Fatídico Natal



Capítulo 2 – Fatídico Natal




Lilian levantou-se apressadamente, ajeitando as vestes de imediato. Tinha quase certeza que não estava conseguindo esconder sua expressão de quase pânico. Suas mãos estavam suando consideravelmente e suas pernas pareciam que não podiam sustentá-la por muito tempo.

Para a sua momentânea alegria, Tiago apenas cruzou o Salão Comunal, deixando-o em seguida. Lilian acompanhou-o com os olhos, deixando sua agenda bem próxima de seu corpo numa atitude infantil de proteção. Ela estava ciente da sua respiração entrecortada, mas não podia evitar tanto nervosismo. Suspirou ao ver a passagem do retrato fechar-se atrás de Tiago. Ela deu alguns passos em direção a escada, quando se deu conta de algo.

Ela estava sozinha.

Sozinha.

Lilian iria correr para o seu dormitório e contar tudo à Mischa, e ela provavelmente a ajudaria com o que pudesse, mas Lilian não poderia pedir ajuda a ela. Suas outras amigas também tinham voltados às suas casas e Lilian viu que havia feito uma enorme idiotice ao ficar no castelo, enquanto todas tinham deixado a escola. Jogando-se no sofá e observando de forma atravessada a lareira, Lilian tentou acalmar-se. Nem tudo estava perdido. Ela só precisava saber quem havia arrancado aquilo de sua agenda e trucidar tal pessoa. Somente isso.

Lilian recostou sua cabeça molemente no sofá, fechando os olhos e arrependendo-se de várias coisas. De Ter ficado em Hogwarts; de Ter escrito algo sobre Tiago Potter em sua agenda; de Ter guardado uma foto dele; e principalmente de amá-lo. Uma vontade de jogar o ‘diário’ na lareira passou por ela, mas logo já havia passado.
Ao invés, Lilian foi ao seu dormitório para escrever a Mischa sobre o ocorrido. Talvez ela tivesse alguma pista de alguém que havia mexido nas coisas delas ultimamente.


* * *

Ela lembrou-se da primeira vez em que haviam se esbarrado. Na biblioteca, com certeza seu local preferido em toda a escola. Poderia ficar ali o tempo que precisasse e, ao contrário de outros alunos, adoraria que isso acontecesse.

Era um ponto em comum entre os dois – a leitura. Usualmente ele estava carregando algum livro interessante, estudando até altas horas – mesmo que fosse um dos alunos que tinha as melhores notas – e quase morando na biblioteca.

Mischa fechou os olhos.

Ela havia acabado de selecionar um livro da estante. Joana D’arc. A história era simplesmente fascinante e Mischa pensou que se Joana estudasse em Hogwarts, ela talvez fosse grifinória, porque o modo como que ela---


- Desculpe.

Havia sido rápido demais para que Mischa pudesse compreender o que acontecera. Porém, no instante seguinte, vários livros, inclusive o seu, estavam espalhados pelo chão. Ela abaixou-se também, tentando ajudar o garoto a reorganizar as coisas.


- Me desculpe novamente.

Mischa levantou o olhar e por um breve segundo ela encontrou duas íris azuis, extraordinariamente azuis.


- A culpa foi minha. – ele continuou – Eu que vinha distraído e---


- Não, está tudo bem.

A mão de Mischa foi novamente de encontro ao título de Joana D’arc, na esperança que ela não tivesse perdido a página em que estivera lendo.


- Joana D’arc? – perguntou o garoto, arqueando as sobrancelhas e levantando-se, como ela. Não era um tom zombeteiro e sim surpreso – Ótima escolha...


- Mischa. Mischa Rodstaff.

Ela estendeu a mão, sorrindo timidamente e mais tarde percebeu o quão tímido ele também era.


- Remo Lupin, prazer.

Suas pálpebras levantaram-se devagar. Remo estava a sua frente, analisando alguma coisa na paisagem lá fora. Ela observou-o, perguntando-se o que mais havia nele que chamava tanto a sua atenção e que atraía a sua simpatia sincera. Tudo bem, não era bem simpatia que ela queria dele.


- Você acha que Black vai demorar muito?

Remo trouxe seus olhos para Mischa, que sentiu um rodopio no estômago. Como ele podia fazer isso de forma tão simples, com algo tão banal quanto um olhar desses? Ele balançou a cabeça negativamente, enquanto Mischa suspirava ruidosa e pesadamente.


- Você sabe que eu vou matá-lo, não sabe?

Lupin se permitiu dar um pequeno sorriso que animou Mischa.


- Almofadinhas não é tão mau assim.

Mischa enrugou a testa, parecendo incrédula. Sua boca havia aberto minimamente em discordância. Ela ajeitou-se no assento, de um jeito em que ficaria mais à vontade.


- Oh, não? Eu preciso lembrá-lo o que ele tem feito para ganhar essa terrível fama?

Lupin também sentou-se de um jeito mais relaxado. A tensão que se formara entre os dois, por ambos estarem trancados sem muitas opções de saída, havia dissipado-se, para o agradecimento mútuo.


- Não, eu conheço muito bem meu amigo.


- Ah, pelo menos você não é hipócrita. Acho que deu para perceber que eu não vou muito com a cara dele. Ele fez uma grande sacanagem com a minha amiga. – disse, mais para si mesma do que para Remo. Mischa repentinamente acabou lembrando-se de Tiago – Aliás, Potter é outro que também não tem vergonha na cara.

Ela poderia ter jurado que um brilho de divertimento havia passado pelos olhos melancólicos de Lupin. Mischa não sabia explicar o que era, mas geralmente o olhar de Lupin era opaco – não que ela não achasse isso fofo, lá do jeito dele – e ele parecia constantemente cansado, principalmente em certas noites de cada mês, próximo dos dias em que ele sumia da escola. Vê-lo desse modo era raro e ela perguntou-se quantas pessoas tiveram a oportunidade para apreciá-lo.


- Por quê?

Mischa não evitou revirar as orbes. Todos em Hogwarts sabiam como os dois – Sirius e Tiago – eram os mais cafajestes de toda a escola, fosse com quem fosse. Nenhum deles levava nada a sério, nem as regras da escola, nem os regulamentos populares. Remo, ao contrário...


- A começar pelo pequeno motivo que ele não larga do pé da Lilian. Ele não larga do pé do Snape. Ele não larga da pé dos sonserinos---


- Hum-hum.

Remo limpou a garganta, fitando Mischa com algum tipo de ironia que ela achava que não combinava com a personalidade dele.


- Eu já percebi que você também não larga do pé de Renée Mann, aquela monitora corvinal, sabe.

Mischa engoliu. Será que ele sabia que---? Um suspiro. Ok, ela sabia que pegava mesmo no pé de Renée mas era só porque ela não parava de dar em cima de Remo descaradamente, falando dos olhos azuis dele ou do sorriso brilhante que Lupin possuía. Então Mischa precisava fazer essa garota se tocar, não?


- Erm... Eu... Eu não pego no pé de Mann, mas eu realmente nunca gostei muito dela.


- Tiago também realmente nunca gostou de Snape.

Ela estendeu os olhos, sabendo que era uma comparação desproporcional.


- É muito diferente! Tiago não tem nenhum motivo especial para pegar no pé do coitado do Snape. Ele só faz isso porque...


- ... É totalmente caído pela Evans.

Num primeiro momento, Mischa não havia gostado de ser interrompida. Entretanto a informação que viera logo depois poderia ter alguma serventia para Lilian. Se fosse o próprio Tiago quem tivesse dito isso, ela não teria acreditado, porém não havia razão para que Lupin inventasse tal mentira.


- Sério?


- A-hã. – disse, sem piscar ou dar qualquer outro sinal de que não estivesse falando a verdade – Mas e você e Renée? Qual o seu motivo para não gostar de uma pessoa tão agradável quanto ela?

Renée dera a ele tanta intimidade assim, para que ele pudesse chamá-la pelo primeiro nome? Mischa balançou a cabeça. Ciúmes era uma coisa totalmente ridícula a qual ela recusava-se a sentir por alguém. Importava a Remo em que circunstâncias Mischa detestava Renée? Ela não iria responder, no entanto acabou falando, de uma forma que nunca se imaginara contar algo:


- Não gosto dela desde que eu ainda era uma criança. Nossas mães eram amigas, mas eu e ela sempre brigávamos. Ela sempre queria o que eu queria. Sempre queria tomar as minhas coisas. Mas agora as coisas são diferentes e ela não vai me tomar mais nada que eu queira.

Mischa respirou, sentindo-se meramente satisfeita pelo que havia dito. Tudo era verídico, porque ainda quando criança Renée tinha a mania odiosa de pegar as bonecas e brinquedos de Mischa e tomar da garota. Mischa dificilmente ou nunca cedia, embora sua mãe acabasse por deixar Renée ficar com os pertences de Mischa. Ela ficava furiosa, porém não dizia nada. Hoje em dia, no entanto, isso não seria mais igual.


* * *


- Sirius.

O Largo Grimmauld continuava sombrio, da mesma forma que estava desde a última vez que Sirius deixara-o. Bellatriz estava logo atrás dele, trazendo seu malão com dificuldade e apoiando-se em Sirius para manter o equilíbrio. O sussurro dela ressoou por todo o corredor acima e Bellatriz logo se arrependeu de tê-lo feito. A Sra Black chegaria a qualquer momento e então ela e Sirius teriam que começar o seu teatro para toda a família, escondendo de todos o que acontecia entre eles. Não que não fosse uma boa atriz.

Ele olhou-a por cima do ombro com indiferença e um rápido sorriso de cumplicidade passou pela expressão de outrora. Uma mão de Sirius largou o malão, passando-a para a mesma em que levava sua varinha, e viajou até o rosto de Bellatriz, tocando-a levemente. Bellatriz fechou os olhos, engolindo e pensando que era bastante injusto que ela e Sirius tivessem que fazer tudo furtivamente.

Os passos muitíssimo lentos da Sra Black, que descia as escadas, interrompeu-os e velozmente ambos separam-se e esconderam qualquer traço de ligação entre os dois. Cada um encostou-se numa parede, Sirius parecendo entediado ao girar a varinha entre os dedos, e Bellatriz ocupada com algo na fivela de seu malão.


- Olá, Bella. Sirius. – disse ela, com uma ponta de azedume ao citar o nome do filho – Como vão as coisas em Hogwarts?

Sirius não respondeu. Bellatriz o fez, no seu lugar, numa voz altiva.


- Como sempre, tia. Infestada de sangues-ruins e bastardos imundos.

A Sra Black estalou a língua num gesto de desaprovação. Ela viu a estranha troca de olhares entre os primos, mas fingiu não perceber nada.


- Tsc, tsc... Oh, Merlin, quando Dumbledore vai perceber o grande erro que está comentendo?

Bellatriz abriu a boca para discursar novamente sobre seu repúdio a nascidos-trouxas, quando a porta se abriu e Narcisa e Andrômeda entraram, parecendo esbaforidas.


- Oi, tia. – disseram ambas, quase em uníssono. Narcisa continuou – Desculpe, tia, mas tivemos que parar no meio do caminho para despistar alguns trouxas.

Andrômeda enrugou a testa e ia protestar quando percebeu o olhar de Narcisa, Bellatriz e Sirius sobre si. Somente por causa de Sirius, ao qual ela tinha um grande carinho e simpatia, continuou calada.


- Tudo bem, Narcisa. – disse a Sra Black, apontando para o andar de cima – Agora subam, todas vocês, porque ainda temos que preparar um belo jantar aos convidados de seu tio.

No segundo seguinte Andrômeda, Narcisa e Bellatriz haviam puxado seus malões andar acima e quando Sirius ia repetir a ação, seguindo-as pela escada, ouviu a voz de sua mãe trovejar:


- Sirius. Fique aqui.

Ele bufou alto, vendo Bellatriz subir a escada e olhando para trás, esperando que ele fizesse o mesmo. Narcisa, que ia logo atrás, no entanto, apressou-a com um cutucão. Sirius deu meia volta, notando que uma sobrancelha de sua mãe estava levantada. Isso não era um bom sinal.


- Sirius Black, – anunciou com drama – hoje alguns amigos de seu pai vêm jantar aqui. Preste bastante atenção no que vai fazer, ouviu bem? Não quero escândalos no jantar de hoje. – ela fez uma pausa – Pode subir para seu quarto.

Ele acenou, mesmo não tendo ouvindo nada, e voltou ao seu caminho. A viagem havia sido cansativa e lembrar-se do grande chilique de Mischa ao destrancá-la do vagão com Remo deixava-o com dor de cabeça. Quando Sirius estava na metade do primeiro lance, a Sra Black falou mais uma vez.


- Preste bastante atenção no que vai fazer, Sirius.

Ele arregarou os olhos e quando virou-se para ver se sua mãe falara aquilo com seriedade ou não, notou que ela havia entrado na cozinha, deixando-o sozinho. Ela havia se referido a quê, exatamente – ao jantar? Ou isso era só mais uma daquelas frases retóricas que sua mãe costumava soltar? Ele continuou esperando que ela reaparecesse, explicando o que quisera dizer, quando uma coisa ocorreu-lhe: ela poderia estar falando de Bellatriz. Dele e de Bellatriz. Sirius segurou a vontade de xingar alto, porque pensando bem eles haviam dado bandeira. Sua mãe poderia tê-los visto antes de anunciar sua chegada com a descida barulhenta. Não poderia?

Sirius balançou a cabeça. Não, não.


* * *

Lilian deixou a pena de lado. Dobrou o pergaminho cuidadosamente antes de pô-lo num envelope creme, endereçado a Mischa. À essa hora, calculou Lilian, ela já deveria estar em sua casa trouxa, em Cartenbury. A noite já havia caído nas propriedades da escola e o frio já havia se apoderado dos terrenos de Hogwarts. Ela olhou pelo vidro da janela, analisando a tempestade de neve que anteriormente estivera batendo com dureza contra os vitrais do dormitório. Agora o vento estava mais calmo e a neve menos agressiva, embora ainda estivesse congelando as paredes dos corredores vazios. Logo que chegou ao corujal, Lilian dirigiu-se a uma coruja-das-torres para que ela ficasse encarregada de levar sua correspondência. Despois de despachá-la, ela ficou observando o horizonte, vendo o pontinho marrom desaparecer entre a branca neve.

Ela estava a estudar qualquer outra coisa, quando ouviu a porta abrir e fechar-se. Lilian virou-se – e em seguida desejou não tê-lo feito, porque era Tiago Potter quem estava ali. Alguma coisa quente desceu pela sua coluna, apesar da baixa temperatura da estação. A neve que estava caindo entre eles impediu-a de ver o que havia de errado com ele, posto que Tiago nem ao menos olhara para ela. Ele passou direto, procurando por sua coruja para levar sua carta ao destinatário. Lilian ficou parada, encostada à mureta, meio que esperando que ele falasse alguma coisa desagradável e então ela ficaria brava e teria um bom motivo para tentar reprimir o que existia dentro dela. Lilian viu Tiago repetir o mesmo processo que ela havia feito, e somente quando a coruja dele havia sumido no ar, ele virou-se para ela. Pela primeira vez eles encararam-se direta e silenciosamente, não havendo a conhecida tensão no ar. Lilian assustou-se ao encontrar os olhos dele e levou uma mão à boca.


- Você... Você esteve... Esteve ---

Tiago suspirou, olhando a parede.


- Sim. Meu pai morreu, sabe.

A visão de Lilian escureceu repentinamente. Ela sentiu o chão sumir aos seus pés. Era por isso que Tiago, sempre tão alegre, estava amargurado. Uma perda próxima havia sido o suficiente para deixá-lo com essa aparência cansada e adulta. E com os olhos um tanto inchados e vermelhos, viu Lilian.


- Oh. Eu... Eu... – ela procurou por palavras, porém só conseguiu formular um fraco “Sinto muito”.

Tiago fitou-a. Lilian, que não gostava que ele a encarasse, deixou-o olhá-la. Ela pestanejou.


- Não sinta pena de mim.


- Eu não estou sentindo pena.

Ele olhou para os pés e arfou. Lilian viu uma solitária lágrima escorrer pela bochecha dele e ela não podia dizer o que estava sentindo, porque uma incontrolável angústia estava se espalhando pelo seu peito. Era horrível e Lilian imaginou como Tiago deveria estar se sentindo. A funganda dele trouxe-a de volta a realidade, e antes que ela pudesse se dar conta, Lilian havia avançado em direção a ele, envolvendo seus braços ao redor do corpo de Tiago. Ele piscou e no segundo seguinte, relutantemente tentando provar a si mesmo que isso não era um sonho, retribuiu ao abraço, passando seus próprios braços pelo corpo delgado de Lilian. Era reconfortante e quente e incrivelmente bom. O mundo parecia que havia parado, mas Tiago não se importava. Não haveriam palavras para descrever o quão fantástico era a sensação de estar junto àquela que ele tanto amava. Lilian não podia acreditar em si. Quer dizer, o modo como o coração dela batera loucamente sob sua respiração deveria fazê-la contar tudo, sem pensar nas ações posteriores. Mas Lilian precisava ser racional e não dava-se ao luxo de correr perigos que podia claramente afastar. Enquanto pensamentos e divagações desse tipo transcorriam pela sua mente, ela aninhou-se contra o peito de Tiago, sentindo-se perturbada. Ela deveria estar tentando oprimir o que quer que estivesse sentindo, mas estava fazendo justamente o contrário.

Tiago, que estivera com seu queixo apoiado contra a cabeça de Lilian, tentou sorrateiramente procurar pela boca dela para iniciar um beijo ousado. Ela, no entanto, não podia ainda se entregar com tanta facilidade e afastou-se dele com um pouco de violência.


- Não. – ela falou, com a respiração falha – Nós não podemos fazer isso.

Sem ao menos despedir-se dele, Lilian foi em direção a porta, pronta para ir embora e deixá-lo lá, mas antes de fechar a porta atrás de si, sussurrou um “Pelo menos não ainda”. Ainda com toda a ventania que provinha da Floresta Proibida, Tiago perguntou-se se a senteça de Lilian não havia sido uma ilusão dele mesmo. O canto da boca dele curvou-se em um sorriso.

A luta não estava perdida, afinal de contas.


* * *

Sirius olhou para a sua comida entediado. Os amigos de seu pai, para agradecimento de Sirius, estavam se dirigindo a outra saleta, provavelmente para beberem por horas a fio. Na mesa de jantar estavam apenas as garotas, ele e Regulus. Desde que o Sr e a Sra Black haviam deixado a mesa, um grande silêncio estivera pairando no ar. Andrômeda parecia distraída em sua comida, Narcisa olhava vez ou outra para Sirius e Bellatriz, desconfiada do que poderia estar acontecendo embaixo da mesa e Bellatriz, no entanto, não estava abalada com o estudo meticuloso de Narcisa. A garota provavelmente sabia que Bellatriz tinha o hábito de atritar sua perna na de Sirius, e ele não deixou de sorrir para si ao notar a grande perspicácia de Narcisa.

Do outro lado da mesa, Regulus limpou a garganta, chamando a atenção de todos, fazendo os outros ocupantes levatarem os rostos na direção dele. Sirius sabia que Regulus adorava chamar a atenção para si. Revirou os olhos antes de ouvir a voz de Narcisa.


- Ah, eu esqueci de perguntar. – falou ela, depois de pôr o cálice de volta ao seu lugar – Como vão as... coisas?

Mesmo sendo uma frase particularmente incompleta, ela fazia bastante sentido para quem estava ali. Todos da família sabiam que depois que Regulus havia deixado Hogwarts, ele havia se juntado aos poucos Comensais da Morte que serviam a Voldemort. Ele ainda não estava em seu auge, mas a comunidade já havia percebido que ele era um grande perigo para a segurança bruxa.


- Muito bem, se é que você me entende. – ele fitou Narcisa, que balançou a cabeça, Andrômeda, que parecia sonolenta, Sirius, que rolou os olhos, e Bellatriz, que sustentou o olhar e depois desviou-o. Regulus sorriu felinamente – Muitos estão se juntando a nós. E muitos deles estão bem escondidos, se você quer saber.

Bellatriz pigarreou e Narcisa deu um sorriso enviesado. Sirius fitou-as, mas nenhuma das duas correspondeu. Andrômeda, no entanto, olhou-o antes de afastar sua cadeira anunciando que havia acabado seu jantar. Assim que ela havia deixado a cozinha, Narcisa tomou uma postura aparentemente mais madura.


- O que mamãe diria se nós fizéssemos o mesmo, Bellatriz?

Os três olharam para Bellatriz, que parecia incomodada com o questionamento. Ela tentou ignorar a expressão curiosa de Sirius, tentando focalizar sua visão somente no rosto de Narcisa. Interiormente, praguejou contra a própria irmã por fazer uma pergunta tão indiscreta e infeliz.


- Eu ouso dizer que ela ficaria bastante... exultante.

Mais uma vez ele revirou os olhos enquanto Bellatriz baixava os seus. Narcisa arriscou um outro sorriso e Regulus acompanhou-a.


- Ela certamente ficaria muito alegre.

Sirius soltou um alto bufo. Aquela conversa estava beirando o grande perigo. No fundo, ele sabia que todas as influências da família poderia levar Bellatriz para o lado das trevas, ao qual declaradamente ele nunca faria parte. E esse era somente um dos muitos problemas que viriam a tornar-se empecilho para ambos. Onde ele estava com a cabeça para esquecer-se disso?


- Com licença.

Rapidamente Sirius levantou-se, deixando a cozinha prontamente. Pensou que Bellatriz o seguiria, mas ouviu o aviso de Narcisa que soava como um lacônico “Fique.” e ele sabia que Bellatriz obedeceria. Sirius subiu as escadas com velocidade, indo diretamente para seu quarto. Ele sentou-se na ponta da cama, apoiando a cabeça nas mãos. Estava claro que todo o resto dos Black iria apoiar o Lord das Trevas e talvez Bellatriz tivesse que fazer o mesmo. Então uma coisa passou pela cabeça de Sirius. Mas e se não fosse assim? E se ela, na verdade, não quisesse se bandear para o grupo de seguidores de Voldemort? Com uma fagulha de esperança, ele olhou para o relógio e resolveu fazer uma visitinha noturna a Bellatriz. Ele a esperaria no quarto dela.


* * *


- Fique.

Ela ficou. Com o pouco de autocontrole que lhe restava, Bellatriz sentou-se pesadamente na cadeira, observando Narcisa voltar a conversar com Regulus. Eles voltaram a dialogar sobre toda essa coisa de Voldemort e quando ele poderia livrar o mundo de trouxas e sangues-ruins. Não que ela nunca tivesse escutado essas conversas, principalmente nas masmorras sonserinas e nas reuniões dos Comensais na escola. Um nó formou-se na garganta de Bellatriz por imaginar que Sirius ficaria muito decepcionado ao saber que não somente ela, como seu amigo, Pedro, faziam parte de um grupo de... capangas, seguidores, discípulos – mais conhecidos como Comensais de Voldemort.

Bellatriz enterrou o rosto nas mãos. Por que tudo precisava ser tão difícil para eles? Não bastasse ter sua mãe enchendo sua paciência para que ela logo arranjasse alguém de uma boa família para um casamento puro-sangue, agora a sombra da realidade estaria atormentando-a. E ela sabia que em algum momento Sirius iria descobrir, porque uma coisa dessas não se dava para esconder por muito tempo.


- ... e eu soube que você tem se saído muito bem, Bella.

Ela piscou para Regulus. Não ouvira nada do que ele falara, e Regulus parecia saber disso.


- Absolutamente. – articulou, tentando ignorar o olhar de reprovação de Narcisa por ela não estar prestando atenção. Então continuou, num tom desdenhoso – A Sonserina nunca verá uma Comensal melhor do que eu.

Para completar seu teatro, ela levantou-se, quase fazendo a cadeira cair no processo.


- Eu preciso ir. Boa noite, Regulus. Narcisa.

Narcisa levantou-se também, aproveitando-se para despedir-se de Regulus e subir as escadas com Bellatriz.


- Você não consegue nem ao menos disfarçar, não é?

Elas estavam no meio do segundo lance, Bellatriz à frente e Narcisa mais atrás. A voz venenosa da irmã fê-la parar e olhar para trás, enquanto Narcisa a alcançava.


- Sobre Sirius, quero dizer. – continuou – Ele poderia ter sabido de tudo, se quisesse. Mas ele não quer enxergar nada disso.

Um assomo de raiva atravessou-a, porque fora Narcisa quem metera Bellatriz naquela conversa delicada. Sem pensar, ela empurrou Narcisa contra a parede, pressionando os ombros da loira com força.


- Bella, me solt ---


- O que você pensa que está fazendo?


- Eu é que pergunto! Quer me soltar?

Os olhos de Bellatriz irradiaram fogo. Ela respirou profundamente, segurando-se para não bater na própria irmã, uma vez que era Narcisa quem sabia do relacionamento entre ela e Sirius. Uma briga poderia estragar tudo que Bellatriz esteve conservando com tanto ardor.


- Por quê, Narcisa? Qual o propósito disso tudo? Você quer me arruinar, é isso? Você quer que Sirius descubra? É essa a sua intenção?


- Não, é claro que não.

Bellatriz sentiu que seus olhos estavam úmidos. Deus, ela ia chorar na frente de alguém! O que estava acontecendo com ela?


- Narcisa! – ela soltou a irmã, andando para trás e bruscamente levando as mãos para cobrir a face molhada pelas lágrimas – Não estrague tudo. Não me faça perdê-lo. – Bellatriz escorregou pela parede, sentando no chão. Narcisa abaixou-se junto a ela – Já me basta a mamãe, querendo que eu faça um casamento puro-sangue e com todas essas coisas tradicionais...


- Por que você não fala com ela? Se você casar-se com Sirius... Bem, será um casamento puro sangue, afinal.

Ela levantou os olhos para Narcisa. Sua voz chorosa ecoou pela escada vazia e deserta.


- Ela não quer, ela não entende. Mamãe esteve falando bastante em... em... Em Rodolphus. Ela espera que eu o namore.


- Lestrange? – questionou Narcisa, com a testa enrugada – Oh, Merlin, ele também é---


- Sim. – respondeu Bellatriz – Comensal, eu sei.


- Mamãe não quer só um casamento puro sangue, como quer que nos casemos com seguidores de Voldemort. Ela esteve me falando bastante de Avery. Ah, por favor, até parece que eu iria casar com ele!

Bellatriz secou seu rosto. Um pouco do seu humor estava voltando.


- É, eu percebi que você esteve bastante... interessada em Malfoy.

Narcisa desviou os olhos, levantando-se. Ela ofereceu uma mão a Bellatriz.


- Não seja intrometida, Bella, muito menos impertinente. Vamos, vamos para os nossos quartos.

Sorrindo interiormente pela fuga de Narcisa, Bellatriz aceitou a mão e ergueu-se. Ambas subiram as escadas fazendo pouco barulho e em seguida foram para seus respectivos dormitórios. Bellatriz, bastante fatigada, abriu a porta devagar, notando imediatamente que não estava sozinha no quarto. Sirius estava sentado em sua cama, olhando o outro lado da parede. Sua garganta se fechou quando ela direcionou os olhos para a mesma direção – sobre a escrivaninha, o diário dela estava aberto. Bellatriz sabia, embora não pudesse espiar que página ele havia lido, que Sirius havia tomado conhecimento de alguma coisa muito importante. E ela tinha uma mera desconfiança do que era...

Ela fitou Sirius, que também encarou-a, e ela viu mais que seriedade nos olhos dele. Havia rancor e raiva. Bellatriz nunca havia visto-o assim e aquilo deixou-a assustada. Antes de falar qualquer coisa, Sirius levantou-se e foi até a escrivaninha. Com ferocidade, ele virou a mesa, fazendo um enorme estrondo que provavelmente chamaria a atenção de todos no Largo, e Bellatriz piscou em amedrontamento.


- Sirius ---

Ele virou-se para ela, indignado, e interrompeu-a.


- Por que você mentiu para mim, Bellatriz Black?

Ela sentiu seus pulmões esvaziarem-se, ao mesmo tempo que seu cérebro parava. A boca de Bellatriz abriu-se, mas ela não emitiu nenhum som. Ele deveria estar realmente muito irado para chamá-la de ‘Bellatriz Black’. Sirius dificilmente chamava-a assim, e quando o fazia era por razões de extrema cólera. Então, ignorando as náuseas que vinham à tona, Bellatriz falou, numa voz trêmula:


- Sirius... – ela olhou para o diário que havia caído no chão – Eu... Deixe-me explicar...

As narinas de Sirius inflaram-se com a respiração forçada dele. Os cabelos negros de Sirius estavam bastante bagunçados, de uma forma que ela achava muito atraente.


- Bellatriz. – anunciou Sirius, com raiva. Ele bufou impacientemente – Eu achei que você fosse diferente de toda essa família insignificante!


- Mas eu não sou. – disse ela, atravessando a distância entre eles. Bellatriz também receava que todos chegassem a qualquer instante, posto que Sirius havia feito mais estardalhaço do que o recomendável. Porém, antes que ela pudesse alcançar Sirius, ele afastou-se dela deliberadamente. – Sirius, entenda que ---


- Não. Eu não quero mais mentiras. Eu não quero me ferir ainda mais.

Com a última frase, Bellatriz foi desmontada. Ela já estava ferindo-o, então. Ela baixou os olhos porque novamente estava chorando. Como podia ser tão fria durante anos e, num mesmo dia, chorar na frente de duas pessoas como se isso fosse a coisa mais normal do mundo? Além disso, uma outra pergunta formara-se na sua mente, antes que Sirius tivesse começado a falar: por que ela ainda tinha essa mania idiota de escrever as coisas num diário? Embora soubesse que ele tinha uma proteção especial, ela nunca achara que alguém conseguiria abri-lo. Bellatriz sentou-se em sua cama, enxugando os olhos.


- Como você conseguiu...


- Abrir o diário? – conpletou ele com uma nota de acidez – Eu já havia visto você fazê-lo.

Ela encarou-o.


- Então você já não confiava em mim!


- Você nunca iria me contar nada! – bradou Sirius, insensatamente – Eu sempre quis a verdade, mas você tinha que esconder tudo! Achou o quê? Que iria me enganar para sempre? Que eu nunca iria saber que você era uma estúpida sonserina Comensal da Morte? Eu não sou burro, Bellatriz!

Mais lágrimas correram pelo rosto duro de Bellatriz. Desta vez ela não se deu ao trabalho de secá-las.


- Nunca! – esbravejou ela, perdendo a consicência de manter a voz baixa – Eu não quis enganar você, okay? Mas você não iria entender, Sirius, eu sei que não.


- É claro que eu não iria entender! Eu não quero entender! E não tente me fazer parecer o culpado por isso tudo, porque quem está errada aqui é você.

As mãos de Bellatriz cobriram a boca dela, enquanto ela chorava mais. Aquelas palavras foram ditas com tanta frieza que Bellatriz poderia jurar que elas haviam cortado-a e que ela estava sangrando por isso.


- E Pedro! Eu nem ao menos perceberia que ele estava entre os Comensais! Eu vou matar aquele desgraçado traidor!! Vocês devem ter se divertido bastante às custas do otário que eu sou, não é?


- Pare, Sirius.


- Esse tempo todo eu pensei que você realmente me amava, que decididamente você não queria esse futuro ridículo para si! – ele fez outro barulho de desaprovação – Mas eu estava errado, não estava?


- Pare, Sirius.

Ele parecia triste de um jeito que deixou Bellatriz paralisada, porque Sirius nunca parecera tão...


- Eu apenas disperdicei meu tempo com você! Porque eu achei que você tivesse um pouco de consideração por mim. Eu estou muito...

Magoado. Ele não completou a frase, mas essa era a palavra-chave.


- Pare, Sirius! – berrou Bellatriz, aos choros – Não me faça sentir pior! Eu já ouvi o bastante de você... Eu só digo que não foi isso o que eu escolhi para mim. Mas já está feito e eu não posso voltar atrás.


- Eu não valho esse sacrifício, não é?


- Não fale isso, meu amor. – disse ela, chegando mais perto. Desta vez ele não afastou-se e ela aproveitou-se para abraçá-lo – Não torne isso mais horrível. Eu só... Sinto muito.

No cabelo dela, ele perguntou, não vendo que os dedos de Bellatriz se fechavam em um pedaço de madeira:


- Sente muito pelo quê?


- Por ter que fazer isso.

Com muito esforço, ela deu uma pancada na cabeça de Sirius, que caiu no chão. Bellatriz soltou um pequeno gritinho de susto ao notar o que havia feito. Porém, ela precisava ser rápida para seguir a idéia louca que havia emergido em sua mente.

Bellatriz correu até o terceiro andar, onde ela sabia que ficava o quarto de Regulus. Bateu na porta e quando não houve resposta imediata, ela abriu a porta, vendo que ele estava escondendo alguma coisa em seu armário.


- O que foi, Bellatriz?

Bellatriz ofegou, sentando-se em uma cadeira enquanto falava:


- Você precisa me ajudar. Eu não posso fazer nada fora de Hogwarts, você sabe, mas... Você pode fazer um feitiço de memória em Sirius.

Regulus esbugalhou os olhos, olhando-a com confusão.


- Por que eu faria isso?

Bellatriz, ainda desesperada que Sirius reacordasse, explicou com o pouco de sanidade que ainda lhe restava:


- Ele descobriu que eu sou Comensal. Descobriu sobre o amigo dele também, Pedro Pettigrew.

Regulus levantou-se, oferecendo-se para levantar Bellatriz. Ela aceitou, uma vez que não tinha mais forças para fazê-lo sozinha. Eles desceram as escadas com agilidade, chegando ao quarto sem muita demora. Durante a descida, Bellatriz perguntou com cautela se ele não havia ouvido nada ao passar por ali. Regulus respondeu que não e Bellatriz suspeitou que Sirius tivesse feito algum feitiço para tanto. Regulus não demorou-se no processo. Ele viu Bellatriz virar-se para a parede, com o intuito de não enxergar o que seria feito. Regulus pensou ter ouvido-a chorar, entretanto, como isso era mais do que raro, ele desacreditou.


- Leve-o para o quarto dele, por favor. – pediu ela – Ele nunca deve lembrar que esteve aqui.

Ele meneou, levando o irmão desacordado. Assim que a porta fechou-se, os olhos vermelhos de Bellatriz foram até o diário. Bravíssima, ela rasgou todas as páginas do seu diário, praguejando contra si mesma em altos brados. Era tudo culpa dela. E mesmo fazendo Sirius esquecer-se dessa discussão, a expressão dele nunca desapareceria da sua cabeça.




* * *

N/A: Ufa! Demorou, mas o segundo capítulo chegou! Eu não tenho muita certeza sobre quando eu atualizarei de novo, posto que além de alguns problemas com meu provedor, eu estou correndo o risco de ficar sem internet em casa (*desesperada*) e provavelmente terei que viver em lan houses... É, as coisas não estão fáceis...

Agradecimentos: A todos que estão comentando – Annete, Lyanna Potter, Lilian Evans e Alessandra



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