Único

A noite estrelada e quente indicava o início do verão naquela vila isolada da Inglaterra. Ottery St. Catchpole havia sido há quatro anos o lugar escolhido por aquela jovem família. A casinha confortável e ligeiramente pequena, mais parecia saída de um conto de fadas. As janelas eram de madeira, pintadas de verde; as paredes brancas e o telhado perfeitamente triangular. O jardim do lado de fora com um balanço e uma casinha pequena de madeira, construída no topo da única árvore, denunciava a presença de crianças ali.


Os moradores consideravam aqueles Weasley a família a mais simpática do local. O marido ruivo e alto, sorridente e brincalhão, aparecia sempre aos domingos na pracinha com a esposa, uma morena pequena e de cabelos ondulados. Ele ia com o filho, Hugo, de sete anos, empoleirado em seus ombros, ruivo e sorridente como o pai. Com a mão esquerda, segurava a mão pequena da filha de nove anos, Rose, parecidíssima com a mãe, apesar de ruiva também. E segurando a outra mão da menina vinha ela, a mãe, dividida entre rir das brincadeiras do marido e dos filhos e o medo que tinha de Hugo cair, o que a fazia lançar olhares constantes para cima.


Cumprimentavam todos que viam, bruxos ou trouxas. O pai orgulhoso parecia exibir o maior troféu do mundo quando caminhava ao lado da família. A mãe, apesar de atenta aos filhos e de cumprimentar a todos apenas com um tímido sorriso, era a visão da felicidade.


Mas naquela noite estavam os quatro em casa.
No quarto do casal, no andar de cima, deitavam-se a filha e a mãe, uma vestindo uma comprida camisola pérola de seda, a outra um pijama lilás cheio de estrelinhas.

- Por favor, mãe! Só hoje – dizia Rose fazendo um biquinho e abraçando a cintura da mãe.

- Não Rosie, você já é uma mocinha, por que quer dormir aqui? – perguntou Hermione enquanto acariciava os cabelos fofos da filha.

- Os dementadores...

- Ah, de novo não. Eu já disse que não existem mais dementadores. Você não pode acreditar em tudo que o tio Jorge te conta.

- Mas e o bicho-papão que o papai encontrou no meu quarto ontem?

- Não tem mais nada no seu quarto, querida – disse Hermione paciente – Você viu eu e o papai vasculhando todos os cantos.

- Então me empreste sua varinha, assim eu posso me proteger.

- Não há nada do que se proteger, e se for preciso, eu e seu pai estamos aqui pra isso. Além do mais, você sabe muito bem que não pode usar uma varinha.

- Mas...

- Sem mais – disse Hermione se sentando na cama e ajudando a filha a se sentar também – Agora deixa eu fazer uma trança no seu cabelo, pra você não acordar amanhã igual aquela foto da mamãe pequena.


Mesmo contrariada, a menina pegou a escova na mesinha ao lado da cama, entregou à mãe e se sentou de costas pra ela, esperando.

- Você quer que eu conte a estória do Poço da Sorte pra você? – perguntou Hermione começando a pentear os cabelos ruivos da filha.

- Não sou mais criança mãe, você mesmo já disse que eu sou uma mocinha – disse ela ainda chateada – E eu já sei essa estória de cor.

- Então já está na hora de eu comprar livros novos pra você.

- Sério? Podemos ir à Floreios e Borrões amanhã?

Hermione sorriu diante da empolgação dela e respondeu – Claro, estamos de férias, podemos fazer o que você quiser.

- Ai! Não puxa com tanta força! – reclamou Rose segurando os cabelos – Mas eu posso chamar o Al, a Lily e o James?

- Claro que pode. Mas eles vão de qualquer jeito – disse Hermione começando a trançar os cabelos de Rose – Vamos nos encontrar com Harry, Gina, James, Albus e Lily amanhã na casa da sua avó Molly. Depois decidimos o que fazer, juntos.


Hermione terminou de fazer a trança e, com um floreio da varinha, prendeu-a com uma fita. Nesse momento um grito alto de Hugo veio da sala, juntamente com um estrondo de coisas se quebrando.

- Merlin! O que foi isso? – exclamou Hermione, já se levantando da cama.

- Mione! Corre aqui! Rápido! – gritou Rony lá embaixo.


Sem pensar duas vezes, ela saiu desabalada pelas escadas, seguida de perto por Rose. Quando finalmente alcançou o patamar e conseguiu visualizar a totalidade da sala, deu de cara com um Rony sorridente, erguendo o filho nos braços.

- Há-há! Ele conseguiu! Nosso Hugo aqui é um bruxo!

- O que? – perguntou Hermione aturdida, ainda sem compreender a situação.

- Ele fez magia Mione! Pela primeira vez, o Hugo fez magia.


Hermione correu na direção dos dois, sorrindo. Enquanto Rose pulava feliz, gritando “Hei! Ele conseguiu!”. Ela abraçou o filho, que parecia assustado e envergonhado. Sentou-se no sofá, colocando-o no colo e enchendo-o de beijos, e depois perguntou:

- O que você fez, filho? – e completou, se virando para Rony, que pegara Rose no colo e pulava junto com ela – O que aconteceu Rony?

- Eu estava brincando e correndo atrás dele em volta do sofá – contou Rony entusiasmado – Mas eu me embaracei e tropecei naquela mesinha ali – disse apontando para uma mesinha de madeira caída e um vaso de porcelana quebrado – E na hora o Hugo se assustou e gritou, e eu senti que tivesse caindo em um colchão ao invés desse chão duro.

- Salvou o papai, Hugo? – perguntou Hermione ao filho sentado em seu colo, e viu o menino sorrir timidamente – Mas eu já conversei com você sobre essas brincadeiras Rony, ele é quem poderia ter se machucado – ela repreendeu o marido.

- Hei! Não aconteceu nada! E eu estava de olho nele, tanto que nem prestei atenção em mim mesmo – disse ele colocando Rose no chão e se sentando no sofá ao lado da mulher.

- É mamãe, o papai nunca deixa a gente se machucar – disse Rose pulando no meio dos dois e sorrindo para Hugo – Nós dois vamos pra Hogwarts, Hugo!

- Eu vou? – perguntou ele ainda confuso.

- Claro! – responderam Hermione e Rony juntos.

- E é seu dever proteger sua irmã enquanto vocês dois estiverem lá – disse Rony bagunçando os cabelos do filho.

- Eu não preciso que me protejam! – disse Rose – Vou ser uma bruxa tão boa quanto a mamãe!

- Você vai ser muito melhor que eu, meu amor – disse Hermione – E vocês dois vão se proteger e se ajudar.

- Eu não vou ficar perto da Rose – disse Hugo contrariado, encarando o pai com seus olhos castanhos, quase suplicando – Ela não me deixa fazer nada, vive me vigiando e conta tudo que eu faço pra mamãe.

- Acho que conheço alguém que era exatamente assim... – sussurrou Rony no ouvido de Hermione, sorrindo. Ela corou e sorriu também.

- Mas é pra te ajudar Hugo... – disse Rose magoada. Nenhum dos garotos havia ouvido o que o pai disse à mãe – Não quero que você se machuque.


O menino pareceu ressentido ao perceber o olhar triste da irmã – Certo Rose, eu te faço companhia em Horgwarts.

- Então agora vamos todos dormir – disse Hermione sorridente, se levantando e colocando o filho de pé também – Amanhã é o primeiro dia de férias e nós temos que aproveitar.

- Vamos Rosie – disse Rony levantando a filha nos braços, uma mão embaixo dos joelhos dela, a outra embaixo dos ombros, enquanto ela enlaçava o pescoço dele e ria – Vou colocar minha princesinha pra dormir.

- Posso dormir com você, papai? – perguntou ela manhosa.

- Nada disso! Não foi você quem disse que não precisa de ninguém que te proteja? – disse ele já subindo as escadas atrás de Hermione, que segurava a mão de Hugo.

- Na verdade eu preciso sim – disse ela baixinho – Você sempre me protege.

- Sim minha princesinha – ele disse empurrando a porta do quarto dela com o pé e colocando-a na cama – Por isso é só você me chamar que eu venho correndo, na mesma hora.


Rose se desvencilhou dos braços dele. Rony pegou a coberta colorida e cheia de desenhos de unicórnios e cobriu a filha, se sentando na beira da cama.

- Não precisa ter medo, Rosie. Sua mãe está aqui pra proteger todos nós!

Os dois riram enquanto Rony fazia mais cócegas na barriga dela.

- O que você quer fazer amanhã? – perguntou quando a filha parou de rir e já conseguia respirar direito.

- Comprar livros novos com a mamãe – respondeu ela, fazendo Rony revirar os olhos e sorrir – E você prometeu que nesse verão ia me ensinar a voar!

- É assim que se fala! – disse ele levantando a mão e batendo na dela – Estudiosa como a mãe e esperta como o papai aqui – disse ele beijando-a na testa e encarando os olhos azuis dela, quase um espelho dos seus - Boa noite princesa.

- Boa noite papai.

- Papai ama você.

- Também amo você.


Rony se levantou, tirou a varinha do bolso e apagou as luzes do quarto com um aceno. Saiu fechando a porta cuidadosamente e entrou no quarto de Hugo, enfrente. Hermione estava deitada com o filho, fazendo carinho nos cabelos dele, que parecia adormecido.

- Vem meu amor – sussurrou Rony estendendo a mão e ajudando-a a se levantar.


Hermione pegou a mão dele e saiu da cama, tomando cuidado pra não acordar o filho. Juntos eles param na porta, onde Rony a abraçou pelas costas, enquanto os dois admiravam o ruivinho dormir. Com um aceno da varinha, Rony apagou as luzes, depois puxou Hermione para fora do quarto de Hugo e pela porta do quarto dos dois, fechando-a atrás deles.

- Enfim sós – disse ele puxando Hermione pela cintura e depositando um beijo nos lábios dela.

- Não fale assim. Parece que eles estão atrapalhando – disse ela brincando com os cabelos do marido.

- Eles não atrapalham. Você sabe que eu não quis dizer isso – disse Rony fazendo um caminho de beijos pelo pescoço dela.

- Duvido que você diria a mesma coisa se eu tivesse deixado Rose dormir aqui.

- Não seria a primeira vez...

- Mas você sempre acorda mal humorado quando isso acontece – disse ela sorrindo enquanto os dois caminhavam abraçados em direção a cama de casal.

- Só quero ficar a sós com você um pouquinho, Mione – disse ele deitando-a na cama e se ajeitando por cima dela, que sorria – Não sou de ferro. Sou um pai de família, muito trabalhador, que só quer chegar em casa e poder aproveitar a noite com a esposa – completou num tom sarcástico.

- Eu sei, Ron – disse ela olhando nos olhos dele e desenhando o rosto cheio de sardas com as mãos, enquanto os dois sorriam – Você é o marido mais perfeito do mundo. Tem todo o direito.

- E você é a melhor mulher do mundo – e beijou a boca dela apaixonadamente.


Hermione se afastou do marido um pouco, encarando-o séria. Uma ruga de confusão apareceu na testa dele.

- O que foi, Mione?

- Obrigada Ron – disse ela apertando os ombros dele com força, os olhos se enchendo de lágrimas.

- Mas obrigada pelo quê? – perguntou ele preocupado com as lágrimas daquela mulher que ele amava mais até que a si mesmo.

- Por tudo. Pelo seu amor, pelo seu carinho, pela nossa casa, pelos nossos ruivinhos. Obrigada por me fazer tão feliz.

- Te fazer feliz é a melhor coisa do mundo! E não se preocupe, ainda temos muitos anos pela frente – disse ele limpando as lágrimas dela carinhosamente – Você vai ter que me agüentar.

- Seu bobo – disse ela dando um tapinha no peito dele e sorrindo – Amo você...

-... desde o início até o infinito – os dois completaram a frase juntos, as testas encostadas uma na outra, os olhos conectados.


E nesse momento, mesmo sem saber, eles também pensaram juntos, que se existia mesmo a sorte, ela estava ali. Toda ali, naquela casa, naquele quarto, naquela cama.

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