Negligência ou Irreverência?



Capítulo 20: Negligência ou Irreverência?



Na manhã seguinte, o dormitório masculino do sexto ano já estava completamente banhado pela luz do sol quando Harry finalmente acordou, bem mais tarde que o usual. O garoto levantou-se e, ao sentar-se na cama, correu o cortinado em volta dela. Assustado, percebeu que todos os colegas já haviam se retirado do quarto e que, pela quantidade de luz que entrava pelas janelas abertas, ele estava muito atrasado.
Ele teve de arrumar-se tão rápido que, apenas quando já estava fora do salão comunal da Grifinória, nas escadas que o levariam ao andar de baixo, percebeu que estava sem sapatos. Ele não conseguia acreditar em como aquilo acontecera; ele levantara-se, trocara-se, pusera as meias...e esquecera os sapatos?! Com o rosto queimando de vergonha e agradecendo intimamente por nenhum estudante estar por perto para presenciar aquela situação inconveniente, ele ergueu a varinha e falou o primeiro encantamento que veio a mente dele: “Accio sapatos!”. Aquilo economizaria tempo.
Ao contrário do que previra, o feitiço não deu totalmente certo. Após alguns segundos, ele escutou um tom ensurdecedor de algo batendo na parede, como se quisesse atravessá-la. O garoto subiu correndo as escadas – depois de perceber que seus sapatos não conseguiriam simplesmente “sair” da sala comunal da Grifinória quando o quadro da Mulher Gorda não poderia ser chamado de “porta”- e voltou ao corredor o qual levava aos aposentos dos grifinórios. Antes de chegar perto o suficiente do quadro da Mulher Gorda, o barulho ensurdecedor parou.
Com a intenção de pegar seus sapatos, que naquele momento deveriam estar caídos no chão da sala comunal perto da parede, o garoto continuou andando em direção ao quadro, até que... Algo irrompeu por ele, provocando um imenso buraco na tela e fazendo com que a Mulher Gorda berrasse em plenos pulmões. O que ele depois descobriu ser seu par de sapatos o atingiu em cheio na face, e ele caiu de costas no chão. A Mulher Gorda percebeu a existência do garoto e passou a gritar todo o tipo de palavrão e acusação que o garoto já ouvira durante toda a vida. Antes que os gritos da Mulher Gorda chamassem a atenção de algum monitor, Harry agarrou seus sapatos e saiu em disparada, apenas parando para retomar o fôlego quando estava a alguns metros do Salão Principal.
Ele respirou fundo e colocou os sapatos, as mãos ainda tremendo. Ao entrar no Salão Principal, percebeu que não estava tão atrasado, pois apenas alguns estudantes já tinham terminado de tomar o café da manhã e as corujas começavam a entrar apenas naquele momento pelas janelas do Salão. Ele encaminhou-se para a mesa da Grifinória e sentou-se ao lado de Gina; a garota o observava desde o momento no qual ele entrara no aposento.
Hermione estava sentada em frente a Harry, e Rony estava ao lado dela, mas era impossível não perceber o quão afastados os dois se mantinham. Embora a garota estivesse absorta no livro de Runas Antigas, ela foi capaz de perceber a chegada atrasada de Harry.
-- Você está atrasado- ela constatou, sem tirar os olhos do livro.
Gina revirou os olhos e colocou um copo de suco de abóbora na frente de Harry, como se adivinhasse o que ele queria naquele momento.
-- Dormi demais- ele falou, após tomar um gole do suco, agradecendo a Gina com um sorriso- Mas realmente não sei o que aconteceu; não ouvi ninguém se levantar!
Hermione ergueu um pouco as sobrancelhas e, ainda sem olhar o garoto, virou a página do livro e continuou a ler.
-- Rony, você deveria tê-lo acordado- a garota falou, alguns segundos depois.
-- Eu-eu...- gaguejou Rony, como se não esperasse que Hermione lhe dirigisse a palavra naquela manhã- Eu tentei, mas ele não acordou de jeito nenhum!- ele explicou-se, olhando para ela.
-- Certo- ela concordou, sem dar atenção a tentativa do ruivo de ter contato visual com ela.
-- Bem Mione, um dia que o Harry perdesse a primeira aula não seria nada, não é?- Gina perguntou e recebeu olhares reprovadores dos garotos a sua volta- Afinal, vocês sabem como ele dormiu mal nas últimas noites.
Rony tossiu algumas vezes e Hermione chegou a tirar a atenção do livro a frente dela e a olhar para o rosto de Gina por alguns segundos, ambos demonstrando que sabiam serem os culpados das noites mal-dormidas do garoto.
Gina sorriu satisfeita enquanto recomeçava a comer o cereal, e Harry se sentiu sinceramente culpado por provocar os amigos com relação a um assunto que, apenas naquele momento, ele percebia ser tão importante.
Harry de jeito nenhum queria que os dois se achassem culpados por apenas algumas horas perdidas durante a noite, pois ele temia que os dois tivessem o louco pressentimento de que aquele fato apenas dizia o quão errado era o que ocorrera entre eles. Ele teria de dizer algo que ajudasse os dois a se sentirem mais seguros em relação a eles mesmos; ou pelo menos menos confusos. Embora eles estivessem evitando contatos visuais diretos, o amigo nunca vira os olhos de Rony e Hermione brilharem como nos últimos dias.
O garoto estava prestes a se desculpar para os amigos quando percebeu que uma grande coruja bege, a qual há alguns segundos antes deveria estar carregando o exemplar do Profeta Diário daquele dia de Hermione, estava parada na frente da menina, esperando que ela a pagasse. Porém, a garota parecia ter petrificado e o olhar dela permaneceu num mesmo ponto do livro durante muitos segundos. Gina estava absorta em seus próprios pensamentos enquanto terminava de tomar o próprio café da manhã e não seria capaz de contar a Harry o que havia acontecido enquanto o pensamento dele estivera longe. Rony tinha as orelhas vermelhas e o rosto extremamente pálido, e, para a surpresa de Harry, estava completamente encostado em Hermione, com o olhar preso exatamente no mesmo ponto do livro em que o olhar Hermione estava.
Harry cutucou Gina e apontou com a cabeça a situação em que os dois amigos encontravam-se. Gina franziu o cenho e parecia prestes a levantar os ombros, para demonstrar que não tinha idéia do que havia acontecido, quando sua face tornou-se tão pálida quanto a do irmão.
Harry sentiu-se extremamente irritado por não saber o que estava acontecendo, e o fato de ninguém explicar a ele o que ocorrera apenas o deixava mais bravo. Quando o garoto levantou a cabeça mais uma vez para discutir sobre isso com os amigos, ele percebeu que algo estava errado, e não era algo que dizia respeito a apenas os quatro amigos. Várias cabeças de estudantes igualmente pálidos ao longo das mesas das quatro casas juntavam-se para ler algo juntas.
No momento em que Harry olhou mais uma vez para Hermione e Rony, ele engasgou-se e sentiu como se respirar fosse impossível. O que os amigos estiveram olhando não era o livro de Runas Antigas de Hermione, e sim o exemplar do jornal daquela manhã, o qual a garota segurava na frente do livro.
Hermione finalmente encarou Harry, com os olhos extremamente marejados, e entregou a ele a edição daquela manhã, incapaz até de fazer um mero comentário sobre o tempo.
Rony não questionou a interrupção de sua leitura e parecia querer vomitar. Harry aceitou o jornal com as mãos tremendo e só o abriu parar ler sua manchete fatídica quando o monitor-chefe da Grifinória, aparentemente alheio ao que estava ocorrendo, comentou com Rony algo sobre um buraco em um quadro e o fato de que, sendo monitor-chefe, recusava-se a tratar de uma situação tão boba. Rony respondeu apenas o que conseguiu dizer no momento e levantou-se para consertar o problema no tal quadro. Rony daria tudo para sair dali naquele momento.
Por mais que Harry, ao olhar para os olhares amedrontados a sua volta, soubesse que algo horrível tinha acontecido, nada, absolutamente nada poderia prepará-lo para o que leu.

“ ‘Negligência ou Irreverência?’

Nada mais poderia caracterizar a cena ocorrida na noite de ontem, em Londres, do que estas duas palavras com significados tão diferentes. A resposta? Negligência de uns
(veja na página 11 mais informações sobre os erros do Ministério), irreverência de outros (veja na página 17 os nomes dos seguidores daquele-que-não-deve-ser-nomeado que podem ser os culpados ). Qualquer testemunha do ocorrido na noite passada concordaria com as nossas palavras- negligência e irreverência. Porém, não sobraram testemunhas para concordar conosco.
Portanto, é impossível descrever o desenrolar da situação da noite de ontem, e é impossível, acima de tudo, descrever pelo que todas as vítimas passaram. Meu trabalho neste jornal, hoje, não é relatar aos ávidos leitores todos os detalhes sobre uma notícia, e sim chamar a atenção de todos para as conseqüências dessa notícia, nessa fatídica noite.
Transeuntes que, felizmente, deixaram o local de Londres-
o qual permanecerá desconhecido para o levantamento de maiores inquéritos – antes que o caos se instalasse nele alegam que não perceberam nada fora do normal para uma noite de terça-feira. Já os transeuntes não-bruxos – como prefiro chamá-los, já que a palavra trouxa apenas nos aproxima mais do preconceito dos causadores desse horrível acontecimento – alegam terem visto movimentações fora do normal para aquela hora da noite, além de notarem um ou dois indivíduos vestidos com pesados e longos casacos pretos um pouco brilhantes. Infelizmente, esses dois indivíduos talvez não sejam os culpados, pois algumas das vítimas trajavam as mesmas vestes descritas pelos não-bruxos.
No período entre as vinte horas e cinqüenta e cinco minutos, quando o último transeunte com quem falamos saiu do local, e as vinte e quatro horas e vinte e dois minutos, quando a primeira pessoa-
a qual prefere manter-se anônima - chegou ao local, não se sabe com detalhes como tudo aconteceu. A marca negra pairando no alto do local e as dezesseis pessoas- bruxas e não-bruxas- mortas por causas não naturais são os únicos fatos que ligam essa horrível cena às Artes das Trevas.
Mais uma vez, é preciso ressaltar que esse fatídico acontecimento poderia ter sido evitado se as ações do Ministério da Magia no ano passado fossem diferentes e se importassem mais com a realidade do que com o medo que esta pudesse causar a comunidade bruxa.
Por isso, esse acontecimento deve ser um alerta para o mundo, bruxo e não-bruxo, para que as mudanças feitas visem uma união, e não o cultivo da idéia dos mais “puros”.
Para apenas um alerta, foram necessárias dezesseis mortes. A irreverência deles vai continuar. Os alertas -
as mortes – também. E a sua negligência?”
Texto por Lian Marker, editor substituto


Harry deixou o jornal cair com um baque na mesa, incapaz fazer qualquer comentário sobre ele. Ele levantou os olhos e encontrou os de Hermione. Medo; era só o que os olhos da amiga demonstravam. Ao seu lado, ele sentiu Gina tremer levemente, e teve de segurar as mãos dela com força para que ela conseguisse se endireitar na cadeira.
O garoto viu o horário no relógio de pulso de Hermione e percebeu que deveriam estar a caminho da aula de Transfiguração do dia há pelo menos vinte minutos antes. Porém, ao olhar em volta, viu que o Salão Principal ainda estava repleto de estudantes, todos igualmente perplexos, muitos ainda segurando com força o exemplar do Profeta Diário daquele dia.
Harry encontrou os olhos assustados, mas calmos do professor Lian Marker, e sentiu uma súbita afeição por ele. Ninguém, decididamente, poderia ter escrito de melhor forma a notícia que abalaria o mundo mágico para sempre. Os professores, estranhamente, também estavam atrasados: nem ao menos um deles levantou-se para lecionar a respectiva matéria; o silêncio que tomara os alunos também os tomara.
Dumbledore trocou um breve olhar com Snape e Harry pôde jurar que o diretor moveu os lábios rapidamente para o professor de Poções. Enquanto o diretor levantava-se, o olhar nunca deixando os alunos a sua frente, Snape retirou-se do Salão por uma porta atrás da mesa dos professores, agarrando os braços como se eles queimassem.
-- O alerta foi dado- a voz do diretor, alta e clara, foi ouvida- Sugiro que tomem cuidado, embora isso possa ser pouco nas atuais circunstâncias. Não há muito a fazer, mas muito a se cumprir- ele fitou a mesa da Sonserina por demorados segundos- A negligência é o pior inimigo de um bruxo, e apenas a união pode destruí-lo- o diretor sorriu, os olhos sem brilhar- Podem se retirar para suas respectivas aulas, por favor.
Todos os estudantes levantaram-se, e Harry sentiu como se eles fossem apenas um; todos dividindo o mesmo sentimento: medo. A maioria, medo da irreverância que a negligência causava, e outros, apenas medo da irreverência- talvez estar ao lado de Voldemort não fosse mais tão simples.
Ao caminhar em direção a sala de Transfiguração, Harry esbarrou em Draco Malfoy. Embora Malfoy não tivesse falado alguma provocação para Harry e nem tivesse sorrido desdenhoso como sempre, não foi isso que assustou o garoto. Draco Malfoy estava tão pálido e com o olhar tão perdido que Harry quase chegou a ficar preocupado.
Talvez Draco Malfoy fosse um dos poucos do lado de Voldemort que não apenas temiam a irreverência, mas que também não queriam que ela ocorresse.

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