Parte I
Forçou a porta a se abrir.
Assim que o viu, a mulher escorregou a criança para o berço, e abriu os braços, como se estes, apenas, fossem capazes de proteger seu filho. Ele sorriu. Ela também não levava consigo a varinha. Como era estúpida, achando que as armas poderiam ser deixadas de lado ainda que por alguns breves instantes... mas ela, à medida em que fosse sensata, não precisaria morrer, também.
"Harry não, Harry não, por favor, o Harry não!"
"Afaste-se, garota tola... afaste-se, agora..."
"Harry não! Por favor... tenha piedade... o Harry não! Por favor - eu faço qualquer coisa... me leva, me mata no lugar dele!", ela suplicava, tão visivelmente desesperada, tão apegada àquele mísero projeto de gente. Realmente pretendendo perder a sua vida por ele. Era patético.
"É meu último aviso... Afaste-se!"
Mas a garota, petulante, não o obedecia. Um inseto, um desprezível inseto, recusando-se a aceitar as ordens, mais!, a misericórdia, do supremo Lord das Trevas. Misericórdia que ele concedia a tão poucos. Garota tola! Deveria aceitá-la como a maior dádiva de toda sua vida insignificante... aah, mas ensinaria a ela... ensinaria de forma que ela jamais esquecesse a não desobedecê-lo outra vez. Voldemort ergueu a varinha e disse, calmamente:
"Estupefaça."
Lily Potter foi arremessada de costas pelo quarto até chocar-se com a parede e desabar sem sentidos no chão, como uma boneca quebrada.
Os olhos viperinos se estreitaram, e Lord Voldemort sorriu um sorriso que era puro deleite e vitória ao se voltar para o berço.
Agora eram apenas ele e o garoto.
*
Seu corpo todo doía. Ela franziu a testa, tentou encontrar uma posição mais confortável. Não havia. Tentou se lembrar do motivo de estar tão dolorida. Também não conseguiu. Ergueu as pálpebras. Uma tênue claridade dourada iluminava um quarto estranho. Os olhos lentamente entraram em foco. Uma face familiar montava guarda a seu lado, sério, tenso, preocupado como sempre. Severus.
Ela sorriu fracamente:
"Sev."
A expressão dura em seu rosto imediatamente se desfez, como se ele derretesse, como sempre acontecia. Ela se perguntou vagamente por que parecia fazer tanto tempo que não se viam. Anos. Estranho. E ele continuava preocupado. Ela continuava dolorida e tinha a boca seca. Chegou a pensar em perguntar porque ele estava com aquela cara de velório.
Então, a lembrança do que havia acontecido a atingiu com o impacto de um desabamento.
"Harry! James!"
Tentou ficar de pé, rápido demais, desajeitadamente demais, tropeçou nas próprias pernas que haviam se enrolado em um lençol. Teria desabado no chão se ele não tivesse se aproximado, rápido, para ampará-la.
"Me deixa", ela arquejou, lutando para escapar dos braços dele, desesperada demais para conseguir ser fria.
Porque agora ela se lembrava. Comensal asqueroso.
"Lily", a voz dele soava extremamente tensa, mas havia nela, ainda, algo de preocupado. "Lily" ele repetiu, enquanto ela ainda se debatia, desembaraçava-se das cobertas, chutando-as para longe. "Não há nada o que se possa fazer agora. Nada", ele reforçou, num sopro, evitando encará-la.
Como uma marionete a quem se cortam as cordas, ela parou de lutar e desmanchou nos braços dele.
"Quero morrer", ela gemeu, e escorregou para o chão.
*
"Me deixa morrer também", ela uivou, sufocada pelas lágrimas, pelo que devia ser a vigésima vez, ainda deitada sobre o tapete caro, porque nada fora capaz de demovê-la daquela posição. Era um momento íntimo demais, e vagamente constrangedor. Mas tudo o que ele conseguia sentir era uma vontade imensa de fazê-la esquecer, o mais rápido que pudesse.
"Eles... eles não iam querer isso", Severus replicou, ajoelhado ao lado dela, também pelo que deveria ser a vigésima vez.
Ela pareceu finalmente ouvi-lo e se acalmou; sentou-se sobre os tornozelos, o rosto marcado pelas lágrimas que abriam trilhas na poeira que cobria a pele muito clara. A respiração foi se regulando aos poucos e as engrenagens do cérebro se movendo.
"Os corpos, Severus", recordou-se, os olhos fitos no nada, como um dever mórbido que deveria cumprir.
"Potter...", Severus limpou a garganta, "ele já foi sepultado." Então, mentiu: "Quanto ao garoto... nunca encontraram um corpo", porque, na realidade, havia sido encontrado antes, quando ainda não era um corpo e respirava, pelo Lord. E ele, até mesmo ele, gostaria de apagar da mente o que foi feito com o cadáver do 'pequeno presunçoso que ousou desafiar o Lord das Trevas'.
Ela escondeu o rosto nas mãos e soluçou outra vez.
"Seja forte", ele pediu docemente, e ela sentiu o toque da mão dele em seu ombro. Tão familiar. Tão confortador. Tão querido tanto tempo atrás. Uma vida inteira atrás. "Você costumava ser tanto", ele disse, de forma muito suave.
Era verdade, costumava. Costumava ser tantas outras coisas mais do que estava sendo naquele momento. Severus a lembrava de um outro tempo, infinitamente mais despreocupado e leve, um tempo onde ela preferia estar, de repente, em vez do tempo presente. Estava perdida. Sentia-se tão vazia. Indiferente. Não lhe importava mais nada. Deixou-se envolver por ele, sem reagir, seus braços pendendo frouxos dos lados do corpo.
"Por quê? Por que o Harry? Era tão pequeno, indefeso..."
"Eu sei", ele apenas disse, sombrio, olhando por cima do ombro dela. Pequeno o suficiente para ter o corpo inteiro engolido de uma só vez pela serpente - apenas o corpo, porque a igualmente pequena cabeça ornamentava agora os aposentos do Lord como um troféu, a minúscula boca ainda retorcida do mais puro terror, como permaneceria até o final dos tempos. Estremeceu.
Deveria ser muito cuidadoso agora, se quisesse que a segunda parte de seu plano fosse bem-sucedida. Era ele quem se impunha, mas não pretendia admitir o fato - talvez nem para si mesmo.
"Me deixa te levar daqui", ele sussurrou, fazendo-se doce e compreensivo.
Ela ergueu a mão, por cima do ombro dele, a fim de tentar enxugar algumas lágrimas; então, olhou de volta para ele com a expressão absolutamente perdida.
"Pra um lugar seguro."
"Não sei... não sei se quero um lugar seguro. Não me importo e... e...", ela gaguejou, a voz embargada.
Ele a abraçou mais forte. Como num reflexo, ela o abraçou de volta. Por um breve instante conseguiu desvencilhar-se da sua dor, ao notar que ele ainda trazia em suas vestes o cheiro de poções, como há tantos anos. Sentiu-se um quase nada confortada, deixou-se embalar pelo movimento suave das mãos dele em suas costas. Gostaria de ficar ali para sempre, até se esquecer, até desaparecer. Mas ele logo se ajoelhou, e segurou-a por ambas as mãos, fazendo-a se erguer também.
"Vem comigo?", ele pediu, ainda segurando as mãos dela.
Lily deu de ombros. Não se importava mesmo com mais nada. Ele aceitou aquilo como um sim. Deixou-a por um instante e ela quase pediu que ele ficasse, não abandonasse, não deixasse de segurar sua mão por um segundo sequer. Sentiu-se tensa, mas ele logo voltou-se para ela outra vez, trazendo nas mãos um pequeno cálice.
"Bebe", ele pediu, passando um braço em torno dos ombros dela. "Bebe tudo, Lily. Vai te fazer sentir melhor", e havia algo daquela velha adoração insegura na voz dele. Ela obedeceu sem pensar muito e levou o cálice aos lábios, sorvendo em pequenos goles seu conteúdo rosa-bebê de sabor agradável.
"Não fala com ninguém", ele continuava, tenso, enquanto ela bebia. "Não... olha, pra lado nenhum".
Não sentia a menor vontade de olhar para o que quer que fosse. Ela deu de ombros outra vez e lhe entregou o cálice vazio, que ele depositou no pequeno criado-mudo ao lado da cama.
Severus preferia fazer aquilo com a mansão vazia. Mas o quanto antes fossem embora, melhor. Havia uma porção de coisas ali das quais Lily não deveria sequer desconfiar, a cabeça embalsamada do filho sendo a última delas. Preferia tê-la levado há muito, mas temeu desaparatar com ela desacordada e sem poder considerar realmente seu estado - coisa que nem passou pela cabeça do idiota que a transportara para lá. Pelo menos ela estava fisicamente bem. Não sabia quanto tempo a Poção demoraria para fazer efeito, mas de repente, o som dos risos bêbados e odes de comemoração tornavam-se incomodamente próximos. Não se importava com eles, pelos mais diversos motivos. Mas queria poupá-la. Correria o risco.
Abriu a porta de chofre.
*
O tapete grosso abafara seus passos, mas nada foi capaz de esconder a visão do mais valoroso e considerado Comensal levando consigo o seu espólio de guerra. Falsos vivas o saudaram. Um deles assobiou, ao se aproximar e notar a beleza que ainda havia nela. O ar em seu rosto era de um desejo repugnante, e até mesmo Severus pôde sentir o cheiro de álcool quando o Comensal bafejou sobre ela - Lily, no entanto, pareceu não se importar.
"Não pretende dividir, Snape?", estendeu uma mão asquerosa para tocá-la.
Severus interpôs-se entre os dois e respondeu, friamente, que não, um braço passado de maneira possessiva em torno dos ombros dela.
"Ora, vejam!", uma voz detestavelmente conhecida anunciou, voz que ele menos desejava ouvir. " Snape e seu... prêmio!".
Era tudo o que ele não queria que acontecesse. Deixou escapar o ar de seus pulmões todo de uma vez só, num silvo baixo. Olhou de esguelha para Lily, mas ela anda não esboçava reação alguma, deixando-se conduzir docilmente. Bellatrix Lestrange aproximou-se, fatalmente bela, bêbada, mais de júbilo do que de qualquer outra coisa, curvou-se, examinou Lily como se aquela não passasse de um cavalo de exposição, fez um muxoxo e deu seu veredito:
"Isso, Snape? Sangue-ruim, ainda por cima?", e riu, jogando os longos cabelos negros para trás. "Garotinha sem-sal."
Estendeu a mão de unhas longas, pintadas de vermelho-sangue, para Lily.
"Já olhou os dentes dela?"
Mas Severus puxou Lily pelo pulso, implacável, arrastando-a para fora dali, parecendo nem se importar com os passos trôpegos e incertos que ela dava. Mas então, ela finalmente pareceu reagir a alguma coisa: estacou. Parecia surpresa e quase-horrorizada com o que via. Temendo o pior, ele acompanhou a direção dos olhos dela, então, respirou aliviado: uma pequena figura roliça e loira tentava se esgueirar para um canto mais discreto.
"Peter?"
É, era mesmo ele quem tentava passar despercebido. Tentando fugir! Quem sabe poderiam ir, juntos...! Lily foi mais rápida que suas pernas curtas e alcançou-o em poucos passos.
"Peter! Eles pegaram você também?"
Pettigrew paralisou-se na posição em que se encontrava, apenas girando a parte superior do corpo para encará-la. Antes que ele pudesse responder qualquer coisa, os olhos dela captaram os detalhes: a taça de requintado vinho de elfos na mão, o rosto muito pálido por baixo das bochechas coradas, a máscara em forma de caveira erguida sobre os cabelos claros. Os olhos deslizaram pelo braço dele: a Marca.
"Lily!", ele ainda tentou sorrir seu sorriso dentuço mas a voz soava indisfarçavelmente trêmula, e logo o corpo pequeno e gorducho também começou a tremer, mais e mais, à medida em que o ódio aumentava nos olhos e nos punhos fechados dela.
"Eu não acredito", ela rosnou. "Eu confiei em você", e sua fúria contida era muito mais assustadora do que se ela simplesmente perdesse o controle e começasse a gritar com ele.
O grupo rapidamente se fechou em torno deles, aguardando o próximo movimento, segurando os risos na boca, cochichando apostas. A festa tornava-se cada vez melhor.
"Seu filho da mãe!" ela disse, e sem aviso esmurrou-o na boca.
Já tonto pelas massivas doses de bebida, Pettigrew desabou no chão. Risadas explodiram, a de Bellatrix mais exuberante do que todas. Lily teria se jogado com tudo sobre ele, pronta para unhá-lo, arrancar seus olhos, sufocá-lo, estrangulá-lo com as próprias mãos, se Severus não a segurasse. Mas até mesmo ele parecia se divertir com o que via, porque sorria, satisfeito.
Peter pôs-se a gritar e suplicar, com a voz engrolada e sufocada pelo sangue e pelos dentes quebrados, que o defendessem, resguardassem sua honra, mas os Comensais viraram-lhe as costas, ainda gargalhando. Severus aproveitou a confusão momentânea para aproximar-se alguns passos mais da saída; "Vamos", disse rudemente a ela. Lily ainda se debatia, mas então, a Poção subitamente fez efeito, seus músculos se afrouxaram, seus olhos tornaram-se vidrados.
*
Ela não fez qualquer pergunta.
Deixou-se conduzir para o segundo andar, onde ficava seu quarto. Quarto que ele preparara com tanto cuidado nas últimas semanas, pensando em tudo o que ela mais gostava, de forma que fosse o mais agradável possível. Ela, porém, não pareceu se admirar com o que viu. Apenas caminhou morta-viva até a cama, deitou-se e logo fechou os olhos. Adormeceu com as roupas em farrapos que vestia. Severus não ousou tocá-la. Seu rosto estava sujo, de sangue seco, poeira e lágrimas. Parecia tão impessoal simplesmente limpá-la com um feitiço. Depois de hesitar um minuto, torcendo as mãos nervosamente, ele apanhou uma pequena toalha, umedeceu-a, ajoelhou-se ao lado da cama, e passou-a pelo rosto dela, com todo o cuidado. Experimentou, então, um sentimento há muito esquecido, mas ainda vagamente familiar, tomando conta de seus atos: ternura. Nem notara o quanto havia endurecido desde a última e fatídica conversa que tiveram, desde que ela o excluíra em definitivo de sua vida.
Desembaraçou seu cabelo com os dedos, sentindo um frêmito de excitação. Estava tocando os cabelos dela outra vez. Mas era tudo, ainda, respeitoso demais. Porque ele respeitava sua dor, ainda que detestasse marido e filho. Sem remorso. Tentara. Talvez o velho nem fosse assim tão poderoso como gostava de se fazer ver. Talvez, as circunstâncias haviam sido mais poderosas. Talvez fosse o destino finalmente lhe oferecendo sua chance. Que ele não ia desperdiçar, era lógico. Agarrá-la ia com as duas mãos. E estava livre, finalmente, dos encargos que assumira com o velho. Porque Lily estava a salvo, agora, com ele, era dele, afinal, dele!, e nada mais importava. E se tudo corresse bem, e se ele fosse extremamente cuidadoso, o que pretendia ser, não haveria motivo para temer serem descobertas todas as loucuras que tinha feito para tê-la a salvo.
O quarto estava aquecido, mas ainda assim, cobriu-a com uma pesada colcha. Os dedos pálidos, quase sem tocar, acompanharam o rosto adormecido, que habitara seus sonhos por tanto tempo. Finalmente ali, finalmente sua. Curvou-se e beijou sua testa. Hesitou. Então, beijou-a outra vez, apenas no canto da boca, apenas o suficiente para sentir o gosto dela outra vez.
*
Tudo de que ela se lembrava, então, era de haver em seguida mergulhado no grande nada, de onde saía apenas muito esporadicamente, quando a voz dele, desesperada, a trazia novamente à vida.
"Lily, come alguma coisa."
"Me deixa morrer", ela respondia, querendo retornar ao abençoado plano do nada sentir.
Então, ele forçava um cálice ou uma colher contra seus lábios, e ela, indiferente, engolia o que ele oferecia.
Ele a recordava constantemente de que James e Harry não gostariam de vê-la entregando os pontos daquela forma.
Mas não fazia mais efeito. Como ele poderia saber o que os mortos quereriam?
Estava cansada de só pensar em todos. Queria ser um pouco egoísta, para variar, e poder morrer.
*
Ele estava ficando desesperado. Não sabia mais o que fazer, não imaginara as coisas daquela forma.
Planejava endurecer com ela. Era um Comensal agora, que diabos. E não um Comensal qualquer, mas, atrevia-se a dizer, um dos preferidos, um dos mais considerados... duvidava que o Lord possuísse um favorito apenas por puro sentimentalismo; conhecia-o muito bem para saber que aquela posição dependia apenas da capacidade de quem o servia. E, ainda assim, sentia que Voldemort, de alguma forma, valorizava seu passado, sua ascendência mestiça, sua ambição, a forma de querer superar uma vida medíocre. Não era como os outros, nascidos todos em berço de ouro. Lembrava-se de como os olhos vermelhos se estreitaram, algo desconfiados, quando, totalmente a contra-gosto, contou sua vida até então. Temeu que uma onda de fúria e desprezo fosse vir em seguida, mas o Lord simplesmente sorriu, e deu-lhe as boas vindas apertando a ponta aguçada da varinha contra seu antebraço.
E logo passara a valorizar sua opinião mais do que a de quase todos ali; agora, mais do que nunca. Era reconhecido, enfim. Era invejado pelos outros. Invejado por todos os bem-nascidos, das famílias mais tradicionais - por Malfoy, por Dolohov, e até mesmo pelos Lestrange. E Bellatrix, bem-nascida, poderosa e estonteante, não fazia questão nenhuma de esconder o quanto desejava o posto de Comensal favorito que pertencia a ele; da mesma forma que não escondia a inveja e o ódio que sentia. Porque ele não falhava jamais. Enquanto que ela... e todos os outros... Severus possuía um poder com o qual apenas sonhara, antes. E até o fato dela estar ali, de tê-la para si, finalmente, fora obra de seus atos, apenas. Não dependera do velho, no final, mas era conseqüência de sua fidelidade. Mas, quando retornava à casa e a encontrava prostrada na cama, tão frágil, cada vez mais magra, definhando diante de seus olhos, sentia-se outra vez impotente frente a ela, subjugado, como costumava sentir-se quando não passava de um adolescente inseguro e humilhado.
*
O cheiro despertou-a. Forte, pungente, cheio de recordações demais para que ela continuasse impassível.
"O que é isso?"
"Chá de flor de amora", ele respondeu, com os olhos tristes e esperançosos, ameaçando tocar, ainda muito respeitoso, uma mecha do cabelo dela com o dedo.
Fazia anos que ela não bebia mais chá de flor de amora. Costumava ser seu preferido, era verdade, na época em que ainda eram amigos. Depois, o cheiro passou a enjoá-la, e começou a preferir coisas mais amargas. Mais algum tempo depois, sequer suportava a lembrança daquilo.
Levou a xícara à boca e bebeu tudo, até a última gota.
Depois, lambeu os lábios.
*
Sentia a cabeça dele pesando sobre seu estômago. E ele estava ali há horas. Sentia as mãos magras, uma segurando sua mão, a outra, pousada sobre o braço, o desespero que havia no toque firme delas, como que se agarrando à sua última esperança, a de mantê-la firme ali naquele plano.
A claridade a chamou. Abriu os olhos, conseguindo enxergar a expressão dele, amarga, contraída, quase como se chorasse. Como se um sexto sentido o alertasse, Severus ergueu os olhos. Momentaneamente surpreso por vê-la acordada, apenas mirou-a por muito tempo. E o princípio de um sorriso se esboçou em seus lábios.
Ela suspirou e acomodou-se no travesseiro fofo outra vez, querendo mergulhar e fundir-se nele, virando algo inanimado para que não pudesse mais doer. Sentiu que ele se curvava sobre ela.
"Não me deixa outra vez", sussurrou.
As pálpebras tremeram. Ele esperou, tenso, então, abriram-se outra vez, revelando os olhos de esmeralda.
Ele apressou-se a alcançar a xícara ao lado da cama. O chá de flor de amora outra vez. Lily bebeu-o até a última gota novamente. Então, ela finalmente sentou-se.
"Quanto tempo, Severus?", ela perguntou, e sua voz era rouca e baixa
"Quatro semanas."
Tempo demais para estar numa cama, mas tempo anda insuficiente para esquecer.
"Onde... onde estão todos?"
"Dumbledore.... desapareceu", ele estendeu o exemplar do Profeta Diário que estivera tentando ler havia algumas horas. Com o Diretor em Fuga, Ministério Assume Hogwarts. "A Ordem... ninguém sabe."
Lily arquejou, escondendo o rosto nas mãos.
"O que vai ser de mim?", sentia-se unusualmente tão frágil e sem saber o que fazer. Resolvia, finalmente, não entregar os pontos, mas via-se abandonada.
"Me deixa... tomar conta de você", ele pediu, inseguro, tocando mal e mal uma mecha do cabelo dela com um dedo. "Nada, ninguém, vai ousar atacar você aqui."
"Que diferença isso faz?", Lily perguntou, caindo sobre o travesseiro fofo outra vez. Nem o fato de haverem escolhido lados diferentes possuía mais importância alguma.
"Faz muita."
Deixou-se ficar ali. Mas, de repente, incomodava-a a imobilidade, sentia que ia enlouquecer se, além da própria mente, estivesse presa também no espaço físico. Jogou as cobertas para um lado e tentou colocar-se de pé. As pernas estavam tão fracas, como se houvessem desaprendido a andar. Ele amparou-a, os olhos percorrendo ansiosos sua face.
"Quer... ir a algum lugar? Tomar um banho, quem sabe?"
Um banho. Há tanto tempo não tomava um. Parecia uma idéia tão atraente e confortante. Ela assentiu. Ele hesitou, pediu que esperasse e foi até o guarda-roupa, de onde tirou uma bela camisola debruada em renda branca. Ela notou-a apenas vagamente. Severus amparou-a até o banheiro, contíguo ao quarto, embora não houvesse necessidade, porque suas pernas tornavam-se mais seguras. Hesitou outra vez antes de deixá-la sozinha, mas acabou fechando a porta e retornando ao quarto, depois de encher a banheira, com água quente e espuma. Lily despiu-se lenta e mecanicamente. Vestia, ainda, as mesmas roupas da noite de Halloween. Severus não a tocara, nem mesmo para retirar suas roupas, apenas as havia remendado, um pouco. A lembrança deu início a mais uma crise de choro. Ela abaixou-se e apanhou os trapos remendados do chão, acariciando-os, recordando-se do olhar apaixonado de James ao vê-la usando aquele vestido, que combinava, havia-lhe dito ele, tão bem com seus olhos. Recordou-se do pequeno Harry se agarrando à gola, rindo para ela; lembrava-se com uma clareza cristalina de seus dentinhos tão pequenos. O cheiro da torta de abóbora que saía do forno. Então, tudo desabou. Ajoelhou-se no piso de pedra, chorando baixo. Chorou como uma garotinha, angustiada, até se cansar,então, retornou ao presente. A banheira. Tão perfumada e convidativa. Seu corpo clamava por água aquecida e limpeza. E, com sorte, poderia se afogar, também. Mas acabou deixando a idéia para uma outra ocasião. Talvez a velha centelha de vida ainda se esforçasse para queimar, teimosa, em algum ponto dentro dela. Mas Lily não lamentaria nem um pouco se se apagasse de vez.
Quase não reconheceu o reflexo que viu no espelho, ao sair da banheira: magra demais, pálida demais, os cabelos emaranhados, olheiras enormes debaixo dos olhos que pareciam absolutamente sem vida. Não se importava. Vestiu a camisola macia, abriu a porta. Ele a esperava do lado de fora, andando de um lado para o outro. Ainda demonstrando nervosismo como costumava fazer. Encarou-a surpreso por vê-la viva, como se houvesse mesmo pensando que ela pudesse ter colocado em prática as idéias suicidas. Não havia muito o que ser dito. Abraçou-a, simplesmente. Ao ver que ela não o rejeitava, abraçou-a ainda mais forte, e ela se viu retribuindo. Droga. Havia, por mais que tentasse negar durante tanto tempo com indiferença e raiva, havia algo que ainda persistia, por mais distantes que haviam estado durante tanto tempo. Algo que pertencia apenas aos dois.
Então, seu estômago roncou e ela notou que era a resposta ao cheiro delicioso que provinha de uma sopeira depositada no criado-mudo. Estava faminta. Começou a salivar. Ele sorriu, parecendo aliviado e simplesmente feliz, e guiou-a pela mão até a cama. Fê-la se acomodar sobre os travesseiros macios, e então, destampou a sopeira, apanhou um prato fundo e despejou dentro dele generosas colheradas de caldo. Ela talvez tivesse forças para segurar a colher, talvez não, mas deixou que ele a alimentasse, dando-lhe cuidadosamente colheradas de uma grossa e perfumada sopa de galinha, esperando até que ela houvesse engolido toda para tornar a dar-lhe mais.
"Não acho que seja adequado algo mais forte, agora", Severus se desculpou, mas ela apenas meneou a cabeça. Sentiu um calor e conforto agradáveis espalhando-se por seu corpo. Suspirou, parecendo algo pelo menos mais tranqüila do que parecera nas últimas semanas. Ele apertou-lhe a mão. E assim ficou até que ela fechasse os olhos e adormecesse, como se ela tornasse a ser uma criança, sentindo medo de dormir sozinha à mercê da tempestade que uivava lá fora.
*
Mas seu mestre o chamava e não tolerava demora.
Por mais que fosse, até, dolorido deixar de lado a contemplação a Lily, finalmente sua, Severus teve de ir.
Trancou, no entanto, muito bem a gaiola de seu pássaro dourado, para que ele estivesse exatamente no mesmo lugar onde o deixara quando retornasse.
*
Ela acordou em algum momento que não soube precisar de sua estadia sem fim nas terras ermas do nada sentir. Ouvia vozes alteradas e desconhecidas no andar de baixo. Talvez estivesse delirando. Tornou a fechar os olhos.
*
Da vez seguinte em que abriu os olhos, fazia um dia claro de inverno, o sol conseguia até mesmo aquecer, ainda que miseravelmente, seu corpo.
Ergueu debilmente os braços, observando-os, atenta. Aquele ser frágil e fraco não era ela. A vida, o sol, a luz, puxavam-na, como um anzol, pelas lembranças do que costumava ser. Agora, suas pernas eram mais fortes, mas havia, ainda, algo fora do lugar em seu corpo, suas costas doíam constantemente, e ela parecia dopada. Os pés descalços pisavam em um tapete grosso e confortável, como tudo o mais ali. Não conhecia aquele lugar estranho, e o silêncio denunciava que estava só. Sentia fome outra vez, Severus não havia deixado-lhe nada de comer no quarto. Testou a maçaneta, estava destrancada. O quarto dava para um pequeno corredor, que ela também não conhecia, e uma escada que levava a um andar inferior. Seus pés a guiaram degraus abaixo, segurando, muito cuidadosa, o corrimão de madeira maciça.
Encontrou facilmente a cozinha e surpreendeu-se vagamente, havia toda uma quantidade de suas comidas preferidas ali - ou do que costumavam ser suas comidas preferidas. Era tão... bom, e ao mesmo tempo, tão dolorido, relembrar-se daquela época. Apanhou distraída um pêssego maduro sobre a mesa, e mastigou-o de forma indiferente enquanto explorou aereamente a casa, sem prestar muita atenção a nenhum detalhe em especial. Não era muito grande mas, se conseguisse se apegar a detalhes, diria que era decorada com muito bom-gosto e sobriedade, talvez sobriedade demais para ela, toda em tons escuros e com o mínimo possível de decoração que não tivesse alguma utilidade. Lambeu os dedos melados pelo sumo da fruta, e deixou o caroço em um lugar qualquer. Havia, no entanto, vidraças grandes e claras na casa estranha. O dia parecia muito frio, o solo, inclusive, estava coberto por uma fina camada branca, mas queria ir lá fora. Logo descobriu, porém, que estava trancada. Chorou. Recordou-se de Harry, de James, da dor que ainda sentia no corpo e na alma e chorou mais um pouco. Fungando, ficou dando voltas pela sala, notando, aqui e ali, sinais da presença dele. Aquilo a confortou, de certa forma, da sensação ruim de se ver presa em um lugar desconhecido.
Encostou a testa na vidraça, sentindo-se beijar pelos tênues raios dourados que a atravessavam. Mas nem eles foram capazes de despertar a chama dentro dela, que, hoje, não era mais do que uma vaga e fantasmagórica lembrança. Deixou-se ficar ali, imóvel e morta, fitando o parque que se estendia do lado de fora, que deveria ser belo quando não se encontrava tão nu e enegrecido.
Um movimento atraiu brevemente sua atenção: era Severus, atravessando apressado o portão e vacilando os passos e inclinando a cabeça ao ver seu vulto atrás da vidraça. Então, apressou-se ainda mais enquanto deixava algo cair no bolso da capa. Ela não se perguntou o que era, da mesma forma que não quis saber onde ele tinha estado. Logo ouvia o ruído da porta da frente se abrindo, e ele sorriu ao vê-la ali. Acariciou seu rosto com os olhos ansiosos.
Ela não esboçou reação alguma, apenas deixou-se permanecer exatamente no mesmo lugar, e retribuiu o olhar dele. Severus pareceu não se importar, aproximou-se, parecendo quase extasiado, e perguntou-lhe se ela sentia-se melhor. Ela negou com a cabeça, e não foi capaz de explicar o que fez em seguida: jogou-se nos braços dele. Sentiu as mãos acariciando suas costas, por muito, muito tempo. Era bom, era familiar, quase fazia-a se sentir menos morta por dentro.
Compreendeu, por fim, que a única coisa da qual fazia questão, ainda que vagamente, era aquela sensação, de estar com ele, de estar com o passado, de relembrar e talvez reaprender como costumava ser. Aquilo, talvez, fosse a única coisa que pudesse salvá-la.
*
Agora, andava livremente pela casa quando sentia-se disposta. Ele levou-a à biblioteca, abastecida com muitos e muitos livros sobre todo tipo de assunto, embora, estranhamente, não se vissem livros de Artes das Trevas ali.
Certa vez, ela atreveu-se a perguntar a quem pertencia aquela casa. Severus, depois de hesitar, confessou: a ele. Ela estremeceu e não quis saber mais. Da mesma forma que fazia, às vezes, quando acordava e a casa estava silenciosa, e vazia se saísse do quarto. Preferia não se perguntar aonde ele teria ido.
Ainda lembrava-se muito bem da tarde em que James lhe contara. Quase pôde ouvir no tom de voz do marido uma pergunta: "Vê como acertou ao me escolher? Ele nunca foi boa coisa, mesmo". Ela respondeu, da mesma forma não-dita que realmente havia acertado.
Porém, chorou a tarde toda, escondida, quando o marido saiu.
*
Às vezes, se perguntava vagamente onde estavam todos. Dumbledore, Sirius, Remus. Às vezes, arriscava-se a perguntar em voz alta. As respostas eram invariavelmente as mesmas: mortos. Desaparecidos. Exemplares e mais exemplares de jornais com manchetes que bradavam tragédia. Aflição. Desgraça e o fim.
"Queria ir...", ela sussurrava bem baixinho.
Mas ele lhe apontava todas as razões pelas quais era muito mais seguro permanecer ali e, no final das contas, ela nem se importava tanto com o lugar onde estava.
Estava tudo perdido mesmo, não estava?
*
"Por que isso?", ela perguntou, brincando distraída com um garfo. "Por que está cuidando de mim, Severus?"
Ele suspirou, e desviou os olhos.
"Nunca deixei de... me importar. Durante todos esses anos."
Ela o encarava, ainda quieta.
"Não consegui tirar você da minha cabeça. Parar de pensar no que você estaria fazendo, deixar de...", ele engoliu as palavras restantes. Algo se partiu dentro dela, Lily ainda não sabia o que era, só sabia que tinha a ver com a frieza aparente com que o tratara desde que brigaram pela última vez.
Mais para fazer alguma coisa, ele passou geléia, grossa, vermelha, brilhante, sobre uma torrada e estendeu a ela. Lily mastigou, ele encarou-a fascinado.
"Não tem a ver com... a eles, então?", ela perguntou, de boca cheia, depois de vacilar por um instante.
"Não!", ele pareceu se ofender. "Não quero que nem cheguem perto de você. Já lhe disse, Lily, esse é o lugar mais seguro onde você poderia estar. Não tem a ver com ninguém", assegurou. Ninguém, exceto ele... e ela.
*
Era um Comensal, diabos.
Por que não podia controlá-la, também? Impor sua vontade?
Gostaria de fazer o tempo retroceder até a época em que ela dependia dele e era dele a última palavra. Em que ela engolia fascinada qualquer coisa que ele lhe dissesse. Antes que ela começasse a desenvolver idéias próprias. Lembrava-se ainda claramente da sensação de Lily escorregando pelos dedos e ele, impotente, sem poder retê-la porque não possuía mais controle sobre ela. Não conseguia mais acompanhar seus pensamentos. Até que, bang. Uma daquelas idéias próprias acabou por separá-los.
*
Chegou à conclusão de que odiava James.
Sim, odiava-o. Porque tivera de passar tanto tempo sendo um cretino mimado e arrogante? Se ele tivesse mudado antes, mais tempo teriam passado juntos. Tantas oportunidades perdidas...
Amaldiçoou-o.
Chorou outra vez.
*
"Por que eu? Por que não me matou também?", ela sussurrou contra o peito dele.
Ele agradeceu por ela não poder ver a culpa em seus olhos, e fez o comentário mais genérico de que foi capaz:
"Lily, isto é guerra."
*
O vento uivava e gemia lá fora, como a mais perfeita tradução de seu interior. Mas talvez, fosse a dor que uivasse e gemesse dentro dela, e ela não mais sabia diferenciar o mundo real do grande nada.
*
Da próxima vez em que abriu os olhos, a tempestade ainda gritava, e os galhos da árvore mais próxima arranhavam a janela. Nem mesmo as pesadas cortinas cerradas eram capazes de disfarçar a tempestade. O quarto, no entanto, era aconchegante como sempre, hoje iluminado pela luz quente de velas espalhadas aqui e ali. Severus encontrava-se na sua posição de hábito, ao lado da cama, vigilante, mas ao mesmo tempo, com aquela expressão de adoração meio ansiosa. Sorriu quando ela acordou.
"Feliz Natal", ele disse, estendendo-lhe uma pequena caixa coberta de veludo vermelho.
Instintivamente, ela apanhou-a e a abriu. Continha um pingente em forma de coração, lapidado em um único rubi vermelho, e contornado por uma finíssima moldura em prata, assim como era de prata a corrente do qual pendia.
"Obrigada", ela disse, mecanicamente.
"Posso...?", ele perguntou. Ela deu de ombros.
Severus deu a volta na cama, apoiando um joelho, cuidadosamente, sobre o colchão. Afastou a cabeleira ruiva para um lado, mal roçando os dedos na pele dela, demorando apenas o tempo suficiente para cerrar o fecho do cordão de prata. Ela quase podia sentir as ondas de tensão emanando do corpo dele. Severus pareceu aliviado quando se afastou, e tornou a se sentar na poltrona ao lado da cama.
"Simboliza o amor...", ele pigarreou. "O amor entre amigos."
"Sim", ela respondeu.
"Não sei se... devemos comemorar alguma coisa."
"Não."
Mas ainda assim, Severus ofereceu-lhe uma taça de vinho dos elfos, a qual ele assistiu embevecido ela beber.
*
Odiava, ainda mais, o traidor Pettigrew.
Seu corpo se convulsionava de ódio ao se lembrar da desfaçatez dele, nem ao menos tentara ocultar... comemorava... a morte de seu amigo, a desgraça dela...
"Maldito", dizia, entredentes.
"Traidor", Severus respondia, concordando, com ar de desprezo, e ele nada fazia para impedir que o ódio dela escorresse como ácido corrosivo. Parecia, ao contrário, incentivá-lo sutilmente. "Como ele pôde... não se importar com você, Lily?"
Um dia, ela voltou os olhos para ele, de repente, assustada, como se se desse conta de alguma coisa:
"Você... sabia?"
Ele sustentou uma expressão neutra por um ou dois instantes enquanto pensava. E porque seria interessante para faze-la acreditar que ele era mesmo confiável, Severus Snape, surpreendentemente, contou a verdade.
“Sabia”, ele disse, baixando a cabeça e se ocultado atrás dos cabelos.
Os olhos verdes se arregalaram:
“Sabia, e não me contou?”
Ele levantou a cabeça alguns centímetros:
“Você... me odiava, Lily. Disse para nunca mais procura-la, não disse?”
“Ah, meu deus. O que foi que eu fiz?”, ela perguntou, caindo em si, e ele deixou-a sentir culpa por alguns segundos.
Então, apressou-se a acrescentar:
“Mas eu não podia, simplesmente não podia, saber e não fazer nada. Já disse a você que... que nunca deixei de me importar. E realmente, nunca deixei”, ela emudecera, apenas esperando que ele continuasse, e Severus continuou: “Então procurei Dumbledore. Pedi a ele para salvar vocês.”
“Nós? Todos nós?”, ela perguntou, incrédula.
“Todos”, ele reafirmou, fitando-a com uns olhos tristes. “Afinal, por mais que eu o odiasse... você os amava, não era mesmo?”
“Ah, Sev”, ela disse, agarrando-se a ele.
Ele sorriu, como não fazia há muito. Era Sev outra vez.
*
O cabelo dela era como um ser vivo, como fogo, possuía vontade própria. Assumia os mais diversos tons da paleta do vermelho, dependendo do ângulo que se olhava e da luz que o iluminava. De cobre intenso e luminoso, até o vermelho profundo do sangue seco. Era macio e sedoso, e não precisava, certamente, de todas aquelas escovadas que ele lhe dava. Mas Lily parecia não se incomodar, e docilmente permanecia sentada de costas para ele, enquanto Severus prosseguia na atividade. Assistia fascinado à escova puxando as mechas para baixo, como que testando a resistência dos fios que estendiam-se até seu limite e, uma vez livres, tornavam a encurtar-se um mínimo, assumindo pequenas ondas nas pontas. Ela cheirava a espuma de banho, e vestia ainda uma camisola, ainda sem ânimo para se arrumar. Mas, aos olhos dele, ainda era a mais bela das mulheres.
Ele colocou, por fim, a escova sobre o criado-mudo. Lá fora, o sol se punha, após um daqueles dias muito claros de inverno. A primavera latejava sob a neve e o frio, e até Lily, naquele dia, parecia menos fria. Sorriu-lhe brevemente quando ele se ergueu, e até conversou com ele, dizendo, após longos minutos de uma silenciosa troca de olhares:
"Nunca imaginei que você gostasse tanto de mim... ainda se importasse... mesmo depois de tantos anos", murmurou, fazendo um mea-culpa, deitada na cama, fitando-o de tal forma com os olhos verdes que ele quase se sentia partindo por dentro. "Mesmo depois de... você sabe."
Gostar? Ah, ele muito mais do que gostava de você, Lily. Mas ela reconhecia, o que deixou-o sem jeito, também porque era tão ingênua. Mas não deveria desconfiar de nada. E o fato de haver reconhecido era, por ora, mais do que suficiente. Ajoelhando-se no chão, ao lado da cama, acomodou a cabeça no travesseiro, bem próximo a ela, sentindo o perfume de malva e rosas vermelhas.
"Sempre", ele disse, acompanhando com o dedo os traços do rosto perfeito, ainda mais magro do que costumava ser, mas visivelmente mais saudável. Ela apanhou uma mecha de seus cabelos negros entre os dedos, enrolando-os em torno do indicador. A testa se franziu de súbito, prenúncio de uma pequena tempestade: cabelos negros. Negros! Negros como o de Harry, os de James. Da recordação ao choro passou-se apenas uma batida de seu coração. Severus, sempre ele, passou um braço em torno dela, ninando-a como se faria a uma criança de colo. Estendeu-se na cama ao lado dela, e ela acomodou-se junto ao calor do corpo dele. Então, chorou até que estivesse esgotada e não quisesse outra coisa se não se dissolver no Universo.
*
O velho e familiar cheiro de poções impregnado em tecido a despertou. Quase chorou outra vez, mas de uma felicidade estranha e distorcida. Um calor de sol, fraco mas promissor, atravessava as cortinas e despertava, finalmente, seu corpo.
Haviam superado, juntos, o longo inverno.
*
Os brotos verde-claros, quase brancos, tentativamente colocavam as pequenas cabeças para fora do chão. Vendo que o tempo era quente, e seguro, atreviam-se mais e mais. Pequenas flores eram vistas aqui e ali, assim como uma profusão de minúsculas folhas sobre o tronco e os galhos das árvores. O vento despetalava preguiçosamente um dente-de-leão. Dois pares de olhos acompanharam a dança em espiral das pequenas pétalas alongadas.
"Você... se lembra?", ela sussurrou, envolta nos braços dele, sentados sobre a macia grama recém-nascida, à sombra de uma das árvores do parque que circundava a casa.
Severus deu uma risada abafada.
"Como poderia esquecer?", perguntou, passeando com o dedo sobre o lado de seu rosto, sinceramente comovido, visivelmente ainda apaixonado.
Ela fechou os olhos, sorrindo, provavelmente mergulhando na lembrança. Severus continuou, hesitante:
"O que me surpreende... é você ainda se lembrar."
"Como não poderia?", ela perguntou, tão séria que era como se fosse uma ofensa esquecer um momento tão importante e doce. O primeiro ano em Hogwarts. A primeira semana. Severus estava chateado. Com ela, porque fora para a Grifinória e não para a Sonserina. Como se fosse culpa dela! Lily ficou chateada por ele estar chateado por causa dela. Fugiu da aula de Transfiguração e arrastou-o pela mão até debaixo de um grande carvalho à beira do lago. As vozes soavam ridiculamente agudas enquanto discutiam.
"A gente ainda vai ser amigo, Sev. Não vai mudar nada!"
Mas ele continuava emburrado, e nada o faria mudar de idéia: Lily não lhe pertencia mais. Encontraria outros companheiros, mais interessantes e mais bonitos e mais ricos e mais populares do que ele. Esqueceria-o em um piscar de olhos, tinha certeza. E Grifinória! Sentia ímpetos de gritar e esmurrar o chão de tanta raiva. Não poderia ser, ao menos, a Corvinal? Era tudo tão, mas tão injusto, ele pensava, de cabeça baixa mas fitando disfarçadamente, por baixo da franja, os olhos dela. Verdes como as pequenas esmeraldas que preenchiam a ampulheta da Sonserina. Aquilo devia significar alguma coisa, mas que droga (por outro lado, ele preferia ignorar o vermelho dos cabelos, de um tom extremamente parecido com o da seda das flâmulas da Grifinória, e pensar que vermelho era a cor que sentia o envolvendo sempre que ela estava lá, ainda que em um único pensamento).
"Sev", ela chamou docemente, colocando a mão sob seu queixo e fazendo-o olhar para ela. "Não fica assim, Sev."
Mas ele continuava emburrado. Então, ela apanhou um dente-de-leão e soprou-o com força, fazendo as pétalas muito finas e compridas voarem todas sobre ele. Riu. Como acontecia sempre que ela ria aquela risada abençoada e cristalina, as trevas e sentimentos maus dentro dele magicamente recuaram, como que assustados com tamanho brilho. Ele inspirou fundo e tomou coragem:
"Eu... gosto de você, Lily."
"Também gosto de você, Sev", ela sorriu, parecendo despreocupada e fresca. "Muito."
Ele torceu as mãos nervosamente, e sentiu as águas negras do ciúme e da falta de confiança ameaçando sufocá-lo e fazê-lo correr para longe, mas algo o fez prosseguir. Talvez o medo de perdê-la para sempre se ela não soubesse o quão importantes eram seus sentimentos:
"Não, Lily. De outro jeito."
Ela inclinou a cabeça, e ergueu uma sobrancelha, parecendo curiosa. Esticou um dedo, retirando um fiapo do dente-de-leão dos lábios dele. Como se fosse a permissão da qual ele precisava para curvar-se para a frente. Foi mais um assustado roçar de lábios do que propriamente um beijo. Mas o primeiro, de ambos. Os lábios que a beijavam agora eram os mesmos, mas o sentimento era diferente. Havia mais desejo, mais angústia, desespero e dor. Por um momento ou dois perdeu-se nos velhos lábios, retribuiu o desespero, a angústia e a dor. Até uma ponta de desejo surgir.
Então, ela o afastou gentilmente, negando com a cabeça, ofegando angustiada.
"Tudo bem, tudo bem, Lily...", ele embalou-a gentilmente. "Não devia ter... não vai se repetir."
"Por favor."
Ele assegurou-lhe que não, ela acomodou-se nos braços dele, apegando-se, no entanto, à lembrança.
*
"E se eu fosse... procurá-los?", ela perguntou, novamente, mas sua voz não soava muito certa do que dizia, como se ela não pretendesse realmente colocar o plano em prática.
"Você vai morrer lá fora, Lily. Assim que colocar os pés pra fora dessa casa. Acredita em mim", ele segurou as duas mãos dela e olhou bem fundo em seus olhos, como se tentasse hipnotizá-la, "as coisas não são mais como costumavam ser."
Ela deu de ombros.
"Que diferença faz?", ela perguntou com voz chorosa, uma lágrima equilibrando-se na pálpebra inferior.
"Ora", a voz dele soava indignada quando a envolveu em seus braços, "não vou permitir que uma coisa dessas aconteça!", então, sussurrou bem junto ao ouvido dela, "Nunca."
Ela permitiu que a lágrima seguisse seu caminho, e outra, e outra juntaram-se à primeira. Sentiu a boca salgada quando perguntou:
"Não está me prendendo aqui, está?"
"Mas claro que não, Lily", a voz dele disse outra vez em seu ouvido, soando, agora, tão calma e pausada como se ele falasse com uma criança, "É só que... você não tem condições de cuidar de você mesma por enquanto, tem?"
Ela sacudiu negativamente a cabeça, deitada, agora, sobre o peito dele. Não tinha mesmo, concordou mudamente, sentindo as mãos dele afagando suas costas. Por muito tempo. Tinha plena consciência de que não poderia se virar sozinha sem os amigos... se ainda os tivesse... se ao menos seus pais ainda estivessem vivos... se ao menos ela e Petúnia não tivessem se desentendido há tanto tempo... não suportaria, agora, os ataques sem sentido da irmã. Se pelo menos estivesse mais forte, não se importaria... mas não precisaria dela, então. É, era aquilo mesmo, Severus era o amigo mais próximo que ela tinha naquele momento. Amigo. Amigo outra vez. Abraçou-o com força, fechando os olhos.
*
Ambos liam em silêncio na biblioteca bem-iluminada. Ela ia lentamente se adaptando àquelas tardes calmas, quando ele permanecia em casa com ela. Estava de tal forma acostumada à presença dele, somada ao medo de ficar só e à sensação de conforto que tantas memórias traziam, que sentia-se perdida sem a perspectiva de Severus em sua vida. Não pensava mais em deixá-lo, pelo menos por enquanto. Não podia dizer, ainda, que gostava daquilo. Era mais uma necessidade. Severus distraía-a das perdas. Sentia-se segura, nem tanto pela guerra que se desenrolava a todo vapor no mundo lá fora, mas segura da vida que teria de encarar quando finalmente se fosse. E mesmo a sensação de estar sendo protegida da guerra era, de certa forma, confortadora... embora ela, muitas vezes, preferisse ter o mesmo fim que Harry e James. Mas cada vez menos pensava naquilo. Estava apenas mal-e-mal vivendo, e não se importava sequer com esse fato.
Tudo era, agora, calmaria e ausência de dor. Ela beliscava um prato de madeleines e bebericava chá, sem se aprofundar muito em sua leitura. Severus também parecia não se concentrar muito em seu livro, porque não parava de olhar para ela por cima da capa de couro gasto. A forma como os olhos dele se apertavam levemente diziam-lhe que ele sorria; ainda não esquecera tantos detalhes sobre ele... ela sentia-se menos dor. A casa dele tornava-se pouco a pouco familiar e quase-essencial. Sequer passava por sua cabeça procurar qualquer outro lugar para ficar.
Então, subitamente, no meio da paz, o livro escorregou das mãos dele e Severus ofegou. Foi um acontecimento extremamente breve, mas suficiente para desfazer a atmosfera tranqüila. Ele colocou-se de pé e rudemente fechou a mão em torno do pulso dela.
"Vamos", rosnou, por entre os dentes cerrados.
Ela mal conseguiu reagir e perguntar o que acontecia. Ele praticamente arrastou-a para seu quarto e ela ouviu o som da chave girando na fechadura. Tinha sido tudo tão repentino que nem havia assimilado o que aconteceu. Sentiu lágrimas molhando-lhe o rosto. Pôs-se a dar voltas pelo quarto, aereamente, o que sempre fazia, agora, todas as vezes em que encontrava-se angustiada e estranha. Um movimento no parque chamou-lhe a atenção: um vulto de negro. Outro deles.
Arrepiou-se, fechou a cortina, porque não queria lembrar. Não queria, não podia, quebrar a frágil relação de dependência que vinha estranhamente desenvolvendo em relação a ele. Não queria ver seu sonho de ausência de dor e felicidade estranha e culpada se dissolvendo. Cobriu a cabeça com um travesseiro, para que não ouvisse as vozes, e chorou até adormecer.
*
Nunca mais fora a mesma, sempre aquela dor nas costas, aquela sensação de desconforto, como se as poções não fizessem efeito. Mas talvez, fosse porque simplesmente estivesse meio morta por dentro.
*
Diariamente fazia muitos e muitos minutos de silêncio e recolhimento por eles.
*
"Por que, Severus? Por quê?", ela lamentou, pela milésima vez.
"Culpe-o, Lily. Culpe Pettigrew."
Chorou de raiva e tristeza.
Maldito Pettigrew.
*
Severus mimava-a mas ela não podia deixar de se sentir frequentemente apática. Levava sempre seus doces preferidos, possuía em casa os livros de que mais gostava, dera-lhe até mesmo uma jóia no Natal, e ela desconfiava de que aqueles vestidos todos haviam sido comprados para ela. Como, não gostaria de saber - ele jamais tivera muito dinheiro da primeira vez em que tinham sido amigos. Mas como não conseguia se apegar a pensamento algum naqueles dias, logo sua mente pulava para outro, e outro assunto.
Ele a encarava ansioso e meio preocupado, aliás, desde aquela tarde onde a arrastara para o quarto. Ela queria dizer-lhe que não se importava, que não sentia nada para se importar, mas nem aquilo era importante.
"Come, Lily", ele empurrou-lhe o prato com scones.
Tão sério que ela resolveu obedecer. Não lhe custaria nada. Apanhou um dos triângulos muito fofos, cobriu-os de creme e geléia, e levou-o à boca, sentindo o gosto de manteiga e baunilha e morangos se mesclando. Não conseguiu evitar uma pequena exclamação de aprovação. Ele pareceu mais aliviado, ela examinou-o bem e perguntou:
"E você, Sev? Por que não come?"
"Você sabe que eu..."
"Não, não sei", e por um instante ela sorriu seu sorriso atrevido e petulante e empurrou-lhe o resto do scone boca adentro. Ele não teve outra chance se não mastigar bem e engolir. Ela segurava o riso, ainda fechando a boca dele, manchada de creme e geléia, com os dedos. Deslizou-os, deixando um rastro vermelho e branco sobre os lábios. Ameaçou ficar séria outra vez, mas ele foi mais rápido: obrigou-a a comer mais.
Ela tentou recusar, mas cedeu lentamente, mastigando, enquanto sentia os dedos dele, cobertos de creme e geléia, deslizando sobre seus lábios. E sentia os olhos negros e intensos deslizando sobre seu rosto, até a boca. Colocou a língua pra fora, para lamber o resto de doce, e a língua tocou o dedo dele. E ela não fez absolutamente nada para evitar. Ele aproximou-se, os dedos dela ainda sobre a boca dele, agora entreaberta. Sentiu-se presa nos olhos dele. Aproximar-se e deixar-se ficar foi inevitável. Severus temeu ser repelido outra vez, então, apenas beijou-lhe suavemente os lábios, mas agora, não havia o que temer, porque ela se deixou envolver pela capa negra, abandonou-se em seu peito, aceitando o que ele sentia, deixando-se ser guiada, protegida.
*
Ela só queria continuar fazendo de conta que ele era apenas um bruxo normal, saindo para o trabalho naquela manhã, pensou, enquanto fitava distraída o parque vazio, sentada junto à janela, abraçando os joelhos. Mas algo oprimia seu peito. Não que fosse motivo para se alarmar, pois aquela sensação, agora, era a regra.
Mas gostaria que ele não tivesse aberto a porta de seu quarto e dito-lhe que precisava... sair. Não gostaria mesmo. Mesmo que permanecesse a tarde toda fechada em seu quarto, gostava de saber que ele estava por perto, trazendo consigo o passado e as lembranças agradáveis.
*
Pensando bem: como pôde tê-lo deixado?
*
Maldito Pettigrew.
*
Cada nova recaída parecia doer mais, porque agora, ela se recordava de como era antes. Cada vez que tropeçava outra vez, parecia que não conseguiria mais se levantar.
*
Simplesmente não tinha mais vontade de nada.
Arrastaria-se pelo mundo até que lhe fosse concedida a graça de morrer.
*
A casa estava quieta e distante. Ela não estava ali, apenas seu corpo vagava sobre os tapetes escuros, por entre o pequeno labirinto de portas e escadas e cômodos já, mas não desejados, familiares.
Vazios todos como ela.
Então, de súbito, uma porta se abriu: Severus. Pareceu surpreso por um momento, ao encontrá-la vagando morta-viva pela casa, então, recompôs-se rapidamente, fechando o roupão que usava. Pareceu tão comovido ao vê-la ali, perdida. Mas ela não podia evitar, por mais que não quisesse vê-lo triste.
"É seu quarto?"
Ele assentiu. Convidou-a a entrar.
*
Que deus o perdoasse, mas nunca a havia visto tão bela. Os cabelos caíam em mechas irregulares e muito longas até abaixo de seus cotovelos, porque não haviam sido aparados nos últimos meses. O vestido simples servia para realçar ainda mais sua beleza, como se esta, e a jóia que lhe dera, fossem seus únicos adornos. Possuía agora uma beleza trágica e quieta, tão distante da chama viva de outrora; ele se doía por dentro, mas não sabia o que fazer para mudar aquilo. Mas amava-a tanto, tanto, tanto, de qualquer forma que fosse. E deu-se conta de súbito que não precisava mais amá-la apenas em pensamentos, porque ela estava finalmente ali, ao alcance de sua mão. Tão próxima, tão ruiva e pálida. Tão frágil. Abraçou-a num ímpeto de ternura, ela deixou-se abraçar, apoiando suavemente uma mão em seu ombro. Sentia a pele nua dela contra a sua. Seus dedos escorregaram pelos ombros desnudos, arrepiando-o. Mergulhou o rosto no ponto exato entre cabelos e pescoço, aspirando extasiado o perfume natural dela que emanava dali. Os lábios tocaram a pele alva, subiram pela mandíbula até encontrar o pequeno monte carnudo e mais consistente de seus lábios. Quedou-se paralisado, sentindo suas respirações se mesclando.
Então, beijou-a outra vez, timidamente. Como ela não o repelisse, aprofundou o beijo, explorando o interior da boca macia e quente. Beijou-a longamente, por muito tempo, finalmente, suspirando a cada nova investida. Os braços a prenderam contra seu corpo, sentia as mãos dela segurando-se suavemente em seus ombros, seus corpos tão próximos, ela tão quente e lânguida. Sentiu os seios redondos sendo esmagados contra seu peito nu. As mãos desceram pelas costas, encontrando a curva das nádegas. Era incrível a facilidade com que ficara excitado, maravilhosa a forma como seus corpos se encaixavam, como o sexo dela recebia seu membro nu e ereto.
Lily deixou-se conduzir docilmente para a cama. Não o repeliu em momento algum. Ele tomou outra vez aquela atitude como aquiescência, e avançou. Deitou-a, beijou-a mais, ergueu seu vestido, acariciando de forma insinuante suas coxas pálidas. Sua pele era tão macia, tão cremosa que ele sentia vontade de mordê-la. Ergueu os olhos para o rosto dela. Foi quando compreendeu: ela não o repelia. Porque não reagia, de forma alguma. Não o afastava. E, igualmente, não o desejava.
O olhar dela estava fixo, perdido, em algum ponto da parede atrás dele, os braços abandonados indiferentes sobre a colcha, uma das mãos entreaberta. O vestido erguido, deixando entrever sua roupa de baixo.
Ele perdeu a vontade no mesmo instante.
Era como se a estivesse estuprando.
Era simplesmente repugnante.
Cobriu-a, e nem então ela reagiu, deixando-se ficar imóvel sobre a cama. Sentindo o mais absoluto nojo de si mesmo, Severus deixou-a. O que via sobre a cama era a profanação da coisa mais pura que existia. Bateu a porta que dava para fora, sentindo, agora, ódio de si mesmo e orgulho ferido. Ele jamais esqueceria a expressão vazia de seu rosto enquanto se aproveitava dela.
Queria Lily, a verdadeira Lily, a Lily espirituosa e viva e cativante e brilhante que tanto o encantara. Queria ela o querendo. Mas tudo o que ele possuía, agora, era apenas uma pálida imitação dela.
Uma boneca quebrada.
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comentários me fazem feliz e menos insegura. porque essa é uma fic estranha, e ainda não sei o que acho dela. o que VOCÊ acha?
=X
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