A Penitenciária da Lousiania

A Penitenciária da Lousiania



Calcinha de Ferro providenciou para que Hermione Granger fosse destacada para
a lavanderia. Entre os 35 trabalhos disponíveis para as prisioneiras, a
lavanderia era o pior. A sala enorme e quente estava cheia de máquinas de lavar
roupa e tábuas de passar, as cargas de roupa suja eram intermináveis. Encher e
esvaziar as máquinas de lavar e carregar os cestos pesados para a seção de
passar era um trabalho brutal e exaustivo.


O trabalho começava às seis horas da manhã e as prisioneiras tinham um
descanso de dez minutos a cada duas horas. Ao final do dia de nove horas, a
maioria das mulheres estava prestes a cair de exaustão. Hermione cumpria seu
trabalho mecanicamente, sem falar com ninguém, encasulada em seus pensamentos.
Ao saber do trabalho para o qual Hermione fora designada, Ernestine Littlechap
comentou.


- Calcinha de Ferro está mesmo a fim de arrancar o seu couro.


Ao que Hermione respondeu:


- Ela não me incomoda.


Ernestine Littlechap estava espantada. Aquela era uma mulher completamente
diferente da mocinha apavorada que chegara à prisão três semanas antes. Alguma
coisa a mudara e Ernestine Littlechap estava curiosa em descobrir o que fora.


No oitavo dia de trabalho de Hermione na lavanderia um guarda foi procurá-
la, no inicio da tarde.


- Tenho aqui a sua transferência. Você foi destacada para a cozinha.


O trabalho mais cobiçado na prisão. Havia dois padrões de alimentação: as
prisioneiras comiam picadinho, cachorro-quente, feijão ou guisados incomíveis,
enquanto as refeições para as guardas e as autoridades da penitenciária eram
preparadas por cozinheiros profissionais, incluindo bifes, peixe fresco,
costeletas, galinha, legumes e trutas frescas, sobremesas apetitosas. As
condenadas que trabalhavam na cozinha tinham acesso a essas refeições e se
aproveitavam ao máximo. Quando se apresentou na cozinha, Hermione não ficou
surpresa ao deparar com Ernestine Littlechap ali. Aproximou-se dela e disse:


- Obrigada.


Com alguma dificuldade, ela forçou um tom amistoso à voz. Ernestine soltou um
grunhido, não disse nada.


- Como conseguiu me livrar de Calcinha de Ferro?


- Ela não está mais com a gente.


- O que lhe aconteceu?


- Temos um pequeno sistema. Se uma guarda é sacana e começa a nos criar
muitos problemas, a gente se livra dela.


- Está querendo dizer que o diretor...


- Por que pensa que o diretor tem alguma coisa a ver com isso?


- Então como conseguem...


- É fácil. Quando a guarda de quem a gente quer se livrar está de serviço,
começam a surgir problemas. Vêm as reclamações. Uma presa informa que Calcinha
de Ferro agarrou-a pela xoxota. E no dia seguinte outra presa a acusa de
brutalidade. E depois alguém reclama que ela tirou alguma coisa de sua cela...
um rádio, por exemplo... que com toda a certeza vai aparecer no quarto de
Calcinha de Ferro. E foi assim que acabamos tirando Calcinha de Ferro daqui. Não
são os guardas que mandam nesta prisão, mas nós.


- Por que você está aqui? - perguntou Hermione.


Ela não tinha o menor interesse na resposta. O importante era estabelecer um
relacionamento amistoso com aquela mulher.


- É melhor acreditar que não foi por culpa de Ernestine Littlechap. Eu tinha
todo um bando de garotas trabalhando para mim.


Hermione fitou-a nos olhos.


- Está querendo dizer como...


Ela hesitou.


- Como vigaristas? - Ernestine riu. - Não. Elas trabalhavam como criadas em
casas ricas. Abri uma agência de empregos. Tinha pelo menos 20 garotas. A gente
rica tem a maior dificuldade para arrumar criadas. Pus uma porção de anúncios
bonitos nos melhores jornais e mandava as minhas garotas quando telefonavam. As
garotas estudavam as casas, e quando os patrões estavam trabalhando ou viajando
pegavam toda a pratearia, jóias, peles e todo o resto que valesse alguma coisa,
desaparecendo em seguida.


Ernestine fez uma pausa, suspirando.


- Não acreditaria se eu lhe dissesse quanto dinheiro livre de impostos
estávamos ganhando assim.


- E como você foi apanhada?


- Foi o dedo caprichoso do destino, meu bem. Uma das minhas criadas estava
servindo um banquete na casa do prefeito. Uma das convidadas era uma velha para
a qual ela trabalhara e limpara. Quando a polícia encheu-a de porrada, minha
garota se pôs a falar e cantou a ópera inteira. E aqui está a pobre Ernestine.


Elas estavam paradas ao lado de um fogão, afastadas das outras.


- Não posso ficar aqui -sussurrou Hermione. -Tenho de cuidar de alguém lá
fora. Vai me ajudar a fugir? Eu...


- É melhor começar a cortar as cebolas. Teremos guisado irlandês esta noite.


E Ernestine Littlechap se afastou.


O serviço de informações da prisão era incrível. As prisioneiras sabiam de
tudo o que estava para acontecer muito antes que ocorresse. Reclusas conhecidas
como ratazanas de lixo recolhiam os memorandos descartados, escutavam os
telefonemas, liam a correspondência do diretor. Todas as informações eram
cuidadosamente digeridas e transmitidas às presas importantes. Ernestine
Littlechap figurava no alto da lista. Hermione percebeu como os guardas e as
outras reclusas tratavam Ernestine com toda deferência. Como as outras
concluíram que Ernestine se tornarasua protetora , ela foi deixada em paz.


Hermione esperou cautelosamente que Ernestine lhe fizesse avanços, mas a
preta enorme se manteve à distância. Por quê? Perguntou-se.


A regra número 7, no folheto oficial de dez páginas entregue às prisioneiras
novas, dizia: "Qualquer forma de sexo é rigorosamente proibida. Não haverá mais
que quatro reclusas em cada cela. Não mais que uma prisioneira terá permissão
para ocupar uma cama de cada vez."


A realidade era tão incrívelmente diferente que as prisioneiras se referiam
ao folheto como o livro de piadas da prisão. à medida que as semanas foram
passando, Hermione observou as novas prisioneiras chegarem à prisão todos os
dias. O padrão era sempre o mesmo. As criminosas primárias que eram sexualmente
normais nunca tinham a menor chance.


Entravam tímidas e assustadas, as homossexuais lá estavam, esperando. O drama
se desenrolava em atos planejados. Num mundo aterrador e hostil, a sapatão se
mostrava amistosa e simpática. Convidava a vitima ao salão de lazer, onde
assistiam TV juntas; quando a outra lhe segurava a mão, a nova prisioneira
deixava, com receio de ofender sua única amiga. A prisioneira nova percebia
rapidamente que as outras reclusas deixavam-na em paz; à medida que aumentava a
sua dependência da sapatão, também se aprofundavam as intimidades, até que
finalmente estava disposta a fazer qualquer coisa para manter sua única amiga.


As que se recusavam a ceder eram violentadas. Noventa por cento das mulheres
que entravam na prisão eram forçadas a atividades homossexuais - voluntária ou
involuntariamente - nos primeiros 30 dias. Hermione estava horrorizada.


- Como as autoridades podem permitir que isso aconteça? - ela perguntou a
Ernestine.


- É o sistema. Acontece a mesma coisa em todas as prisões, meu bem. Não há
qualquer possibilidade de se separar mil e duzentas mulheres de seus homens e
esperar que não fodam com alguém. E não violentamos apenas por sexo. É também
por poder, para mostrar quem é que manda. As garotas novas que entram aqui são
alvos para todas que querem fodê-las. A única proteção delas é se tornarem a
esposa de uma sapatão. Só assim ninguém mais se mete com elas.


Hermione tinha motivos para saber que estava ouvindo a análise de uma
profunda conhecedora.


- E não são apenas as presas - continuou Ernestine. - As guardas são
igualmente terríveis. Aparece uma carne fresca e está na pior. Não se aguenta,
precisa desesperadamente de uma dose. Está suando e tremendo, caindo aos
pedaços. A guarda arruma uma dose de heroina para ela, mas em troca quer um
favor. Entende? A carne fresca topa e a inspetora a mantém satisfeita. Os
guardas machos são ainda piores. Eles têm chaves de todas as celas e, tudo o que
precisam fazer é aparecer à noite e se servir de xoxota de graça.


Podem engravidar uma garota, mas também podem arrumar uma porção de seus
favores. Você quer uma barra de chocolate ou uma visita de seu namorado, pois
basta dar para o guarda. É o que se chama de permuta e acontece em todas as
prisões do país.


- É horrível!


- É sobrevivência. - A luz no teto da cela brilhava sobre a cabeça raspada de
Ernestine. - Sabe por que não permitem goma de mascar neste lugar?


- Não.


- Porque as garotas usam para prender as fechaduras e impedir de trancarem,
saindo à noite para se visitarem. Aceitamos as regras que queremos. As garotas
que as fazem por aqui podem ser estúpidas, mas são estúpidas espertas.


As relações amorosas dentro dos muros da prisão floresciam. O protocolo entre
amantes era respeitado ainda mais rigorosamente do que no mundo exterior.


Num mundo antinatural, os papéis artificiais de maridos e mulheres eram
criados e devidamente representados. As sapatões assumiam um papel de homem num
mundo em que não havia homens. Mudavam seus nomes. Ernestine era chamada Ernie;
Tessie era Tex; Barbara se tornava Bob; Katherine era Keuy. Cortavam os cabelos
bem curtos ou raspavam a cabeça, não cuidavam dos chamados afazeres domésticos.
A mary femme, a esposa, tinha de fazer a limpeza, costurar as roupas, passá-las
para seu marido. Lola e Paulita competiam ferozmente pelas atenções de
Ernestine, uma lutando para superar a outra.


O ciúme era intenso e frequentemente levava à violência; se a esposa era
surpreendida a olhar para outra sapatão ou a conversar no pátio da prisão, os
ânimos se exaltavam. Cartas de amor circulavam constantemente pela prisão,
levadas pelas ratazanas de lixo.


As cartas eram dobradas em pequenos formatos triangulares, conhecidos como
pipas, podendo assim ser facilmente escondidas num soutien ou sapato.


Hermione observava pipas sendo trocadas pelas mulheres, ao passarem umas
pelas outras na entrada do refeitório ou a caminho do trabalho.


Hermione observou muitas vezes as reclusas se apaixonarem pelos guardas. Era
um amor nascido do desespero, desamparo e submissão. As prisioneiras eram
dependentes dos guardas em tudo: na comida, no bem-estar e às vezes nas próprias
vidas. Mas Hermione não se permitia sentir emoção por ninguém.


O sexo acontecia noite e dia. Ocorria nos chuveiros, nos banheiros, nas celas
e à noite havia sexo oral através das grades. As mary femmes que pertenciam aos
guardas dos dois sexos ficavam fora das celas à noite para irem aos alojamentos
deles.


Depois que as luzes se apagavam, Hermione ficava deitada em seu catre e
tapava os ouvidos com as mãos, num esforço para não escutar os sons.


Houve uma noite em que Ernestine tirou uma caixa de sucrilhos de arroz de
debaixo do seu catre e se pôs a espalhá-los pelo corredor fora da cela. Hermione
ouviu reclusas em outras celas fazendo a mesma coisa.


- O que está acontecendo? - perguntou ela.


Ernestine virou-se para Hermione e disse asperamente:


- Não é da sua conta. Trate de ficar na sua cama. Simplesmente fique na porra
da sua cama. Poucos minutos depois houve um grito aterrorizado numa cela
próxima.


- Oh, Deus, não! Não! Por favor, deixem-me em paz! Hermione compreendeu então
o que estava acontecendo e sentiu uma náusea profunda. Os gritos continuaram por
um longo tempo, até que finalmente se desvaneceram para soluços desamparados.


Hermione apertou os olhos com toda a força, dominada por uma raiva ardente.
Como mulheres podiam fazer uma coisa assim a outras? Ela pensara que a prisão a
deixara calejada, mas quando despertou pela manhã tinha o rosto manchado por
lágrimas ressequidas. Ela estava determinada a não deixar transparecer seus
sentimentos para Ernestine e perguntou-lhe casualmente:


- Para quê os sucrilhos?


- É o nosso sistema de aviso. Se os guardas tentam nos surpreender podemos
ouvir se aproximando.


Hermione logo aprendeu por que as reclusas se referiam a uma pena na
penitenciária como "ir ao colégio". A prisão era uma experiência educacional,
mas o que as prisioneiras aprendiam era heterodoxo.


A prisão se achava repleta de especialistas em todos os tipos concebíveis de
crimes. Elas trocavam métodos de vigarices, roubos em lojas, suadouros em
bêbados. Espalhavam informações sobre alcaguetes e agentes policiais
disfarçados.


Uma manhã, no pátio de recreação, Hermione ouviu uma reclusa mais velha dar
uma conferência sobre punga para um grupo jovem fascinado.


- Os grandes profissionais vêm da Colômbia. Há uma escola em Bogotá que é
conhecida como a escola dos dez sinos. Paga-se duzentos e cinquenta dólares para
se aprender a ser punguista. Eles penduram um boneco do teto, vestindo um terno
com dez bolsos, cheios de dinheiro e jóias.


- E qual é o truque?


- O truque é que cada bolso tem um sino. Ninguém se forma até conseguir
esvaziar todos os bolsos sem tocar um sino sequer.


Lola suspirou.


- Eu costumava sair com um cara que circulava pelas multidões num sobretudo,
com as duas mãos à vista, enquanto pungueava as pessoas como um louco.


- E como diabo ele conseguia fazer isso? - A mão direita era falsa. Ele
estendia a mão verdadeira por uma abertura no sobretudo, fazia a festa com
bolsos, carteiras e bolsas.


A educação continuava na sala de lazer.


- Gosto muito do golpe da chave - disse uma veterana. - A gente fica por uma
estação ferroviária até aparecer uma velhinha tentando meter uma mala ou um
pacote grande num desses armários de aluguel. A gente ajuda e lhe entrega a
chave. Só que a chave é de um armário vazio. Depois que ela vai embora, a gente
esvazia seu armário e some.


No pátio, em outra tarde, duas reclusas condenadas por prostituição e, posse
de cocaína conversavam com uma recém-chegada, uma garota bonita, que parecia não
ter mais do que 17 anos.


- Não é de admirar que você tenha sido encanada, meu bem - disse uma das
mulheres mais velhas. - Antes de falar em preço com um cara, você tem de
apalpá-lo para se certificar de que ele não carrega uma arma. E nunca diga a ele
o que você vai fazer. Em vez disso, faça ele dizer o que quer. E se depois
descobrir que ele é um tira, a coisa vira uma armadilha, entende?


A outra profissional acrescentou:


- É isso mesmo. E sempre examine as mãos. Se um cara diz que é operário, veja
se suas mãos são calosas. Muitos tiras à paisana usam roupas de operários, mas
esquecem que suas mãos são lisas.


O tempo não passava devagar nem depressa. Era simplesmente o tempo. Hermione
pensava muito em um pensamento de Santo Agostinho: "O que é o tempo? Se ninguém
me pergunta, eu sei, Mas se tenho de explicar não sei."


A rotina da prisão jamais variava:


4 e 40: Campainha de aviso 4 e 45: Levantar e vestir 5: Café da manhã 5 e 30:
Volta à cela 5 e 55: Campainha de aviso 6: Fila para o trabalho 10: Pátio para
exercício 10 e 30: Almoço 11: Fila para o trabalho 15 e 30: Jantar 16: Volta à
cela 17: Salão de recreação 18: Volta à cela 20 e 45: Campainha de aviso 21:
Luzes apagadas


As regras eram inflexíveis. Todas as presas tinham de comparecer às refeições
e não se permitiam conversas na fila. Não se podia guardar mais de cinco itens
cosméticos nos pequenos armários antes do café da manhã e assim mantidas durante
o dia inteiro.


A penitenciária tinha a sua própria música: o retinir da campainha, o
arrastar de pés pelo cimento, o bater de portas de ferro, os sussurros de dia e
os gritos de noite... o crepitar rouco dos wakie-talkies dos guardas, o
estrépito das bandejas nas refeições. E sempre havia o arame farpado, os muros
altos, a solidão e o isolamento, a aura penetrante de ódio.


Hermione tornou-se uma prisioneira exemplar. Seu corpo reagia automaticamente
aos sons da rotina da prisão: a barra deslizando através da cela na hora de
deitar e na hora de acordar; a campainha para se apresentar ao trabalho, a
sirene quando o trabalho acabava.


O corpo de Hermione era prisioneiro naquele lugar, mas a mente estava livre
para planejar a fuga.


As presas não podiam dar telefonemas para fora, mas tinham permissão de
receber dois telefonemas de cinco minutos por mês. Hermione recebeu um
telefonema de Otto Schmidt.


- Achei que você gostaria de saber - disse ele. - Foi um enterro muito
bonito. E eu paguei todas as contas, Hermione.


- Obrigada, Otto. Eu... obrigada,


Não havia mais nada que qualquer dos dois pudesse dizer. E não houve mais
telefonemas para ela.


- Garota, é melhor você esquecer o mundo exterior - advertiu-a Ernestine. -
Não tem ninguém lá fora para você.


Está enganada, pensou Hermione.


Joe Romano.


Perry Pope.


Juiz Henry Lawrence.


Anthony Orsatti.


Ronald Weasley.


Foi no pátio de exercício que Hermione tornou a encontrar Big Bertha. O pátio
era um retângulo grande, descoberto, limitado num lado pelo alto muro externo e
no outro pelo muro interno. As reclusas tinham permissão de ficar no pátio por
30 minutos todas as manhãs. Era um dos poucos lugares em que se permitia
conversar e grupos de prisioneiras se reuniam para trocar as últimas notícias e
rumores, antes do almoço. Quando entrou no pátio pela primeira vez, Hermione
experimentou uma súbita sensação de liberdade. Compreendeu que isso acontecia
porque se encontrava ao ar livre. Podia ver o sol lá no alto, assim como as
nuvens; ouviu em algum lugar no céu azul distante o zumbido de um avião, voando,
livre.


- Você! - disse uma voz. - Eu estava à sua procura. Hermione virou-se para
deparar com a enorme sueca que roçara nela em seu primeiro dia na prisão.


- Soube que arrumou uma sapatão negra.


Hermione tentou se afastar, mas Big Bertha agarrou-a pelo braço, com uma
pressão implacável.


- Ninguém se afasta de mim assim - sussurrou ela. - Seja boazinha, littbarn.


Ela empurrava Hermione para o muro, comprimindo-se contra o seu corpo.


- Largue-me!


- O que você está precisando é de uma boa chupada. Sabe do que estou falando?
Pois é o que vou dar a você. Vai ser toda minha, alskade.


Uma voz famíliar soou irritada por trás de Hermione:


- Tire as porras das suas mãos de cima dela, sua idiota.


Ernestine Littlechap estava parada ali, as enormes mãos cerradas, os olhos
faiscando, o sol se refletindo em seu crânio rapado.


- Você não é homem bastante para ela, Ernie.


- Sou homem bastante para você - explodiu a preta. - Torne a chateá-la e
comerei seu rabo no café da manhã. Frito.


O ar estava subitamente carregado. As duas amazonas se fitavam com um ódio
intenso. Elas estão prestes a se matar por minha causa, pensou Hermione. E
depois ela compreendeu que tinha muito pouco a ver com aquilo. Lembrou-se de uma
coisa que Ernestine lhe dissera:


- Neste lugar, você tem de lutar, foder ou pular a cerca. Ou você finca pé ou
está morta.


Foi Big Bertha quem recuou. Ela lançou um olhar desdenhoso para Ernestine.


- Não tenho pressa. - Contemplando Hermione com um olhar lúgubre, ela
acrescentou: - Ficará por aqui durante muito tempo, meu bem. E eu também. Ainda
tornaremos a nos encontrar. Ela virou-se e afastou-se . Ernestine observou-a por
um momento e comentou:


- Ela é uma terrível mãe. Lembra daquela enfermeira em Chicago que matou
todos os seus pacientes? Encheu-os de cianureto e ficou assistindo eles
morrerem? Pois é esse anjo de misericórdia que está agora cheio de tesão por
você, Granger. Merda! Você está mesmo precisando de uma porra de uma guardiã.
Ela não vai deixar você em paz.


- Vai me ajudar a escapar?


Uma campainha soou.


- Está na hora da bóia - disse Ernestine Littlechap.


Naquela noite, deitada em seu catre, Hermione ficou pensando em Ernestine.
Apesar de Ernestine nunca mais tentar tocá-la, Hermione ainda não confiava nela.


Nunca poderia esquecer o que Ernestine e as outras companheiras de cela lhe
haviam feito. Mas precisava dela.


Todas as tardes, depois do jantar, as reclusas tinham permissão para passar
uma hora na sala de recreação, onde podiam assistir televisão, conversar ou ler
as últimas revistas e jornais. Hermione folheava uma revista quando uma
fotografia atraiu sua atenção.


Era uma foto de casamento de Ronald Weasley, com a filha do industrial Mark
Patil (a revista era trouxa) saindo da capela de braço dado com a esposa, rindo.
Aquilo atingiu Hermione como um golpe físico. Contemplando a foto, o sorriso
feliz no rosto de Rony , ela foi invadida por uma angústia, que logo se
transformou em fúria fria. Passara sua adolescência sendo a melhor amiga dele,
planejara partilhar sua vida com ele, mas ele lhe virara as costas, deixara que
a destruíssem, deixara que o filho dos dois morresse. Mas isso acontecera em
outro lugar, outro tempo. Aquilo era fantasia. Isto é a realidade.


Hermione fechou a revista bruscamente.


Nos dias de visita era fácil saber quais as reclusas que tinham amigos ou
parentes que vinham vê-las. Elas tomavam um banho de chuveiro, punham roupas
limpas, maquilavam-se. Ernestine geralmente voltava da sala de visitas
sorridente e jovial.


- Meu amor sempre vem me visitar - ela disse a Hermione. - Estará esperando
quando eu sair. E sabe por quê? Porque dou a ele o que nenhuma outra mulher pode
dar.


Hermione não pôde esconder a sua confusão.


- Está querendo dizer... sexualmente?


- Pode apostar que sim. O que acontece dentro destes muros não tem nada a ver
com o mundo lá fora. Aqui, a gente precisa às vezes de um corpo quente para
abraçar... alguém para nos acariciar e dizer que nos ama. Temos de sentir que há
alguém que se importa com a gente. Não importa que não seja real ou que não dure
muito. É tudo o que temos. Mas quando estou lá fora... - Ernestine se desmanchou
num sorriso largo - ... então me transformo numa sacana de uma ninfomaníaca,
entende?


Havia uma coisa que deixava Hermione aturdida. Ela resolveu levantar o
assunto agora.


- Ernie, você está sempre me protegendo. Por quê?


Ernestine encolheu os ombros.


- Sei lá.


- Eu gostaria realmente de saber. - Hermione escolheu cuidadosamente as
palavras. - Todas as outras que são... suas amigas pertencem a você. Elas fazem
tudo o que você manda.


- Se não quiserem se estripar, é isso mesmo.


- Mas não eu. Por quê?


- Está se queixando?


- Não. Estou apenas curiosa.


Ernestine pensou a esse respeito por um momento.


- Muito bem. Você tem uma coisa que eu quero. - Ela viu a expressão no rosto
de Hermione. - Não é isso. Já tenho tudo o que quero, meu bem. Você tem classe.
E estou falando de classe de verdade. Como aquelas donas frias que a gente vê em
Vogue e Town and Country, todas muito bem vestidas e servindo chá em bules de
prata. É o lugar a que você pertence. Este não é o seu mundo. Não sei como você
se envolveu com toda aquela merda lá fora, mas meu palpite é que foi enganada
por alguém.


Ela fez uma pausa, fitou Hermione nos olhos e acrescentou, quase timidamente:


- Não encontrei muitas coisas decentes na minha vida. Você é uma delas. -
Ernestine virou-se e suas palavras seguintes soaram quase inaudíveis. - E
lamento muito sobre o seu garoto. Lamento de verdade.


Naquela noite, depois que as luzes se apagaram, Hermione sussurrou no escuro:


- Ernestine, tenho de fugir. Ajude-me. Por favor.


- Estou tentando dormir, pelo amor de Deus. Cale essa boca, está bem?


Ernestine iniciou Hermione na linguagem misteriosa da prisão. Grupos de
mulheres no pátio estavam falando:


- A sapatão largou o cinto em cima da garotinha e depois disso tinha de se
dar comida a ela com uma colher de cabo bem comprido...


- Ela estava curta, mas a pegaram numa tempestade de neve e um tira de pedra
entregou-a ao carniceiro. Isso acabou com a sua estrutura. Adeus, Ruby-do...


Para Hermione, era como escutar uma conversa de marcianos. E ela perguntou:


- Sobre o que estão falando?


Ernestine explodiu numa gargalhada.


- Não sabe falar inglês, garota? Quando a lésbica "largou o cinto", significa
que passou de machona para mary femme. Envolveu-se com uma "garotinha"... uma
dona como você. Não merecia confiança, o que significava que você se manteve à
distância. Ela estava "curta", significando que se aproximava o fim de sua
sentença de prisão. Mas foi apanhada tomando heroina por um tira de pedra...
isto é, alguém que vive pelos regulamentos e não dá para comprar.. e despachada
para o "carniceiro", o médico da prisão.


- O que é "Ruby-do" e "estrutura"? - Ainda não aprendeu nada? "Ruby-do" é
livramento condicional. E "estrutura" é o dia da libertação.


Hermione sabia que não poderia esperar por nenhuma das duas coisas.


A explosão entre Ernestine Littlechap e Big Bertha aconteceu no pátio no dia
seguinte. As prisioneiras jogavam softball, uma variação mais suave do beisebol,
sob a supervisão dos guardas. Big Bertha, com o bastão, acertou uma bola com
toda a força e correu para a primeira base, que Hermione estava cobrindo. Big
Bertha golpeou Hermione, derrubando-a, depois montou em cima dela. Suas mãos se
insinuaram entre as pernas de Hermione, enquanto ela murmurava:


- Ninguém me diz não, sua puta. Vou agarrá-la esta noite, littbam, vou foder
você até não aguentar mais.


Hermione lutou freneticamente para se desenvencilhar. Subitamente, sentiu que
Big Bertha era arrancada de cima dela. Ernestine segurava a imensa sueca pelo
pescoço e a sufocava.


- Sua puta escrota! - Ernestine estava gritando. - Eu avisei!


Ela meteu as unhas no rosto de Big Bertha, atingindo os olhos.


- Estou cega! - berrou Big Bertha. - Estou cega!


Ela agarrou os seios de Ernestine e começou a puxá-los. As duas mulheres
estavam se esmurrando e se dilacerando quando quatro guardas se aproximaram
correndo. Os guardas precisaram de cinco minutos para separá-las. As duas foram
levadas para a enfermaria. Já era noite quando Ernestine voltou à cela. Lola e
Paulita foram para sua cama, a fim de consolá-la.


- Você está bem? - sussurrou Hermione.


- Claro que estou - respondeu Ernestine. A voz soava abafada e Hermione se
perguntou até que ponto ela ficara gravemente ferida. - Recebi meu Ruby-do ontem
e vou sair daqui. Você está com um problema. Aquela mulher não vai deixá-la em
paz. De jeito nenhum. E quando acabar de fodê-la, vai matar você.


Elas ficaram deitadas em silêncio na escuridão. Finalmente, Ernestine
acrescentou:


- Talvez esteja na hora da gente conversar sobre a maneira de tirá-la daqui.



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