Verão Sangrento





Verão Sangrento

Henry era o orfão mais querido. Já tinha dezesseis anos e entre os internos era o mais velho. Pesava mais do que todos os outros meninos juntos. Tinha uma cara rosada e fechada. Raramente era visto fazendo alguma coisa intelectual, normalmente, passava o dia mandando nos meninos mais novos.
Seu colega de quarto passava quase o ano todo em uma escola interna, o que o deixava pelo menos dez meses ao ano com um quarto só para sí. Tal idéia fazia-o pensar, mais ainda, na sua incrível superioridade em relação aos outros garotos do orfanato.
E realmente o era. Não havia ninguém que o desafiasse em qualquer partida de qualquer jogo. Nem mesmo xadrez, jogo o qual o gordo Henry não sabia jogar, então era importante para o adversário perder. Por que quando Henry perdia passava uma semana implicando com o vencedor, dando-lhe socos e pancadas á todos instante. E assim, todos o obeciam.
E assim a vida no orfanato foi acontecendo, com Henry exercendo seu poder sobre tudo e todos. Mas, claro, havia um a qual ele não conseguia expressar seu poder. Curiosamente, seu colega de quarto.
Todos os anos, nas férias de verão, ele voltava carregando um malão pesado e muitos livros. Passava o dia no quarto estudando cada um. Raramente saía, só mesmo para comer. E quando o fazia, levava a comida para o quarto e lá ficava.
Pouco sabia-se dele. Na verdade, ninguém havia criado qualquer vínculo de amizade com ele. Isso, pois ele não permitia. Não admitia ser interrompido por gritaria de menino algum. E por isso, ninguém gostava dele.
Era da mesma idade de Henry e tão respeitado quanto. Tal fato colocava sempre Henry em disputa de um primeiro lugar. Mas sabia ele que o colega era fraco e magricelo, e ele, muito mais forte.
Certa noite, antes de dormir, Henry viu Tom, seu colega de quarto, escrevendo algo em um caderno de capa de couro preta. Todo aquele gosto por livros que rodeava o garoto, fazia Henry ter vontade de esmurrá-lo, mas precisaria de um bom motivo para expressar esse seu poder.
- O que você está escrevendo?
Sem tirar os olhos das linhas, Tom responde secamente.
- Algo.
- Algo o que?
- Algo, ponto. Não é da sua conta.
- Eu quero saber o que!
Henry arrancou o caderno das mãos de Tom e leu.
- Tá vazio! Tá tudo vazio! Todas as folhas estão limpas. Não é possível! Eu ví você escrevendo aqui.
Tom deu um breve sorriso para aquele trouxa.
- Você imaginou coisas, Henry. Agora, devolva-me meu caderno.
- Ah, não! Sabe o que é, eu tou precisando de um caderno...
- Para que se você mal sabe lever, quem dera escrever!
- O que disse?
- Devolva meu caderno!
- Não vou devolver. E quer saber mais, é melhor você ir se tocando de quem manda por aqui!
Tom levantou-se sério e olhou com desdém para o gordo colega.
- Não é um pedido, Henry. É uma ordem.
Os olhos de Tom Riddle brilharam de tão forma que Henry sentiu um certo calafrio ao olhar para aquele sinistro rosto. Mas não cedeu.
- Você tem tantos livros e cadernos... Eu quero esse.
- Juro-lhe que é meu último aviso: Dê-me o caderno!
- Não dou!, disse colocando-o debaixo de seu travesseiro. - Vai ter que lutar comigo se quiser pegá-lo de volta.
- Está bem então... Acabou seu prazo.
E deitou-se na cama como se nada tivesse acontecido.


Durante a noite Henry teve um estranho pesadelo. Sonhou com um cobra gigantesca perseguindo-o. A cobra, no sonho, tinha mais de cem metros e serpenteava as ruas de Londres procurando por ele.
Henry, fugia desperado, gritando por ajuda a todo instante. Mas ninguém o ajudava ou o respondia. Era ele por sí. Em uma rua qualquer, entrou em um beco sem saída. Não teve tempo para desviar o caminho, apenas correu para o fim da rua.
Mas a cobra também ía... E foi. Ela encarou Henry com olhos amarelos e deu-lhe um bote fatal, engolindo-o vivo, levando-o corpo adentro. Henry, nesse instante de terror, acordou suado e gritando em sua cama.
A escuridão empedia-o de observar qualquer coisa a sua frente, mas sabia que a luz de dois olhos sinistros o fitavam no canto do quarto. Ele se assustou e se cobriu com o lençol. Olhou de novo, a luz sumira. Pensou ter visto coisas... Nesse momento ouviu um barulho de cobra.
Soltou um grito baixo e fechou os olhos. Então sentiu algo encostar em sua pele, e depois, puxar-lhe as cobertas.
- Devolva o meu caderno!
Era Tom.
Henry olhou para o canto do quarto e nada viu. Então concluiu que imaginara coisas. Depois, mostrando-se mais corajoso, respondeu o colega de quarto.
- Não!
- Cuidado, Henry... Por enquanto você não sofreu nada. Por enquanto...
- O que quer dizer com isso?
- Se eu fosse você tomaria mais cuidado!
- Com você? Ha!
Tom sorriu e voltou para sua cama.
Henry teve muita dificuldade para dormir de novo. Ficou observando o escuro. Era incrível como no escuro as coisas tomam forma. E os ruídos tornam-se vozes do além. Aos poucos, adormeceu.
Acordou e ainda era noite. A luz abajur iluminava fracamente o quarto. Tom Riddle observava o companheiro de quarto.
- Dormiu bem?, perguntou Riddle.
- O que você tem haver com isso?
- Nada, é só educação de minha parte. Ainda são duas horas da manhã.
- Por que estava acordado... Me olhando?, perguntou Henry.
- Estou esperando meu caderno.
- Eu não vou devolver seu caderno, Tom Riddle! Esqueça isso!
- Sabe... Eu poderia conseguí-lo de muitas maneiras, mas essa é muito mais divertida...
- Ah, você está com medo de brigar, é?, irritou-se Henry.
- Uh! Adoraria, mas á minha maneira. O que é, tecnicamente, impossível.
Henry puxou o caderno de Tom debaixo do travesseiro.
- Você quer mesmo isso?
- Certamente, quero.
- E agora, você ainda quer?, e tentou rasgar o caderno.
Mas nada aconteceu.
Tentou de novo, com toda sua força, mas parecia que aquelas páginas não cediam.
- Você acha mesmo que um trouxa como você rasgaria, tão facilmente, o meu diário?
Henry levantou os olhos.
- Diário é?
Um sorriso maroto atravessou os lábios de Tom.
Henry folhou, novamente, ás páginas do caderno procurando alguma indicação de letras. E para seu espanto, todas as folhas estavam preenchidas com uma tinta preta. Por instante pensou que estava maluco, mas concluiu que não tinha observado direito da primeira vez.
- Ha! Você tem um diário! Que coisa de mariquinhas.
Tom nada respondeu, permaneceu imóvel atento ás ações de Henry com um leve sorriso no rosto, transparecendo para sí, suas verdadeiras intenções.
Henry abriu numa página qualquer, escolheu aleatoriamente um parágrafo e leu em voz alta, tentando, assim, implicar com Tom. Este, nem se moveu.
- Eu me chamo Henry Derik e sou um gordo balofo que tem medo de cobra!
Assustou-se com o que leu. Leu, mentalmente, as próximas linhas "Eu me chamo Henry Derik e sou um gordo balofo que tem medo de cobra". Leu a próxima e a próxima... Em todas estavam escritas isso.
Henry olhou irado para Tom.
- Devolva-me meu diário e isso acaba aqui.
- Você me paga Tom Riddle!
Henry levantou-se ferozmente, aproximou-se da cama do colega e jogou o braço gordo e pesado nele. Inexplicavelmente, Tom segurou facilmente o braço de Henry. Este, por sua vez, inclinou todo seu peso contra o colega.
Tom, segurando-o facilmente com as mãos, riu.
- Haha! Henry Derik é um gordo balofo que tem medo de cobra! Henry Derik é um gordo balofo que tem medo de cobra! Haha!
- Infeliz! Eu te mato! Infeliz!
Tom jogou, facilmente, Henry de volta á sua cama.
- Sabe, Henry... Eu realmente queria que você não me devolvesse esse diário. Por que eu poderia testar algumas habilidades minha em você.
O abajur apagou-se. Tudo tornou-se incrivelmente escuro. Os olhos de Tom ganharam uma luz estranhamente sobrenatural.
Henry gritou!
- Socorro, socorro!
- Não adianta gritar, Henry! Ninguém vai ouvir mesmo!, disse Tom.
- Isso é um sonho, é só um sonho! Essas coisas não podem acontecer de verdade!
Henry percebeu que uma enorme cobra prendeu-lhe o corpo.
- Socorro, socorro!
- Não precisa desesperar-se, Henry. Não foi você mesmo que disse que tudo isso não era um sonho?
Henry gritava e chorava enquanto a cobra apertava-lhe o corpo.
- E agora, sabe o que ela vai fazer?, disse Tom.
A cobra abriu a boca e engoliu Henry vivo.


No dia seguinte notaram que Henry não havia levantado-se. Foi Tom quem chegou á coordenadora avisando que Henry estava imóvel e gelado deitado no quarto. Uma ambulância foi chamada, mas já era tarde demais. Henry havia morrido e causa não identificada.

FIM

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.