus gracejos e formassem os nomes dos jogadores eleitos para as quartas-de-final. Enquanto isso os alunos se aproximavam, com sorrisos radiantes, acotovelando-se e tocando as pedras instintivamente para conferir a exibição seqüencial daqueles nomes que simbolizavam seus companheiros tão aguerridos.

Bernadine esfregava as mãos sobre os joelhos de forma impaciente e quase mecânica. Nadine, como era habitualmente chamada, em muito se diferenciava das garotas de sua casa. Vestindo quase sempre os tons preto e amarelo, desde o falecimento de seu pai (fã inveterado dos esportes no mundo bruxo), ela tinha uma predileção por estar entre os meninos lutando - e dando se preciso fosse o próprio sangue - para vencer cada um dos desafios aos quais se propunha. Apaixonada pela casa de Helga, almejava conseguir um grande feito neste ano letivo: Ganhar o Campeonato de Quadribol Inter-Casas. A partida realizada ainda pouco, fora entre comovente e assustadora. Por fim, a perda de dois dentes e trauma de um pulso aberto nos últimos segundos chocou todos, exceto ela mesma.

"Só termina... quando acaba" era o lema de seu pai. Ele passara boa parte de sua vida, trabalhando para a famosa fábrica de vassouras Elerby e Spudmore, criadora da modelo Swiftstick, que infelizmente jamais foi utilizada em jogos oficiais graças a um pequeno defeito de potência durante a subida. Depois desse período, ele conseguiu um emprego na Companhia Nimbus de Vassouras de Corrida e contribuiu demasiadamente para a produção da Nimbus 1000, poucos anos antes da década de 70, ano em período em que ele morreu. Vinha daí o entusiasmo da menina pelo esporte oficial do mundo bruxo. Ela sempre acompanhara o pai em inúmeros testes e treinos, e sempre que podia montava protótipos, mesmo quando estes ainda não estavam liberados para o público comum.

Não era de se estranhar que ao ver uma garota (que quase não alcançava um metro e meio) caminhando pelos corredores da escola – sempre em direção ao campo de treino - ostentando orgulhosamente o uniforme da Lufa-Lufa, se pensasse que ela era apanhadora do time de sua casa. Ela não se lembrava de uma só pessoa que acertara sua posição, antes de vê-la em jogo.

Nadine tinha longos cabelos cor de aveia, tão finos e bem cuidados quanto fios de uma teia trabalhada pelo mais habilidoso aracnídeo. A pele bem clara permitia o destaque de seus tremendamente negros e tenazes olhos, que lembravam em muito os de um filhote de falcão peregrino. A boca pequena e de finos lábios tornava seu tímido e singular sorriso curvo uma marca registrada daquela que não era outra, senão a 'grande artilheira da Casa do Texugo'.

Sim, nessa frase havia muito de ironia e sarcasmo. Os próprios colegas de casa caçoavam da pequena Bernadine. Rápida, leve e ágil como era faria melhor mesmo é perseguindo o pomo de ouro. Quanto ao que diziam, alguns aspectos eram sim verdadeiros, mas, a verdade nesse caso tinha muitas outras faces também:

Era vergonhoso, para os rapazes, saber que no banco de reserva existia uma garotinha baixinha - que aparentemente mal poderia segurar a vassoura e voar nela com estabilidade - apertando os dedos, vibrando, xingando, estimulando, opinando e torcendo. Na cabeça deles, a miúda torcia para que um deles saísse arrastado do campo e ela assumisse o posto, saltitante e muito feliz a pular.

Embora não recuasse diante de uma ou outra muralha de corpos que se instalava e bloqueava a passagem a sua frente, Nadine geralmente levava a pior. Afinal, como todos sabem a função do artilheiro não é outra senão marcar pontos contra os aros do adversário. Desviar de balaços descontrolados, batedores furiosos e goleiros que mais pareciam mini-trasgos não era nada fácil. E quando conseguia realizar esta façanha, muitas vezes podia não ter equilíbrio suficiente para ser bem sucedida no arremesso.

Neste período em Hogwarts, era pouco comum que as garotas invadissem o campo, herdassem honrarias e fossem aplaudidas pelos seus feitos. Não que o quadribol em Hogwarts fosse um esporte predominantemente masculino. O fato é que recentemente duas garotas haviam sido gravemente feridas e somente as que realmente desejavam verdadeiramente – e que os demais julgavam ter condições físicas de suportar os traumas – permaneciam em campo.

Quem queria ficar com membros estrunchados, rosto marcado e dores pelo corpo em uma época tão próxima da Excursão até a Escola Francesa de Bruxaria Beauxbatons? Sim, lá haveria uma chamada Festa da Primavera, promovida devido uma tentativa do Ministério em estreitar os laços com os estrangeiros tão bem dotados de conhecimento e modos encantadores. Fora cuidadosamente organizada para que ao retornar, os alunos fossem curtir as festividades de final de ano com seus familiares, em meio às férias. Era um evento que não aconteceria todos os anos, e a ansiedade era grande.

Resultado: Poucas se arriscavam e dentre elas apenas Nadine tinha tão baixa estatura. Para ela, isso representava uma dupla desvantagem.

Claro, existia um quarto ponto, que era até mesmo vergonhoso citar e o simples fato de pensar nele, a fazia se sentir um diminuto explosivin pronto para entrar em ação:

Bernadine Beauford não era popular, não tinha amigas populares e tampouco era considerada bonita. Os mais maldosos a chamavam de 'Bebê Fantasma'. Uma referência a sua aparência pálida, quase febril e as iniciais bê-bê de seu também curto nome. Quando não se atraia multidões apaixonadas para torcer por você, ficava ainda mais difícil encontrar uma vaga para jogar, ainda mais em uma posição na qual ninguém apoiava.

Ali, buscando encontrar calma e coragem para conferir a lista dos convocados para as quartas-de-final, a lourinha alisava o curativo cheio de emplastro que a jovial e rígida enfermeira Pomfrey colocara para fixar o pulso novamente.

Mantendo os olhos fechados, esperando que o mar de alunos se dissolvesse, relembrou os últimos instantes antes do final do jogo.

Vincent Strauss, famoso artilheiro da Corvinal, encurralou-a em uma curva bem próximo a platéia depois de uma finta sensacional dada pela pequena. Então o garoto com seu peso e tamanho avantajado trombou-lhe sem conseguir refrear a investida em tempo de evitar o choque. Erro de cálculo, muitos diriam. Outros levariam como falta técnica, enquanto Madame Hooch buscava desesperada nas vestes sua varinha para tentar evitar a queda da menina, que daquela altura faria um belo estrago. O mergulho, contudo, serviu para impulsionar a artilheira ferida que retomou o prumo e emergiu em direção ao aro mais próximo para a surpresa de todos. Foi uma descida preocupante seguida por uma subida colossal, que paralisou também o goleiro alguns metros antes dos aros, totalmente boquiaberto diante da pequena mancha bicolor que se aproximava em alta velocidade. Apoiando o pulso aberto sobre a goles, que estava firme e bem presa entre suas pernas, Nadine prosseguiu com os lábios, queixo, pescoço e uniforme tintos de vermelho, sem hesitar. Desviou rapidamente para ficar fora do alcance do goleiro confuso - quando este tardiamente tentou recuar e proteger sua pequena área- alcançou o aro e por fim a goles arremessou, desempatando o jogo pouco antes da anunciação da proximidade de um pequeno tufão. A equipe da Corvinal, desnorteada, decidiu encerrar o jogo naquele instante, uma vez que a próxima partida seria contra a temida Casa de Salazar e eles desejavam estar inteiros para enfrentá-los.

"Eu juro! Eu pensei que ela apenas estivesse manobrando... pra não cair... como eu iria saber? Essa menina é louca!"

Os berros Willian Fletcher, goleiro renomado da casa adversária eram difíceis de esquecer. Mas todos sabiam que seria ainda mais difícil esquecer a manobra alucinada que dera aos Texugos a vitória apertada naquela manhã sobre os favoritíssimos Águias.

Seria isso o suficiente para garantir a entrada oficial dela no time, ela se perguntava. Pergunta difícil, para uma resposta complicada. Quando a sala estava praticamente vazia, com um aperto absurdo que formava um gigante nó em sua garganta, Nadine fitou a parede. A questão para ela já havia sido respondida. Ninguém viera lhe parabenizar gritando: “Hey, Bernadine! Eu vi seu nome lá!”

Seus olhos amendoados arderam, quando finalmente tomou coragem e olhou. As letras pareciam ter cansado da farra. Estavam imóveis, quietinhas, reservadas, como se tivessem vergonha de sacolejar suas formas diante de tão infeliz garota.

Demetera Osberri – Goleira (Capitã)
Marissa Tennenbawn - Apanhadora
Erin Novack - Batedor
Ian Mcfurly - Batedor
Geofrey Countrae - Artilheiro
Sean Newman - Artilheiro
Jerry Camel – Artilheiro


Ela observava as três últimas posições. Sentindo-se injustiçada, se perguntava qual deles realmente não deveria estar lá. Ficou pior, o sentimento de repulsa cresceu quando percebeu que todos eram tão bons – talvez até melhores, por serem mais fortes e maiores – quanto ela. Já se preparava para deixar a poltrona de veludo escuro, quando sentiu algo saltar e se alojar entre seus pés. Forçou o rosto para baixo e viu uma gorducha bola peluda e cinzenta, mastigando um pedaço de pergaminho. Era Tibor, o coelho de Marissa que ocupava a posição de apanhadora. Com as mãozinhas úmidas e reluzentes, pelas lágrimas que enxugara, ela o ergueu no ar e o aninhou sobre o colo, afagando suas longas e frias orelhas. Arrancou com certo esforço o papel já carcomido de sua boquinha nervosa e peluda. A letra dela era um conforto.

“Berná...

Nem tudo está decidido ainda. Você sabe que não vão abrir mão de você. Espero que ainda pretenda ficar ao menos no banco para nos socorrer depois de amanhã. Dizem que o tal James Potter pode acabar com o jogo no primeiro minuto. Sabe, até eu estava com receio. Mas hoje, depois de quase ver você virar um empadão de carne no meio do campo, eu tive a certeza de que esse ano, a Taça é nossa. Verdade bobinha. Melhor não rir, faltam-lhe dentes, caso não se lembre... Mesmo que não acredite, eu seria capaz de jurar que até o pomo de ouro parou hoje, para ver você mergulhar... Orgulho-me de ser sua a”


O restante da mensagem jazia em meio às entranhas ruminantes do fofo e orelhudo Tibor, que inquieto, saltou e correu para o andar superior, como que chamando a menina para o descanso merecido. Dando um sorriso engraçado, onde a falta de dois dentes era gritante, ela subiu as escadas logo atrás do cinzento, que para seu peso até que estava em ótima forma.




Nota da Grey
Muitas vezes se torna maçante ler sobre po´s que não são tão interessantes quanto aqueles que já conhecemos e apenas tentamos 'manipular', ao nosso bel prazer. Por saber que o passado ainda é algo vago nos livros, e que a maioria das informações são históricas, culturais e sobre guerras, resolvi dar atenção ao Severus, de quem sou fã, e dar a ele um pequeno raio de sol para se distrair de Potter e cia. Para tentar esquecer a Lily também. Ou vc´s acham que ele ficaria quietinho, no fundo da sala, sofrendo calado e desenhando corações partidos? Bem... eu não. =}

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